domingo, 31 de agosto de 2008

Parte 55 - O medo que cresce.

- Siih - ela sussurrou, seu tom de voz saindo tão suave como névoa - Siih.
Estavam escondidas no corredor, Alicia quase desesperada tentando imaginar como conseguir uma ficha completa de todos os habitantes de Campinas. A escuridão ajudava Alicia, pois esta não gostava que alguém a visse do jeito que estava agora: fraca, abalada, querendo morrer. Um desejo quase suicida tomava seu corpo, a impedindo de pensar racionalmente. Ela sentia vergonha de sentir todo aquele medo, enquanto Siih parecia tão tranquila, era quase absurdo.

Sim, Siih parecia sempre segura de si. Fazia todos os trabalhos, e às vezes desafiava Ophelia e sempre tinha consequência. E só Alicia podia dizer o quanto estava difícil ter que realizar os trabalhos de Lefi, que estava confinado graças à insubordinação de Siih. Mas provavelmente ele nunca culparia a irmã por ter causado esse castigo, afinal ele bem sabia da crueldade ilimitada de Ophelia.
- Eu preciso da lista das pessoas de Campinas - sussurava Alicia - preciso dessa relação agora, ou ela... não sei o que ela fará comigo - quase chorou, mas conseguiu manter sua voz fria.
- Acalme-se - Siih murmurou - Acalme-se. Existe um relatório de todas essas coisas no meu antigo quarto, mas...
- Seu antigo quarto - Alicia mordeu o lábio inferior, impaciente - e hoje?
- Eu mudei os documentos... coloquei-os dentro de um baú, esses documentos que somente Majestades tem acesso... o baú está no pequeno quarto ao lado do meu antigo quarto. Esse lugar precisa de uma senha para entrar, e você tem que dizê-la...
- Qual é a senha? Me diga! - sussurrou Alicia exasperada.
- Não sei - Siih se apoiou na parede atrás de si, dando uma observada rápida no corredor - vá lá e bata três vezes na porta. Lá te perguntarão a senha, creio. Pois a senha muda a todo instante, sabe... tem que ser adivinhada...
- Era só o que me faltava - Alicia suspirou - tem que adivinhar senha! Bem, estou indo então!

O antigo quarto de Siih passara a ser de Ophelia, mas permanecia o mesmo, já que Ophelia não tinha interesse em decorar do seu próprio modo. E ao lado do quarto antigo de Siih, uma porta pequena figurava. Alicia não se lembrava de, algum dia, ter visto aquela porta aberta.
"Três vezes", foi isso que Siih disse, não foi?
Toc.
O corredor estava vazio.
Toc.
Alicia estava com medo.
Toc.
Alicia queria fugir. Imersa nesses três pensamentos, ela percebeu que a porta se abrira, dando espaço para uma sala minúscula, quadricular, onde só cabia uma pessoa em pé.
Entrou, duvidando que fosse aquela a sala onde se guardava os podres da família real. E realmente, logo após da porta se fechar sozinha atrás de si, uma voz feminina e antiga ecoou pelo aposento, fazendo ressurgir todos aqueles novos sentimentos de medo e desespero.
Você não possui o sangue real.
Ela tentou girar o corpo em volta de si, mas não conseguiu, a sala era minúscula!
Quem é você?
Alicia tentou responder, olhando para cima. Não via teto, somente escuridão. Uma negritude plena, profunda que a acalmou por alguns instantes.

Mas a voz persistiu, em tom de escárnio:
Quem é você? Você me dá nojo.
Alicia engoliu em seco, imaginando se somente Majestades podiam entrar naquele aposento. Tinha que ter pedido a Siih para que fosse buscar o documento, droga.
- Sou Alicia, criada de Siih - respondeu a garota - ela...
Você não é a nojenta da Ophelia?
Alicia quase sorriu, aliviada. Ah, então o sangue que era importante ali! De fato, a sala deve ter sido criada por um dos antepassados esnobes de Siih...
- Não - respondeu - ela me escravizou e... preciso de um documento e Siih me disse sobre esse lugar...
Não posso falar que o documento é para Ophelia, de modo algum...
Ela olhou para cima de novo, colocando as mãos na parede. A escuridão lhe pareceu mais ameaçadora do que tranquila.
Mas precisa de uma série de senhas para penetrar nos documentos... mas serei boazinha...
Alicia aguardou a próxima frase com impaciência.
Responda-se... qual é a cor da escuridão e onde termina o círculo?
Alicia mordeu o lábio inferior preocupada.
A cor da escuridão?
Onde termina o círculo?

O que aconteceria se ela errasse?
Não quis saber a resposta, então se preocupou em se concentrar e achar as duas respostas. A cor da escuridão... preto? Mas quando olhava para um céu escuro, sempre notava tons de roxo e azul... Olhou para cima, percebendo toda aquela... escuridão...
Preto.
Mas seria fácil demais, não? Não era "preto", pura e simplesmente. Sabia que essa adivinha não era somente para se concentrar na pergunta, mas relembrar alguns conceitos. História...
Voltou aos tempos da antiga professora que ensinava história para os alunos:
- Nesse tempo, a família real afundou em dívidas e as revoltas sociais somente cresciam. Há quase três mil anos, o palácio foi reformado e novas salas foram construídas de forma para que tudo fosse mergulhado em encanto, e assim a família real se esconder. Os demônios estavam incontroláveis, a Rainha Catherine de Jacques estava completamente arrasada, sem condições de mandar um exercíto eficiente devido aos seus problemas pessoais: ela havia acabado de perder os dois filhos na sangrenta Batalha de Kipure, como nós estudamos na aula passada, e precisava de um novo herdeiro, já que não tinha netos. Nesse palácio, em uma sala que ela mesma criou, ela teve a filha...
Tinha um pedaço faltando. Merda, tinha algo faltando nessa história. Foi somente um acaso que a fez relembrar esse dia, essa história que volta e meia é repetida na forma de uma música...
- Quando se fecha os olhos, o que se vê?
O nada, o nada, o nada, que cor é o nada?

Mas era a escuridão, não o nada.

- ...Mas logo depois de parir a criança, ela ficou cega. Cega de um tipo estranho, não o que vê o negro e sim aquele que só vê branco, branco leitoso à sua volta...
Essa era a parte que faltava.

Teria que arriscar tudo, mas tinha certeza que a voz era da Rainha Catherine de Jacques, cuja escuridão da vida se apresentou na falta absoluta de cores...
- A cor da escuridão... - começou a responder, temendo se estivesse errada - é branco. E o círculo...
Fechou os olhos antes de continuar.
- O círculo não tem fim nem começo.

A voz não apareceu mais. Somente a sala aumentou de tamanho, e vento varreu o corpo de Alicia. E ela se viu cercada em uma sala enorme, cheia de livros e mais livros. E no meio, um único baú aberto, de madeira, com vários papéis. Em todos os lados, pinturas de uma mesma mulher. Pomposa, cheia de truques e sorriso, os olhos muito azuis, os cabelos ruivos chegando à cintura. Delicada.
Alicia somente procurou os documentos necessários no baú, sem ligar para quem seria a mulher das pinturas. Estava puramente aliviada por ter respondido corretamente, e se preocupou com o tempo que já havia passado lá fora.

A sala era fria. Mas não desistiu da busca, procurando cada vez mais e mais, sem se cansar... números absurdos, confissões que poriam a família real no inferno, podres e mais podres. E um relatório sobre os habitantes das Campinas, feito há cinquenta anos atrás, mais ou menos. Havia vários nomes com tinta fresca, indicando novos moradores.
Umrae era um dos nomes que estavam escritos em tamanho maior, com tinta vermelha em vez da negra. Ao lado, uma anotação estava escrita: Perigosa.
Umrae, Kibii, Ly. Não conhecia essas pessoas, mas tinha boas perguntas para saber o motivo de tanta preocupação. O último nome, observou, era "Raveneh Kokiri".
E não havia mais nada.

