segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Parte 95 - Quando termina uma fase.

Raveneh acordou ensopada de suor, era mais um sonho.
Estava insegura, e tremia.
Olhou para o teto, trêmula, tentando juntar os fragmentos do sonho: sangue, sussurros, de volta a mesma história: podia fazer algo, era só simplesmente se deixar entregar para alguém sem corpo, sem alguma matéria. Isso está só na minha mente, pensava, é coisa da minha cabeça. Mas mesmo isso não lhe tranquilizava.
Levantou-se, quem sabe um copo d'água lhe faria se acalmar.
O corredor era meio comprido, e escuro, mas isso não lhe dava medo: Umrae dormia por ali, Kibii também. Bia e Fer idem, então se desse um grito, estaria todo mundo em pé, espada na mão e sentidos alertas. Não precisava ter medo.
Quando chegou à cozinha, percebeu que havia gente acordada.
Era uma mulher, talvez um pouco mais velha do que ela, morena que estava sentada no sofá da sala. Não fazia nada de perigoso, só olhava fixamente para frente, talvez pensando em algo.
- Oi? - disse, timidamente.
- Olá - a mulher sorriu - eu sou Zidaly.
- Ah, - Raveneh lembrou - já ouvi falar de você.
- Hm - Zidaly tentou parecer tímida - desculpe invadir o abrigo, é que...
- Espere - Raveneh franziu as sobrancelhas - como entrou aqui?
Zidaly só disse a verdade: que já estava ali, e quando todos se retiraram, ela estava no banheiro e não ouviu a chamada geral. Raveneh sentia que tinha alguma inverdade ali, mas não conseguiu identificar, de modo que aceitou a verdade (a mentira estava no fato de que era perfeitamente possível Zidaly escutar o chamado para todos dormirem de onde quer que estivesse no abrigo).
- Você veio de Grillindor?
- Sim - Zidaly viu naqueles olhos azuis algo familiar. Mal reconhecia, mas decerto não era das Campinas - e você?
- Istypid - Raveneh pegou a jarra e encheu um copo - Terra Seca. Conhece?
- Sim - Zidaly sussurrou.
E não se falaram mais.

Raveneh bebeu sua água, deixando Zidaly quieta, sem dizer palavra. Decerto já a vira antes, e não foi nas Campinas, assim como Crazy. Zidaly conhecia Istypid... decerto fora lá, na ocupação do reino pela Grillindor. Mas não conseguia se lembrar direito, porque todas suas memórias daqueles dias eram borradas. Ela não conseguia lembrar de muita coisa, exceto aquelas que vivera bem consciente, como Raveneh.
Voltou para a cama e não conseguiu dormir mais.
Ao seu lado, Johnny dormia, seus cabelos negros que se esvoaçavam para todos os cantos. Ele se aninhou junto ao corpo dela, e abraçou-a, o que a fez ficar mais tranquila. Fechou os olhos, tentando se entregar aos sonhos, sem sucesso.
Respirou fundo, e esperou que May acordasse e chorasse, quando começaria realmente o dia dela.

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Catherine estava, de fato, no mar.
A água era fria e fresca, azul e verde, sempre deliciosa e calma.
Quase um repouso. Aliás, quase não. Era um repouso.
Estava sob as trevas de Ophelia, podia até mesmo cheirar toda a maldade dela, e bastava estender o dedo e tocar a fúria no ar. Mas isso não lhe causava medo, pois estava em seus domínios: se estivesse em seu elemento, nada lhe faria mal. Nem mesmo uma louca ensandecida que se coroou rainha das fadas.

Mergulhou o rosto dentro do oceano, deixando os olhos abertos para fitarem o invisível sal com os peixes, algas, mamíferos que deslizavam, alheios aos problemas terrestres. Deslizou também mais para o fundo do oceano, tão fundo que ninguém sobreviveria ali tamanha era a pressão. Escorregou para o negrume, onde todas as trevas do mar se escondem. E respirou profundamente, esperando só algo se mover sob o manto que se estendia, manto de crueldade. Só precisava sentir entre seus dedos a sutil presença das companheiras, como um brilho a aparecer diante de seus olhos. Entre as trevas e monstros, ela esperava, ansiosa. Não via nada, só escuridão. Não sentia nada, só a indiferença. Bloqueou a si mesma de todas as outras sensações como fome, raiva ou medo: o único sentimento permitido seria o alívio, e ele teria que vir na hora adequada.

