domingo, 21 de outubro de 2007

Parte 60 - "Fadas Altas"

Terminada a Assembléia, Siih se retirou para o seu quarto.
- Vê, por favor, faça aquele chá seu para mim? - pediu.
- Sim, Vossa Majestade! - respondeu Vê sorrindo.
- Gika, por favor, a acompanhe :) - disse Siih - eu pretendo ficar sozinha.
- Sim, Vossa Majestade - concordou Gika curvando-se diante de Siih.
- Vamos, Gika - disse Vê.
Gika sorriu, e as duas saíram do aposento, enquanto Siih se recolhia pensativa.
De novo a sensação de fracasso, a sensação de algo estava em cima dela... a sensação infalível: "você é uma fracassada cheia de poder. Como pode uma coisa dessas?"
- Olá. Você está bastante pensativa, irmã - disse Lefi.
- Lefi! Eu dei ordens para não entrar ninguém - disse Siih - como conseguiu barrar as fadas?
- Eu tenho meus truques para burlar suas regras, Siih - riu Lefi - ou você acha que é a única que consegue atravessar as fadas sem elas perceberem?
- Tolo! - riu Siih.
- Bem, já pensou em como vai expulsar os nortistas? - indagou Lefi - eles já estão quase nos portões das Campinas... e como você diz, os nortistas são cruéis demais para o povo das Campinas.
- Sim... - disse Siih tristemente - eu não sei o que fazer. Os nortistas são cruéis demais. Eu podia manipular as mentes deles, não?
- Pode... - concordou Lefi - mas não deve. Eu estive estudando esses dias, e bastante a respeito das magias.
- E...?
- É bem longo. - disse Lefi - eu estudei bastante, sabe. E descobri bastante coisas inteiras.
- Como...?
Lefi começou a sussurrar, quase em um cântico:
- Há muitos anos atrás, quando as primeiras fadas começaram a criar uma vida... - seu tom era baixo, misterioso - uma vida em sociedade... Sempre tinha aquela mais poderosa...

Há muitos anos, quando o tempo era remoto
As fadas se uniram para viver juntas
Mas sempre uma mais poderosa se sobressaía
E esta passava sempre a governar

Foi assim por muitos anos
E é assim até hoje
De vez em quando, nasce alguém
Cujo poder é incontestável

Cujo poder esmaga
Cujo poder é perigoso
E de tal virtude surprema...


Houve um silêncio.
- Uau. Então eu sou uma dessas fadas com um poder que esmaga? - perguntou Siih.
- Mais ou menos - disse Lefi - você é o que pode se chamar de "fada alta" - ao olhar intrigado de Siih, respondeu - fadas altas é um termo utilizado entre magos, quando nasce uma fada com grandes poderes como os seus. Normalmente nascem de famílias que são conhecidas pela magia, e os poderes se manifestam desde os dois, três anos. É um caso bastante raro, e o Mago Compy estudou sobre as "fadas altas". Foi o maior estudo sobre esse tipo de fada já conhecido. Ele calcula que em dez anos, somente três "fadas altas" aparecem, em média. Elas vivem manifestando seus poderes, e é bastante provável que só se dêem conta dos seus poderes quando está na adolescência. Antes de morrer no ano passado, ele diz que nessa década não existe nenhuma "fada alta" que ele conheça.
- Mas e eu? - disse Siih.
- Ele não sabia que você era uma das "fadas altas" - observou Lefi - diz ele que as 'fadas altas' tem grandes poderes de manipulação, conseguem lançar maldições ou proteções em larga escala, envolvendo um país inteiro, por exemplo. Também são capazes de forçar os espirítos naturais a obedecer-la.
Siih emitiu um murmúrio de assombro.
- E por que não tem ninguém que ele conheça? - indagou Siih.
- Ele diz também que as fadas altas tem baixa expectativa de vida - diz Lefi - Mago Compy disse que os poderes são tão devastadores que um corpo frágil de menina pode não conseguir aguentar. E para realizar as magias, utiliza-se muito esforço físico, e se desgasta demais. Diz ele que das 'fadas altas' já conhecidas, a que viveu mais tempo morreu aos 28 anos de idade.
- Quê? Hey, eu não quero morrer jovem! - exclamou Siih pasma - prefiro... prefiro ser uma fada 'baixa' ou...
- Você pode abdicar dos seus poderes - disse Lefi - os poderes, originalmente, pertencem aos espirítos da natureza. De vez em quando, eles cedem os poderes deles para uma fada... Mas se a fada preferir assim, os espirítos aceitarão os poderes de volta. Você podia fazer isso, Siih.
- Primeiro vou expulsar os nortistas - disse Siih convicta - depois abdicarei dos meus poderes. Prefiro ser uma Rainha velha e sem poderes do que uma morta, jovem e com poderes u_u"
- Compreende-se - Lefi sorriu - já sabe o que fará contra os nortistas?
- Sei... - disse Siih - por favor, dá para me informar de tudo que as 'fadas altas' poderiam fazer?
Lefi sorriu.

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Johnny estava no Reino das Fadas, mais especificamente na Rua Fuji onde se compra deliciosos morangos com chocolates.
- Eu gostaria de uma cesta com esses, por favor - pediu Johnny para o vendedor.
- Sim! - disse o vendedor - aguarde um momento, por favor.
- Está bem.
Johnny olhou para o céu, pensativo. O que a Gika queria com ele, a aquela hora? Era pôr-d0-sol, a Rainha devia estar descansando naturalmente... devia ser hora de folga da Gika. Será algo relativo a consulta de Raveneh? Uma informação?
- Seu pacote, senhor - disse o vendedor.
- Obrigado! - exclamou Johnny. Deu algumas moedas de ouro e disse - o pagamento.
Saiu pela rua imerso em pensamentos, e não demorou muito até chegar ao Sobrado do Sol, onde morava a Gika. Ficava ao lado do Palácio, com apenas uma rua separando as duas casas. Tocou a campainha.
- Johnny...? - Vê atendeu a porta - Gika disse que você viria no nosso momento de folga!
- O-obrigado... - Johnny deu um riso constrangido.
- Vê! - Gika exclamou - obrigada por atender-lo!
- Sim! - disse Vê - tenho que arrumar o quarto, poderão ficar bem na sala.
- Obrigada! - disse Gika.
Vê subiu as escadas, enquanto Johnny e Gika se dirigiam a sala. Johnny reparou que Gika não estava trajada habitualment, com toda a formalidade que seu trabalho exigia. Gika amarrara seus cabelos em um charmoso coque, e usava um bonito vestido branco com detalhes em azul. E estava descalça.
- Sente-se - pediu Gika - gostaria de um chá?
- Oh, sim - respondeu Johnny - bem, o que queria falar?
- É sobre Raveneh.
Bem que pensei!, disse Johnny para si.
- Sim, foi o que você pensou - disse Gika séria.
Ela pode ler os pensamentos alheios??, chocou-se Johnny.
- Nem sempre, Johnny - disse Gika - leite ou açúcar?
Nem sempre, é? Ok, então, prefiro leite u_u, disse mentalmente.
- Eu odeio ler pensamentos alheios, Johnny - disse Gika - mas já que prefere leite...
Gika acrescentou leite ao chá, e serviu a xícara juntamente com um prato repleto de biscoitos aparentemente deliciosos.
- É sobre a consulta de ontem - disse Gika por fim - quem apareceu foi a Catherine. E ela me contou muitas coisas.
- Sobre...? - indagou Johnny bebendo o chá.
- A morte da irmã, do pai e da mãe. Foram três mortes traumáticas, decisivos episódios para a vida de Raveneh - contou Gika - curiosamente Raveneh não lembra direito de nenhuma delas... somente em pesadelos.
- Mas... como foram essas mortes? - indagou Johnny, temendo a resposta.
- A irmã morreu quando tentava realizar um aborto, e Raveneh a viu morrer e não ajudou - contou Gika - o pai foi morto pela Dark Milk, a guarda militar do regime. E a mãe morreu, pois Raveneh extrapolou na dose do remédio que tinha que dar...
Johnny ficava cada vez mais surpreso, e seu cérebro começava a dar nós. Raveneh é uma assassina?, pensava, deixou a irmã morrer, aumentou a dose do remédio da mãe... ela matou a própria mãe?
- R-Raveneh viu a irmã morrer? Um aborto? - gaguejava Johnny.
- Sim - disse Gika em um tom triste - mas quem fez isso foi a Catherine. Por isso Raveneh não se lembra nem de como Catherine, a irmã, morreu nem como a mãe morreu. Mas se lembra um pouco do pai, pois não ela quem causou... E... eu tenho medo. A Catherine tem valores morais deturpados, Johnny. Tenho medo que ela faça mal aos outros...
- Mas... - Johnny não conseguia formular uma frase decente.
- Catherine me disse - Gika interrompeu - que só quer o bem de Raveneh. Por isso ninguém que faça bem a Raveneh será prejudicado... a irmã maltratou a Raveneh, Catherine assumiu a defesa e quando percebeu que a irmã estava prestes a morrer, somente a observou. Quando a mãe estava fraca e doente, Catherine tomou posse e vingou todas as humilhações que a Raveneh tivera por causa da mãe. Quando os nortistas machucaram Raveneh, pela primeira vez em muito tempo, Catherine surgiu e conseguiu sair dali. Ela é o escudo de Raveneh - Gika hesitou antes de continuar - e sabe, eu... Catherine não é uma pessoa má, mesmo com seus valores morais deturpados. Ela sabe o que é certo e o que é correto, mas por ela não ser uma pessoa de verdade, ser somente metade de uma menina, ela pensa que as leis não se aplicam a ela. Sabe que as pessoas iriam se chocar caso soubessem que ela provocou a morte da própria mãe... mas ela não se preocupa com os outros. Preocupa-se somente com Raveneh. Se Raveneh estiver bem, Catherine não vai agir.
- É o que você diz... - disse Johnny pensativo - não tem uma forma de destruir Catherine?
- Catherine não é uma personalidade que prejudica a Raveneh - Gika disse - Catherine é a personalidade cópia da irmã, uma forma de Raveneh se sobressair perante as humilhações da mãe. Era como se Raveneh, quando se sentisse triste ou com raiva, se olhasse no espelho e visse Catherine, a irmã. E a segunda personalidade é também um poderoso escudo... Raveneh aprendeu sobre as coisas básicas: não matar, não roubar, não prejudicar os outros... Mas quando a mãe ou a irmã lhe humilhavam, esta se questionava: 'os valores eram realmente certos?'. Mas quem tinha na cabeça que os valores estavam errados, talvez, era a Catherine. O assassinato da mãe foi uma resposta contra os 16 anos de humilhação. Dá pra entender, Johnny?
Johnny não conseguia falar nada. Estava olhando sua xícara com metade do chá, já frio. Estava chocado. Absurdamente chocado.
- E-e-eu... eu não sei o que pensar - disse Johnny - Catherine, Raveneh, tudo está sendo meio demais para mim... E-eu... - mordeu o lábio inferior - Gika, me diga... não tem uma forma de Catherine não aparecer mais? Sei lá, destruindo, unindo as duas...
- Catherine pode ser destruída, mas eu não acho bom - disse Gika roendo as unhas.
- Por que?
- Porque Raveneh pode continuar com os pesadelos e com a impressão de que faltam pedaços de sua vida - respondeu Gika - podemos unir as duas, mas não sabemos quem prevalecerá: Raveneh ou Catherine. Só existe uma opção...
- Qual? - indagou Johnny ansioso para pôr um ponto final naquela história.
- Raveneh saber que existe a Catherine - disse Gika - e conversar com ela.
- Tipo... ela conversar com ela mesma? - Johnny pensa um pouco - e assim Raveneh e Catherine podem chegar a um consenso. Mas... como iríamos forçar isso?
- Conte para Raveneh - disse Gika - diga que ela tem uma dupla personalidade e que manifestou muitas vezes. Mas não diga nada sobre o que a outra fez. Nada. Somente diga que ela tem outra, diga que se chama Catherine e que as duas precisam chegar em um acordo. Raveneh tem poderes mágicos, e pode forçar um encontro consigo mesma.
- Está bem - disse Johnny - está tarde, preciso ir. Tentarei isso.
- Obrigada, Johnny - Gika disse.
- Hey! - exclamou Johnny - quanto vai ser o julgamento de Renegada?
- Na próxima quarta-feira - respondeu Gika - por quê?
- Acho que Raveneh deseja estar lá - respondeu Johnny com um sorriso triste - ela gosta demais de Renegada, foi sua primeira amiga depois que partiu da antiga casa dela.
- Compreendo. Bem, já está anoitecendo - comentou Gika - e preciso ir para o castelo. Vossa Majestade se utiliza dos meus serviços durante este período.
- Adeus, Gika - despediu-se Johnny.
- Adeus, Johnny.