Siih havia jogado a lista no baú quando assumiu o poder, logo depois de Raveneh ser a mais nova habitante de Campinas, calculou Alicia. "Raveneh Kokiri" - Perigosa.
"Perigosa"?
- De fato, a mãe de Siih era uma pessoa perigosa... - refletiu Alicia enquanto caminhava até a porta, os papéis na mão.

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Rafitcha nunca sentiu tanto medo. Tremia da cabeça aos pés, só imaginando um provável sequestro ou qualquer coisa do tipo, tremia que tremia. A sala era enorme, aquelas estatuetas lhe davam medo. E Amai tentando lhe acalmar o tempo todo, Bia idem, não ajudava em nada. O medo persistia em seu coração, a apreensão em saber da reação de Ophelia.
Talvez ela não faça nada...
Rafitcha deu um passo para a frente, na porta indicada pela voz. A bainha do vestido batia nos calcanhares, e as mangas compridas e escuras lhe incomodavam, devido a aspereza do tecido. Mas Maria achou melhor irem vestidos de forma simples, e não das melhores sedas, para que Ophelia não visse nada de bom em Campinas. Não que alguém tivesse entendido lá muito bem a explicação, mas resolveram não contrariar. Eram quase cinco horas da tarde, e a demora havia sido causada por causa da dificuldade de acharem bons lugares para protegerem Rafitcha.
Mas agora estava tudo bem.

Umrae poderia atingir qualquer um que estivesse fora do palácio, na frente, de onde estava com seus dardos. E Kibii estava do lado contrário, já mirando ameaçadora para a frente, para a porta, em especial. Ly estava na frente da porta, quase que escondido, embora não tivesse guardas. Ele sentia um pouco de medo caso Umrae ou Kibii errasse a mira, e o dardo ou a flecha o atingisse. Mas teve que confiar na habilidade das duas garotas e montava guarda ali.
Estava tudo bem.

- Ora, ora - Ophelia sorria.
À sua direita, Lala estava presente, com suas negras roupas, a afiada espada e a falta de sorriso. E, claro, o cabelo laranja que lhe era tão caracteristico. Siih estava à esquerda, e aos olhos de Rafitcha, estava abalada e fraca, tentando parecer extremamente corajosa.
- Você está com alguém para lutar? - observou Lala, seus olhos muito maldosos, apontando para Bia cuja espada estava segura nas costas - você veio armada?
- Não eu, especificamente - Rafitcha respondeu, tentando pôr na sua voz a mesma frieza que existia enquanto Lala falou - eu só trago a resposta de Campinas.
- E qual é? - Ophelia pareceu curiosa, embora o "não" fosse óbvio devido à Bia, com toda a sua posse de guerreira.
- Não vamos nos submeter a você - Rafitcha pareceu tremer, mas conseguiu se manter firme. Fechou as mãos em forma de punho, preocupada e receosa - nós nos recusamos a aceitar você como Rainha.
- Como imaginei - Ophelia sorriu - Lala, lute com essa aí de espada.
- Você não pode fazer isso! - gritou Amai, exasperada - não--
- Cala a boca, garota - Ophelia sussurrou - acha que eu sou idiota? Quantos tem aí fora para te proteger? Será que eles podem te proteger realmente...?
Rafitcha recuou, puxando Amai para si. Nunca se perdoaria se algo acontece à adolescente, e estava terrivelmente preocupada com os outros. Do que Ophelia estava falando realmente?
Demônios?
- Você guarda demônios nesse palácio? - Bia traduziu à dúvida principal.
Lala manteve-se no local, Ophelia sorriu ainda mais, mostrando os dentes brilhantes e brancos:
- Não se preocupem... eles estão escondidos fora do castelo, e quando percebem um estranho, eles gostam de apreciar a carne desse estranho para verem se é gostosa. Mas vocês são legais, não trouxeram ninguém, trouxeram?

Merda! Rafitcha pensou, sua mente dando mil voltas, é só blefe, não é? Não... é?
Bia avançou dois passos, pondo a mão no punho da espada. Olhava para Lala, as duas se confrontando com olhares.
- Lute com ela, Lala. E vença.
A voz de Ophelia ecoou pelo aposento, Rafitcha e Amai preferiram recuar, não sabendo bem o que fazer. As ordens de Maria foi para que elas não saissem sem Bia, e elas não queriam contrariar. Rafitcha podia se defender caso necessário, mas não era muito boa em lutas. Na verdade, sempre detestou lutar. A mesma coisa se dava com Amai.
Bia recuou, dando espaço para Lala.
As duas mostraram as espadas. Era triste comparar as duas espadas: enquanto a de Lala era fina e flexível, a de Bia era enorme e pesada. A única semelhança era no comprimento das espadas: ambas eram longas.
- Não é nada pessoal. Sinto muito - sussurrou Lala mexendo os pés, tentando confundir a adversária.
- Então vai perder - Bia moveu a espada para cima da cabeça - nunca se pode lutar impessoalmente - foi o que disse, antes de dar três passos exatamente iguais, e a espada quase atingir a cabeça de Lala.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Parte 54 - Saídas Impossíveis.

O mapa cobria uma parede inteira do quarto de Ophelia, e tudo ali era desenhado: todas as extensões de todos os reinos de fada, todo o mundo conhecido, incluído a Terra Seca e as extensões do norte, onde moravam os bárbaros e no sul, onde viviam os povos mais estranhos e minúsculos. E uma parte do mapa estava completa de dardos vermelhos, onde Ophelia selecionava os derrotados. Os dardos verdes significava um reino em paz e um dardo azul, uma área desejada.

No Reino das Fadas, um dardo vermelho figurava. E no norte, na fronteira, a parte que simbolizava as Campinas era perfurada com um dardo azul. Um reluzente dardo azul, que logo, logo Ophelia tinha intenção de mudar a cor. Do azul para o vermelho.

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- Chegou.
- O que chegou?
- A carta.
- E o que diz a carta?
- Para jurarmos fidelidade à Vossa Majestade ou à Verdadeira Rainha...
- Tanto faz, é a mesma pessoa.
- Ophelia.
- Isso aí.
- O que a gente faz?
- Nos rendemos?
- Não!
- E o que fazemos?
- Estamos ferrados!
- Não, Ophelia não pode derrotar o abrigo!
- Não, Ophelia não pode enviar os demônios!
- Campinas não era livre de demônios?
- Não mais! Teve um que me atacou, sabe!
- Sim e eu torci o pé graças àquela bruxa.
- Então vamos fugir xD
- Cala a boca, Raven. Precisamos de algo!
- Essa bruxa... se ela pegar May, ela morre!
- Claro que sim! E você vai fazer como? Esfaqueá-la?
- Cala a boca, Johnny, me deixa pensar!
- O que ela vai fazer caso recusarmos a lealdade?
- Mandar demônios?
- É simplista demais e ela sabe que podemos vencê-los. O que sugere, Maria?
- Não sei, Umrae. Sinto muito, mas a idéia do que ela pode fazer... é assustadora.
- Ela pode sequestrar.
- Amai!
- Ora, tia, mas ela pode fazer isso! Pegar um de nós, fazer de refém!
- É bem capaz de ela fazer e conseguir!
- Então quem ela pegaria?
- Crianças. Sempre pegam crianças para se sequestrar.
- Concordo, Fer. Então... vamos proteger as crianças. Não a deixem sair do abrigo.
- Mas!...
- É o jeito, que podemos fazer?
- Okay!
- E...
- Temos que proteger todos a qualquer custo...
- A qualquer custo...
- Proteger todos...

