quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Parte 75 - Quando a espada atinge seu objetivo.

Elyon alcançou os portões do palácio com uma naturalidade incrível.
Catherine parecia um fantasma, com seus olhares vazios e passos de som inaudível.
- Chuva - Elyon parecia aborrecida - será que teremos que lutar aqui, no jardim, em frente ao palácio?
- Prefiro lá dentro... - sussurrou Catherine - embora aqui tenhamos como fugir.
- É verdade - Elyon sorriu de canto, olhos brilhando juvenis - mas... quem disse que vamos fugir?
As duas ficaram admirando o palácio, tão confiantes, de olhares tão brilhantes.

Foram poucos os minutos.
Mas foram bem passados, ambas com semblantes importantes, tão superiores! Mal sabiam que,

- Olá.
Ophelia estava muito serena. Talvez estranha.
Parecia uma garotinha, ou mesmo uma noiva, com aquele vestido tão branco, tão suave, a saia tão rodada, parecendo saia de princesa. Era toda branca, rodada, e tinha vários bordados dourados feitos à mão. Eram bordados discretos, mas tão elegantes, e era somente ramos e ramos de flores, somente ramos e folha. E devagar, os ramos dourados sumiam, deixando somente a imensidão branca, e a saia terminar na cintura, com o corpete também branco. E parava ali. Ophelia não usava luvas, nem calçados, nem qualquer tipo de enfeite para cabelos. Era o corpete, a saia e as roupas de baixo.
Parecia uma criança.
- Olá, amigas - ela cumprimentou, sorriso jovial.

- Veio nos cumprimentar no jardim? - Elyon fez uma leve reverência, de forma automática.
Ophelia sorriu, e acenou:
- Ouvi você comentar que preferia aqui dentro... - riu - mas aí vamos arrebentar com o palácio, não vamos?
- Como se você se importasse com isso - murmurou Catherine friamente - aposto que você mal sabe quais verbas são enviadas para escolas, e esqueceu dos criminosos aguardando julgamentos!
- Sim - Ophelia concordou - me conhecem bem, pelo que vejo... não ligo mesmo. O gostinho de vitória me é suficiente... mas vejo também que gostam de apanhar!
Ela havia se sentado em uma das janelas que davam para o jardim, parecendo uma donzela aguardando seu príncipe. Mas Ophelia não era uma donzela que queria um príncipe. Era uma donzela que queria sangue e mais sangue.
Ela mostrou todo o jardim, e completou, com absoluta franqueza:
- E o jardim já está acabado mesmo. Não acho que uma luta aqui fará alguma diferença.
Como Elyon e Catherine não respondiam, Ophelia ousou erguer uma sobrancelha em tom de desafio.
Foi a gota d'água.

foi um passo em falso.
foi o erro de Catherine.

foi tão rápido!
Elyon mal conseguiu enxergar, Elyon mal conseguiu acompanhar.
Ela só sabia, que por puro instinto, conseguira salvar Catherine. Fazê-la respirar por minutos a mais, apesar de toda a respiração estar suspensa. Ela só conseguia ofegar ao perceber que Ophelia já estava ali, de frente a eles, e Elyon defendera Catherine com a espada, contra uma outra espada, espada estranha, parecendo ser de madeira.

Foi um passo a frente de Catherine.
E foi um ataque de Ophelia que mal conseguiu ser entendido.
Elyon protegeu a amiga sem saber de onde vinha o ataque.
Sim, meus leitores, foi pura pura sorte. E foi rápido, e Ophelia seguiu.

O segundo ataque fez cair sangue. Catherine recuou um passo, Elyon contou dois passos à frente. Não ia deixar mais uma amiga morrer, e oh yeah, ela morria se fosse preciso. Ces't le vie. A vida é assim. Ophelia, com todo aquele ar sereno e aquele sorriso a la Mona Lisa, moveu um dedo. Só o dedo indicador.
Só o dedo indicador que se transformou em algo monstruoso, e só este dedo serviu para confundir Elyon, a fazendo acreditar que ele se moveria para a direita. E deixou a guarda aberta, fazendo com que Catherine fosse ferida no abdomên, à esquerda. Perfurada por algo fino, Catherine não ficou chocada.

Claro, ficou surpresa.
Claro, ficou, por um só momento, surpreendida.
Mas ela não se chocou, nem sentiu dor, nem gritou ou chorou.
Ela riu.
- Você acha que consegue me ferir? - Catherine riu, seus cabelos tão soltos e seus olhos tão vivos - você acha que consegue me machucar? Não consegue, Ophelia, não consegue! Incompetente!
Catherine abriu os braços, sem se incomodar com o filete de sangue que escorria lentamente pela perna esquerda.

- Me mate - Catherine sorriu, - me mate.
Ophelia a deixou cair para trás, somente sangrando. No fim das contas, Catherine nunca seria realmente morta assim como Olga continuava viva, permanecendo em suas memórias tão reais.
- Acho melhor, Ophelia.
Catherine se ajoelhou, curando a si mesma lentamente, sem alguma pressa. Só queria ficar calma, e se afogar no desespero de uma vez.
- Ophelia, não seja tão cruel.
Elyon se ajoelhou ao lado de Catherine, preocupada com o estado da amiga e se sentindo culpada por ter se deixado enganar.
- Ophelia, você não me deixou saída.
Não era algo que Catherine ou Elyon pensava. Eram somente frases jogadas ao vento, frases doces e cruéis.
Frases que tinham eco na mente de Ophelia.
Frases nem tão sutis, mas que eram as últimas lembranças de Ophelia antes de ela dormir por anos e anos.