Parte 59 - Catherine conta e sorri... "eu não sou um monstro..."

- Bem... - disse Maria - nós temos que saber o que fazer com os nortistas. Eles estão quase nos nossos portões - as outras fadas começaram a cochichar.
- Sim, temos que expulsar-los do reino - observou Siih - mas quando eles se forem, quem governará? O único descendente é o Calvin Mo...
- E ele vai estar em julgamento - disse uma fada de vestido verde e cabelo marrom - daqui a seis dias.
- Bem, Clah - falou Siih - e se ele for considerado culpado?
- O que vai ser, com toda a certeza! - exclamou Maria - bem, tem o filho dele! Poderemos treinar-lo para a coroa!
- Mas, até o menino crescer? - observou outra fada de bochechas rechonchudas e coradas - quem?
- É. Quem? - indagou Maria para si mesma tristemente.
- Quem?
As fadas ficaram em silêncio.

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Enquanto Johnny refletia sobre a desconversa que Raveneh teve ("o que foi mesmo que eu falei? Ah, nada, bem... eu preciso ir, tenho terapia" dissera Raveneh), Gika refletia sobre o dia anterior, quarta-feira. Na segunda consulta, Catherine apareceu. E o que ela contou foi suficiente para deixar Gika abaladissíma a ponto de não conseguir se concentrar em outra tarefa.

Memória de Gika: quarta-feira, consulta de Raveneh:

Raveneh entrara no escritório de Gika confiante.
- Voltou a ser loira! - exclamou Gika - como se sente a respeito?
- Livre. - Raveneh respondeu, porém sem sorrir. Sentou-se no divã.
- Que bom! - disse Gika - bem, eu gostaria que você retornasse ao seu passado. Quando Catherine morreu, para ser mais específica.
Raveneh assumiu um olhar bastante estranho, um olhar quase fatal, por assim dizer, e sussurrou:
- Raveneh foi uma tola medrosa.
Hã?, Gika assustou-se. Essa era a Catherine, que Lych lhe falara? A segunda personalidade de Raveneh? Bem, era ótimo que ela aparecesse. Dava-se para perceber que Catherine guardava todas as memórias que faltavam na Raveneh, sem contar que adorava se insinuar, se gabar do que fazia.
- Qual o seu nome? - indagou Gika.
- Catherine - respondeu - Johnny falou de mim, não? Eu sou um peso nas costas dele - riu amargamente - posso dizer que tirando você, ele é o único que me conhece nessas bandas. Mas eu fui mais importante na vida de Raveneh do que ele imagina. Afinal, eu é que aguentava tudo de ruim que acontecia com Raveneh. E adianto-lhe, doutora: não era pouca coisa. Com uma mãe que nem aquela que Raveneh teve, quem terá uma vida feliz? E claro, não é algo muito feliz o fato de o pai, volta e meia, ser preso graças a um regime absolutamente idiota e fascista.
- Bem - disse Gika - poderia nos contar sobre a morte de Catherine?
- Ih, Raveneh não falou não? - Catherine murmurou. Assumindo um olhar divertido, completou: - ah, do jeito que ela é medrosa, claro que ela não falou. O que foi que ela disse? Que a irmãzinha se enforcou, não foi? Tola, teve medo de encarar a verdade.
- O que você está querendo dizer, Catherine? - indagou Gika, com a voz trêmula. Raveneh mentira a respeito da morte da irmã? Mas... o que havia de tão assombroso, de aterrorizante assim? Raveneh se sentiu culpada pelo suicídio da irmã?
- Foi quando Raveneh tinha uns... digamos, quatorze anos. Eu já existia, claro. Eu sempre acompanhei Raveneh. Eu que carreguei todas as marcas de tortura...
- Fale de como era a rotina na sua casa.
Catherine hesitou, porém seguiu o que Gika pedira:
- Até meus quatorze anos, acordavámos umas oito da manhã. Café da manhã feito por mãe, de vez em quando meu pai estava também. Catherine sentava-se ao lado da mãe, e todos os meus irmãos recebiam ovos inteiros, sanduíches, coisas assim. Mas eu era a única que só recebia um pão com mel e para beber, suco que tinha mais água que fruta. Minhas roupas eram as piores recebidas. Era de longe, a mais maltratada de todas as filhas: a última a comer, a última a tomar banho, a última em receber roupas, etc, etc, etc. Não creio que queira escutar essa história de "oh, pobre criança, foi esculhambada e agora tá aí sozinha". Não quero ficar remoendo a minha infância e tanto quando Catherine quanto a minha mãe tiveram o que merecem.
- Como assim? - indagou Gika.
- Doutora... - disse Catherine - se você tivesse quatorze anos de idade, e a qualquer coisinha, levasse uma chicotada, como iria pensar? Duvido que você iria ser um doce de pessoa para o resto da vida. Isso é coisa de novela. É coisa de Raveneh também. Ela é doce por natureza. E quem não seria, se só tivesse momentos bons? Claro, os ruins sou eu quem passo por eles.
- Catherine - interrompeu Gika - o que você quis dizer com "Catherine quanto a minha mãe tiveram o que merecem"?
- Ah simples - riu Catherine, com um olhar sombrio - com a Catherine foi fácil. Eu tinha quatorze anos na época, e a Catherine tinha uns vinte, vinte e um, vinte e dois anos, por aí. Tinha muitos pretendentes, de tão bela que era. Mas por um acaso acabou se apaixonando justamente por um garoto de dezessete anos recém-casado que não lhe dava bola. Catherine ficou arrasada. A noiva do garoto chamava-se Liin, vinha do Oriente, tinha quatorze anos e fazia um ótimo par com o garoto por quem Catherine era apaixonada, se quiser saber. E Catherine era tão bela quando Raveneh era... porém era orgulhosa e burra, coisa que Raveneh não é. Sabe, existe uma grande diferença entre ser burra e ser ingênua. Raveneh é ingênua: não percebe o quanto Johnny gosta dela. Aposto que Johnny vai fazer um pedido de casamento, e ela: 'hã?? eu já posso casar?". Ela é tola. Mas não é burra, devo dizer. Mas a sua irmã era. Quis fazer ciúmes ao garoto. Se envolveu com o primeiro garoto que encontrou pela frente, um pé-rapado chamado Chouin, e como toda boa história de família que termina em tragédia, engravidou. E idiota como era, tentou abortar. Foi durante uma noite, estávamos somente eu, ela e a minha mãe. Minha mãe dorme feito pedra. E eu estava acordada. E ela - nesse ponto do relato, Catherine repetiu várias vezes: 'tola, tola, tola, tola, tola!!" e continuou - tentou abortar com uma faca, rasgando o ventre. Podia pedir a Velha do Lírio, que dava as ervas para a nossa família, umas ervas abortivas, mas não: pegou uma faca e rasgou o próprio ventre. Eu escutei seus gemidos, e fui para o quarto dela. Raveneh não se lembra bem disso, pois quem assumiu o controle fui eu. Ela estava sangrando muito, e seus lençóis estavam ensopados de sangue. A faca estava no chão. Bom, você pode dizer que eu sou malvada nesse ponto. Mas eu cheguei perto dela e sussurrei bem baixinho: "você não queria morrer? Terá o pedido atendido". Ela estendeu a mão e implorou para que eu a ajudasse, pois sangrava muito e não conseguia se mover. Eu só sentei ao lado dela, e ela gritava: "você não vai me ajudar?" e eu respondi: "não. Eu espero a sua morte há quatorze anos. Não vou perder-la". Ela começou a berrar, chorando...