E era por isso que às três horas da tarde, Raveneh se viu proibida de sair do abrigo. Ophelia tinha mandado a carta por volta de meio-dia, e ela estava bastante preocupada. Ter a May longe de si! Não queria isso, uma experiência bem traumática, na realidade. Então envolvia o bebê em mimos preocupados, cantigas envolvidas. Ela já não chorava mais fora de si desde que Rafitcha a fizera se calar, então não tinha muitos problemas para criar a doce menina.

Reparou que os olhos da menina era ligeiramente diferentes dos seus. Mesmo que fossem igualmente azuis e doces, ainda assim nos olhos de May, havia algo mais. Julgou que esse algo mais era de Johnny, o algo que fugia da inocência e eterna doçura. Algo mais relacionado a determinação e teimosia. E o sorriso de May era idêntico ao de Johnny. Sim, May puxara muito mais a Johnny do que a Raveneh e a mãe sentia até algo como ciúmes. Mas nem tanto, afinal o mais importante foram herdados: os olhos. Os olhos tão azuis, tão cristalinos, tão vivos!

- Raveneh, meu doce - sorriu Johnny - eu trouxe morangos.
- Johnny!... - a voz de Raveneh falhou - você está bem...
- Claro que estou. Por que achava que não estava? - perguntou Johnny, colocando um morango na boca de Raveneh que mordeu a fruta devagar.
- Eu tenho medo por você - Raveneh sussurrou, entre mordidas no morango.
- Por que? - Johnny deu um sorriso torto - achou que eu estava te traindo?
- Nem fala uma coisa dessas! - Raveneh resmungou, comendo o resto do morango - eu fiquei foi preocupada com a história de Ophelia... ela... ah!, Johnny!
O abraçou tão forte, o envolvendo em seus braços inseguros, deixando o bebê nos braços do marido. As lágrimas quentes molharam as bochechas da loira, que soluçava só de imaginar uma vida sem Johnny. Viciou-se rápido em seus abraços, em seu leve cheiro de terra molhada, talvez capim. Era quase como uma dependência. Quase? Raveneh era dependente de Johnny, em todos os sentidos! Ah, mas como Ophelia dava medo! Não queria mais repetir a provação de ficar isolada, sozinha, insegura, torturada...

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- Eu quero saber a população toda! - disse Ophelia, admirando o seu mapa, mais especificamente o dardo vermelho que ficava nas Campinas - eu quero saber de todo mundo! Crianças, idosos, quem luta, quem não luta, etc, etc, etc! Dê-me agora!
- Estou saindo, nem vem - Lala disse, fazendo um coque meio desajeitado - pede pra Alicia.
- Sua... - Ophelia rosnou, batendo os pés no chão estressada - volta aqui, Lala, eu não mandei você sair a lugar nenhum!
- Mandou! - Lala abriu a porta ao mesmo tempo que segurava a espada - eu vou ver com Gika, lembra-te? E procurar o segundo telepata da lista, ordens suas, Vossa Majestade - concluiu com zombaria.
- Sua... vá embora antes que eu te apanhe! - gritou Ophelia, furiosa.

Sim, naquele dia ela estava a beira de um ataque de fúria. Simplesmente irada porque Siih a confrontara mais uma vez, se recusando a polir seus sapatos. E depois um reino conseguiu vencer os demônios, de alguma forma misteriosa e desconhecida. E por isso, Ophelia, que viu a sua fama de insuperável ser superada, estava terrivelmente irada. E todos estavam pagando por isso.
O pobre Lefi se vira tendo que pagar pela insubordinação de Siih, com a comida cortada pela metade e a solidão imposta por vinte e quatro horas seguidas, confinado em uma solitária imunda, completamente enfeitiçada para parecer terrivelmente pequena.
- Alicia! ALICIA! - Ophelia gritava pelo corredor, seus olhos castanhos quase vermelhos de tanta raiva - ALICIA, SUA...
- Estou aqui! - Alicia apareceu, quase ofegante - o que foi? Primeiro me manda fazer um almoço com não sei quantos patos para--
- CALA A BOCA E ESQUECE ISSO! - Ophelia apertou a saia do seu vestido, todo azul, e suspirava, quase que ofegante - eu preciso de todos os habitantes das Campinas.
- As Campinas? Por quê? - Alicia indagou, mas foi um erro fatal: por pouco que não foi atingida por uma estátua de uma deusa. O mármore se espatifou atrás da garota, os pedaços de um corpo humano esculpido espalhados pelo chão.
- VEM AQUI E FIQUE CALADA! - Ophelia entrou no seu quarto novamente, sendo seguida por uma Alicia completamente desorientada.


- Está vendo? - disse Ophelia mostrando o mapa - ainda não me mandaram a resposta. Eu dei até a meia noite, mas eu duvido que a resposta será positiva - Ophelia olhou para Alicia, recuperando a sua compostura e todo o seu ar imponente - veja bem, eu preciso armar tudo primeiro.
- Você vai sequestrar o pessoal de Campinas? - se surpreendeu Alicia - não acredito!
- Claro que sim. Eu quero as Campinas e elas serão minhas. Eu serei a Rainha das Campinas, não é fascinante? - Ophelia sorriu, com aquela meiguice toda. Se Alicia não soubesse da história de Ophelia, duvidaria de que ela era uma pessoa maquiavélica.
- Você não pode simplesmente raptar pessoas! Campinas sempre foi um território aliado! - Alicia exasperou-se, gesticulando freneticamente.
- E eu não poderia simplesmente mandar demônios matar todo oponente do meu regime, não é? - Ophelia sussurrou, de forma tão maldosa e perversa que Alicia sentiu um arrepio pela espinha, de medo.
Ophelia deu um leve sorriso, seus olhos brilhando de forma muito viva. Quem poderia dizer que era uma menina tão malvada? Por que tinha de ser assim? Toda essa tortura, essa maldade, tão indizível! Por quê?...
- Está esperando o quê para buscar a relação completa de habitantes de Campinas? - perguntou Ophelia em um tom tão carregado de segundas intenções nada boas, que Alicia saiu correndo.

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- Então vai ser a Kibii? Mas eu acho perigoso ela ir sozinha! - Maria argumentou - eu sei que ela sabe se cuidar, mas precisamos de alguém mais! Pelo menos três pessoas irão!
- Mas... - Rafitcha suspirou - eu vou, pronto! E... Bia, Bia vem com a gente!
- Bia? Mas Bia é uma caçadora de demônios... - Maria sussurrou. Raveneh logo começou com as suas habituais perguntas:
- O que tem ser caçador de demônios?
- Muitos estão se escondendo de Ophelia... um caçador de demônio pode ajudar contra Ophelia, então a Ophelia está garantindo todos os caçadores... Bia pode escolher fugir ou se submeter à Ophelia...
- Então nós estamos a escondendo? - Raveneh concluiu, ninhando a filha entre seus braços - e...
- Exato - Bia disse. Seus cabelos negros caiam em cima dos olhos, lhe dando um aspecto bastante sinistro. E a expressão de Bia, sempre séria, combinava perfeitamente com todo o jeito da garota - Exato. Estou me escondendo de Ophelia aqui.
- Por que você não voltou? - perguntou Rafitcha - eu sempre quis saber e...
- Um caçador de demônios é independente - Bia respondeu - não precisa prestar contas a ninguém. Mas Ophelia está querendo mudar isso... ela quer unificar duas raças que se odeiam...
- Isso é uma coisa meio cretina - disse Fer, que estava de braços cruzados, o cabelo amarrado em um coque - vai dar confusão...
- Sim... - Maria concordou quase que entrando em devaneios - mas vamos lá. Então vai ser Kibii, Rafitcha e Bia?
- Bia não está se escondendo de Ophelia? - lembrou Johnny que não conseguia entender a situação completamente - e...
- Eu não sou barata para ficar me escondendo - alfinetou Bia - eu vou, porque eu quero ajudar pela hospitalidade. Não preciso me esconder como um rato.
- Preciso de dois ou três que dêem cobertura - sussurrou Maria - sabe, duvido que Ophelia simplesmente aceite... - juntou as palmas das mãos, e começou a formular uma estratégia - Rafitcha, você diz. Kibii e Bia, fiquem lado a lado. Ly, fique no portão para proteger o trio caso for preciso. Umrae, preciso de suas habilidades com a besta. Você ficará acima do muro lateral. Ah, droga, eu preciso de uma arqueira...
- Oi? - Kibii sorriu, acenando com a mão direita.
Maria sorriu. Aquilo tudo tinha que ser planejado para poucas horas adiante. Todas as pessoas, em lugares estratégicos. Mesmo que não fosse para atacar, mesmo que não houvesse garantia do ataque, Maria achou por bem prevenir.