Passou algum tempo.
E sentiu.
Sentiu seus dedos se contorcerem sob a perturbação do manto.
Sentiu seus olhos se abrirem e enxergarem o rastro da monte diante das companheiras.
Sentiu seus cabelos se agitarem, prenunciando algo decididamente trágico.
Porém percebeu, quando olhou para a superfície do mar, que as companheiras haviam decidido recuar. Não ir atrás de Ophelia, de imediato, e sim ir atrás dela. Teria que aparecer logo, acolhê-las com conforto da cansativa viagem e, juntas, decidirem o que teriam que fazer. Se uniriam às Campinas. Se atacariam logo. O que fariam?

Moveu seus pés num impulso, sem pensar muito. Toda a energia que tinha dentro de si saía suavemente, se dispersando no oceano, e as partículas que se esvaiam de seu corpo se uniam assim que alcançassem a superfície. Tudo para ir mais rápido, inclusive se desfazer em milhões e milhões de moléculas e uni-las para que se inteirasse.

Quando sentiu a cabeça se formar no ar, foi como se tivesse levado um choque. Como se a luz do sol lhe ferisse, como se o simples oxigênio lhe perfurasse a face, como se só sentir a suave brisa fosse o suficiente para ela explodir. Nunca sentira o rosto ficar tão gelado. Catherine, Catherine - era difícil lembrar o próprio nome - nadou pelo oceano, procurando terra. Achou-a rapidamente, principalmente quando forçou a si mesma aumentar o tamanho do corpo. Aos olhos de alguns tripulantes em um navio, ela seria como uma gigantesca sombra a se mover sob a água. Maior do que qualquer baleia ou tubarão, mais letal do que qualquer polvo gigante, mais deslumbrante do que qualquer dragão marítimo. Era só uma das Musas, considerada Deusa pelas tribos que não sabiam muito sobre os poderes feéricos.

A terra estava úmida e perigosa. Toda aquela floresta sob o reino das fadas era perigosa, quase fatal e encantadora. Inspirava mistérios, e muitos poucos se atreviam a entrar dentro dela. Catherine sabia que aquela floresta fora o reino das fadas, antes de elas se erguerem aos céus, como se fossem divindades. E naquela floresta ficaram seres que não concordaram com o novo reino das fadas, que discordavam do novo modo de viver, e lá ficaram os seres que se tornaram mais bestiais, perigosos e poderosos com o passar do ano. Ou não. Catherine entrara poucas vezes demais em sua quase eternidade para saber disso.

Ergueu os olhos, tentando arrumar uma maneira de enviar uma mensagem às companheiras sem agitar muito a consciência de Ophelia.
Não precisava de tanta coisa assim.

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Arfar.
Sussurrar.
Era como um pouco de poder se derramando entre suas mãos, quase como água. As sombras se mexiam revoltadas, porém seus gritos já não acordavam mais Ophelia que se sentia cada vez mais a dona, a senhora, a rainha das trevas. Faltava-lhe os outros poderes, e desejava todos eles, mas por ora eles lhe iriam bastar. Tremia, tremia de desejo e medo, mas há muito ela era rainha e rainhas não poderiam chorar ou se lamentar.

Levantou-se, gritou. Estava meio tonta, como se estivesse mergulhando em trevas geladas.
- Ophelia? - era a voz de Lala, distante demais.
A rainha fechou os olhos, tentando um pouco de razão.
Razão que não iria vir, não para quem a recusava com todas as forças.
- Lala, preciso de um bom banho - Ophelia disse tentando firmar a voz insegura - arrume isso para mim.
Lala fez isso rapidamente, com apenas gestos e palavras, chamando os Glombs que arrumaram o banheiro, encheram a banheira com água cristalina e ervas açucaradas, e ajeitaram as toalhas, sabonetes e óleos. Quando se afastaram, Lala ajudou Ophelia a tirar a roupa e mergulhar na banheira. O estado da rainha era como uma sonolência absurda, e ela mesma se sentia como se não conseguisse mais distinguir a realidade e ficção.

Lala viu a rainha, a sua rainha mergulhar na banheira, experimentando toda aquela água em volta do seu corpo nu e respirar profundamente. Pensou, com certa tristeza, que se apegara a essa mulher em corpo de quase-menina, que passara a amar suas crises de egocentrismo, suas declarações de doçura, sua insanidade e toda aquela atmosfera irreal que inspirava a relação entre as duas. Era como uma ridícula síndrome de Estocolmo, e Lala não conseguia entender todos esses sentimentos. A água estava quente, e isso era bom - Ophelia não gostava de tomar banho em águas frias, e desde que começara a viver no castelo, tinha verdadeiros chiliques quando algo saía do seu gosto pessoal.

