sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Parte 30 - Raveneh desconfiada

Raveneh estava admirada. Pela primeira vez entrara no quarto do Rei, e era algo que ela nunca imaginaria. Era enorme (estou falando: ENOOOORME!!!). Cama de casal, pra quê Raveneh não sabia: o Rei não era casado e nem tinha fama de mulherengo. Mas ele dormia sozinho naquela cama de casal enorme, cheia de almofadas com tecidos muito finos, provavelmente das Arábias. Uma janela que dava para se ver todo a cidade mergulhada em feiras e gente rindo (o Rei podia ser uma pedra no sapato para o povo das Campinas, mas era um bom Rei e seu povo estava muito feliz com a vida que levavam). E mais adianta, podia-se ver as Campinas (Raveneh quase chorou de saudades quando viu a floresta que cercava as Campinas), e uma nuvem meio arroxeada com a sombra de um castelo pontudo. Raveneh aprendera com os empregados que aquela nuvem meio roxa meio rosa era o Reino das Fadas, e aquele castelo que despontava no horizonte era onde morava a Rainha das Fadas, e onde ocorria as Assembléias. A última vez que o Rei fora em uma, foi há nove anos, quando a Primeira Guerra terminou. Dez anos desde a última guerra se iniciou (é que a guerra durou um ano e meio...).
Havia também o guarda-roupas imenso, cheio de roupas finas e chiques, roupas que o Rei usara há muito tempo quando ainda frequentava festas e dava bailes. O Rei vivia sozinho agora, sempre mergulhado nos próprios problemas, na própria dor. O dossel da cama, os criado-mudos, a escrivaninha, cadeira, os tapetes, tudo inspirava luxo e conforto, riqueza e imponência. E Raveneh estava ali, pela primeira vez na vida, dobrando as roupas do Rei. E não era nada muito complicado: o Rei deixara a vida de festas e agora só usava calças e camisas de algodão, não raro, brancas. O máximo de luxo que se permitia era as capas de seda. E talvez os sapatos elaborados e sempre pretos ou marrons. Raveneh dobrou a última camisa de algodão, e passou a organizar tudo no guarda-roupas por cores. Branco com branco, preto com preto, vermelho com vermelho. Terminou com o guarda-roupas, e estava polindo os cremes que o Rei usava quando este entrou no quarto impetuosamente, com uma cara muito nervosa.
- Vossa Majestade? - exclamou Raveneh assustada - desculpe-me, eu...
- Ah, é, quem tem que se desculpar sou eu - murmurou o Rei confuso - tem que trabalhar, é...
- Estou no último frasco já, eu posso ir - Raveneh falou, colocando o cabelo atrás da orelha.
- Catherine.
O Rei pronunciara seu nome com ternura, como Raveneh nunca ouvira antes. Raveneh parou, de cabeça baixa. Fora instruída por Maria que não olhasse o Rei nos olhos. O chão era de madeira, sempre limpo.
- Catherine - continuou o Rei - hoje a senhorita vai dançar.
Raveneh engoliu em seco, e continuou olhando pra baixo quando perguntou em uma voz muito frágil:
- Para quem, Vossa Majestade?
- Para alguém muito especial para mim, Catherine - respondeu o Rei - mas a senhorita deverá saber guardar segredos. Sabe?
Raveneh que estava com as mãos entrelaçadas nas costas e cruzou os dedos:
- Sei. Guardarei segredo a respeito desta pessoa.
- Pois bem - respondeu o Rei já saindo do quarto - a música será típica da região. Use suas melhores roupas e saiba dançar decentemente. Não tolerarei danças prosmícuas.
Raveneh rapidamente conteve o riso.
Para quem ela dançaria?

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Na sala de jantar mais íntima onde quase ninguém entrava, havia um palco com cortinas vermelhas. E Raveneh estava atrás das cortinas, coberta até os pés de seda branca do Oriente. E claro, toda ansiosa esperando, roendo as unhas, as cortinas se abrirem. Estava muito escuro, e esperava de costas que as cortinas se abrirem e a música começar a tocar, e assim Raveneh começar a dançar: seu maior dom, desde que nascera. Não era a toa que fora a dançarina preferida no barzinho onde dançava lá na terra natal.
Ouviu passos. Levantou-se (estava sentada no chão, entediada) e ficou de postos. Uma voz masculina soou então pelo palco:
- E com vocês, Catherine Black, dançarina!
Raveneh perguntou-se se haveria, na verdade, uma festa que o Rei estava dando e ela era a atração principal. Mas descartou na idéia: a idéia do Rei ser uma pessoa festeira não era possível na sua cabecinha.
As cortinas se abriram, fazendo Raveneh sentir frio. E lenta música começar.
Quando uma pessoa tem algo que goste muito de fazer, então ela fica concentrada só nisso e dane-se o mundo. Era assim com Raveneh quando ela dançava. Ela amava dançar mais do que tudo, e portanto era a dançarina principal das Campinas onde divertia as pessoas cantando e dançando músicas divertidas. De modo que ela moveu a cintura para a direita, depois para a esquerda, e girou a cabeça bem de leve.
Neste momento Raveneh esqueceu de tudo.
Os braços, as pernas, a cintura, tudo pulsava delicadamente. Uma dança é algo muito divertido de se descrever, portanto não exija muito de mim, uma pobre narradora, perfeição absoluta dos fatos u_u
Estava muito escuro, somente com a iluminação das velas. E Raveneh se deliciou com a possibilidade de criar um jogo de sombras. Ela estava com um leque desses chineses na mão e ela o usava o tempo todo. Na verdade o Rei tinha deixado todo tipo de coisa que ela podia usar, leque, fitas, bolas, etc, etc, etc. E Raveneh usava tudo. Enquanto girava pelo palco, movendo a cabeça e as pernas, parecendo que estava flutuando no palco, trocou o leque por duas fitas de cetim (na verdade, era um bastão. Quero dizer, a fita era dividida em duas partes: um bastãozinho de madeira por onde você segurava e junto uma fita enorme que é o que fazia as artes).
Raveneh jogou as fitas para o alto e as pegou de novo com rapidez e suavidade, enquanto com um sorriso, saltitava pelo palco feliz. A música sempre mudava de velocidade, por ordem do Rei que queria testar a habilidade, e Raveneh atendia sempre. Quando a música ficava lenta, Raveneh dançava bem suave, movendo cada parte do seu corpo como folhas ao vento. Quando a música acelerava, Raveneh rodopiava velozmente pelo palco sacudindo as fitas com vigor.
Raveneh já não estava mais pensando. Sua mente era o seu corpo, que estava muito ocupado em se libertar e se mostrar para o mundo.

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