- Eu...
Ophelia deu um passo para a frente. Olga nunca havia morrido realmente, não era? Mesmo que seu corpo ficasse inerte, sua voz, suas expressões, seus hábitos continuavam ali, como um fantasma. Não era assim?
Era fascinante, não era, o modo como todas elas superavam a morte de Olga?
Era simplesmente deslumbrante ver como Ophelia dava seus passos, nunca realmente assumindo a culpa de ter matado Olga. Ela assumia tudo, mas por dentro, ainda se negava. Olga era uma mulher viva, tão alegre.
E para parar a Ophelia, utilizou a própria vida.
A culpa era toda de Ophelia.
- Eu não me incomodo com as lembranças - disse Ophelia.

E como não se incomodava, todo apelo que Olga fizera para salvar as amigas foi inútil.

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A chuva caía forte demais.
Raficha cuidava da mesa, escutando o barunho, e ora dava uma olhada em May que dormia ora pensava por onde andava Raveneh para cuidar da filha, se esta acordasse.
Ela se sentou na mesa, a cabeça virada para a porta, entediada. Via Amai devorando livros a tarde toda, e todos estavam em alguns cantos do abrigo, refugiados da forte chuva.
Estava entediada. Já fizera tudo que tinha que fazer, e não estava com vontade de praticar algum passatempo, como resolver palavras cruzadas ou ler algum livro de mistério.
- Ora - ela disse, quando Raveneh e Johnny entraram no abrigo, ensopados e rindo.
Raveneh deu mais umas risadas constrangidas ao ver Rafitcha e se refugiou em algum corredor, provavelmente para trocar de roupa. Johnny, ao contrário, sacudiu os cabelos fazendo May reclamar que estava molhando o livro e deu um sorriso para a irmã, que não moveu um dedo.
- Hey, como vai, senhorita Rafaela? - ele disse, se sentando em uma cadeira também.
- Você está molhando a cadeira, se sentando nela - observou Rafitcha, com um sorriso frio - e vai ficar gripado se não se trocar logo.
Johnny riu.
- O que foi, irmã? Está triste?
Rafitcha não o encarou, mantendo um frio sorriso.

Johnny conhecia Rafitcha tão bem que até ela mesma ficava surpresa.
Quando Rafitcha ficava calada, entediada e seus sorriso ficavam estranhamente falsos e distantes, Johnny sabia que ela não estava bem. Quando Rafitcha não o encarava, e se usava um tom maternal, era porque lembrava dos pais.
Sempre os pais.
Como eram?

- Rafitcha...
- Quando foi a última vez que visitamos nossos pais? - Rafitcha perguntou, um tom tão frio e distante.
Johnny teve que pensar um pouco antes de responder.
- Há três anos.
- Porque eles moram longe demais, no sul... - Rafitcha suspirou - e não tivemos nenhuma notícia deles.
Baixou a cabeça, deitando-a na mesa. Johnny acariciou seus longos cabelos, quase que a consolando:
- Provavelmente foram para um abrigo, eles são ricos, sabe disso - dizia - mas... hey, fique calma, eles vão ficar bem!
- E se eles já foram atingidos? E se eles não conseguirem? E se...
- HEY!
Johnny fixou o olhar em Rafitcha.

Rafitcha não chorava.
Mantinha-se fria, calma, controlada. Mesmo que por dentro, a preocupação estivesse em um nível absurdo.
- Fique calma - Johnny disse. Ele nunca soube como poderia tranquilizar a irmã, como poderia tranquilizar a garota mais velha que ele, a garota que nunca se abalava, a garota que sempre se mostrou acima de qualquer coisa. Como se tranquiliza uma criatura aparentemente tão impenetrável?
- Eu sei que eles devem estar bem - murmurou Rafitcha - mas... creio que eles morreram, Johnny.
- Ra-
- Eles morreram.
- Como sabe? - a tensão na voz de Johnny era visível, ao que Rafitcha deu um olhar compadecido.
- As possibilidades são demais, Johnny - ela disse, sua voz ficando menos fria a cada palavra - mamãe odeia sair daquela casa, você sabe, e eles moram muito no extremo, em uma área pouco urbana, sabe disso! Eles desprezam os abrigos, odeiam ficar longe da riqueza! E se até a capital está ficando arruinada, que dirá a área onde moram os nossos pais?!
Johnny não ousou contradizer.

Rafitcha não disse mais nada, somente um severo 'vá se trocar'.
Ao passo que ela terminou a frase, Raveneh voltou, faces coradas e um vestido seco, em tons de terra. Ela sorria de orelha a orelha, mas ao perceber a frieza de Johnny e de Rafitcha, logo perguntou, preocupada:
- Aconteceu algo?
Rafitcha entregou-lhe uma faca de cozinha.
- Não. Não aconteceu nada. E... o jantar de hoje é com você e Tatiih, certo?
- Sim.
- Então ficarei lendo ali. Qualquer coisa me chama.
Raveneh pegou a faca, passando o dedo por sua lâmina.
- Ok, Rafitcha.

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Logo, logo iria acontecer o pôr-do-sol.
Talvez a chuva parasse até lá.
E talvez Elyon não visse a chuva parar.
E talvez Catherine teria o mesmo destino.

- Não tenho medo - Ophelia disse também - de que as suas almas me assombrem.
Catherine recuou, por puro instinto. Elyon não fez isso. Ela sempre foi do tipo que atacava para sobreviver, e era exatamente isso que se traduzia naquela pequena e simples batalha.
A espada de Elyon foi muito rápida.
Ophelia não viu. Se viu, então ela permitiu.
O fato é que Ophelia desabou no chão, porque a espada cortou as suas pernas, abaixo do joelho.

Foi tão rápido e o branco se tornou vermelho.
Foi tão rápido e Ophelia caiu pra trás, sem pés.