E se Ophelia resolvesse tomar uma atitude imediata na não-submissão de Ophelia? Como se defenderiam? Céus, como poderiam fugir de Ophelia? Por que mesmo iriam dizer, pessoalmente, que não se submeteriam à Ophelia, a Verdadeira Rainha?

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Parte 53 - As voltas que a vida dá.

Dez e cinco da manhã. Dez e cinco da manhã, e o sol estava ameno, atendendo às expectativas de outono. E o palácio era lindo, grandioso, perfeito. Mas aos olhos de Gika, estava puramente decadente. Completamente, completamente triste, se curvando a uma majestade que ousava ser mais poderosa que tudo e mais um pouco. Era tão triste, era tão estranho voltar à aquele lugar.
Quando as últimas lembranças eram até um pouco felizes, mas agora duvidava seriamente de que seria feliz ali dentro.

Se perguntou como estaria Siih. Siih, Lefi! Lefi, ah!, aquele rapaz gentil que sempre acompanhou Siih, como o segundo rei, sempre tido como fiel conselheiro, amigo e irmão da Rainha. Mas agora a Rainha mudara. E ela atendia pelo nome de Ophelia e Gika não queria se acostumar com isso. Lembrava-se da bondade e inocência de Siih, a quem servira com verdadeiro amor, e achava que Siih não merecia tudo aquilo. A mãe dela, talvez, mas a filha não. A filha, Siih, nunca.

Entrou no castelo. Devia era tentar fugir, mas sabia que iria, no mínimo, morrer se tentasse. Sabia que Ophelia tinha recrutado uns demônios mais inofensivos como soldados em todo o reino, e se ferraria profundamente se não desse as caras no palácio esta manhã. E podiam chamar Gika do que for, mas ela não se incomodava: tinha mais amor à própria vida do que amor à sua própria honra.
- Quem é você? - uma voz perguntou assim que ela entrou no castelo.
O salão grandioso, circular, vazio. A voz ecoava pelas paredes redondas, fazendo soar sua educação. Não tinha isso anos atrás, quando ela servira. Você simplesmente entrava no castelo e pronto, nem precisava ser lá muito anunciado. De fato, Siih não era muito organizada.
- Eu sou Gika - respondeu a fada - eu vim aqui a mando de Oph-- Majestade.
Reparou que estava tremendo.

A voz então disse:
- Vá pela terceira porta e encontrará Vossa Majestade à sua espera.
Gika olhou em volta, reparando que havia portas. Talvez umas seis ou sete. Cada porta era elegante, em cima uma minúscula estatueta de uma mulher semi-nua, olhando fixamente para o centro, figurava. Essas estatuetas eram estranhas para Gika. Prestando um pouco de atenção, reparou que todas as estatuetas tinham as unhas como garras e os olhos eram quase felinos, maldosos. A anatomia bastante simplificada de um bom demônio.
Escolheu a terceira porta, e entrou nela. Outro salão, dessa vez retangular. Atrás do elegante trono, a janela com vitrais coloridos que filtravam toda a luz tímida do sol. Ao lado direito de Ophelia, Lala estava de pé, suas roupas completamente negras e a maldosa espada na mão. Do lado esquerdo, Siih estava ajoelhada, se portando de forma ereta, nunca se rendendo completamente. Sua roupa era simples demais, com as mangas meio que bufantes, seus braços nus e aquele cinto meio estranho. Roupa de empregada servil, reparou.
- Eu estava te esperando, Gika B. - sussurrou Ophelia.
E a maldade e alegria que consistiam em seu sorriso e voz foram simplesmente impossíveis de descrever.

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Sunny acordou, talvez se sentindo tranquila, embora a culpa lhe mordesse a todo instante.
Os cabelos quase brancos sempre estavam despenteados, e a estranha luz que irradiava havia diminuído. Se remoía de culpa por deixar a Siih sozinha, e assim uma amizade meio que frágil se destruindo.
- Como está? - perguntou Catherine, sempre gentil, sempre sincera. Ela tinha nas mãos uma xícara de chá e deu à amiga.
- Péssima - admitiu Sunny bebericando do chá dado por Catherine - Ophelia está acabando com tudo... ela...
- A humanidade é intragável mesmo, não é? - Catherine disse, olhando para o redor - esse é um belo palácio.
- Escondido dentro de uma caverna - riu Sunny - que belo lugar para ficarmos.
- Miih decidiu que era melhor vivermos em sociedade - sussurrou Catherine - então vamos obedecer à ela.
- Louise não concorda em "obedecer" à Miih - Sunny observou, ao que Catherine deu um sorriso zombateiro:
- Deixe disso. Louise gosta de brincar com fogo. Termine seu chá.
Sunny não disse mais nada. Viviam todas as sete naquele estranho palácio, criado meio que a força dentro de uma caverna bem espaçosa. Mas o mais estranho não era o lugar. Era simplesmente o fato de compartilharem o mesmo espaço.

Loveh não se sentia estranha em dividir a moradia com Miih, já que as duas eram amigas. E Elyon que vivia com Olga como amigas, já tinha alguma experiência. Sunny que de vez em quanto encontrava Alice ou Catherine, também não achava a experiência de todo estranho. De fato, quase todas sabiam como era viver com uma amiga. Mas todas tinham temperamentos solitários, difíceis de combinar. E as sete viverem ali era muito estranho. Se o motivo que as fez viverem juntas não fosse trágico, a experiência podia ser até cômica.