Ophelia nadou um pouco na extensa banheira que era quase como uma piscina, sentindo todo aquele entorpecimento se esvair de seu corpo como cansaço. Também não sentia mais tanto frio, e ficava feliz com isso. Seus olhos se abriram debaixo d'água e não arderam, sentiu seu coração bater e contou cada batida. Sentia cada fibra de poder, cada molécula de magia que se movia em suas veias, artérias e ossos. Era como se fosse explodir, e tudo passou a doer intensamente.
Passou as mãos pelos cabelos, sentindo-se preocupada e dolorida, mas ainda assim melhor. Qualquer coisa era melhor do aquele estado de semi-sonolência, prestes a cair devorada pelas sombras. Tinha de ser a rainha, jamais a escrava. Sentiu seus pés roçarem nas trevas que governava agora, e percebeu - muito lentamente - que a partir do momento que você governa algo, esse algo se torna físico para você. Assim como Elyon podia mexer e torturar as sombras, Ophelia poderia ser tocada, abraçada e sufocada por elas, como se elas fossem feitas de matéria.

Contorceu as mãos, pressionada.

A sua ânsia pelo poder nunca passava, sua fome nunca parava, vício que perdura, que insiste, que ameaça. Não sentia culpa, nem remorso, só o mais profundo prazer em ter tanto, tanto poder, nem lamentava as vidas que extinguira com suas alianças, nem pensava sobre o que estava fazendo, destruindo todo um país. Queria mais, e a oposição lhe fazia imaginar coisas...

Se pegasse Umrae, só ela... já faria metade do trabalho. Umrae estava dando conta de tudo, e mais do que isso: as pessoas se sentiam seguras com ela por perto. Era como se ela fosse a figura séria que realizava o trabalho corretamente e as pessoas dependiam de Umrae para que se sentissem confortáveis e esperançosos. Lembrou dos olhos dourados e firmes. Não iriam ceder facilmente aos seus encantos, não iriam se submeter a sua autoridade. Ela poderia ser mais irritante do que Kibii, inclusive... lembrou com ódio da indiferença de Kibii ao seu tratamento. Isso não vai acontecer, concluiu e foi montando a artimanha. Com cuidado, teceu seus planos debaixo d'água.

Quando já estava praticamente com tudo na cabeça, narrou-os a Lala que ouvia atentamente, sem deixar escapar um detalhe. A ruiva organizou as etapas mentalmente, e calculou muitos possíveis erros. Mas não iria contrariar, nem discordar. Só iria apoiar Ophelia no que fizesse, e deixaria rolar para ver o que acontecia.

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O dia começou um pouco abafado, mas tudo bem.
Todos seguiram a rotina habitual, sem muitas discrepâncias. Raveneh dava de mamar a sua filha e cuidava da comida, Thá ajudava Nath a cuidar dos feridos na enfermaria, Rafitcha preocupava-se em descansar o máximo possível (que significava, geralmente, em mandar Erevan ajudar a limpar o banheiro ou algo do gênero) e Umrae traçando mapas bem detalhados com estratégias elaboradas. Ela não tinha muita paciência, e se fosse interrogada sobre qualquer assunto banal, sua resposta era invarialmente um resmungo inaudível. Vivia numa saleta, perto da de estar, rodeada de mapas, estratégias e livros sobre magias que poderiam ser usadas. Às vezes ficava em seu laboratório, com todos aqueles venenos e se distraía ao polir armas e elaborar potentes soníferos.

Erevan estava lavando toda a louça do café da manhã quando Nath apareceu na cozinha, preocupada, pedindo por um pão - tinha acordado quatro da manhã para cuidar de uma Giovanna lamentosa, e a febre só aumentara nas horas seguintes. Recostou-se na parede, comendo o pão, e começou a conversar com Erevan sobre coisas banais.
- Como é Grillindor? - perguntou.
E Erevan respondia com delicadeza.
- Você acha que a guerra vai demorar muito? - Nath perguntou quando o pão estava no fim. Erevan teve que parar um pouco para responder - suas lembranças foram parar em Heppaceneoh em chamas.
- Não - respondeu - Ophelia é impulsiva, ao que tudo indica. E Umrae é eficiente.
- Queria ter as suas esperanças - Nath conclui comendo o último pedaço - essas guerras deixam marcas demais. Quanto menos tempo ela durar, melhor...
E saiu da cozinha.