Ophelia se apoiou com as mãos no chão, encarando os dois pés que lhe pertenciam.
E encarou Elyon, a espada suja de sangue e uma expressão assassina no rosto.
- Mostro - disse Elyon - mostro!
Ophelia sorriu.
- Concordo - disse - plenamente. Eu sou um monstro.

Foi apenas um sorriso.
Mero e simples sorriso.
Ophelia não conseguiu se levantar, mas ela não se incomodou.
Seu vestido se sujava de sangue, com as pernas decepadas, mas não se incomodava.

Elyon ergueu a espada mais uma vez, pronta para cortar a cabeça de Ophelia antes que ela se recuperasse da momentânea surpresa, mas foi impedida por Catherine.
- Ca...!
Catherine estava de pé, respirando apressadamente, buscando mais mais mais ar, olhando para Ophelia com frieza.
Parecia irritada com algo.
- Você é tão idiota, Elyon - Catherine disse - tão, tão tolinha, amiga. Pensei que fosse mais esperta.
Elyon deixou a atenção vacilar, seu espírito se magoando com as palavras da amiga. Catherine a ignorou, ficando na sua frente.
- Ophelia - disse.

Ophelia tentou ficar de pé, mas não conseguiu.
Mas ela não estava abalada, e nem parecia prestes a morrer.
Ela só estava brincando de perder.

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Lala chegou ao salão e parou de repente.
Olhou para as portas.
Alguma coisa estava errada.

Ouvia o barulho da chuva lá fora, os pingos batendo no cristal do palácio, as janelas abertas mostrando todo o céu fechado.
Era uma chuva demorada.
- Droga...

Correu até o quarto de Ophelia para ver se ela estava lá, afundada em projetos de dominação mundial, e seu estômago se revirou ao ver que a cama estava impecavelmente arrumada, e o perfume preferido de Ophelia pairava no ar. Mas sem ela.
Desarrumou os lençóis, confusa.
Droga.
Tudo naquele quarto lembrava Ophelia.

Os lençóis de cetim, o mapa de vários reinos com dardos coloridos simbolizando os conquistados, a penteadeira com frascos. Aquele sentimento quase insuportável de que alguma coisa estava faltando. E pela janela aberta, se via a chuva.
Tão nublado.
A chuva, triste e pensativa.
Onde estaria...

!

- Drogadrogadroga - desceu as escadas, procurou pelos quartos vazios, até achar um cuja janela estivesse aberta e desse para o jardim. Se esgueirou pela janela, mas tudo se nublava com a chuva.
- Droga.

Ophelia sorria.
Lala ofegou.

Lala parou de imediato, ao conseguir enxergar a Ophelia, seus cabelos se ensopando com a chuva, seu vestido branco ficando encharcado e o sangue se esvaindo.
Ela foi ferida?
Lala ficou uns segundos na janela, seu coração confuso, sua vista tão obscura.

A luta não iria demorar muito, ela sabia.

Obrigada, obrigada, obrigada pelos nomes, Umrae *-* Nossa, amei alguns nomes, tão lindos! Obrigada ^^ Bem, esse capítulo é mais um prenúncio do que realmente UAU!, se é que vocês entendem. E de novo, perdoem pela ausência espaçada entre os posts, mas o problema da internet está se tornando cada vez mais crítico: toda hora cai, e sempre cai por dias seguidos, e tudo o mais... Hoje meu namorado teve que ir na casa onde o modem fica (já que a nossa net é compartilhada), resolver tudo... Bem, não sei se ela cairá de novo, espero que não... Esse problema de conexão está se tornando tão crítico que já cogitamos mudar de modem, passar a ter um só nosso em vez de compartilhar. Bem, de qualquer modo, vou postar sempre que a conexão me presentear ^^

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Parte 74 - Foram muitas as vezes.

O dia até transcorreu naturalmente para as pessoas de Campinas.
Kibii foi cuidada, recebendo todas as suas refeições e remédios na hora certa, sem falhas. Raveneh ninou Maytsuri, e demonstrou a sua preocupação em dar um nome à ela.
- Maytsuri não é o suficiente? - disse Johnny, que nunca entendia nada de nomes.
- Claro que não! - Raveneh exclamou, com impaciência - ela precisa de um nome do meio.
Johnny fez que compreendia, mas ele nunca entendia o porquê do nome do meio. Sabia que todas as pessoas possuiam um, mas ninguém usava! Tinha o nome e o sobrenome, isso não bastava? Mas para Raveneh não, ela tinha que ter um nome do meio.
- O problema é que não sei que nome... - ela ficava pensativa, e enquanto cortava as batatas para o almoço, pensava em vários nomes. Pensou em usar o próprio nome como nome do meio da filha, assim como a sua mãe fizera. Mas achou melhor não.
Decidiu que depois ela pensava nisso.
Umrae estava fora, com Capitã Bi e Ly, decidindo os melhores lugares para colocar os dragões mestiços. Marcavam limites com uma trena, e tinham expressões muito sérias ao dizerem coisas como:
- É melhor eles ficarem escondidos atrás daquela pedra.
Doceh não quis acompanhá-los, preferia remendar as próprias roupas com cuidado. Sentava-se ao ar livre, ignorando os avisos, e sob a luz do sol, remendava as roupas com muito cuidado, cantarolando musiquinhas. Era um momento muito quieto e ninguém a perturbava. Preferia assim, pois assim ela ficava em paz e mentalizava os feitiços que usaria nos próximos doces.