Era estranho discutir o que há para o jantar, quando cada uma tinha um hábito distinto. Elyon, por exemplo, caçava o que havia para comer enquanto Loveh preferia armazenar a comida e ir aos poucos. Detestava caçar. E Miih era vegetariana, de modo que desprezava as carnes. Loveh já havia aprendido a cozinhar algo para a amiga, a aprender a viver sem carne, mas e as outras como Louise que tinha uma predileção por carne de lagartos? E todas dormiam em horários diferentes.
Elyon detestava dormir de noite, assim como Miih. E Louise achava muito bom fazer a maior parte de seus venenos durante o pôr-do-sol, e assim estragava o sono de beleza de Catherine que sempre dormia entre quatro e sete da tarde. Era comum brigas por coisas idiotas como o jantar do dia, ou os horários para se fazer barulho e coisas do tipo. E certas rivalidades que existiam entre algumas não podiam deixar de existir meramente pela convivência.
- EU ODEIO A DESGRAÇADA DA MIIH! - gritava Louise, seu grito ecoando pelas paredes.
- O que foi agora? - perguntou Sunny, encarando Catherine - a culpa é de...
- Miih - Catherine sorriu. Sempre teve mais simpatia por Elyon do que por Miih, o que a fazia ser tremendamente parcial nas briguinhas infantis entre Miih e Louise.
- O que foi agora? - berrou Loveh, quase que surgindo ali no corredor - dava para ouvir seus gritos do outro lado do palácio, francamente!
Louise bateu o pé, bufando de raiva. Ao mesmo tempo, Sunny e Catherine foram para o corredor. Só havia a Loveh e a Louise, mas a "dupla da paz" estava reunida. A "dupla da paz" era como as outras chamavam Loveh e Sunny que tinham os temperamentos mais calmos e tranquilos, capazes de ceder o que for para tranquilizar qualquer pessoa.
- Prooooonto! As chatinhas da paz! - gemeu Louise - porque vocês não dissem para mandar a Miih para aquele lu--
- Não fale um negócio desses! - repreendeu Loveh - que coisa feia, Louise, uma Musa se rebaixando a usar palavreado de baixo escalão!
- Ah você também! - Louise sussurrou - a Miih é uma chatonilda e vocês vem com essa!
- O que aconteceu? - Sunny perguntou, bebericando o resto do seu chá.
- O QUE ACONTECEU? - Louise estava ensandecida - O QUE ACONTECEU?
Louise veio e como um jato derrubou a xícara de chá no chão, quebrando a frágil peça. E o líquido quente se espalhou pelo chão, esfriando depressa. Mas Sunny não se incomodou, somente olhando Louise nos olhos.
- Aconteceu que a Miih, aquela vadia, simplesmente disse para--
- Você realizar seus malditos experimentos em outro lugar, parar de criar lagartos porque eles estão invadindo o meu quarto e pronto - Miih entrou no corredor, sua voz indizivelmente fria.
- Ah, então omite a parte que você simplesmente botou fogo no meu laboratório, e assim meses de trabalho foram destruídos? - Louise sibilou.
- Ah. - Miih parecia um tanto surpresa - não omito não. Admito. E você não pode esquecer que você simplesmente botou aquelas malditas salamandras na estufa, destruindo assim todos os legumes? Cheguei a tempo de salvar um pouco da metade.
- Você fez isso, Louise? - perguntou Loveh espantada.
- Se as duas fizeram isso mesmo, então estão quites e não há motivo para tanto barulho - opinou Sunny - então pronto.
- Ah, então ela vai ficar impune? - Louise rosnou, ao que Miih retrucou:
- Ora, você causou mais prejuízo que eu. A estufa era para todas. O laboratório só para vocês e são capazes de me endeusar só de acabar com o seu laboratoriozinho.
- SUA VADIA! - gritou Louise, sua energia aumentando de forma desproporcional.
- É só isso que sabe dizer, descabelada? Seu cabelo está pegando fogo.
- VAGABUNDA!
- Ora, ora, preciso preparar o almoço de hoje. O que preferem? Salada ou...?
- Eu quero é que você coma salamandras torradas, que tal?
- Nem morta. Tem batatas, posso fazer um macarrão com batatas, que delícia *o*
- Com certeza. E pedaços de salamandras ù.u
- Ora, vá se danar, Louise.
- Você também, Miih.
- Hmpf.
- mmmpfp ù.ú

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- É muito bom contarmos com você, Gika B. - disse Ophelia - você é uma excelente telepata, e você vir aqui foi um feito maravilhoso!
- Eu viria de qualquer jeito - Gika respondeu friamente - eu só precisei escolher entre vir por livre e espontânea vontade ou simplesmente amarrada e amordaçada.
- É uma escolha sábia. As pessoas costumam preferir a segunda opção, sabe - Ophelia sorriu - é uma tristeza.
- Com certeza - Gika mordeu o lábio inferior, apertando as suas vestes. Escolhera o tom de vinho para lhe dar uma sobriedade melhor, se pudesse tentar - com certeza. O que quer que eu faça?
- Nada de mais. Eu só quero que você leia certos pensamentos e me traga a ocorrência de qualquer pensamento contrário a mim.
- Então trabalharei muito? - Gika deu um meio-sorriso - e o que receberei em troca?
Ophelia não evitou abrir o sorriso, seus olhos brilhando vivamente.
- Você é esperta, minha querida. Um doce - fingiu pensar por meros cinco segundos e completou: - eu te dou o dobro do que você ganha, por semana. E claro, um adicional claro mostre serviço.
- Como você é tentadora, Ophelia. Mas eu quero números, não palavras.
- Okay - Ophelia disse - eu te ofereço vinte moedas de ouro a cada serviço prestado.
- Então se eu denunciar dez pessoas, você me oferece duzentas moedas - Gika percebeu.
Siih não se moveu, nem Lala mudara a sua expressão. Mas, por acaso, vinte moedas era exatamente a mesma remuneração que Siih pagara à Lala, anos antes, por hora. Era um gasto bastante alto, até mesmo para os padrões de Siih, mas Ophelia era o tipo de pessoa que adorava esbanjar.
- Esquece - Gika mordeu o lábio inferior - eu não sou tão corruptível assim. Denunciar quem pensa diferente de você? Me desculpe, mas não é o emprego dos meus sonhos.
Ophelia não desfez seu sorriso nem nada do tipo. Simplesmente apertou o dedo indicador contra a boca, como se hesitasse antes do que fosse dizer. Mas não tinha nem a sombra de dúvida no que falaria a seguir:
- Você pode preferir se corromper com esse dinheiro ou então morrer daqui a cinco minutos, ao sair do palácio.
Gika que havia dado as costas parou no mesmo instante. Estava brincando com fogo e estava terrivelmente enrascada. Queria tanto voltar ao seu trabalho de psicológa, mas...
- Ou então morrer daqui a cinco minutos...
Sim, ela tinha amor à sua vida. Mesmo que não tivesse parentes e uns poucos amigos, ainda assim gostava da sensação de respirar, de ter seus pequenos prazeres e sentir que a vida é boa.
Mas agora ela aprendera: a vida não era boa. Mesmo que isso soasse muito emo, um tanto melodramático, é a verdade. A vida é uma entidade que persiste em desgraçar com nossas vidas, se maquiando de perfeita para assim destruir a sua maquiagem e todos perceberem que na verdade a vida é horrível.

Como podemos viver, ir em frente, sorrir quando tudo vai contra nós?
Como podemos viver quando a cada dez horas, uma criança morre assassinada no Brasil?
Como Donatela pode conseguir acordar todo dia, sua vida desgraçada a cada minuto por Flora?
Gika pensava somente nisso, embora ela desconhecesse Brasil, Donatela ou Flora. Mas ela pensava na desgraça que era a vida, e tentou em dez segundos, se decidir por algo que mudaria a sua vida para sempre.

E meio que covarde, meio que corajosa, decidiu.
- Okay. Eu aceito.

Bingo. Ophelia fez mais um ponto e o jogo estava melhorando cada vez mais.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Parte 52 - Eu odeio você, Ophelia.

A noite caia sobre o castelo, onde várias pessoas moravam. E somente umas poucas eram realmente importantes. Ophelia estava tranquila demais, com seus sorrisos misteriosos, e a constante falta de Lala que só aparecia de vez em quando, sempre exausta e a lâmina de sua espada sempre suja de sangue. Siih não queria pensar por onde Lala andava, então se concentrava em seus afazeres que consistiam em "servir Ophelia, a Verdadeira Rainha", que foi um título criado por Ophelia para dar efeito. Assim as pessoas idolatravam a verdade, encarnada por Ophelia, e rejeitavam a mentira, obviamente representada na forma de Siih.

