quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Parte 24 - A despedida de Johnny

Uma hora da manhã, o mar negro refletindo a lua negra e redonda. Não tinha mais velas acesas, e todos já estavam dormindo. Todos menos
Raveneh, que estava no quarto admirando o céu estrelado e o mar refletindo as estrelas. Estava bastante ansiosa pela missão que assumiria
no dia seguinte, e não sabia como agiria diante do Rei. Só o vira uma vez, quando chegara ao Reino e francamente tivera uma impressão
meio estranha dele. Um homem careca, coberto de tatuagens e um ar bastante autoritário e arrogante. Mas Raveneh podia ver sentimentos
bastante humanos através dos seus olhos. Raveneh sentia a personalidade do Rei. E perguntava a si mesma se daria certo na sua
espionagem. Se disfarçar entre os servos da Vossa Majestade, acentuando o sotaque estrangeiro o tempo todo e se controlando para não
deixar hábitos que só existem nas Campinas aparecerem. Como as roupas. Iria com as roupas que Tatiih trouxera, das feiras, porque as roupas
feitas nas Campinas tinham um jeito particular, a assinatura impressa no modo de tecer, bordar, costurar...
Os penteados que Raveneh teria que fazer também serão diferentes. Não poderia mais somente trançar o cabelo com fitas coloridas no meio da
trança, porque somente as pessoas que viviam nas Campinas trançavam os cabelos assim. E agora teria que usar maquiagem, coisa que sempre
fora ignorada quando vivia naquela terra boa e confortavel de viver. O seu modo de falar teria que sofrer algumas mudanças. E a parte mais
difícil de todas: negar tudo. Se Umrae ou Fer aparecessem de repente, ela tinha que fingir que não as conheciam. E se o Rei desconfiasse?
Como Raveneh estava insegura!
- Raveneh? - perguntou timidamente uma voz masculina.
Raveneh se sobressaltou.
- Johnny! É o segundo susto que você me dá! - sussurra Raveneh fingindo irritação.
Johnny ri. E o seu sorriso é iluminado pelo luar.
- Amanhã você vai partir ao amanhecer, não é? - pergunta com um ar triste.
- Sim - responde Raveneh evitando olhar no rosto de Johnny. Céus, porque sentia que suas bochechas estavam queimando tanto?

Luar estranho, todo sonhador
E o mais estranho, eu não sinto mais dor
Partirei em breve, deixarei seus braços
E eu sonho, perdida, não sabendo mais o que faço


- Me manda cartas? - pediu Johnny também evitando olhar Raveneh, preferindo encarar o mar refletindo as brilhantes estrelas.
- Claro - Raveneh exclamou - eu não vou deixar de enviar cartas para o garoto que contrabandeia morangos e os dá para mim!
Johnny dá um sorriso, agora se fixando em qualquer ponto do céu. Qualquer coisa para Raveneh não percebesse que ele estava com o
rosto estava de um cor semelhante ao um tomate. Mas isso é meio difícil de perceber quando a única luz que tem é luar.

Mas, oh, eu não sinto mais dor
E ela acabou no instante que você me deu esta flor
Amanhã deixarei seus braços e ficarei distante
Mas serei sempre nas cartas sua amante


- Bem... - Raveneh disse em um tom meio inseguro - eu vou estar bem. Eu prometo.
- Tentarei mandar alguns morangos pra comer na hora - afirma Johnny - senão o Rei desconfia de suas origens.
- É... - Raveneh faz rapidamente uma cara de dúvida - eu pensei que espiões mantinham suas atividades em segredo. No entanto quase
todos aqui estão sabendo que eu vou embora amanhã. E se tiver espião entre nós?
- Pouco provável - respondeu Johnny - e de qualquer modo, se alguém abrir a boca sobre isso para alguém que não é como a gente, vai
sofrer a maldição.
- Maldição?
- Sim. Quando se tem coisas como essas, as fadas jogam uma espécie de mágica sobre um grupo muito grande de pessoas. Nesse caso sobre
todas as pessoas que sabem que você é espiã. E quem ousar contar, vai sofrer a maior dor que existe. Dependendo do grau da traição, o
traidor pode sofrer por uns dias e depois ser banido eternamente ou então sofrer por anos a fio, até a morte. Como se fosse uma assombração.
- Então se alguém contar para o Rei...
- ...vai sofrer por anos a fio até a morte. Bem, é isso que afirma o "Bittencourt", livro sagrado das fadas onde tem mágicas... Quem contar
para o Rei vai acabar sendo expulso do Reino, e tendo dores agonizantes, e alucinações piradas o tempo todo na estrada. E toda vez que tiver
um alívio do sofrimento, só vai poder falar algumas frases desconexas para voltar ao sofrimento. De acordo com o livro, "berrarás mil vezes por
minuto de tanta dor que sente, tentarás rasgar as tripas, mas não conseguirás. Desejarás a morte como um vagabundo. Porém não poderás
morrer durante um ano depois da tua traição. Depois deste ano passado, terás mais tempo de alívio. Mas neste tempo preferirás ter vícios como
bebida e mulheres e cairás em tentação. E a partir deste ano, tentarás morrer de todas as formas. Depois da morte, quem sabe conseguirás
descansar a mente insana. Mas uma vez louco e traidor, sempre louco e traidor"
Raveneh ficou de boca aberta.
- E é claro, se for traidora, será "ter vícios como bebida e homens" - complementou Johnny com um sorriso.
- Você conhece bastante o livro - comenta Raveneh distraída. Suas bochechas continuavam queimando e tinha que pensar bastante antes de
dizer qualquer coisa, pois sentia que ia dizer uma besteira toda hora.
- Sim - concorda Johnny - eu estudei Magia com as fadas e bruxas durante muito tempo. Mas eu não tenho talento pra mágicas... Fui um
dos piores alunos, só fazia matar aula e...
Johnny ia dizer "e flertar as fadinhas talentosas", mas sentiu que não ia pegar bem pro seu lado.
Raveneh somente sorri. Finalmente respira fundo, e consegue encarar Johnny nos olhos.