Amai preferia se distrair, lendo livros emprestados de Raven. Ele tinha uma coleção fenomenal de livros, todos contando aventuras fantásticas de caçadores de algum tesouro, ou sobre bruxos que precisavam salvar o mundo tendo em mãos apenas uma varinha, ou ainda sobre um mundo completamente irreal, em que mil anos era apenas um ano. E que dez anos significava apenas dez dias.
Ela fugia da realidade, encolhida num canto da sala do abrigo. Tinha medo demais de ler ao ar livre, como era sua vontade. Mas não reclamou de ter que usar das velas e dos encantamentos para uma luz melhor. Esquecia de tudo quando lia as palavras, contos tão antigos. Que sorte ter conhecido Raven e ele ter lhe emprestado tantos livros! Ele fora trabalhar, alimentando porcos, provavelmente. Mas logo ele voltaria, e lhe contaria histórias que só ele sabia.
Para Amai, ele era como um irmão.

Kibii olhou as próprias mãos.
Ela respirou fundo, como se fosse o último respirar da vida dela.
Lembrou da ironia de Ophelia, da sensação de ser jogada contra o vazio, de ter sido usada e humilhada. Tantos tumultos... e seu corpo aguentou tudo, sua mente também... Como poderia ter aguentado?
Lembrou dos olhos de Ophelia.
Eram castanhos, firmes. Mas eram tão infantis, tão doces! Foi quando encarou aqueles olhos, em um dos minutos de tortura, que percebeu o quão inútil seria destruir Ophelia. Por mais que arrebentassem com ela, não daria certo. Ela ressurgiria e cada vez mais causaria terror. Era simples demais, ela sabia. Ophelia jamais poderia ser destruída, e Kibii sabia disso. Mas quem acreditaria?
Ela tinha de ter um ponto fraco.
Alguma falha, alguma brecha. Seja no corpo, na mente, no cárater. Parecia-lhe que a resposta estava na ponta da língua, e ela não conseguia juntar as letras para desvendá-la.
- Droga - suspirou Kibii.

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Por aquele dia, Siih foi esquecida.
Por aquele dia, Alicia se esqueceu.
Por aquele dia, Lefi preferiu ficar calado.

Ravèh acorrentou Alicia e Lefi em lados opostos, formando um triângulo na sala, cada um muito distante do outro. Não tinha nenhuma peça com eles, como tinha com Siih, e eles podiam mexer os pulsos de forma alucinada que nada iria acontecer. Mas mesmo assim não mexeram.
Ficaram parados, estáticos, olhando para o escuro.
- Por quanto tempo ficaremos assim? - Alicia tentou lembrar os minutos que passara desde que fora jogada ali dentro.
Lefi não se remexeu, não respondeu. Mordia os lábios, perguntava a si mesmo se sairia vivo.
- Droga... - Siih suspirou.
Por aquele dia, todos ficaram mergulhados em um silêncio irreal, mantidos no escuro.

Ravèh não era uma alucinada nem gostava de ter o prazer de fatiar, como Ophelia. Ela preferia comer presas de forma rápida, sem brincar com elas. Não gostava de se sentir culpada pela tortura alheia, mas gostava de sentir o sabor de quando simplesmente induzia a pessoa até um momento que ela mesma se corrompia, e ela mesma dava seu fim.
Talvez por isso que Ophelia a tenha preferido.
Porque se Alicia, Lefi ou Siih desabassem, não desabariam porque foi culpa de alguém. Desabariam porque não aguentaram.

Alicia contava os minutos repetidamente, sempre errando quando alcançava o número 'trinta', e Lefi procurava nas suas memórias uma maneira de se manter sã.
Siih não fazia nada.
Fechava os olhos, mantinha-se fria.
Não doía. Essa era a pior parte: nada disso doía.
Seus pulsos não doía, o nervosismo de ter bolas de ferro em cima dela não doía, os machucados não doíam.
- Eu tenho meus truques para burlar suas regras, Siih.
Sorriu. Fracamente, não estava feliz. Mas mesmo assim sorriu.
- Estou sim e eu posso levantar! - insistiu Siih - veja, eu estou bem.
Sempre cuidando de mim.
Sempre se preocupando comigo, sempre querendo que eu fique bem.
Droga, Lefi, e se eu falasse que a sua vida é mais importante que a minha?
Você acreditaria?

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Elyon alcançou a capital com rapidez, juntamente com Catherine.
Ambas ofegavam de medo, mas conseguiam manter um olhar frio e resoluto.
Sinceras, como sempre.

- Consegue senti-la? - perguntou Catherine, depreciando a vista da cidade.
- Não - Elyon sorriu - mas você sabe que entre nós, ela é a melhor em ocultar a energia dela. Ela quase não tem...
- Uma ilusão, é claro.
As duas sorriram mais abertamente, como jovens adolescentes prestes a correr em uma racha. Aquele sorriso tão confiante, tão juvenil que demonstrava claramente a falta de credibilidade em morrer. Como se a morte não existisse e como se ela não trabalhasse a todo vapor. O sorriso que o adolescente dá quando dirige um carro em alta velocidade, logo antes de perceber um barranco.
É o sorriso mais atrevido que pode existir na face de alguém.
As duas sequer descansaram.
Sequer pensaram em outra saída.

Suas pernas a levaram por toda a cidade, saltando de telhado em telhado, mantendo-se longe da vista das pessoas.
Eram leves, podiam quase voar. Mantinham-se ocultas, escondidas entre as nuvens.
Eram tão suaves, de ares tão femininos e noturnos, embora ainda seja dia, embora o sol ainda se mantinha, quente.
Mesmo com todas as nuvens, tão escuras, o sol persistia. Esquentava mais a cada segundo, infernizava a vida das pessoas que não tinham água. Catherine não pôde evitar um desejo de que houvesse chuva, chuva de verão.
Seu sorriso se tornou mais duradouro quando percebeu que haveria, sim, chuva.

Daquelas fortes.