Gika estava definitivamente pálida, assustada, chocada. Quem era a Catherine? Uma personalidade assassina? Era um relato de omissão diante do suicídio. A irmã não queria realmente morrer, queria tirar o feto dentro de si. Porém o sangramento condicionou a morte e...
... a Raveneh não ajudou.
- Ela era muito tola - continuou Catherine - ela gemeu de dor durante uma hora mais ou menos. Acho que nunca fiquei tão feliz na minha vida, ao ver aquelas gotas de sangue pingando e pingando, sempre gentis... Agora eu estava quase livre. Quando iria amanhecer, Catherine já estava morta. Levantei-me, tomei banho e dormi na minha cama mal podendo esperar quando mamãe acordaria e veria a cena. Não deu uma hora, mamãe soltou um berro que sacudiu a casa. Tive que conter o riso, mas... achei tão engraçado!
- Como você pode achar engraçado a morte da própria irmã? - chocou-se Gika. Catherine sorriu.
- Ahn... - disse - você é uma dessas moralistas? Minha irmã era muito chata. Inútil para a humanidade. Inútil mesmo. Tola, burra, idiota. Mereceu morrer.
Gika se arrepiou ao ouvir aquelas palavras, mas pediu que continuasse o relato.
- Bem, papai chegou dois dias depois, e teve o enterro e o funeral e o bla bla bla. Todos me deram os pêsames, mas eu ria demais. Raveneh, claro, ficou chocada! Ela se escandalizou, chorou, foi terrível! Mas ela nunca soube da verdade, creio. Os pais dizeram que a irmã se enforcara no celeiro e disseram também que ela estava na ocasião. Raveneh sabe que não é verdade, sabe que é mentira. Ela acha que é a culpada pela morte. Mas ela não se lembra realmente do que aconteceu, e como não sabe desculpa melhor, bem, é o que ela diz: a irmã se enforcou no celeiro. Ela não se lembra de nada. Uma semana depois da morte, veio o Charlin, rapaz simplório, tolo. Passei a conviver com ele durante dois anos. Nesse meio tempo, meu pai morreu na minha frente. Disso, Raveneh se lembra um pouco. Meu pai estava em casa, com toda a família reunida em volta da mesa. Havia se passado um ano desde que Catherine morreu. Eis que chega a Dark Milk (N/A: 'dark milk' significa 'leite preto' ou 'leite negro' em inglês. Ninguém sabe o porquê do nome), batendo na porta. Olharam para o meu pai e gritaram: "é este. Peguem-no!". Minha mãe catou todos os filhos e levou pra cima. "Vagabunda" disse um deles "pariu um bocado de neném. Olha só a cambada de cria dessa vadia". O outro riu. "Mas o que queremos é o marido da vagabunda" observou o maior deles "matem-no". "Não!" mamãe gritou "vocês não podem fazer isso!". Somente foi empurrada para a escada, e para evitar ser espancada, subiu a escada. Nós víamos tudo de lá em cima... bateram muito no meu pai. Muito mesmo. Nós gritávamos demais, mas não teve jeito: eles só riam, batiam mais. Eles tinham prazer em nos ver sofrendo aquilo. Nessa noite, era eu e Raveneh alternando. Aquela cena foi tão violenta que eu mesma não aguentei muito... fechei os olhos, deixei Raveneh ver um pouco... depois ela cedia o controle e eu assumia, e foi nisso durante toda a cena. Eu e ela ficamos doentes durante dois dias, depois da cena de barbaridade. No final, meu pai era somente um corpo todo esfrangalhado. Parecia uma massa de carne disforme. Eu não vi, pois tive medo. Mas meus irmãos me disseram que nunca viram um corpo mais maltratado, nem quando a Dark Milk decapitou uma mulher que morava perto da nossa vila e nós encontramos seu corpo. Seu corpo somente não tinha cabeça, mas não havia marcas de espancamento. Mas com papai... não admira que Raveneh tenha pesadelos com essa cena todos os dias.
Gika mordeu o lábio inferior. Já tinhas duas cenas marcantes e fontes de pesadelos de Raveneh, que ajudaram muito³³³ a piorar seus distúrbios de dupla personalidade.
- Mais um ano se passou. Meus irmãos, traumatizados, passaram a trabalhar para o governo. Todos eles. Quando eu completei dezesseis anos, morávamos somente eu e mamãe. Ela estava muito doente, do tipo que não conseguia viver sem ter alguém do lado. Eu, pessoalmente, achava isso um porre. Queria sair daquela vila, queria sair daquele inferno... Mas Raveneh praticamente me obrigava a ficar ali, cuidando da sua mãezinha nojenta e querida. É impressionante como Raveneh era. Sua mãe lhe torturou durante dezesseis anos seguidos, sempre com palavras "você é uma burrinha, não é, Raveneh?" dizia mamãe "você não vale nada!", e sempre com suas tenebrosas mãos: "vou pegar você, ah vou!" e dá-lhe chicotes, cintos, palmadas. Qualquer coisa que Raveneh fizesse era motivo pra surra. E já perdi a conta de vezes que a mãe tentou matar Raveneh: com suas mãos, apertava o pescoço de Raveneh bem forte, estrangulando-na. Ou então quando faziam o almoço ou jantar juntas, a mãe sempre dava um jeito de encostar a faca em Raveneh, fazendo cortar... Nos dias em que iam para o rio, Raveneh não sabia nadar e a mãe sabia. Ela ficava sempre ao lado da mãe, e quando estava prestes a se afogar, a mãe só fazia gritar: "louca! idiota! burra! como pode não saber nadar? Catherine faz isso muito bem!". E era sempre o pai a lhe salvar... O pai nunca prestou muita atenção em Raveneh, assim como nunca prestou atenção nos outros filhos. Foi um pai muito ausente. Mas não lembro de uma única vez que ele levantasse a mão contra mim. Não lembro de uma única vez que ele falasse que Catherine era melhor que eu, que eu era um desperdício de menina. Sei que meu pai nunca desejou que eu morresse, como mamãe desejava. Raveneh amava a seu pai, por isso, sofreu muito quando ele morreu... foi um sofrimento sincero, não falso quando a irmã morreu. Raveneh chorou, mas sabia que estava sendo falsa: ela odiava a irmã. Bem, retomando o rumo inicial... quando eu tinha dezesseis anos, tinha que administrar os remédios da mamãe. Quem fazia isso era Raveneh, eu não tinha saco pra contar os milímetros de água e coisas assim. Até que em um dia quente, Raveneh foi ministrar a dose de um remédio, muito bom em doses certas. Eu acabei assumindo o controle do corpo dela nessa hora, e exagerei nas doses. E o remédio era mortal. Pois bem, depois de ver o que tinha feito, deixei Raveneh assumir a responsabilidade. Raveneh sem desconfiar que havia muito mais remédio do que podia, deu-o para a mãe. A velha morreu na hora. Raveneh ficou muito assustada e com medo que a linchassem por ser culpada pela morte. Então deixou ela lá, fez as malas e ó, se mandou. Bem, aí está. Foi-se embora.
- Você é cruel, Catherine - disse Gika ao fim.
- Eu somente defendo a Raveneh - Catherine sorriu - eu não tenho vergonha do que já fiz. A irmã maltratou a Raveneh tanto quanto a mãe, eu a matei. A própria mãe quis que Raveneh morresse, eu a matei também. Quando Raveneh não podia sofrer, eu sofri por ela. Quando Raveneh foi capturada pelos nortistas e foi chicotada, quem recebeu fui eu. Quando Raveneh quis fugir, fui eu quem assumi o corpo dela e lhe dei energia para seguir em frente até desmaiar. Eu fiz tudo por Raveneh.
- Você a ama, Catherine? - indagou Gika.
- Eu quero que ela seja feliz. - respondeu Catherine admirando a janela.
- Com Johnny? - Gika começou a se perguntar... Catherine realmente estava parecendo sincera. Como seria a Raveneh hoje se a Catherine não tivesse deixado a irmã morrer ou matar a mãe? Será que Raveneh ainda estaria viva?
- Sim. - Catherine parecia sonhadora - quando eu compreendi que Johnny realmente amava a Raveneh, deixei que Raveneh ficasse com ele. Eu odeio a Raveneh? Não... é o que eu digo para Johnny. Eu sou orgulhosa, mas eu só quero o melhor pra ela.
- Catherine... - começou Gika - e se o melhor para a Raveneh é você deixar de existir?
- Simplesmente deixar de existir não é o melhor para a Raveneh - Catherine respondeu com convicção - Raveneh não quer lembrar do que fez. Ou melhor, do que eu fiz. Ela tem valores morais muito diferentes dos meus. E somente Raveneh pode saber o que é melhor para ela.
- Não quer se encontrar com Raveneh? - indagou Gika - vocês duas conversarem... sozinhas?
- É uma boa idéia - disse Catherine - excelente. Talvez eu consiga. Não sei... bem, doutora... quando Raveneh estiver com Johnny, não vou mais interferir... então... diga ao Johnny que eu... que eu peço desculpas, está bem? Eu não sou um monstro como ele pensa que eu sou. Apesar de eu ser completamente antipática, eu... - Catherine chorou.
- Catherine, você... - começou Gika, mas logo o rosto de Catherine se levantou, com as bochechas coradas.
- Catherine? Do que está falando, Gika? - indagou Raveneh. Gika se surpreendeu.

PEIIIIIIIMMMMMMMMMMMMM!!!!!!!!!!!!!!
- O sinal já tocou? - surpreendeu-se Raveneh - mas eu mal cheguei!
- Sim, Raveneh - disse Gika com um triste sorriso - precisarei falar com Johnny. Ele virá hoje?
- Não - respondeu Raveneh - amanhã.
- Oh sim - Gika sorriu - está dispensada, Raveneh.

Fim da memória de Gika. Voltemos ao roteiro normal: já se passou a quarta-feira. ;)

sábado, 20 de outubro de 2007

Parte 58 - o Outro Depoimento de Renegada/Rei

- Que interessante - disse Lala - Lefi acabou de me informar uma coisa curiosa. - estendeu um papel - Mycil Regallian. - Renegada mordeu o lábio inferior - posso afirmar que Regallian é a família que descende da antiga linhagem que reinava sobre Kuppytta, no norte?
Renegada suprimiu um riso: finalmente descobriram a sua família! Bem que suspeitava dos gestos suspeitos de Maria, ao recolher seu sangue, há muito tempo atrás... definitivamente Maria não era a melhor pessoa para fazer algo escondido.
- Sim. - respondeu Renegada.
- Bem, é uma coisa interessante - disse Lala - mas voltemos ao assunto. Por que você deixou Arthur nas mãos do Rei?
- Porque eu praticamente aproveitei da boa vontade de Renegada e sequestrei o Arthur - o Rei disse gravemente - quando Arthur deixou de amamentar, eu o escondi e disse para Renegada que...
- ...Se eu não o obedecesse prontamente, nunca mais veria meu filho - interrompeu Renegada em um múrmurio frio.
Aammm... Por isso que Renegada odeia tanto o Rei? Por isso que dói amar-lo... afinal, o Rei roubou o filho dela!, refletiu Lala concluindo sobre o caso.
- De modo que trabalhei para Calvin durante dez anos - disse Renegada - só via meu filho de mês em mês, e nunca ele sabia que era eu a sua mãe. - Renegada engoliu em seco, controlando suas lágrimas - há pouco tempo, resolvi parar com essa história. Mas antes de exigir a soltura de Arthur, pressenti a vinda de uma outra fada. Não era das trevas, pelo contrário. Nós, fadas das trevas, chamamos fadas do tipo de Raveneh de "fadas cor-de-rosa". E não sei porquê, tive a sensação que encontraria a salvação se estivesse com ela. De modo que parti, mas mal cheguei ao portão e fui capturada. O Rei previu o meu limite. Ele exigiu que eu contasse sobre tudo.
- Mas você não poderia ter feito algo? - indagou Lala - você é uma fada, ele é mortal comum.
- Mas Calvin conhece as minhas fraquezas - respondeu Renegada - se uma fada amar a outro ser que não seja fada, já fica um pouco mais vulnerável. E ele sabia se prevenir... De modo que eu não podia usar meus poderes em larga escala, nem poderia resistir caso ele me capturasse. O máximo que podia era ficar brava e obedecer. Calvin conseguiu arrancar as informações sobre Raveneh... Ele disse para eu manter-lo informado sobre ela. E fui.
- Encontrei Raveneh, chegamos até as Campinas - continuou Renegada - e voltei em segredo ao castelo. Exigi a soltura, ele não cedeu. Disse-lhe que ele não podia tocar em Raveneh, pois ela estava protegida por mim.
- Espere - interrompeu Lala em um múrmurio de surpresa - Raveneh está sob a sua proteção?
- Sim. Calvin tentou sequestrar-la para me chantagear - disse Renegada - ele não podia matar Arthur, pois este era o herdeiro. Mas com Renegada, era outra história: ele não nutria sentimento por Raveneh, e a mataria sem pestanejar. Mas mesmo sendo avisado de que eu a protegia, Calvin insistiu e tentou sequestrar Raveneh, causando pânico nas Campinas. Bem, isso é tudo.
- Vamos resumir a história: vocês tem um caso, ela tem filho, aí ela é sequestrada, ele a salva e ela como prova de gratidão, aceita criar o filho no castelo - disse Lala apressadamente, tentando resumir a história - mas aí ele pega o menino, e passa chantagear-la, e anos depois, ela não aceita mais a situação e tenta ir embora, e envolve uma menina que não tem nada a ver com a história, e... ok, não falarei mais senão meu cérebro vai dar um nó. Mas e os ataques às Campinas? - observou Lala interrogativamente.
- Isso é puro interesse - disse o Rei - as Campinas são fabulosas, e tomar-las é um sonho de consumo para muitos reis - sorriu - sabe, eu sempre desejei ser o Senhor das Campinas.
- Ah bem - disse Lala - e para isso, quebrou o Tratado.
- Eu não me incomodaria com isso - disse o Rei com um sorriso bastante sinistro - o Tratado foi que as fadas não me protegeriam nem me almadiçoariam, caso eu não invadisse nem as Campinas nem o Reino das Fadas. Bem, meus sonhos foram por terra e não me incomodo de ser julgado e ser condenado.
- Calvin, você vai ser morto, muito provavelmente - disse Renegada séria - sequestrar uma protegida é um crime punido com a morte. E desrespeitar a uma aliança mágica, também.
- Sim. - disse o Rei - eu sabia do que estava fazendo. Mas os nortistas intervieram... bem, o que posso fazer? O menino está bem, com as pessoas das Campinas. Ele tem o meu sangue e o sangue de Kycci. Não poderá existir pessoa mais dividida entre o bem e o mal - o Rei baixou o tom de voz ao falar a última frase.
- Eu escutei isso - afirmou Renegada - você acha que é o bem ou o mal?
- O bem, minha querida - respondeu o Rei - sempre serei o bem. Mas você, minha querida, é a pessoa mais dividida que conheço. Como pode uma fada das trevas ser uma pessoa de tão boa índole?
- Como pode um Rei aparentemente bom ser tão mau? - ironizou Renegada.
- Paremos com a tola discussão - disse Lala - os depoimentos foram suficientes. A verdade virá a tona daqui a uma semana, no julgamento. O crime do Rei será a tentativa de sequestro de uma protegida e a quebra do Tratado. O crime de Renegada será a "espionagem" que fez, pois fez em função do Rei. Mas - disse quando viu a expressão surpresa de Renegada - suspeito que você sairá inocente. Afinal foi chantageada, e creio que não havia outra solução.
- Oh... - murmurou Renegada - sim.
- Ficarão uma semana mantidos em cativeiro - disse Lala já em pé - tenho todos os fatos, e no julgamento vocês os repetirão quantas vezes for necessário. Guarda Real!
Vieram quatro fadas vestidas de branco com dourado para dentro da sala, e se encarregaram de levar Renegada e o Rei para os seus respectivos quartos.
- Calvin... - pensou Renegada consigo mesma - mal sabe o que o destino lhe reserva...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Parte 57 - O Poema de Regallian :3