Siih mudou de quarto, de roupas, até mesmo o seu ar de rainha foi um pouco perdido. Ophelia achara muito irritante a frieza que Siih tinha no olhar, e a sua postura sempre ereta e arrogante, e obrigou a ex-rainha a se movimentar de forma mais servil. Assim Siih fora obrigada a servir de escrava e abaixar a cabeça sempre que Ophelia passava. Ela achava humilhante, e volta e meia, desafiava a Majestade olhando-a nos olhos. Castanho contra castanho. E a terrível tortura que passara, uma semana e meia antes, de nada servira. Uma semana e meia antes, Ophelia resolveu dar um exemplo para a insubordinação crescente, e simplesmente escolheu Siih e uns dois Glombs, além de uma fada assistente e comum, como alvos de tortura. Nenhum dos torturados viu a face do outro. Mas todos foram, e Siih foi a que mais sofreu. Durante noventa e sete horas seguidas, Siih foi amarrada, amordaçada, pendurada por cordas, chutada, esfomeada. Sem comida, sem água, Lala obrigou Siih a permanecer minutos cruéis debaixo da água fria, sem poder respirar. Ou fora marcada a ferro nos pés, o fogo queimando a pele devagar.

As marcas das cordas permaneciam, lembrando a Siih das torturas a que foi submetida. Todos os outros ferimentos, mesmo as queimaduras, foram curados, pois Siih fez o impossível para continuar com a pele uniforme. Mas ela deixou as marcas nos pulsos, das cordas que a seguraram. Soube que nenhum dos outros resistiu. Os Glombs morreram nas primeiras quarenta e oito horas, e Lala lhe deixou escapar a informação de que a outra fada, que fora torturada porque se recusou a lavar os calçados de Ophelia, ficou três dias e meio até se matar, enforcada.
Era tudo tão horrível, bizarro, estranho. Siih não conseguia se acostumar com essa escravidão, ela que aprendeu a viver sempre em cima dos outros. De repente, se viu igual a Alicia e outros empregados.

Retorceu os pulsos, preocupada. Seu vestido era simples demais, sem mangas e cuja bainha chegava até pouco abaixo do joelho. A cor era salmão, e o tecido era leve, acariciando a pele com sua suavidade. Mas para a pele acostumada aos melhores tecidos, era um pano grosseiro, de má qualidade. Siih prendeu os cabelos novamente, tentando arrumar o coque. Precisava inspecionar o jantar que serviriam para Ophelia, e isso significava experimentar cada prato na frente de Ophelia para se certificar de que não contivesse veneno em nada ali.
- Siih - Alicia veio. Ela usava a mesma roupa que Siih, mas não prendia seus cabelos - venha, Ophelia quer jantar mais cedo.
- Chame-a de Majestade! - repreendeu uma mulher que estava ali, lavando alguma coisa. Parecia aborrecida e temerosa, mas Alicia somente respondeu:
- Que Ophelia se dane. Ela não tem ouvidos em tudo que é canto!
Siih observou Alicia atentamente.

Alicia podia ter ido embora quando Ophelia assumiu o reino. Alicia podia ter fugido. Alicia podia ter feito qualquer coisa.
Mas ela continuava ali, seus olhos cinzentos enfrentando a Majestade a todo dia. Siih sabia que Alicia não era especialmente leal a ninguém.
Sabia que Alicia a servia pois assim devia fazer uma menina que queria uma boa posição no governo do país. Mas Alicia tinha uma especial rejeição por Ophelia, a quem dedicava o desprezo.

Libby estava fresca na memória de todos.

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- Não chora, por favor, não chora, May... - sussurrava Raveneh, quase chorando, despenteada e nervosa.
Era noite, mas ninguém ainda tinha ido dormir. Os que foram tentar não conseguiram, devido ao choro frenético do bebê de poucas semanas de vida. Raveneh estava aos prantos, Johnny tentara por uns cinco minutos, mas o bebê vomitou alguma coisa branca em cima da roupa do pai e voltou a chorar. Maria tentou ajudar Raveneh, mas May simplesmente não deixou Maria tocar nela. Debatera-se no colo da mãe, chorou muito mais e simplesmente caiu do colo de Maria, e assim continuou a chorar, se recusando a parar uma única vez.

Raveneh cantara todos as cantigas de ninar que lembrava, brincara com todos os brinquedos possíveis, fizera todas as mágicas bonitinhas que conhecia. Rafitcha olhava a sobrinha se esgoelar de tanto choro e suspirava impacientemente. Não ousou tentar pegar a sobrinha no colo, porque não queria ser rejeitada como Johnny e Maria. Se a menina não aceitava nem o pai, que dirá a tia?
- Raveneh, faz essa criança se calar! - pediu Umrae, tentando se concentrar nos testes dos venenos.
- Tem algum sonífero aí que dê para usar nessa criança? - alfinetou Raveneh, já bastante estressada e furiosa. Bons tempos que não tinha bebê nenhum por aí!
Umrae não respondeu, somente olhou May com um olhar muito gélido.

Rafitcha se levantou, sem paciência. Sentou-se ao lado de Maytsuri, e seu jeito absolutamente frio e irritado fez a menininha se calar um pouco antes de recomeçar a chorar, quase em gemidos.
- Cale a boca - Rafitcha sussurrou, sua voz muito baixa para ser escutada em meio aos berros da criança.
Raveneh suspirou desconsolada, desejando se matar.
- Cale a boca - Rafitcha repetiu, seu sussurro alcançando os ouvidos da criança.
May parou de chorar, fitando a Rafitcha nos olhos. E realmente parou de chorar. Ela fungava, mas as lágrimas não saiam e todo mundo agradeceu por terem mais que um minuto de silêncio.

- Como conseguiu, Rafinha? - perguntou Raveneh maravilhada - me ensina.
- Não sei - foi tudo o que Rafitcha conseguiu responder, dando um sorriso. Sequer precisara embalar a criança, mas suspeitara que fora a irritação que transparecia em sua voz que fez a sobrinha se calar, recuando diante de tamanha frieza.
Suspeitou que não conseguiria mais fazer isso.

Estava errada.

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- Eu preciso de mais e mais - disse Ophelia, quando Lala terminou de falar sobre o que fez durante o dia - quais são os nomes mesmo? Gika, Talúvia, Sibbene e Cilene?
- Acertou em todos, menos em Talúvia. É Talúbia - respondeu Lala friamente.
- Telepatas, nevatas, e... - Ophelia suspirou - eu preciso de bons contatos, excelentes contatos! Eu preciso das Musas.
- Musas? - Lala exclamou, surpresa.