Ophelia sorriu.
Podia sentir dois borrões suaves de energia se aproximando.
- Lala - disse, enquanto comia suavemente suas torradas - mande abrir todas as portas.
- Quê? - Lala ficou espantada - mas...
- Elyon e Catherine querem me matar. Não vamos barrá-las, não concorda? - Ophelia bebeu um gole de suco - uma pergunta... em alguma parte desse castelo, tem criminosos presos, não é?
Lala fez um olhar confuso, mas logo responder com naturalidade:
- Oh, sim. O Calabouço do Inferno... - ela bebeu um gole de suco antes de continuar - eles estão aprisionados lá desde que você chegou. Como você não emitiu ordens a respeito de lá, os criminosos continuam lá, recebendo o mesmo tratamento de antes, pois os empregados continuam cuidando de lá como antes. Mas não há mais julgamento e todas as fadas do Conselho se refugiaram, creio.
- Sim... - Ophelia fez uma cara pensativa - Lala, dê ordens para que a cada dia, um deles seja escolhido para ser alimento de Ravèh.
Seu sorriso era estranhamente infantil e malévolo, como o de uma criança que queima a formiga com uma lupa.

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Raveneh deixou Maytsuri dormindo, deixando-a sob aos cuidados de Amai que concordou, entre um parágrafo e outro de "A Bruxa Que Passou a Falar em Rimas". Ela subiu as escadas, usando um avental e um vestido azul-claro. Trançara seus cabelos de forma cuidadosa, embora não muito arrumada, e o seu sorriso permanecia infantil.
No jantar de hoje, faria sopa usando batatas, cenouras e alguma massa de macarrão. Mas a sopa era de fácil preparo, e se perguntou porque ainda não tinha morangos lá embaixo. Pelo menos, não muitos.
Será que Johnny devorou todos?, pensou preocupada.
Sabia da paixão do marido pelos morangos, e de como ele não conseguia parar se tivesse uma cesta cheia. Mas não se preocupou, procurando a pequena plantação de morangos. Logo encontrou, mas percebeu que eles não estavam suficientemente maduros.
Se entristeceu.
- Raveneh?
Ela se virou, observando Johnny.

Ele sempre era tão bonito!
Seus cabelos negros cresceram, devido a falta de uma boa tesoura, e seus olhos continuavam alegres como sempre. Ela gostava de sentir seus braços, ela gostava de sentir seu cheiro. Ela gostava da segurança que Johnny lhe oferecia.
- Johnny - Raveneh sorriu - eu vim procurar morangos.
- Ainda não dá - ele disse, sentando-se ao lado dela - com quem deixou May?
- Amai - ela respondeu, e como sempre, corava quando estava ao lado dele, desse jeito tão perto, tão a sós.
Mesmo quando o mundo parecia estar acabando, Raveneh ainda se permitia ser feliz ao lado dele.

Johnny colocou seu braço em volta dos ombros de Johnny, a abraçando. Acariciou seus cabelos, fitou seus olhos tão azuis. Eram olhos de menina.
- Você sempre fica tão bonita.
Raveneh sorriu. E seu sorriso também era de menina.
- Ei... eu não quero que a May cresça presa nesse abrigo - Raveneh confidenciou sua preocupação, o que fez Johnny a abraçar mais forte, a consolando.
- Não se preocupe - foram as palavras dele - não se preocupe, a guerra terminará logo.
Estava quente o hálito dele.
Logo atrás, na sua nuca, e ela sentia arrepios quando ele falava logo atrás dela, seus lábios tocando seu pescoço. Amava ele tanto, amava tanto que mal podia se conter. Talvez era isso que Doceh sentira, quando se arruinara por dentro com a simples perspectiva de ter Ly longe de si. Amar devia ser dolorido demais.
- Não quero que você morra - Raveneh disse, uma lágrima muito sutil caindo do olho direito.
- Não morrerei - ele disse, com a certeza de um espadachim antes de ir para a guerra.
Raveneh se virou, os rostos perto demais.
- Como sabe? - ela disse, seus olhos fitando as íris escuras de Johnny - Renegada... eu podia jurar que ela não morreria, mas ela...
- Ela desistiu, querida - Johnny envolveu seus braços em volta de Raveneh, a trazendo mais perto de si - ela desistiu porque aceitou a morte perto dela... e a mesma coisa não vai acontecer comigo.
- Foi tão difícil, - Raveneh confessou - Johnny, eu que senti a morte dela. Fui eu quem senti a perda... eu não pude fugir, Johnny.
- Eu entendo, querida... - Johnny a abraçou, o rosto de Raveneh se enterrando no ombro dele - eu entendo. Mas eu não vou morrer. Eu te prometo isso, eu não vou morrer por causa de Ophelia.
Raveneh não respondeu. Seu vestido azul-claro estava se sujando por causa da terra, mas não se importava. Só queria ficar com ele, e nada mais. Aquele momento era mais importante que qualquer coisa.

Os dedos eram grossos, e suas mãos eram ásperas.
O rosto dela estava tão corado, e úmido de lágrimas.
Mas ele tinha um sorriso, tão gentil, tão raro. Quase que impossível de se encontrar.
E ela só o queria, mais e mais, até que tê-lo fosse quase insuportável, e sentir seus braços era tão bom! Eles eram fortes e a protegiam, a acariciavam e a acolhiam de tal forma que ela achava que nunca, nunca poderia ficar afligida por qualquer coisa. Ophelia não poderia tocar nela, se ela estivesse ali, entre seus braços. E mesmo seus irmãos ou a sua mãe poderiam machucá-la se ela tivesse Johnny junto a si.
- Fique calma, Raveneh - Johnny disse - fique calma, querida.
Ela tremia, de medo de que pudesse perder o homem que ela tanto amava, tão confiável. Se afastou, sua respiração ficando mais controlada. Sorriu.
- Obrigada, Johnny, por existir.
Ela chegou perto, seu rosto tão perto. Johnny podia ver as pupilas negras, rodeadas das íris tão azuis como o céu, e podia sentir a maciez de sua pele, enxergar até mesmo uma minúscula falha na sobrancelha que nunca reparara...
- Johnny, obrigada - ele podia sentir seu hálito.
Ela estava perto demais. Quando os dois dormiam, era óbvio que se abraçavam fortes, que se sentiam. Mas era diferente. Havia algo de diferente, alguma espécie de maturidade em Raveneh.