- Mais uma confissão como a de ontem - disse Lala - e vocês já poderão ser julgados.
Renegada olhou para o teto, enquanto o Rei suspirou impaciente.
- Querem que a gente explique a causa e as consequências, não? - indagou Renegada.
- Exatamente isso. - concordou Lala - por favor, poderiam me revelar mais?
Renegada suspirou. Lala acabou refletindo o quão curioso era o fato de ela chegar ali com o intuito de torturar o Rei, mas bastou ser educada e manter os dois juntos que ele colaborava imensamente, respondendo a todas as perguntas. Renegada amante do Rei! Quando poderia chegar a esta conclusão?
Deu sinal verde para que Renegada e o Rei continuassem a história.

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- Siih... - disse Lefi - como está?
- Ammmm... - fez Siih - não consigo... ahn... eu... - ofegou, e tentou levantar a mão.
- Tome - disse Lefi - Vê fez um chá maravilhoso. Por que não o toma?
- Vê é... um amor... de pessoa - suspirou Siih - qual sabor?
- O seu predileto - respondeu Lefi estendendo a xícara - com cubos de chocolate :)
- Wow... - Siih sorriu - Lefi... se eu tenho poderes tão imensos assim, por que não os uso para me recuperar?
- Porque o seu poder é de manipular mentes e corpos - Lefi disse - e a sua doença está justamente nisso. O seu corpo não está preparado para tanto poder assim.
- E por isso estou de cama? Céus, quer dizer que eu posso morrer?
- Exato. - Lefi estava com um tom bastante sombrio - mas você sempre pode abrir mão deles...
- Nunca! - protestou Siih - se eu posso manipular mentes, vai ser a nossa vitória! Basta um piscar de olhos, Lefi, e os nortistas sumirão dos nossos portões!
- O que está dizendo? - surpreendeu-se Lefi.
- Agora está tão claro! Nem me sinto mais doente - Siih olhou para a xícara quase vazia - bendita seja Vê e o seu chá... Veja, eu poderei usar meus poderes para o bem... E meu corpo irá aguentar, eu sei. E se realmente não aguentar... Eu cedo meus poderes!
- Wow. Tenho que admitir que dessa vez você pensou bem, irmã - disse Lefi - bem, o julgamento de Renegada e Rei foi marcado.
- Já? Mas eu nem recebi os relatórios - Siih comentou - se bem que estava doente. Isso quer dizer que Lala conseguiu obter informações! Que bom!
- Sim, Lala diz que em uma semana, terá todas as informações possíveis - disse Lefi - mas ela ainda não contou sobre nada. Somente soltou algumas falas suspeitas, e digo que o Rei e a Renegada falaram muitas preciosidades.
- O julgamento decidirá se o Rei deve voltar a sua terra natal ou ser condenado por desrespeitar o Tratado... - disse Siih mais para si do que para Lefi - e Renegada deverá ser julgada por manter relações com o Rei em segredo, sendo que ele era condenado 'persona non grata' tanto aqui quanto nas Campinas... espero que Renegada saia inocente, já o Rei... espero que a pena seja de morte. Não creio que ele deva ser condenado a danação eterna. Mas... pode parecer que sim, mas na verdade a minha palavra não vale mais que a lei. - Siih respirou fundo - poderia pedir a Vê preparar mais um chá desses? Ele realmente me fez bem! Não duvido que logo possa andar sem sentir dor.
- Que bom, Siih - disse Lefi - é realmente uma boa notícia.
- Bem, vou dormir um pouco - disse Siih - e... não deram mais notícias a respeito do exame de sangue que fizeram. Em Renegada.
- Bem - Lefi observou - o resultado foi que Renegada ocultou as propriedades do seu sangue, e tudo que se pode descobrir foi que ela descende da realeza.
- Mas especificou se era descende diretamente ou não? - indagou Siih.
- Indiretamente. Ao que parece, a família real dela governava alguma região há muitos e muitos anos - disse Lefi - ela não é mais considerada princesa.
- Ela veio do norte... - murmurou Siih - e possui o título 'Renegada'. Porém nasceu no Mundo das Fadas e é uma f ada, mais especificamente, fada das trevas. De que família ela descende?
- Mas isso tem alguma importância no julgamento dela? - Lefi perguntou.
- Talvez sim, talvez não - disse Siih - espere... não houve uma família de f adas que nasciam todas neste reino, mas governavam o Reino Kuppytta? (N/A: pronuncia-se 'cupita') Eu lembro da lenda... era cantada por mamãe, lembra, irmão?
Siih ajoelhou-se na cama, soltando somente um múrmurio de dor e começou a entoar um cântico.

Há muitos anos, quase ninguém se lembra
Houve uma família tão bonita
Era o pai e a mãe e quatro filhas
E uma estrada sempre dourada

A mulher sempre ia parir aqui
E logo depois agradecia e ia partir
Ia embora por uma estrada
Sempre dourada

Eles governavam o reino de Kuppytta
E eram tidas como seres das trevas
Mas... não eram cruéis, nem sem-coração
Somente nasciam como seres ocultos

Seu sangue era oculto para nós
E seus encantos eram desconhecidos
Para nós
Um dia desses, encontrei uma princesa

Que era dessa família
Contou-me uma triste história
E eu venho a relatar-la
O reino sucumbiu

A família inteira foi morta
Por outra família rival
Os sobreviventes foram embora
E nunca mais haver reino igual

Hoje ainda existem
Os filhos dos filhos dos filhos
E eles hojem foram renegados
E carregam esse triste título

Vivem entre as sombras
Escondendo-se na escuridão
Eles não são sem-coração
Mas sabem fazer dos seus poderes
Um perigo...


- Uau - disse Lefi.
- Acho que sabemos agora a ascendência de Renegada - disse Siih com um sorriso - comunique isso a Lala, por favor.

sábado, 13 de outubro de 2007

Parte 56 - Rei e Renegada explicam o que houve há dez anos atrás (I Depoimento)

- Iuihuu!! - exclamou uma Raveneh radiante, diante de Johnny que lia o jornal do dia.
- Raveneh? - disse Johnny surpreso.
A Raveneh rodopiou contente, mostrando as longas madeixas loiras. É, Raveneh tirara a tinta negra.
- Voltou a ser loira? - riu Johnny - ficou mais linda ainda!
- Ah... ser morena me fazia lembrar Catherine - disse Raveneh com tristeza - era só nela em que eu pensava. Sabe, nós somos parecidas em boca, olhos, essas coisas.
- Wow... - fez Johnny - é um motivo válido.
- Oh sim! - Raveneh rodopiou mais uma vez - eu amo ser loira!
Johnny sorriu, e logo lembrou:
- Não é a hora da terapia?
- Hmmm - fez Raveneh - preciso mesmo ir?
- Você precisa de tratamento, Raveneh - observou Johnny.
- Mas eu já superei! - insistiu Raveneh - com uma consulta, mas já superei. E...
Raveneh suspirou.
- É por causa da Catherine, não é? - indagou.
- Ca... o quê?
- Catherine, minha irmã. Eu falo demais sobre ela...
- Não é por isso - Johnny disse - por favor, vá.
Raveneh assumiu um aspecto triste, e olhando vagamente para o céu, disse:
- Está bem, Johnny. Não é tão ruim passar uma hora por semana com a Gika, afinal das contas.
Johnny sorriu, e erguendo o rosto, beijou Raveneh na testa suavemente.
Raveneh levantou o rosto, com o olhar sombrio e uma voz séria:
- Sabe, Johnny - disse Raveneh - eu odeio a Catherine. Será que tal ódio foi o que fez fazer-la surgir dentro de mim?
- Hã?