Oh diga que gosta de mim
E as coisas ficarão melhores assim
Acredite no que acabo de dizer
Eu prometo que não esquecerei você


- Eu vou dormir, Johnny - diz em um tom meio tristinho.
- Boa noite, Raveneh - sorri Johnny tomando coragem e abraçando a amiga.
- Boa noite, Johnny - responde Raveneh, de olhos fechados, abraçando Johnny mais forte do que nunca.
- Boa sorte amanhã - fala Johnny se afastando, pondo a mãe na face de Raveneh, com um olhar muito sonhador.
- Obrigada, Johnny - agradece Raveneh sorrindo. Estava prestes a chorar.

As dores acabam no instante em que me abraça forte
E suas palavras acabam por afugentar meu medo de morte
A lua me encara serena, como se partilhasse comigo um segredo
Eu sinto coisas tão estranhas, mas tão belas, mas tenho medo


- Você está com os olhos molhados - comenta Johnny com um sorriso triste.
- Oh sim, eu quase choro - admite Raveneh - céus, eu estou com tanto medo disso! E se o Rei descobrir?
- Você não vai deixar ele descobrir - discorda Johnny somente segurando os braços da amiga, olhando fundo nos seus olhos.
- E se eu fracassar, Johnny? - indaga Raveneh, já deixando as lágrimas escorrendo pelas bochechas.
- Aí você vem para cá e termino o que você não conseguiu terminar de fazer - responde Johnny a abraçando de novo.

Sonhos irreais que me atormentam e me deixam angustiada
Sempre sonhos estranhos, de eu mesma uma garota apaixonada
Oh sim, tudo o que eu sei fazer é tentar rimar
"Ar" com "Mar", "Paixão" com "Desilusão", "Amor" com "Dor"


Raveneh fica em silêncio, admirando o mar atrás de Johnny. Tenta se controlar no choro, fica com medo de acordar alguém com os
soluços.
- Johnny... - Raveneh diz muito, mas muito tímida.
- Sim, Raveneh? - Johnny fala seu nome com ternura, como sempre falou.
- Se eu estiver correndo o risco de morrer... - começa Raveneh, enxugando as lágrimas - você... você me salvaria?

Está uma noite tão linda, porque não me abraça?
Faça eu me sentir uma doce e meiga criança
E, por favor, sinta comigo o perfume da liberdade
Suave perfume que nos alimenta com a mais inocente verdade


Johnny fecha os olhos, mas não precisa pensar um segundo antes de responder:
- Claro que eu salvaria.
Um sorriso ilumina a face de Raveneh.
- Raveneh, você não é do tipo frágil. É mais provável que você que tenha que me salvar das garras do Rei malvado.
- Céus - Raveneh ri - isso ia fugir daquela coisa de príncipe salvar princesa aprisionada na torre de um castelo e guardada por um
dragão...
- Sim, claro - Johnny concorda - muito mais dinâmico. E mais atual e verdadeiro. Afinal quem manda mais? Homem ou mulher?
Raveneh ergue a sobrancelha direita risonha, encarando o rosto de Johnny.
- Veja Lych e Doceh - continua Johnny - quem manda mais? Doceh! Lych nunca diz não à ela!
Raveneh ri.
- Mas a gente não é assim - Raveneh murmura.
- Mas poderíamos ser - fala Johnny mordendo o lábio inferior - não que eu goste de ser mandado por mulher...

Somente três doces palavras: "Eu amo você"
Suficientes para formar a mais perfeita vida que eu quiser ter


- Bem, eu tenho que dormir - sussurra Raveneh com tristeza - de verdade.
- Tudo bem - Johnny beija a bochecha molhada de lágrimas da amiga (uma amiga mais íntima...) - boa noite, boa sorte e...
- E...?
- E cuidado pra não ser aprisionada por nenhum dragão na torre mais alta.
Os dois riem.
Raveneh se despede de Johnny que sai do quarto silencioso como um gato. E já na cama, fita a lua. A lua lhe parecia muito suave,
mas tinha um ar misterioso como se soubesse de segredos inimagináveis.
Dorme tranqüila, como nunca havia dormido antes.

Um comentário:

Unknown disse...

weeeeeeeeeeeee \o/
blog de "cara lavada"
e.... melhor que o outro *-*
tem ali uma fotênha suaaaaa *--*
e tem enquete :ooo
já votei *cough*

:*