Mas a textura de seus lábios era maravilhosa.
Podia sentir Raveneh fechando os olhos, mesmo que mantivesse seus próprios olhos fechados também. Não foi de surpresa, mas mesmo assim não era esperado. Podia senti-la completamente, suas mãos apoiadas na terra, seus lábios apressados e ansiosos. Abraçou a garota, agora uma mulher feita, e ela retribuiu o abraço. Seus dedos frágeis se enterraram entre seus fios de cabelo, Johnny podia sentir o gosto das lágrimas. Afastou-se, somente para secar as lágrimas.
Ela parecia quase que ofegar, suas bochechas tão vermelhas, seus lábios que pareciam surpresos por tamanha ousadia.
- Não fique triste, minha querida - ele disse, sua voz tão calma e suave, somente para acalmá-la - venha aqui.
Raveneh ficou abraçada a ele, sentindo os primeiros pingos de chuva. Eram poucos, no começo, mas eram decididos, fortes.
Ela não se incomodou.
Continuou com ele, olhando para o céu, tentando resgatar sensações perdidas.

A chuva continuou, e ele se curvou diante dela. Ela o via como se ele estivesse de cabeça para baixo, a chuva caindo. Ela sorriu, ansiosa, coração acelerado. Ele mudou de posição, resolvendo se deitar ao lado dela. Lado a lado, suas mãos unidas, e os corações ansiando por algum contato maior. Raveneh se sentou, seus cabelos se molhando por causa de água que caia. Moveu sua cabeça de forma que ela ficasse sob Johnny, e assim ele podia vê-la direito, sem os pingos de chuva a atrapalhar a visão.
- Você me ama? - ela perguntou, como se precisasse de confirmação.
Ele sorriu de canto, quase como se estivesse rindo.
- É claro - ele respondeu, admirando aqueles olhos tão azuis. E ela riu, aproximando seu corpo.
- Então... o que está esperando?

Ao entender o convite, ele sorriu.
Era difícil resistir, não era?
Continua bela como era quando chegou aqui...
Era tão difícil resistir aos seus sorrisos jogados de forma atrevida, era difícil evitar quando ela o olhava de uma forma devotada, lhe estendendo tudo o que ela podia dar, e era tão difícil ignorar quando ela o convidava de forma quase que sedutora, seus olhos tão azuis, e tão inocentes, mas mesmo assim, havia algo de sexy nela que ele não podia entender. Ela era perfeita, em todos os aspectos.
Ela não tinha isso há dois anos atrás. Dois anos atrás, ela era completamente inocente, como uma criança que aprendia a amar.
Seria alguma herança de Catherine?
Será que ela e Catherine se fundiam, pouco a pouco?
Não era algo ruim, ele sabia. Gostava do mesmo jeito, e talvez até mais. Amava Raveneh tanto!

Encostou seus lábios, tão suavemente e educadamente, como se fosse uma ofensa. Logo se afastou, mas ela o aproximou de novo, o puxando pela gola da camisa.
- Começou, agora termina.
Não era a voz sempre doce de Raveneh. Mas também não era aquela sedução infernal de Catherine.
Mas mesmo assim, ele não podia resistir.
Continuou.

Nunca havia ficado tão corado, mesmo quando era um adolescente de 13 anos tentando cantar uma menina na escola. Nunca suas bochechas assumiram um tom tão avermelhado, e nunca ele sentia aquela excitação tão estranha, dos pés à cabeça, aquela sensação de que tinha que tê-la em seus braços, de que seria possível passar o resto da vida preso à ela.
De fato, o amor é um negócio estranho.
Foram muitos beijos, tão demorados, e foram muitas gotas de chuva a cair, uma chuva tão forte e demorada, e foram muitas as vezes que Johnny corria as mãos pelas costas de Raveneh, e foram muitas as vezes que riam ao verem que sujaram na lama, e também foram muitas as vezes que Johnny se surpreendia com os próprios pensamentos quase que obscenos que corriam por sua mente, mas sequer se atrevia a realizar aquelas coisas que passavam.

De fato, foram muitos os minutos que ficaram ali, perdidos, esquecidos de tudo. Para eles, Ophelia era uma bruxinha boa e os demônios uma ameaça distante. O que aquilo importava? O mundo ideal estava ali, no rarissímo espaço que havia entre eles, nos beijos ofegantes, nos toques sutis e provocadores, no riso imediato e sincero, perdidos que estavam ali, mergulhados em algo que ainda havia de bom no mundo.

Desculpe pela parte romântica, mas foi mais um teste pra mim... não sei se consegui escrever direito, afinal é mais fácil descrever a morte de alguém do que um casal se amando... Enfim, digam-me se ficou bom x_x Tá, OUTRA coisa que preciso de ajuda: gostaria de dois nomes élficos (um feminino e um masculino). Dois nomes élficos bonitos, imponentes, que combinem perfeitamente com dragões. Help-me? ^^

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Parte 73 - Algum medo.