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- Já se passaram muitos dias - disse Lala - e não descobrimos muitas coisas interessantes. Vocês só sabem me enrolar.
O Rei riu.
- Lala - suspirou Renegada - eu tive o filho com o Rei, que é o Arthur, e eu desejo ver-lo, ao menos.
- Renegada - disse Lala ignorando a afirmação da Mycil - você é uma fada das trevas. Estou correta, não?
- Sim, em absoluto - confirmou Renegada.
- Por que não utiliza de seus poderes para livrar-se da prisão? Você não me parece uma iniciante, muito pelo contrário - indagou Lala.
- Porque - Renegada baixou o olhar, triste - quando se perde a liberdade, seus poderes se vão e só restam os mais inúteis.
- Só por isso? - disse Lala.
- Só? Bem, também foi porque eu desejei que tudo fosse esclarecido, e também... - Renegada levantou o olhar com um sorriso bastante sinistro - eu acabei por deixar o ódio tomar meu coração...
Lala se assustou com a última afirmação, mas não demonstrou tal surpresa. Somente ficou séria, e perguntou:
- Por que Arthur veio a cair nas mãos do Rei?
Renegada mordeu o lábio inferior, o Rei riu.
- Bem - disse o Rei - digamos que Kycci foi capturada.
- Por quem? - Lala anotava tudo, mesmo que o pássaro gravasse tudo em sua mente.
- Pelos nortistas - disse Renegada - fui tida como uma traidora. Há dez anos, fui ser empregada na Conferência servindo aos nortistas, envolvi-me com o Calvin, enfim, o que você já sabe. Quando eu engravidei, Calvin disse para eu voltar a minha terra. Ele renegou a mim e ao filho. Isso você já sabe também.
- Sim, mas eu quero saber... por que foi capturada?
- Insisti e preferi ficar morar no reino de Heppaceneoh. E foi justamente na Ofensiva Sexta, a sexta vez que os nortistas tentaram tomar o reino. Estava grávida de sete meses - Renegada suspirou - sabe, e eu tinha que aturar aquele castelo cheio de festas, luzes, o escambau. Ainda por cima, quando estava grávida, o Calvin casou-se com aquela vagabunda da Seelie.
- Hey, a Seelie não é uma vagabunda! - protestou o Rei - aliás...
- Aquela mulherzinha não era vagabunda? - Renegada riu sarcasticamente - ah, você me faz rir! Seelie era uma vadia completa, só você que não viu. Ainda bem que morreu tão logo que casou. Mas uma vez corno, corno para sempre - gargalhou de uma forma desagrável que fez Lala se arrepiar toda.
O Rei mordeu o lábio inferior, furioso.
- Quando eu tive Arthur, foi no dia em que os nortistas tentaram invadir a cidade - contou Renegada - lembro muito bem, como se fosse ontem. Era noite, e eu estava sozinha. Da minha janela, dava-se para ver as luzes do castelo a brilhar. Lá dentro eu podia imaginar Calvin e Seelie, e eu me roía por dentro com isso. Eu não podia chegar ao castelo e dizer que eu estava grávida dele na frente de todos, senão meu pescoço iria rolar. Sabe, Calvin sabe enganar uma mulher muito bem. Ele não nutre sentimentos por ninguém, ele finge, engana, trapaceia. É uma coisa triste de se ver.
- Nesta noite, deitei-me na cama e senti as contrações. Foi a maior dor que eu senti na minha vida, e foi ainda mais dolorosa o fato de eu estar completamente sozinha. Lynda, antes de eu partir, disse para mim que estaria sempre comigo, não importando a situação. As fadas, de modo geral, podem manter contato mental uma com a outra. Acho que foi somente isso que me salvou naquela noite: Lynda se comunicar comigo, mesmo estando muito longe. Banhei-me, e lavei o Arthur com imenso carinho. Era meu filho. Somente meu. A esta hora, os nortistas foram derrotados na primeira batalha. No dia seguinte, visitei o Rei para parabenizar-lo pela vitória na primeira batalha, como muitos cidadãos fazem. A Rainha Seelie recebeu-me bem, mas ela nunca gostou de mim e sempre suspeitou das minhas reais intenções. Apresentei-me ao Rei, e apresentei-lhe também o Arthur. Foi o maior erro que cometi. Logo ele começou com uma conversa mole de que eu tinha que dar o filho para ele, coisa que recusei. Ele não falou nada. Voltei para a casa, e continuei a criar meu filho. Enquanto isso a guerra acontecia. Foi um ano e meio de guerra, devo dizer. Já estávamos no meio, e os dois lados estavam cansados, exaustos. Nessa época que o Rei resolveu contar com a ajuda das Campinas e das Fadas. Quando meu bebê tinha dois meses de vida, vi as fadas marchando vigorosamente nas ruas. Pressenti que algo de grandioso iria acontecer. Também vi as pessoas das Campinas. Eram sorridentes, felizes. Ah, como eu as invejei naquele momento. Eu poderia chegar com o bebê lá, eram tão receptivos!
- Aos três meses, as fadas começaram a vencer os nortistas e resolvi me apresentar de novo ao Rei. Ele continuou com a mesma proposta, e disse que a Seelie não conseguia engravidar sem abortar. Dizia que ela era estéril. Maldita, tenho certeza de que ela abortava de propósito. Quando as fadas conseguiram matar a maior parte dos nortistas, Seelie ficou grávida novamente. E quando ela completou dois meses de gravidez, uns nortistas penetraram o castelo e mataram quase todos os empregados. Sequestraram a rainha Seelie e disseram que se não entregasse as minas de Ockötti, eles iriam matar a Rainha. Seelie passou quatro semanas com os nortistas, mantida em cativeiro.
Renegada silenciou, cansada de tanto falar. O Rei então passou a continuar a história que Renegada contava:
- Fiz um trato com as fadas para que salvassem o meu reino. Almejava na época tomar as Campinas, mas agora precisava do apoio daquele povo. As fadas concordaram em me ajudar e em não me machucarem, contanto que eu não machucasse ninguém sob a proteção das fadas ou do povo das Campinas. Elas conseguiram descobrir onde a Seelie estava presa, e mataram todos os nortistas em volta. Mas quando chegaram, Seelie estava muito fraca e sangrando. Lembro até hoje... foi terrível. Ela tentava respirar, seu vestido estava todo rasgado, e vários cortes que não se fechavam. Uma das fadas disse que ela teve sorte, pois normalmente os nortistas costumam decepar partes do corpo, coisa que não ocorrera com Seelie. Claro, ela abortara. Um corte profundo ferira-lhe o ventre, e ela já não podia sequer engravidar. A ferida se infeccionou. Ela caiu morta uma semana após o resgate, e nada pude fazer para salvar-la. As fadas fizeram um ataque surpresa, e derrotaram os nortistas de vez. No funeral da Seelie, Kycci veio me dar os pêsames e lhe pedir mais uma vez que me entregasse Arthur...
- Mandou - rosnou Renegada virando a cara para o outro.
- Não me interrompa, senhorita - rosnou o Rei - ok, eu mandei. Ela se recusou a entregar o bebê. Porém ela acabara se envolvendo no submundo, onde rola muitos crimes. Havia, na época, um Sir Mük que era um cafetão e traficante de drogas ilegais. Kycci ajudou várias prostitutas a fugirem e conseguiu saber demais, causando prejuízo ao negócio do Sir Mük, e ela acabou sendo sequestrada e Arthur feito de refém.
- Não sabia o que fazer - continuou Renegada - não sabia que tempo havia passado desde que eu fora sequestrada, eu já estava em carne viva de tanto que eles me machucaram. E eu não sabia o que estavam fazendo com o meu filho... foi nessa época que Arthur ganhou a maior parte da proteção dele. Quando uma fada é mãe, ela não sabe os limites. Ela enlouquece caso o filho esteja em perigo, e muito provavelmente abrirá mão dos seus poderes para proteger o filho. Foi o que eu fiz. Eu sabia que Arthur estava vivo, só não sabia se ele estava bem. De modo que cedi os meus poderes para meu filho, e fiz com que ele suportasse. E quando já estava fraca, consegui fazer que um pássaro contasse o que ocorrera para o Rei.
- Assim - disse o Rei muito sério - eu soube do sequestro. De modo que mandei tropas escondidas. Renegada me dissera pelo pássaro onde o bebê estava, ela sabia, só não tinha forças para resgatar-lo. Consegui resgatar o bebê, e matei pessoalmente todos aqueles que "brincavam" com Arthur. Agradeci por Kycci ter cedido seus poderes para Arthur, senão ele não teria sobrevivido a aquela tortura. Não fora machucado, nem nada. Mas o terror daqueles homens, os gritos, os 'bilu-bilus' maldosos... Arthur tem pesadelos até hoje por causa disso.
Renegada respirou fundo mais uma vez e continuou:
- O Sir Mük irrompeu no meu 'quarto' e me xingou de 'vadia' e outras coisas mais. Estendia uma faca, e já ia me matar. Normalmente fadas não morrem com uma facada, mas eu já estava tão fraca e sem meus poderes que eu morreria ali mesmo. Nessa hora o Rei o matou e me resgatou. Fui levada até o castelo, e consegui me recuperar bem, conseguindo até mesmo alguns dos poderes de volta. Mas Arthur ficaria para sempre protegido magicamente por mim. Calvin, disse, então que eu estava devendo a ele. "Nojento!" eu disse "você está me chantageando?". "Chantageando?" ele disse "não, não seria isso. Só digo que você deveria dar o seu filho para eu criar-lo. Mas você poderia viver aqui se quiser". Então, por "gratidão", aceitei a proposta. Entreguei Arthur, contanto que ele me mantivesse no castelo, por perto. Mas as coisas começaram a ficar perigosas...
Lala ficou em silêncio, anotando tudo o que ouvira.
Estava ainda na parte das causas dos problemas, agora precisava chegar quando chegaram as consequências.


N/A: a partir de agora, finalmente a historinha vai entrar na reta final. (:

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Parte 55 - Siih fica doente.

Durante a madrugada, pela primeira vez em muito tempo, Raveneh dormiu tranquilamente, sem pesadelos. Acordou bem-disposta, e Nath afirmara que ela estava totalmente recuperada, o que foi motivo de alegria para todos.
- Onde está a Renegada? - indagou Raveneh. Era visível que ninguém contara a ela sobre a ida de Renegada para o Reino das Fadas.
- Está com as fadas - disse Rafitcha.
- Fadas? Por que?
- A Rainha a convocou - contou Umrae - o porquê, ninguém sabe.
Raveneh ficou pensativa, então. Mas logo se animou, e começou a tagarelar. E todos ficaram felizes, pois queriam de volta a Raveneh alegre, que dava conselhos e sempre fazia os outros ficar com alto astral.

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- Você não está bem, Siih - disse Lefi.
- Estou sim e eu posso levantar! - insistiu Siih - veja, eu estou bem.
- Siih, minha querida irmã - afirmou Lefi - a sua febre está aumentando, a sua dor de cabeça também. Você mal consegue ficar de pé. Como pode dizer que está bem?
- Eu te odeio, Lefi - suspirou Siih olhando para o teto.
O casal de irmãos estava sentado na cama, enorme e pomposa de Siih. Como Rainha, tinha uma cama grandiosamente arrumada, com colchas feitas de linho branco, almofadas que faziam sua cabeça afundar, e um cheiro bastante agradável de bala de menta. A iluminação no quarto estava fraca, pois era hora de entardecer, quando o sol descia e o céu assumia tonalidades laranjas. Era um clima bonito, por assim dizer.
- Siih, você está muito fraca - insistiu Lefi.
- Eu posso andar - replicou Siih.
- Não, não pode - contradisse Lefi - você está com febre. Acho que isso é consequência dos seus poderes.
- Lá vem você com essa história! Só preciso de um chá...
Siih ergueu o braço, mas logo falhou, e suspirando profundamente, olhou para o teto cansada.
- Siih, não seja tão dura consigo - disse Lefi - terá todos os cuidados como deve ser. Uma Rainha não fica abandonada. Nunca.
- Eu tenho medo de os nortistas atacarem o Reino das Fadas - confidenciou Siih.
- Medo? Eles não conseguirão chegas às Campinas! - exclamou Lefi incrédulo.
- Acho que conseguem. O exército é brutal, forte demais - disse Siih - lembro dos relatos que li... Um horror.
- As Campinas resistiram há dez anos atrás - Lefi observou - quando você era uma criança.
- Argh... - respirou. A pele de Siih estava encharcada de suor tamanha era a febre - foi demais o choque da Renegada ser levada praticamente presa... Está se iniciando uma desconfiança, Lefi. Eu sinto isso, entende? - ofegou - eu sinto que logo, se não for feito alguma coisa, o veneno da desconfiança poderá ruir com as Campinas. E aí... tudo será tarde demais e as coisas não poderão voltar ao normal.
- O que está dizendo? - Lefi observava Siih surpreso, pois esta não estava mais "normal".
Suava frio e tremia demais. Não encarava Lefi, e seu olhar estava decididamente muito estranho. Normalmente os olhos da Siih eram castanho-escuros, mas naquela hora adquiriam uma coloração avermelhada muito estranha.
- Perceba... Renegada era uma espiã - disse Siih em uma voz rouca bastante estranha - ela não contou, mas eu percebo. Ela teve algum motivo para se encontrar Raveneh no meio da estrada, ela tinha uma ligação com o Rei muito íntima... Renegada está decidida a ferrar o Rei, vejo pelo olhar. Ela não tem mais medo, como antes. E logo, logo as pessoas das Campinas se perguntarão se há outro espião... Afinal, a história - Siih ofegou - sempre pode se repetir... Quais os mistérios que cada um envolve? Cada pessoa ali tem uma história, e nem todas tiveram um passado feliz, Lefi. Nem todas. Uma vez eu vi Raveneh, muito de relance, quando ela veio para cá para fazer terapia. O seu jeito, o seu olhar. Raveneh tem um passado sombrio...
- Não se pode escapar que Renegada era espião. Eu sei que não há nenhum espião, somente seres com passados que devem ser esquecidos tamanho o horror que encerram. Mas as pessoas das Campinas não sabem disso, não sabem dos outros direito...
- Siih, você não está falando coisa com coisa, precisa dormir - insistiu Lefi assustado com as coisas que Siih falava uma atrás da outra.
- Não consigo dormir.
Siih já não suava nem ofegava mais. Não tinha mais o olhar estranho e somente deu um fraco sorriso.
- Não?
- Toda vez que fecho os olhos, tenho a impressão que alguém me vigia - contou Siih - dessa forma, não consigo dormir.
- É um pesadelo típico de febre - afirmou Lefi - tome um remédio, eu vou pedir para a criada.
- Não precisa... - disse Siih - somente... somente deixe a janela aberta e...
- A janela aberta, irmã? - indagou Lefi - mas assim os seres alados poderão entrar...
- Que entrem - Siih estava bastante calma - e deixe, por favor, aquela caixinha de música aberta. Ela me tranquiliza bastante.
- Está bem. Mas pelo menos feche as cortinas?
- Não, desejo ver a lua - Siih sorriu - ela está cheia hoje.
- Está bem, minha irmã - concordou Lefi - por favor, melhore.
Siih somente sorriu.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Parte 54 - Confissões de Raveneh/wow... Johnny...?