A mesa se estendia friamente diante delas, com todas as iguarias experimentadas por Siih. A taça de suco de morango que Lala tomava foi esquecida imediatamente, a mera expressão da palavra "Musa". Simplesmente Lala parou, fitando Ophelia nos olhos.
- Você vai pedir ajuda às Musas? - Lala perguntou, tentando processar a informação.
- Não pedir ajuda - Ophelia desdenhou - esse termo é muito feio e inadequado, Lala. Eu não vou pedir ajuda. Digamos que... vou oferecer ajuda.
- Oferecer ajuda às Sete fadas mais poderosas que existem? - Lala riu - você enlouqueceu!
- Eu sou mais poderosa que as sete juntas - Ophelia disse com frieza - não fique louca, Lala!
- Elas nunca aceitariam a sua ajuda, Ophelia - Lala rosnou, o sorriso se desfazendo - nunca, nunca. Elas são suas inimigas, e você pode até tentar matá-las. Mas se unir a elas? Como?
- Se não é por bem, é por mal - sussurrou Ophelia.
Lala deu um sorriso, tão torto como cínico. Seus olhos cor-de-mel brilharam vivamente.
- Está enlouquecendo, amiga. Está ficando louca. Tenho pena de você!
- Não discuta--
- Não discuta você! - Lala parecia magoada - eu estou há não sei quanto tempo servindo a você, trabalhando para você muito mais do que uma escrava comum faria! Eu faço o seu maravilhoso império, eu que junto os contatos e mato quem te atrapalha! Eu realmente... eu realmente te odeio, Ophelia! - os olhos estavam gélidos. A voz, magoada, poderia até transparecer imensa tristeza. Mas contrastava com o vazio de seus olhos.
- Lala, por favor - Ophelia parecia chocada, talvez até sentida - por favor, agora não.
- Me desculpe, Ophelia, mas não sou a sua namoradinha que você usa a hora que quer - Lala sibilou devagar, tentando carregar cada palavra de um sentimento indizível, algum misto de raiva e pena - me desculpe, Ophelia, mas eu sou uma pessoa. Eu trabalho para você, eu acredito em você, mas tem algo que me diz que devo sair fora... por que, raios, eu convivo com você?
- Por que você é a minha escrava! Já parou para pensar nisso?
- Okay, então eu peço alforria - Lala soltou, encarando Ophelia com impaciência.
Ophelia só riu, diante daquela situação um tanto estranha.
- Alforria não se pede, querida. Se dá.
Lala somente engoliu em seco, fitando a carne em seu prato, e Ophelia continuou a comer.

- O que tem para mim amanhã mesmo? - Lala perguntou, depois de cinco minutos de silêncio. Evidentemente pelo tom de sua voz que Lala estava se controlando para não gritar.
- Você vai trazer Gika a força, se ela se recusar a vir - Ophelia disse - é só isso. Você vai cuidar da burocracia, amanhã. Sabe, organizar algumas coisinhas.
- E você faz o quê? - Lala perguntou, quase em tom maldoso.
Ophelia levantou os olhos, e respondeu sem nenhum tipo de emoção:
- Preciso ir a um reino para mandar os demônios pararem. Sabe, eles estão extrapolando os limites em Juavitti.
- Ah.
Lala engoliu a mágoa e o ressentimento. Ambas sabiam que mesmo que a Ophelia desse a alforria, a liberdade, Lala não iria embora. Ficaria ali, lado a lado, reclamando de seus trabalhos, mas ainda assim aceitando se submeter a uma Rainha tão poderosa.

Como poderia deixar Ophelia sozinha? Como poderia ir embora, simplesmente saindo de uma vida tão calmamente? Depois de todas as coisas, todas as cenas que Lala presenciou? Como podia não ver o Novo Mundo que Ophelia tanto insistira em montar?
A curiosidade matou o gato, diz um provérbio. Mas Lala não conhecia o provérbio e não ligava, pois era muito mais que a simples curiosidade que a mantinha ali, servindo à Ophelia.

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- Estou com medo - Amai sussurrou, quase que segredando para a tia - estou com medo.
A noite estava quieta, e tudo estava muito escuro. Até mesmo Umrae havia ido dormir, e nenhuma vela estava acesa. O abrigo era dividido em vários cubículos, tentando dar quartos que se pudesse acordar e não ser visto. Assim os quartos eram enormes, e subdividido com finas paredes para garantir o mínimo de privacidade para cada um ali. Amai e Kitsune ganharam um espaço só delas, encostado à parede realmente grossa. Ficavam em um quarto onde residiam as mulheres solteiras, como Rafitcha, Kibii ou Umrae. Havia duas camas, uma para a tia e outra para a sobrinha.
- Não fique com medo - Kitsune disse, com medo de acordar Umrae que ficava no cubículo ao lado.
- Estou com medo de Ophelia - admitiu Amai, seus cabelos ruivos despenteados caindo toda hora em cima do rosto, fazendo Amai ficar segurando o cabelo para trás - o que ela fará com a gente? Não era melhor a gente ter se mudado para Grillindor?
- Não - Kitsune respondeu. Parecia muito respeitosa, e realmente sentia que Amai falava a verdade. Por que haviam se mudado para Campinas, sabendo da situação caótica de Ophelia? Mas agora tinham feitos laços de amizade, e não se dava para simplesmente largá-los. Seria deslealdade.
- Grillindor está em paz. E Campinas vive sob ameaça de guerra - Amai disse, a doçura se tornando evidente em sua voz - eu não quero morrer por causa de Ophelia!
- Xiii, querida - fez Kitsune, abraçando a sobrinha com força - vai ficar tudo bem...
- Raven me disse que Ophelia vai pedir a nossa rendição e--
- Mas todo mundo sabe disso - Kitsune lembrou, também sendo muito gentil.
- Mas nós não vamos aceitar, certo? Como você acha que Ophelia vai forçar a nossa rendição? Vai simplesmente mandar demônios? Pense, tia, pense! - gemeu Amai, chegando ao ponto central da sua preocupação.
- Ah - Kitsune compreendeu - Ah. Mas quem...
- Qualquer um - Amai quase chorou, mas era firme demais para isso - qualquer um que seja especial para nós...

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Parte 51 - Por que a crueldade é tudo.

Era até frieza, um pouco de estupidez. Decerto as coisas mudaram demais em três semanas, mas independente de quem mandava, só havia uma Rainha do Crime. E ela continuaria a trabalhar, sem ligar para outras coisas. Seus crimes continuariam escondidos da alta cúpula do governo, e ela nunca seria incomodada pelos soldados da Rainha. Pouco ligava para quem era a Rainha.

Obviamente, no final de três semanas desde a renúncia de Siih, ela estava achando aquilo tranquilo demais. Era simplesmente estranho aquele clima de marasmo, e com certeza, seus lucros aumentaram. Pessoas estavam fugindo de seus reinos com tamanho desespero que precisavam de qualquer coisa para se dopar e se esquecerem de suas vidas absolutamente trágicas. Antes a tragédia era algo que acontecia não muito frequentemente, mas agora era algo tão comum, tão banal! A Rainha do Crime parecia acuada pelo dinheiro absurdo que entrava, porém se mantia alheia. Alheia.

Até o vigésimo primeiro dia.

- Quem é você? - Vê perguntou sem rodeios, seus longos cabelos negros arrumados em um coque um tanto desajeitado. Ela tremia ao ver em sua sala, a sinistra personagem de longos cabelos laranja. Em três semanas, aquele ser havia construído alguma fama temerosa.
- Até parece que não sabe - respondeu a garota, seu sorriso se tornando muito cínico. - Ophelia quer umas coisas.
- Por que você a trata pelo nome e não pelo cumprimento formal? - Vê indagou, se recostando na parede. Toda a sala estava escura, e não se podia ver direito os olhos da garota. Mas preferia não ver o reflexo assassino diante de si.
- Porque eu sou o braço-direito de Ophelia. Não preciso dessas besteiras - se curvando para a frente, sua voz alcançou os ouvidos de Vê de forma ainda mais assassina - você tem o que eu quero?
- Depende. O que quer? - Vê se encostou na parede ainda mais, o coque se desfez.
- Poção de Melina - sussurrou - você tem?
- Poção de... ! Não pode ser! - Vê mordeu o lábio inferior - vão realmente...
- Sim.

Vê mordeu o lábio inferior mais ainda, hesitante.
- Qual é o prazo? - decidiu. A garota somente deu as costas e disse:
- Uma semana.
- Uma semana? Ah... - Vê recuou - okay.
- Isso aí, garota esperta.

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- Saia daí, garota!
Era como um dominó no qual se derrubava a primeira peça, e todas iam junto.
- Saia, já falei!
Era como um jogo no qual se perdia.
- Não vai sair? Ok, morra!
Era como uma aposta em que você perdia e tinha que desfilar pelado no corredor.
Ou como uma roleta russa. Em que o azar ganhava.