Kibii acordou de noite, tendo sobressaltos.
- O que foi, querida?
Ela se sentou, por mais que doesse. Tocou as ataduras em todo o torax.
- Oh, veja, já sabe atirar a nossa princesinha!
De quem era essa voz? Era uma voz feminina, um tom tão maternal... pertencia à uma pessoa sem rosto, e ela não conseguia identificar, por mais que a pessoa estivesse ao lado dela, e passava a mão em sua cabeça, e ela sorria. Sim, se fechasse os olhos, podia ver seu sorriso.
Droga, era alguma coisa diferente nos sonhos que ela sempre tinha. Mas ainda assim a sensação de não conseguir identificar persistia.
- Minha princesa, ela te machucou?
Droga. Droga. Droga.
Ela olhou para o lado. Estava sozinha na enfermaria, todos os leitos vazios, tudo escuro. Provavelmente Nath está dormindo, deduziu Kibii. Ela se levantou, apoiando os pés no chão com dificuldade.
Gemeu de dor.
- Onde está doendo?
A voz ainda sussurrava em seus ouvidos, como se fosse de uma mãe. Será? Aparecera uma mulher essa noite e ela estava vestida de uma forma tão bonita, com o vestido todo branco e leve, e era perfeita. Suas mãos eram delicadas, e sua voz era linda. Mas não conseguira ver o rosto dela: a cor dos olhos dela permanecera misteriosa, a forma como ela sorria continuava nublada. O riso e a preocupação se mostravam na voz de forma clara, mas o rosto dela...

Andou até a porta da enfermaria, e a abriu.
Na ponta dos pés, foi até a sala de jantar e depois a de estar por onde teria que passar para chegar ao quarto onde dormia normalmente, antes de ser raptada por Ophelia. Mas parou ao chegar na porta da sala de estar, quando escutava duas vozes:
- Vai agora, Gerogie? - era a voz de Umrae.
- Sim - Gerogie respondeu - obrigada pela hospitalidade, Umrae. De noite, chegarei à Grillindor.
- Que bom - Umrae parecia satisfeita pelo tom de voz - presume que se você chegar de noite, ela partirá que dia?
- No dia seguinte, de noite. Pois ela necessita de um dia para escolher os dragões da lista que ela já preparou, e também para arrumar tudo. Bem, aconselho que não façam nada até ela chegar.
- Sim - Umrae sorriu - obrigada, Gerogie.
Kibii ouviu passos de Gerogie subindo pela escada, em seguida a Umrae fechou a porta do abrigo e voltou ao seu quarto. Na verdade, um cubículo onde só havia uma cama, modesta. Afinal tinha vários quartos pelo abrigo, e a maioria era dividida em cubículos para garantir privacidade às pessoas. Kibii andou na ponta dos pés, e muito discretamente andou pelo corredor do quarto principal, onde dormia. Passou pelo cubículo onde Rafitcha dormia, e outro onde Thá repousava. Parou ao perceber que Umrae ainda estava acordada. E o seu cubículo ficava bem em frente ao de Umrae, e Umrae ainda não fechara a cortina que ocultava o interior do cubículo.

Dentro de dois minutos, Umrae fechou a cortina, e foi esse o tempo que Kibii usou para entrar no seu próprio cubículo. Sorte que a cortina já estava fechada, pois se fazia muito barulho ao fechar a cortina.
Ela se sentou na cama que era mais um colchão com lençol, coberta e travesseiro. Ao lado, uma bolsa enorme. Abriu a bolsa com cuidado, encontrando suas roupas e as relíquias que sempre guardava. Também havia uma sacola, e uma maleta cheia de coisas como cremes que usava para cuidar do cabelo, loções para limpar lâminas de espada, perfumes.
Tudo intocado.
- Boa noite, Kibii - era a voz, tão madura, de Umrae - resolveu dormir aqui?
Kibii levantou a cabeça, espantada:
- Mas...! - gaguejou, mas logo controlou a voz - quando foi que...?
- Desde que saiu da enfermaria - Umrae sussurrou - eu tenho um ouvido muito bom, Kibii.
- Percebi.
Ela se deitou sobre a cama, suspirou.
- De fato, odeio a enfermaria - Kibii admitiu - é chato ser tão cuidada.
Umrae riu.
- Se obedecer Nath direito, poderá usar suas flechas - lembrou Umrae - mas esquece, não vou te colocar na linha de frente de novo.
- Quê - Kibii se levantou - mas?
- Primeiro, porque Nath proibiu. Não lutará de perto, somente à distância. Segundo, espero que não precisemos de batalha frente a frente.
Kibii não reclamou.
- Você... - abaixou o tom de voz - ...pretende matar Ophelia?
- Sim, mesmo que não seja pelas minhas mãos.
A arqueira ficou em silêncio.
- Esquece - disse, por fim - ela é um demônio. Não se pode matá-la.

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Cinco e meia da manhã.
- hah - Alicia se ajoelhou, apalpando a testa - hah
- Cadê a bruxa? - Siih permanecia deitada, seus pulsos presos em um aparelho de ferro - eu não a vejo.
Lefi se sentou, encarando a porta. Seus pulsos estavam marcados, e havia um corte na testa, além de alguns cortes menores nas pernas, por onde a calça fora rasgada.
- Ela saiu há uma hora.
Conseguiu se levantar. Somente Siih estava amarrada, os dois pulsos atados com cordas, e a corda se prendia à uma estranha caixa de ferro, toda cheia de buracos.
- Vou soltá-la - disse Lefi, mas Alicia o impediu.
- Veja.
Lefi e Siih olharam para cima. Da caixa, saía várias cordas que se prendiam em frágeis arames do teto, e na ponta de cada arame, uma enorme bola de ferro, massacradora. Equilibrava-se na ponta do arame com maestria, esperando somente uma tensão para desabar de vez.
- Não tem como Siih escapar, pois a corda é impossível de se cortar ou romper - Alicia disse em um tom professoral, ainda assim tenso - se ela mexer os pulsos de forma mais drástica, as bolas caem, tudo de uma vez. Ela seria esmagada.
- E como se libertaria alguém assim? - Lefi perguntou, ao que Alicia respondeu cheia de dúvidas:
- Teria que escalar até lá em cima e tirar todas as bolas, uma por uma. Provavelmente tem que abrir a caixa depois, pois a corda é mágica.
Siih ofegou. Só o nervosismo de não poder puxar os pulsos...
- E porque nos soltaram? - Lefi indagou, mas quanto a esta pergunta, Alicia respondeu de forma certeira:
- Nós que teremos que soltar Siih. Claro que obedecendo às regras de Ravèh. O que envolverá em quase uma morte de um de nós.
Siih encarou a porta com frieza, tentando concentrar sua energia nas cordas. Não podia, ela era a rainha legítima! Era da família real, e as masmorras não podiam simplesmente aprisionar uma rainha...