- Bem, eu serei a sua médica - disse Gika para Raveneh - pode me chamar apenas de Gika.
- Obrigada, Gika - disse Raveneh com um sorriso.
Johnny fizera um pedido para Lych ajeitar alguma coisa sem deixar vazar pro resto das Campinas, de modo que Lych foi pessoalmente pedir a Gika que atendesse Raveneh. Vê também recebera tal pedido, mas negara argumentando que fora convocada para cuidar do Rei e da Renegada, prisioneiros especiais da Rainha. E como Gika ansiava por um paciente, aceitou, então, o pedido. E Gika também desejava inaugurar o seu escritório recém-construído, mobiliado de forma bastante charmosa.
- Por que veio aqui, Raveneh? - indagou Gika paciente.
- Johnny acha que fiquei traumatizada com a invasão nortista - respondeu Raveneh - ele diz que tenho pesadelos todas as noites.
- E você tem os pesadelos?
- Sim - disse Raveneh. Baixou o tom de voz - mas eu os tenho muito antes de vir para as Campinas, doutora.
- Gika - corrigiu Gika - eu quero que me chame de Gika ^^" Mas continuando, muito antes de vir para as Campinas? Há quanto tempo?
- Quase um ano - Raveneh estava deitada no divã, olhando para o teto - foi um período bastante feliz.
- Você veio de onde, Raveneh?
- Em um reino distante, onde uma cruel ditadura se instaura - contou Raveneh.
Gika percebeu que se continuasse com as perguntas que fazia, não iria muito longe. Lych confidenciara, muito secretamente, que Raveneh estava apresentando uma dupla personalidade e que, provavelmente, a raíz deste distúrbio estava na infância.
- Como foi a sua infância, Raveneh? - indagou Gika.
Raveneh fez uma careta de dor, mas logo respondeu em uma voz calma:
- Boa.
- Boa como? - insistiu Gika - boa boazinha ou boa excelente?
- Boa boazinha - Raveneh sorriu, mas logo desfez o sorriso pesarosa - não fui completamente feliz...
- Por que não?
- Eu tinha nove irmãos, Gika - contou Raveneh - todos eles mais velhos que eu. Mas todos gostavam de mim, exceto uma. Ela se chamava Catherine. Bonita, ela. Demais. Seus cabelos eram negros, olhos azuis tal como os meus. Ela era a mais bonita entre todas da minha cidade, e a minha mãe a idolatrava. Mamãe sempre dizia que eu tinha que ser como a Catherine. A Catherine tinha quinze pretendentes para casar-se com ela, quando completasse dezessete anos. Eu nunca tive um e sempre odiei a idéia de casamento. Catherine era orgulhosa, tinha modos finos para tratar a realeza, e era a mais bonita de toda a cidade. Nenhuma moça era mais bonita que ela. Nenhuma. Meu pai estava preso nessa época. Sempre esteve. O regime forçado é cruel, e prendeu muitas pessoas. Era comum, meu pai sempre vinha, passava dois dias e voltava para a prisão. Ou ficava por aí, perdido, sem bom senso. Ele lutava contra a ditadura, por isso foi preso. Mas apesar de ser um ótimo combatente do regime, ele não era um pai nem mesmo quando estava em casa. Nunca se interessou conosco, nunca perguntou como íamos. Nunca. Acho que era por isso que minha mãe passou a odiar-lo.
Gika estava impressionada com a história que Raveneh contava. Como podia uma moça tão doce, meiga carregar nas costas uma história de dor e sofrimento?
- Bem - continuou Raveneh - eu vivia nisso desde que nasci. O regime foi implantado há uns dois anos antes de eu nascer, portanto não era algo verdadeiramente normal. - Raveneh suspirou profundamente e continuou - Como eu disse, eu era a mais nova dos irmãos. E era muito diferente deles. Todos eles eram morenos, de pele bronzeada. Eu era branca feito neve, e era loira de olhos azuis. Catherine tinha olhos azuis, porém puxara da minha avó paterna. E somente eu e ela tínhamos olhos azuis, e isso era algo raro na cidade em que a gente morava. Mas eu era loira. Minha mãe não era loira. Meu pai idem.
- Enfim, era isso. As pessoas me achavam bonita, sempre. Diziam a mesma coisa: "se você fosse como a sua irmã Catherine, iria ser melhor que ela". Passei a odiar Catherine. Bom, até meus dezessete anos, minha vida foi essa.
- Interessante, Raveneh - comentou Gika - diria que houve algum trauma relativo a isso?
- Acho que não.
- Por que saiu de lá? - indagou Gika.
- Minha mãe morreu - contou Raveneh - e meus irmãos foram trabalhar para o governo.
- Seu pai, sendo opositor do regime, concordou com a ida dos irmãos?
- Não - disse Raveneh - ele morreu.
- Quantos irmãos foram trabalhar para o governo?
- Nove. Um dele era Charlin, e foi adotado quando eu tinha quatorze anos.
- Adotado? Por que?
- Catherine morreu - contou Raveneh - e meus pais o adotaram na esperança de amenizar a dor.
Oooh!, Gika exclamou mentalmente, que interessante! Catherine morreu? Foi aí que ela criou a dupla personalidade?
- Como ela morreu? - perguntou Gika.
- Enforcada - respondeu Raveneh - mas não lembro direito. Foi há tanto tempo! Sim, foi há muito tempo! Não consigo me lembrar de muitas coisas...
- Compreendo... - disse Gika mais para si do que para Raveneh - o choque...
- Foi realmente um choque - concordou Raveneh sorrindo fracamente - um choque... Não lembro direito, mas acho que fui eu quem a encontrei... Sim, fui eu. Meu pai estava na ocasião, eu lembro disso. Ela se enforcara no celeiro, junto aos cavalos. Foi terrível! É a cena que revisito nos meus pesadelos...
- Pesadelos? - Gika disse inocentemente - poderia me contar como são os seus pesadelos?
- Nunca lembro direito - disse Raveneh - mas são algumas lembranças ruins que vem, sei disso. E meu pai está em todas elas. Minha mãe e a Catherine também...

PEEEEIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMM.....
Gika entristeceu. Disse:
- Oh, sinto muito. Mas o nosso tempo acabou e eu terei que servir a Vossa Majestade das Fadas agora...
Raveneh se levantou.
- Oh, não se desculpe... Afinal é o seu dever...
- Virá na próxima quarta-feira? - indagou Gika.
- Sim, virei - concordou Raveneh - contar histórias me deixa mais aliviada...

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Passou-se uma semana. Lala continuou recolhendo informações sobre o relacionamente entre Renegada e o Rei, mas nada que fosse mais chocante que o fato de eles terem sido amantes e terem um filho. E Lala ainda não havia chegado na parte mais importante, em que o filho ficou com o Rei e a Renegada teve que se submeter a vontade do ex-amante.
Raveneh continuou tendo pesadelos, e chorava durante a noite, e sempre era o Johnny que a acalentava. Siih vivia ocupada com seus deveres de Majestade, tendo contínuas dores de cabeça que nunca sabia o que significava. Depois do episódio da borboleta que virou cisne e morreu, ficara relutante em experimentar os poderes que Lefi jurava que ela tinha. E a vida seguia conforme mandava os acontecimentos.
E Johnny se sentia cada vez mais perdido. Ele amava Raveneh e a queria, mas não tinha mais coragem para beijar-la. E se sentia demasiado constrangido em pedir conselho a Rafitcha, sua irmã, ou qualquer uma das meninas.
- Johnny!! - exclamou Raveneh.
Johnny levantou a cabeça, observando Raveneh chegar da floresta. Céus, ela estava mais linda que nunca. O seu vestido era feito de seda, todo branco. O decote de princesa, com as mangas compridas e o comprimento chegar um pouco acima do joelho, tudo isso fazia Raveneh parecer uma perfeita princesa. Os cabelos ainda negros voavam, e Raveneh estava descalça. Johnny só faltou morrer com a deslumbrante visão.
- Johnny - disse Raveneh com um sorriso - Johnny! - abraçou Johnny fortemente. Porém ninguém viu o fato, já que era no pôr-do-sol, e todos preferiam ficar na parte oeste para verem o sol descendo lentamente no oceano. E a floresta ficava na parte leste.
- Raveneh! - exclamou Johnny - de onde você veio? Sumiu o dia inteiro!
- Oh! - Raveneh sorriu - eu dei uma passeada lá no Reino das Fadas - rodopiou fazendo a bainha do vestido levantar, o que fez Johnny fechar os olhos - o que acha do vestido?
- Lindo! - comentou Johnny - Raveneh, você fica linda em qualquer vestido...
- Eu amo a sua gentileza, Johnny - Raveneh disse docemente - hey, amanhã é quarta...
- Sim, dia de terapeuta - concordou Johnny. Por que lhe faltava coragem? Era o momento perfeito! As árvores estavam silenciosas, o céu estava se despedindo do

sol calmamente, Raveneh estava perfeita em um vestido branco de princesa, e estavam sozinhos! Ninguém veria alguma coisa! Todos estavam batendo palmas de forma idiota e cantando hinos ao sol. E os dois estavam ali, sem saber o que dizer...
- Dane-se, Catherine - Johnny disse bem baixinho - vá se danar.
- Johnny, o que vo...? - assustou-se Raveneh, mas não deu tempo de completar a oração.
Johnny a levantou (N/A: pensem o que quiserem, mas Johnny é BEM mais alto que Raveneh ù_ú), e levantou seu rosto. Johnny sabia que estava cometendo uma loucura, mas ainda assim, contra todos os seus princípios, tomou Raveneh pelos lábios de forma quase lasciva. Raveneh, felizmente, correspondeu. Johnny sabia que Catherine podia aparecer a qualquer momento, que podia estragar o beijo, que podia zombar dele, de Raveneh. Mas ele não ligava para isso. Queria Raveneh, desejava Raveneh. Queria que ela fosse sua (N/A: possessivo! lol), somente sua. E ele podia ter isso. Bastava a Catherine não ficar atrapalhando.
Raveneh envolveu o pescoço de Johnny com os braços, sem pensar em parar. Ela era mesma. Tinha a vaga sensação que isso já acontecera, em algum lugar nos dias anteriores. Mas não lembrava direito, era como um sonho perdido por aí.
- Johnny? - riu Raveneh - eu te amo.
Johnny passou as mãos pelos cabelos de Raveneh, que pousara a cabeça no peito de Johnny, com um sorriso.
- É, Catherine - disse Johnny para si - dessa vez, você aprendeu, não é?
Raveneh somente abraçou-o mais forte.

sábado, 6 de outubro de 2007

Parte 53 - Renegada e Rei contam um segredo.