Lavínia Kaspink era uma garota perfeitamente normal até três semanas atrás. Mas tudo estava em ruínas agora. Como era mesmo? Um reino isolado, controlado pelas fadas. Até o instante que Ophelia chega, então os rebeldes que há tanto conspiravam resolvem mostrar a cara.

Uma decisão errada. Pois tudo o que sentiram depois não foi o sabor da vitória, mas sim o gosto de sangue e a amargura da derrota. Os demônios estavam se acabando ali, destroçando com inúmeras vidas. Já perdera os pais, os três irmãos, o amigo de infância. Só lhe restava uma tia impaciente, a quem odiava.

E agora essa tia lhe pedia para sair do abrigo no qual se aninhava com terror.

Por que as coisas estavam ficando tão difíceis?
- Saia daí!
- Não!
A tia então resolveu pela força. Com seus braços musculosos, enfrentou a madeira e as ruínas da antiga casa para tirar a garota do abrigo improvisado. Lavínia Kaspink se debateu com força, mas não resistiu à tia. Logo as duas começaram a correr.
- Ora, ora.

A voz era tão suave, quase como uma carícia. Mas ainda assim rasgava a tensão.
- Di... - Lavínia ergueu os olhos, a sua fragilidade exposta. Nunca vira tal aberração.

Seus tentáculos que se amontoavam no chão, semelhantes às raízes de árvores, mas eram moles. A cor amarelada percorria todo o seu corpo, e o sorriso era fantástico. Porém Lavínia Kaspink ainda via resquicíos de sangue entre seus dentes e lábios, e temia de pensar de quem seria aquele sangue.
Recuou.
- Não adianta - Jirä sussurrou - vou pegar vocês.

Um dos seus tentáculos envolveu a tia. E Lavínia Kaspink viu a sua tia ser completamente esmagada em menos de um segundo, o último vestígio de sua família se estraçalhando sob o frio olhar assassino do demônio.
Logo foi a sua vez.

O demônio lambeu a tia com cuidado, como se sentisse o seu gosto com suavidade. Mas largou os restos da tia no chão, como se achasse o sangue muito repugnante. Voltou os olhos para a garota com lasvícia e gula.
- É de você que eu gosto... - sorriu.

Tudo o que Lavínia sentiu foi aperto. Sentiu o estômago sendo apertado com força, o coração sendo torcido, e os pulmões sendo comprimidos. E sentiu tudo estourar. A voz de Jirä lhe ecoou pelos seus ouvidos:
- É de você que eu gosto.
Suas lágrimas jorraram com força, e logo seu coração parou de bater, estraçalhado.
Mordeu os lábios inferior, e não resistiu.

Jirä fez uma refeição completa com Lavínia Kaspink. Seu estômago tinha um gosto bom, decidiu, mas os rins eram melhores ainda. Ao terminar sua delicada refeição, limpou os beiços e deu um sereno sorriso. O corpo de Lavínia, último remanescente da família Kaspink, só tinha a pele e ossos. Frouxa, sem órgãos, Jirä depreciava a pele e os ossos, que consideravam horríveis de serem engolidos. E a pele era borrachuda demais, na opinião de Jirä. De modo que Lavínia, pelo menos, se dava para reconhecer com um simples olhar.

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- O que faremos? Decidiremos agora? - Raveneh perguntou, preocupada.
- Claro que não - respondeu Maria - ficaremos alheios. De jeito nenhum, tomaremos posição!
Todos se reuniam, todas as noites, no salão, preocupados. Ouviam notícias sinistras cada vez mais, de reinos que se rebelavam contra Ophelia e somente se ferravam, sucumbindo aos terríveis demônios.
- Não dá para decidir agora... - Maria disse com visível preocupação - o que vocês acham? Eu não quero obedecer à Ophelia, mas também não quero vocês mortos pelos demônios!
- Eu não vou morrer nas mãos de demônio nenhum - sibilou Umrae - esse abrigo é fortemente protegido e nenhuma magia de Ophelia pode derrotar isso aqui.

Todos estavam tensos.
- Ophelia vai pedir a nossa submissão - Kibii sussurrou - ela vai pedir, e nós vamos negar. Eu me recuso a perder para Ophelia. E não morrerei para ela nem que os porcos criem asas!
- Concordo com Kibii - disse Rafitcha - temos que lutar! Ophelia vai ter que pedir de joelhos para conseguir nossa amizade!
- Yeah! - Fer sorriu - ninguém vai morrer, certo?
- Certo - Raven também sorriu, pondo a mão no centro - ninguém vai morrer aqui! Todos nós resistiremos à Ophelia!
- Com certeza - apoiou Doceh que pôs a mão em cima na de Raven, gesto copiado por todos.

No centro, um amontoado de mãos que se uniram por frágeis segundos que se despedaçaram. Mas o sentido de se unir para vencer ficou. Não importasse o que Ophelia fizesse, jamais um deles aceitaria morrer inutilmente.

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Lala estava realmente exausta. Durante três semanas, ela percorreu toda aquela cidade em procura de contatos fiéis, mantimentos seguros, informações importantes. Tudo que servisse para o Novo Mundo. Agora estava fazendo algo que deixara de lado durante dias, mas que teria que adiantar. Que coisa, porque Ophelia não podia sobreviver sem essas pessoas?

Mas nããããão, desde que Ophelia mergulhara na biblioteca e descobrira todos os tipos de poderes diferenciados, começara uma frenética busca por pessoas que tivessem esses poderes. Ela já havia conseguido montar um time de quatro fadas que possuiam a incrível habilidade de se transformar em névoa. Agora ela tinha que convocar todas as cinco telepatas que existiam no reino e fazer delas soldadas a serviço de Ophelia.

E era por isso que ela estava dando início ao serviço, começando com Gika. A casa dela era muito simples, toda branca com nuances rosa e lilás. O jardim de orquídeas era bem bonito, e decerto, Gika vivia uma vida muy bela, tranquila e etc. Até o momento que teve que atender Lala.
- Quem é você?
- De Ophelia - Lala sorriu de canto - sabe, o novo governo anda fazendo umas mudanças.
- O que é? - Gika fechou a cara - censura? Veio revistar minha casa?
- Longe de mim fazer isso - Lala disse sem muito interesse - simplesmente Ophelia precisa de sua ajuda.
- Minha ajuda? - Gika fez menção que ia fechar a porta - não sou criminosa como Vê, nem tenho como oferecer qualquer tipo de aj---
- Claro que tem, garota! - Lala chutou a porta com estrondo, mas seu rosto não demonstrava nenhuma fúria. Parecia fria, gélida.
Seus olhos de mel eram estranhamente vazios. E Gika tremeu.
Recuou, dando vários passos para trás, suas mãos meio machucadas pela porta chutada.
- Você não devia se registrar contando seus dons, mocinha - Lala disse - assim será facilmente achada e será realmente procurada. Nem sei porque a Siih não fazia questão de ter você por lá, como a telepata oficial.

Ou prefere morrer? Lala pensou, com visível maldade em seus olhos.
- Não - Gika respondeu.
Lala somente sorriu e deu as costas, deixando um último recado: "- Amanhã, dez da manhã. E nem pense em fugir"
Gika não percebeu o erro que cometeu em ler os pensamentos de Lala, e respondendo-os ainda por cima. Agora Lala sabia perfeitamente que ela era uma telepata, e agora ela tinha que servir à Ophelia.

Servir como?, ela se perguntava. Não importa mais, ela tinha que trabalhar. Ou a morte a esperava. Céus, como poderia? Quantas mortes e dramas Ophelia havia causado? Gika tinha medo da resposta.