Das dez da manhã até as três da tarde, Thá se responsabilizou pelos dois feridos gravemente, pela Kibii que ainda estava em observação juntamente com Rafitcha. Quase enlouquecia, correndo pra lá e pra cá, tendo que lembrar de todos os remédios: o unguento que tinha que passar de hora em hora na perna de Toronto, o gel natureba que passava nas queimaduras de Giovanna a cada três horas, além de verificar a situação de Kibii e Rafitcha. Ao menos Rafitcha tinha Erevan a observá-la e Kibii estava quase boa, o que ajudava muito. Nath estava no bosque, acompanhada de Bia, coletando ervas necessárias para a tal Técnica de Deneve. Thá não sabia nada sobre essa técnica, porém Nath lhe deixara um livro com vários procedimentos técnicos de um conhecimento muito avançado e ela tentava lê-lo enquanto tinha alguma folga de dez ou vinte minutos. Era algo realmente bem avançado e complicado que exigia prática e conhecimento sobre fases lunares, herbologia e alguns tipos de magia. Perguntou-se o quão Nath era versada naquele assunto.

Quando a "chefe" chegou, Thá percebeu que Nath fizera todo o serviço sozinha. Ouvira Nath falando de que tinha que ter, ao menos, duas pessoas a lhe ajudarem, mas aparentemente isso não aconteceu.
- Como devo ajudar? - perguntou Thá, e a resposta foi simples:
- Não tem ninguém aqui que possa me ajudar tanto como você, então faremos só nós duas. Saiba que vou exigir bastante e - Nath deu um sorriso seco - coma o que puder agora.
Thá saiu da enfermaria para comer um pouco de macarrão enquanto Nath organizava as ervas - canela, jasmim, artemísia, alecrim, hortelã, alfazema, arruma e uma flor muito esquisita, cujas pétalas tinham formato de coração e eram gordas e roxas, estufadas de ar. Elas as posicionou corretamente, lembrando dos ensinamentos básicos. Com as folhas, era infusões e com as sementes, era cocção. Giovanna a assistia com curiosidade, Toronto dormia - Thá lhe dera um remédio para adormecer profundamente. Melhor assim.
- Para que tudo isso? - Giovanna perguntou timidamente.
Nath preparava o chá de jasmim com folhas de alecrim. Não hesitou um segundo antes de responder:
- Para ajudar o seu colega.
E voltou a trabalhar.

Logo Thá voltou, e cinco horas da tarde, elas já haviam começado o trabalho. A enfermaria foi trancada, ninguém poderia entrar ou sair. Os remédios todos que Kibii e Rafitcha tinham que tomar foram deixados a encargo de Kitsune que era muito rigorosa com isso, e zelava pela boa saúde de todos.

O céu anoitecia vagarosamente, deixando a enfermaria na penumbra. Nath acordou Toronto delicadamente, e ele abriu os olhos, tonto, sentindo a maior dor que já sentira.
- Isso vai acabar - Nath sorriu entregando a infusão de canela - beba isso e isso tudo vai acabar.
Toronto bebeu o chá estranhamente adocicado, e o gosto em nada lembrava canela. Era como uma espécie de chocolate, algo que se derramava em sua língua e lhe deixava absurdamente tonto. Resolveu perguntar o que estavam fazendo, e Thá respondeu com toda a gentileza que lhe era possível imersa nas sombras:
- Técnica de Deneve, lembra? É para lhe ajudar - e Toronto concordou com um murmúrio, entregando a xícara vazia.

Sentiu torpemente a perna ser massageada com algum gel frio, sentiu que era chamado a beber mais coisas, coisas amargas e confusas que lhe roubavam os sentidos e embaralhavam todos os pensamentos e sonhos. Viu uma vela se acender em algum lugar, enxergou os olhos verdes de Nath a lhe fitarem com doçura e firmeza, experimentou a sensação de ter os dedos de Thá lhe acariciando os joelhos. Ouvia murmúrios frequentes que não eram nada parecidos com "passe isso aqui", e sim com mantras, quase como orações. E deixavam a cera da vela pingar em seus joelhos, e isso queimava tanto...