- O que foi, Johnny? - indagou Lych.
- Eu preciso lhe contar uma coisa - disse Johnny - pois eu não sei mais o que fazer.
Lych deu um sorriso e disse:
- Conte-me! Doceh foi passear um pouco, tomar ar fresco - se esticou na espreguiçadeira - onde está a Raveneh?
- Ela foi passear com Rafitcha e Fer - respondeu Johnny em um tom bastante sombrio - e é melhor que ela esteja longe.
- Céus! - exclamou Lych - quem te ouve assim pensa que você pretende matar-la! O que houve?
- Eu a beijei. - disse Johnny rapidamente.
Lych olhou estupefato para Johnny. Logo seu olhar de surpresa passou a ser de divertimento, e ele começou a rir.
- Era só isso? - riu Lych - um beijo! Não é motivo para tanta...
- Se ainda assim fosse só um beijo! - suspirou Johnny.
Lych riu ainda mais:
- Ooow... Não me diga que vocês... arãam... - hesitou - hein?
- Meu Deus, Lych! - exclamou Johnny bastante vermelho - não foi nada disso! O problema é com Raveneh!
- Ela não quer assumir o romance? - indagou Lych.
- Pior... - disse Johnny sério - ela tem dupla personalidade.
Aí Lych parou de rir imediatamente.
- O quê?
- Uma dupla personalidade - revelou Johnny - ela tem pesadelos durante a noite. E assume uma moça muito esquisita no lugar. E céus, parece que tudo se encaixa... Ela não se lembra de como saiu do castelo. Ela não se lembra de como resgatou Arthur em meia hora! Ly... Não era ela. Não era mesmo... E agora eu descobri o nome dessa "outra" Raveneh...
- E ela se chama... - fez Lych surpreso.
- Catherine - completou Johnny - pelo que sei, ao que parece, Catherine foi uma irmã de Raveneh. Aquela irmã mais velha, que é mais bonita, melhor em tudo... mas não sei o que houve na infância dela... Ao que parece...
- ... Essa coisa de irmã melhor em tudo se tornou tão forte a ponto de criar uma dupla personalidade? - completou Lych hesitante.
- É. Acho que foi isso - disse Johnny olhando para o céu inexpressivo - a Catherine que assume o controle de Raveneh... ela é extremamente invocada. Ela disse que odeia Raveneh. Odeia mesmo.
- A mãe dela deve ser sido cruel - murmurou Lych - porque deixar uma criança ser humilhada pela própria irmã, é no mínimo, cruel.
- É - concordou.
Os dois ficaram calados, pensativos.

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Lala, prevendo monstruosas confissões, resolveu se servir de um pássaro treinado, que falava. Era utilizado como um gravador, devido a sua memória especialissima e capacidade de repetir tudo o que memorizou depois.
- Bem. - iniciou Lala - em que situação vocês se conheceram? E qual era a relação entre vocês?
Nem Renegada nem o Rei pretendiam ocultar... Compartilhavam o mesmo pensamento de que tudo estava perdido mesmo, então botar mais lenha na fogueira não iria fazer nada de mais.
- Eu era no Norte - começou a Renegada com um suspiro - íamos resolver o problema das fronteiras do Norte, e eu era uma empregada somente. Devo admitir que eu sou uma fada, é verdade. E nasci neste Reino das Fadas, mas não lembro dele... Minha mãe saiu daqui após eu nascer e se mudou para o Norte. Mas eu tenho sangue de fada... Bem, não é sobre isso que falo...
Renegada respirou fundo e continuou:
- Aí eu conheci o Rei. Eu tinha que servir-lo, e nós nos conhecemos assim. Ele passou a ser gentil comigo, e eu passei a ser gentil também. Mas essa gentileza... ela foi... foilongemdemais.
- Quê? - fez Lala.
- Acabamos por virar amantes - admitiu o Rei em uma voz séria, sem olhar para Lala.
A Renegada mordeu o lábio inferior, dizendo mais para si mesma do que para os outros: "não sei quando foi que o amor virou ódio..."
- Amantes? Céus... e por que não ficaram juntos? - indagou Lala pasma com o que ouvia. E claro, ela ainda não sabia da missa a metade.
- Kycci era de Norte - contou o Rei - e uns quatro meses depois da Conferência, o Norte declarou guerra. E todos os nortistas que fossem envolvidos com alguém do meu reino seriam mortos... Tinha uma guerra declarada. Norte versus Heppaceneoh.
- As Campinas ajudaram Calvin - disse Renegada - eu não sabia com o que estava me metendo.
- Perdão - interrompeu Lala - uma perguntinha básica: qual seu nome, Renegada?
- Mycil D'illyne do Vale Norte - respondeu Renegada com um sorriso.
- E porque o Rei de Heppaceneoh lhe chama de "Kycci"? - indagou Lala.
- Por que "Kycci" significa "aquela que veio para ficar" - explicou o Rei - em um idioma estrangeiro. Foi um apelido que lhe dei há uns dez anos, um apelido só dela...
Lala estava com o queixo até o chão, dada as confissões que escutara. Peraí!, pára tudo: a Renegada foi AMANTE do Rei? AMANTE?? E... OOOOOHHH MYYYYYYY GOOOOOOD!!!!!!!!! Arthur!! O_________O. Porém fingi (mal) uma cara desinteressada e continuou:
- Certo. Por que se separaram?
Um olhou para o outro. O Rei tinha um olhar inseguro, já a Renegada estava mais confiante.
- Porque - contou Renegada - eu engravidei. E a Majestade de Heppaceneoh não podia ter filhos como uma qualquer do Norte no começo da Primeira Guerra...
Lala mordeu o lábio inferior, antes de realizar a fatídica pergunta:
- Arthur é o seu filho, Renegada?
Renegada deu um sorriso.
- Sim, ele é o meu filho - respondeu - Calvin o tomou de mim. E eu o quero de volta.
O Rei apenas suspirou impaciente.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Parte 52 - Eu não estou louca! Ah, quer saber? Vá para o hakäab!

Era manhã, na hora em que as pessoas costumavam se reunir e comer macios pães. No navio da Capitã Biih, as pessoas se reuniram em um dos salões perto da cozinha. E Raveneh tomou coragem e tomou um chá Gümbble de Maçã, uma receita muito antiga utilizada como revigorante e alta probabilidade de viciar (é como um remédio para emagrecer que um comprimido nunca basta o_o') . Conseguiu andar normalmente, e se sentiu animada para realizar algum passeio. Logo, estavam os dois sentados na "varanda" do navio, comendo pães quentes (Nath deixara ela andar livremente pelo navio) e tomando sucos frescos.
E como Johnny previra, ela não lembrava do beijo.
- Como está o menino? - perguntou Raveneh - eu não o vi...
- Sendo estupidamente arrogante e mimado - respondeu Johnny - mas eu quero saber de você! Como está?
- Estou bem! - riu Raveneh - eu pretendo sair daquele quarto de hospital!... O cheiro não lhe dá náuseas?
- Não - respondeu Johnny frio.
- O que houve, Johnny? - indagou Raveneh em um tom meigo - você nem me olha mais nos olhos! O que houve?
- Você costuma ter pesadelos, Raveneh? - devolveu Johnny.
Raveneh ficou em silêncio.
- Você anda tendo desde que eu te achei quase morta, Raveneh - continuou Johnny - eu quero te ajudar, mas...
- Não fala mais nada - disse Raveneh.
Johnny receou que fosse a Catherine, mas felizmente, os receios se mostraram infundados. Raveneh levantou um naco de pão e ofereceu a Johnny. Ele aceitou e comeu, sorrindo tristemente.
- Eu te amo, Johnny - declarou Raveneh com um sorriso - não interessa o que aconteça comigo. Não vão ser os meus fantasmas que nos perturbarão...
Johnny não conseguiu responder a afirmativa tão doce de Raveneh.
- Raveneh - começou Johnny mordendo o lábio inferior - quem era Catherine?
O rosto de Raveneh logo assumiu uma expressão sombria. Engoliu em seco.
- Minha irmã - respondeu friamente - a estúpida, a queridinha da Catherine - a voz ficou ainda mais fria.
- Tem certeza que não quer falar disso comigo? - indagou Johnny - ultimamente você fala muito dela durante a madrugada.
Raveneh ergueu o rosto, intrigada.
- Falo? Meu Deus... - murmurou, com assombro na voz. Evitou olhar para Johnny, preferindo fitar as árvores.
- Você tem muitos pesadelos durante a noite, Raveneh - disse Johnny - e eu não sei mais o que fazer. - Johnny preferiu falar logo tudo de uma vez antes que mudasse de idéia - não quer um médico? No Reino das Fadas tem...
- Não. Eu não estou doente - afirmou Raveneh categórica.
- Mas...
- Nem mas nem menos - disse Raveneh - não vou a um médico.
- Um psiquiatra...
Oooops :0
- PSIQUIATRA??? - Raveneh se chocou - eu não sou louca!
Johnny calou-se, e disse muito baixinho para si: "não, não é. Somente tem dupla personalidade".
Porém a frase, dita em tom de ironia, foi ouvida por Raveneh, que claro, se sentiu ofendida e exigiu explicações.
- Raveneh, por favor, não faça drama... - disse Johnny.
- Não fala nada, Johnny! - gritava Raveneh a plenos pulmões - cale-se! Acha que estou louca? Dispárá! Dispárá! Tüello, tüello, tüello! - gritava em um tom carregado de sotaque - hü? I nõ toü loká! Nõ! Nõ, nõ...! Tüello! - finalizou. Johnny não entendia patavinas do que Raveneh falava, e supôs que fosse o idioma que ela aprendera na terra dela. E pela sua expressão, ser um "tüello" não era exatamente um elogio.
Raveneh continuou falando, gesticulando muito.
- Raveneh... - começou Johnny com uma voz calma.
- Tüello! O que achas? Que soy tüella? Sabe o que quero, Johnny? Que você vá para o hajäab!
- Ra - ve - neh - disse Johnny ainda muito calmo.
Mas Raveneh não parava. Gesticulava, olhava para Johnny de forma agressiva. "Essa não é nem a a Raveneh nem a Catherine... Oh, céus, ela tem uma terceira?"
- Ya ya yaya!!!! Nõ crediballe iin tì! Nõ! Oooh, puedoo, puedo! Nõ loká... Nõ... - insistia Raveneh já aos prantos.
Johnny havia se cansado daquela coisa.
- RAVENEH!! - gritou. A sorte é que estavam sozinhos na varanda, de modo que ninguém os ouviu.
Raveneh se calou rapidamente, olhando Johnny com surpresa e tristeza.
- Raveneh - disse Johnny muito controlado - eu não sou um dos seus irmãos, ou sua mãe ou seu pai. Eu não sou da sua terra. De modo que não sei para onde voce me mandou ou do quê você me xingou.
Ela baixou a cabeça de forma triste e pensativa. Ficaram em silêncio, não podendo articular nenhuma palavra. Johnny queria tomar-la pelos lábios, assim como fizera na madrugada anterior, mas tinha medo que Catherine assumisse o comando do corpo de Raveneh. E Raveneh, esta mal se lembrava do beijo. Para ela, o Johnny perto dela e que a beijasse existia somente em sonhos.
- Tolo, babaca, estúpido - disse Raveneh finalmente, muito séria.
- Quê? - fez Johnny que se distraíra.
- Foi do que eu o chamei. "Tüello" (N/A: se pronuncia: duêlho") significa tolo, no sentido literal.
- E "dispará?"
- Não é "dispará". É dispárá. Fala-se bem rápido. Significa "idiota" literalmente... Mas na minha terra, é uma ofensa muito grave. - Raveneh olhou para o chão, com as bochechas coradas - desculpe-me. E também desculpe por ter mandado você para o hakäab.
- O que significa essa palavra? - indagou Johnny.
- Inferno ou aquilo, dependendo da região - respondeu Raveneh envergonhada - na minha região, significa "inferno".
Johnny riu fracamente.
- Desculpo-lhe, Raveneh - disse - como não a perdoaria?
Johnny, de fato, estava aliviado porque não era uma terceira personalidade se manifestando. Era somente Raveneh na TPM :)
- Eu... - confidenciou Raveneh - acho que estou louca. É triste, mas...
Mordeu o lábio inferior e continuou, arriscando um olhar para Johnny:
- Está bem. Lleje mì in duectorè - sorriu quando Johnny olhou de forma confusa - leve-me ao médico.