- Vai começar a pior parte agora - Nath disse para Thá, e a orientou a amarrar Toronto com cordas e colocar uma mordaça, o que o fez se sentir acuado e entrar em desespero. Ele debateu-se com todas as forças, derramando todo o chá de camomila que Nath preparara especialmente para acalmar Toronto. Um segundo. Dois.
O mundo se dissolveu diante dos olhos de Toronto. Eram tantos chás, tantos sabores, tantas bebidas que se derramavam em sua boca que mal conseguia distinguir um do outro, e sentiu-se entregar.
Nenhuma das pessoas presentes ali soube quanto tempo se passou.

Houve massagens, houve orações, houve cirurgias. Nath manipulou a perna de Toronto como quem brinca com um boneco, passando a agulha, arrumando o osso e selando as veias. Ajeitava a pele com poções mágicas, e sua própria pele suava de tanto medo e concentração - era como se estivesse em transe. Thá tentava diminuir a dor da cirurgia, anestesiando os sentidos, injetando compostos que faziam com que Toronto amolecesse e não resistisse tanto. Porém seus músculos endureciam o tempo todo, e seus rangidos e gemidos ecoavam por toda a enfermaria, fazendo com que Giovanna não conseguisse dormir, tendo que tampar os ouvidos, chorando, apavorada. Todo o abrigo ouvia os berros de Toronto durante a delicada cirurgia, todos se perguntavam o que acontecia.
- Não era melhor... - Raveneh começou, mas Umrae discordou com prudência:
- Nath sabe o que faz. Não se preocupe.
Toronto respirava sufocado pelo cheiro misturado de tantas ervas e misturas, e sentia dor, dor, dor, mas ao mesmo tempo uma vontade absurda de afundar de uma vez em alguma coisa. Tentou se debater, mas estava cansado demais e os braços de Thá lhe acolheram tão rapidamente que se sentia envergonhado demais em desafiar todo o cuidado que a auxiliar lhe dispensava. Nath mal o olhava, concentrada na perna ferida, seus dedos sujos de sangue, segurando agulhas e fios e lâminas. Ao ver tal cena, a própria perna toda aberta e exposta, berrou novamente - para evitar tal visão, Thá vendou os olhos com um lenço negro.

Todas as misturas e feitiços faziam com que as células trabalhassem mais rápido, e aos poucos, percebia Nath, uma nova perna se reconstruía. De uma forma deformada, meio defeituosa, e não seria igual a outra perna, é verdade. Porém era uma perna que parecia ser normal como qualquer outra, era uma perna que funcionaria. Costurou a pele e veias, ajustou o osso - e essa parte doía pra caramba. Ao fim da noite, quando já iria dar meia-noite, Toronto conseguia dormir, sem dor, nem sonhos e Giovanna ainda tremia de esperança e ansiedade. Parecia que tudo ocorrera bem. Será que ela seria submetida ao mesmo tratamento? Será que aguentaria tanto tempo? Será que haveria mesmo uma luz no fim do túnel?

Nath e Thá não tinham uma resposta. Mas tinham meios de chegar até a resposta.

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Pouco a pouco.
Experimento.
Uma cidade em chamas.
Outra cidade ardendo.
E mais adiante, há uma cidade morta. Ela foi assassinada. Integralmente assassinada.

Catherine andou pelas cidades não-sei-aonde, procurando evitar o esmagador poder de Ophelia. Seu corpo estava dolorido, seus braços, cansados.

Já saíra da floresta, e as cidades visitadas não eram muito conhecidas, nem mesmo pelo pessoal das Campinas. Envolveu-se na terra úmida e no

cheiro de morte e devastação - cada segundo era como uma respiração fantasma.
Estava andando a esmo, tentando arrumar uma maneira qualquer.
Sentia Miih.
Sentia Loveh.
Sunny era a energia mais fraca.
Louise era a mais forte.
Mas tudo ainda era confuso demais para ela conseguir se guiar. Estariam perto ou longe demais? Já estariam na cidade? Não queria desafiar Ophelia, mas já estava boa o suficiente para fugir dela se necessário.
- Foda-se - pensou - ela não pode me matar aqui.
E mandando o segredo as favas, ela correu para a cidade das fadas.

- Está vindo - foi com um sorriso que Miih deu a notícia.
Alice suspirou.
- Ela não tem paciência, não é mesmo? Tem sempre que chamar a atenção - sussurrou, ao que Sunny retrucou:
- Está com pressa. Todas nós estamos.

Estavam querendo demais pôr um fim naquilo tudo.

P.S.: sem tempo, então Feliz Natal! E a viagem foi ótima! ;*