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- Ok - disse Lala - iniciaremos outra vez. E hoje pretendo arrancar alguma verdade, seja útil ou não.
Desta vez, Maria não acompanhara o evento. Dissera que tinha que cuidar de assuntos das Campinas. De modo que somente estavam Lala e seus dois "criminosos". Lala mordeu o lábio inferior antes de começar.
- Quero que me digam com toda a sinceridade - disse Lala - como vocês se conheceram.
- Eu realmente preciso dizer? - indagou Renegada, impaciente.
- Sim, senhorita Mycil Renegada - confirmou Lala - precisa dizer toda a verdade. A Rainha a considerou suspeita, portanto a lei não lhe confere o direito do silêncio.
- Isso é um absurdo! - protestou Renegada - tenho posses, posso pagar um advogado!
- Mas aqui não é uma democracia, Mycil! - disse Lala - o Reino das Fadas é uma monarquia, e tal como, a rainha é a chefe suprema! Ela está acima da lei!
- Claro! Está tão acima da lei que pode pisotear-la! - ironizou Renegada - exijo um advogado!
- Duvido que você receberá tal benefício quando descobrirem tudo sobre você, Mycil - riu o Rei.
- Digo o mesmo de você, Majestade de Heppaceneoh! - devolveu Renegada, e impaciente calou-se.
- Bem, precisamos dizer, querida - disse o Rei - não sei quanto a você, mas direi a verdade.
- Vá em frente, meu querido. Faça o que você quiser! - cuspiu a outra.
Lala somente observava a discussão, se divertindo e ao mesmo tempo, odiando. Mas ela ganhava 20 moedas de ouro por horas. Um dia de trabalho era suficiente para viver bem o resto da vida. Afinal, um saco com três pães custava somente uma moeda de bronze. Uma boa casa no bairro Vaìfence, sempre valorizado, custava vinte e duas moedas de ouro... e a média de dinheiro ganho no Reino era de quinze moedas de ouro por semana. Enfim, pra este dinheirama todo, qualquer coisa menos corrupção (que naquele reino era punido com cadeias que te deixam homens confinados durante setente e sete noites e dias sem sair uma única vez).
- Como se conheceram? - repetiu Lala.
- Numa reunião internacional... - respondeu o Rei.
- Na Conferência do Norte - complementou Renegada.
- Sim, ela era do Norte - disse o Rei - e eu daqui, do centro...
- Quer a verdade, querida Lala? - disse Renegada - terá. Mas fique sentada...
O Rei sorriu.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Parte 51 - um beijo para não se esquecer.

As horas se passaram, Lala e Maria iriam dormir em quartos destinados aos hóspedes - o interrogatório não fora útil em nada. A Renegada que agora era chamada de Mycil (embora ela odiasse este nome) dormia no quarto ao lado do Rei, em um corredor chamado "Corredor VIP". Os quartos, porém, eram apelidos de "Cantinho do Bicho-Papão", pois as camas são tão macias que dão a impressão de que você está dormindo em areia movediça, e tão quentes que parece o próprio inferno. O teto é pintado de modo que durante a noite, as figuras pintadas assumem um aspecto sombrio e o andar abaixo, que é o Calabouço do Inferno, onde ficam os prisioneiros hediondos, vive lamentando durante a noite perturbando todos os quartos do Corredor VIP.
A Renegada desejou morrer.

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- Raveneh, você precisa tomar esse remédio! - tentou Nath mostrando um copo cheio de um líquido estranho, borbulhante e roxo.
- Raveneh, isso vai te fazer bem!... - comentou Kibii.
- Não. - dizia Raveneh - esse troço é nojento.
- "Esse troço nojento" - disse Umrae - é um remédio. Tome-o.
- Odeio que mandem em mim - falou Raveneh torcendo o nariz.
- Mas parece que você pede pra isso! - retrucou Johnny - tome este remédio agora!
- Nénéné - fez Raveneh enquanto engoliu em seco - está bem, eu tomo.
- Weee!!! - festejou Johnny - sabe, é uma sábia decisão, Raveneh!
Raveneh deu um olhar divertido e pegou o copo.
- Um... - fez Fer.
- Dois... - Kibii continuou.
- E três!!! - gritaram Lych e Doceh juntos.
Raveneh tomou o líquido.
- Bleeeeeeergghhh!!!! - gemeu Raveneh, contorcendo o rosto - que horrível!
- Um copo d'água! - pediu Nath, ao que Doceh atendeu o pedido.
- Água, água, água! - gemeu Raveneh e pegou o copo d'água descontrolada, fazendo derramar quase tudo x_x
- Raveneh - falou Nath - se tomar o chá verde sempre, beber muita água e comer alguma coisa, além de repousar... É certeza que vai sair da cama daqui a quatro dias!
- Tudo isso? - gemeu Raveneh.
- Melhor que ficar na cama pra sempre! - riu Fer.
Raveneh deu um tímido sorriso.
- Estou com sono - declarou - eu gostaria de dormir... boa noite :)
- Vamos dar o descanso para essa mocinha! - declarou Kibii - retiremos-nos do quarto! Johnny, Raveneh, uma boa noite! ^^
- Obrigada, Kibii - disse Raveneh com um suspiro cansado.
- Oh, sim, Raveneh, uma boa noite - murmurou Umrae.
Todos saíram do quarto, exceto Johnny e Raveneh.
Logo a maioria das velas se apagaram com um sopro, e Johnny se endireitou na sua cama, dando um sonoro "boa noite" para Raveneh, que permanecia acordada. Mas Johnny não conseguia dormir direito. Não sabia porque, não conseguia dormir. Sentou-se na cama, já se preparando para uma caminhada noturna no navio, quando viu que Raveneh já dormia. Mas dormia em um sono perturbado: se contorcia, gemia e murmurava frases desconexas.
- Não... Papai?
Johnny mordeu o lábio inferior. Toda noite que Raveneh dormia desde que fora encontrada, era a mesma novela: pesadelos que Raveneh nem lembrava mais. Ou será que lembrava?
- Não... por favor, não... não... argh, urgh... NÃO! - com um berro Raveneh abriu os olhos.
- Raveneh! - Johnny exclamou com o susto e foi socorrer a menina.
Ela estava tremendo, suando frio. Olhou para Johnny desnorteada, como se não o reconhecesse.
- Argh... - disse Raveneh - argh, odeio-o! Odeio, odeio, odeio, odeio... - soluçava e se abraçou ao Johnny.
- Odeia quem, Raveneh? - indagou Johnny intrigado.
- Ele! Não o vê, Johnny? Ele é tão mau! - soluçou Raveneh - ah, como fiz bem em sair daquela casa! Mas foi sair e voltar!
- Casa? Voltar? - Johnny estava bastante confuso, cheio de perguntas que não conseguia responder.
Raveneh enxugou as lágrimas, admirando Johnny. Logo fez outra cara de choro e disse:
- Eu... Ah, tenho tanto medo da noite, Johnny! - exclamou Raveneh com os olhos molhados - tanto medo! E tem a maldita Catherine... Será que ela nunca vai me abandonar de vez?
Se Johnny estava confuso, agora definitivamente estava confuso E louco.
- Quem é Catherine? - perguntou.
- Minha irmã - respondeu Raveneh - ela me endoida. Ela é melhor que eu em tudo. Que bom que ela se mandou para trabalhar como puta para um militar qualquer ¬¬
- Como o quê, Raveneh? - Johnny estava muito intrigado com aquela história toda. Quer dizer que a segunda personalidade de Raveneh era a irmã dela, que de acordo com Raveneh, era basicamente melhor que Raveneh.
- Ela é totalmente oferecida, Johnny - disse Raveneh - céus, como passei o inferno por causa dela! Ela era a mais bonita - continuou hesitante - a que tinha mais sorte, a que tinha mais namorados, mais amigos, a mais popular...
- Mas ela não era mais doce que você, Raveneh - interrompeu Johnny.
Raveneh olhou para Johnny, sorrindo.
- Você é muito gentil, Johnny - murmurou.
Os dois ficaram em silêncio, mal sabendo o que deveriam dizer. Sorriam muito timidamente, e Johnny agradeceu por estar tão escuro, pois assim Raveneh não poderia ver seu rosto corado.
- Isso não é mentira, Raveneh - disse Johnny - e-eu... Eu g-g-gosto de você...
- Eu também, Johnny... - disse Raveneh.
Os dois se abraçaram lentamente. Johnny queria algo mais do que um abraço. Mas estava tão confuso, tão perdido que não sabia o que fazer... E o fato de tudo ficar estranhamente quente também não ajudou muito o.õ
Raveneh fechou os olhos lentamente, erguendo o queixo.
- Johnny - sussurrou Raveneh muito baixo.
Foi o suficiente para Johnny pirar. Como que de surpresa, tomou Raveneh pelos lábios de forma delicada, ao que Raveneh correspondeu.
O que você está fazendo, Johnny? perguntava para si. Mas quem se importava? Aquilo era o céu, o máximo da felicidade!
- Johnny...? - Raveneh suspirou entre um e outro beijo.
Mas Raveneh não pôde terminar a fala, pois Johnny a atacou novamente com um outro beijo, ansioso. Estava decididamente desesperada, e Raveneh não podia negar que estava adorando aquilo. Raveneh segurou o namorado (namorado! Já? :o), a medida que ia se deitando (N/A: hey! nãaaaaaaaaao!!! eles não são safados... é... err O.õ continuem lendo :D), e Johnny prosseguia confuso. Só sabia que estava sendo delicioso aquele momento a sós, quando eram mais que amigos, quando tudo se turvava, quando tudo estava em uma temperatura adoravelmente alta.
- Você é um amor, Johnny.
Johnny sentiu um frio na espinha, e todo o calor confortavel se evaporara.
- O que foi? - disse Catherine.
Johnny recuou, olhando friamente para a face ofegante de Raveneh/Catherine.
- Catherine?
Catherine jogou o cabelo pra trás, sorrindo, totalmente provocante.
- Quem mais poderia ser? - disse revirando o olhar, divertida - Raveneh! Coitada! A menina mal consegue usar saia curta, você acha que ela vai beijar?
- Você é uma vagabunda, Catherine - sussurrou Johnny. Catherine só riu:
- E eu não sei? Raveneh me odeia tanto...
- Ela sabe que você existe? - indagou Johnny surpreso e morrendo de vergonha - a irmã...
- A irmã que era mil vezes melhor que ela! - exclamou Catherine - ela contou isso! Uau! Raveneh me surpreende!
Johnny segurou firme o braço direito de Catherine, que tentava se soltar e disse:
- Você vai para um médico amanhã, está me ouvindo, Catherine?
- Uau! - riu Catherine se insinuando - você não é tão... firme com Raveneh... Você me odeia.
- Eu não te odeio, Catherine - Johnny disse - eu tenho desprezo. É diferente.
Catherine deu um riso de escárnio, e se debateu mais uma vez, conseguindo se livrar de Johnny. Este, furioso, voltou para a própria cama onde não conseguiu mais dormir. A toda hora, se remexia pensando no ocorrido.
Diabos. Quem estava beijando? Estava conversando com Raveneh, lembrava do seu jeito meigo, dengoso. Mas quando foi que Catherine assumiu o comando? Era isso que não conseguia compreender. Catherine havia dito que Raveneh era muito reservada. Seria verdade?
Mordeu o lábio inferior, relembrando o desespero no beijo, o sabor ainda fresco...
- Odeio a minha vida - sussurrou.
Puxou o travesseiro, deu uns murros e deu uma última olhada na cama de Raveneh (ou Catherine).
Raveneh dormia tranqüila, com uma respiração lenta, como um anjo.
Este anjo, pensou Johnny, é o que está acabando comigo.