- Minha princesinha, nem todos te amam, minha querida...

Nem todos te amavam, Siih.
Não era porque era a Rainha que todos te adoravam.
Não era porque era a Rainha que você era imune aos outros.
Siih, você não é digna.
Mas Ophelia também não era digna!
Era simples, meu bem. Era simples demais, óbvio.

Quem, neste mundo, merece um reino?

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- Podemos chegar agora - Elyon murmurou - se nos apressarmos.
- Mas aí a nossa energia vai ficar evidente! - Catherine alertou, ao que Elyon sorriu:
- E daí? Você acha que ela vai nos impedir de entrar no palácio?
Catherine abaixou a voz, quase que sussurrando:
- Ela vai nos matar.
- Eu sei - Elyon olhou entre algumas árvores - mas... já sabemos disso, certo?
Catherine não disse nada. Somente se apoiou em uma árvore, observando os galhos secos no chão.

- Catherine...
As duas amigas se olharam. Eram olhares desinteressados, frios, cruéis até.
Aconteceu quando?
Quando Olga era a terceira alma, quando Olga era uma mulher sorridente, quando tudo ainda era melhor...
- Catherine, você sente ódio de Ophelia?
Elyon a encarava com frieza, mas a amiga podia perceber ternura ali atrás, quase como se tivesse pena. Desviou o olhar.
- Não - admitiu Catherine.
- Eu também não - Elyon disse, se aproximando de Catherine - mas por Olga, eu faço qualquer coisa e sabe disso.
Catherine conseguiu controlar as lágrimas, sua voz saindo perfeitamente tranquila, com uma nota de indiferença:
- Claro que sei. E Olga não odiava Ophelia também... - seus olhos estavam estranhamente úmidos - mas ela era tão boa, tão singela... Olga era a melhor pessoa do mundo, e mesmo assim não conseguimos odiar a sua assassina...
Elyon abraçou a amiga, que virou o rosto para o céu, fixando seu olhar nas nuvens tão brancas e vagas.
- Por que não conseguimos odiar Ophelia? Por que não conseguimos sequer sentir pena de Ophelia? É por isso que perdemos a luta naquela época? Por que não sentíamos nem raiva de uma criança? Droga, Ophelia é uma criança, apesar de tudo.
- Não é - Elyon discordou com a sua voz tão suave - ela já tem mente e corpo de mulher.
- E um temperamento infantil - Catherine lembrou - mesmo que ela tenha conseguido sair do corpo infantil, mesmo que tenha passados tantos anos... ela ainda assim mantém a sua infantilidade.
As duas ficaram ali, mil dúvidas a frente.

A relação que todas as outras musas que tinham com Ophelia era de pura indiferença e desconfiança.
O único motivo para matar Ophelia era pura e simplesmente vingança, pelo assassinato de Olga. Mas mesmo esse sentimento se abrandou de tal forma que das sete Musas restantes, somente duas continuaram indo em frente, precisando da vingança como motivo pra viver. Como se devessem isso para Olga.
- Olga era uma boa pessoa, Catherine - Elyon sussurrou - e é por isso que vamos matar Ophelia. É por isso que vamos tentar acabar com Ophelia. Não podemos perdoar o assassinato de uma amiga nossa, Catherine, por mais que a assassina seja uma criança.
Catherine não respondeu.

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Bel completou sua lista, e passou pela área onde ficavam os dragões. Será que Gerogie já havia chegado? Ela tinha medo de que o dragão não conseguisse chegar, ou então não tivesse resposta positiva, qualquer coisa do tipo.
- Bem, chefe - uma menina muito loira, de olhos furta-cor a fitava com alegria - estão todos bem por esta noite. A Zadilla está bem.
- Ótimo - Bel calçou as luvas de proteção, seus olhos sem brilharem - ótimo, Harumi. Aliás, está se preparando para a batalha em Campinas?
- Sim, Comandante - a garota sorriu - iremos que dia?
- Quando Gerogie chegar - Bel disse - começaremos os preparativos finais e verdadeiros. Espero ir umas doze horas depois de Gerogie chegar. Avise aos outros.
- Sim, Comandante Bel!
Harumi era uma doce garota. E extremamente obediente, o que fazia Bel achar que ela era um alvo muito fácil para pessoas más e inescrupulosas.

Harumi voltou ao seu posto, vigiando o Pântano Negro juntamente com Ratta. Ela se espreguiçou, sentada em uma pedra, observando os dragões para lá e para cá, todos de pelagem negra. Havia uns dragões originais, mas eles estavam em forma humana, desprezando aqueles mestiços que não tinham linguagem própria ou inteligência.
- Olá, Ratta. Cadê Polly? - perguntou Harumi, que prendeu os cabelos em um coque desajeitado e ficou sentada em uma pedra, observando Ratta analisar os dentes dos dragões, um por um.
- Não sei - Ratta respondeu, seus cabelos vivamente laranja soltos nos ombros - não sei. hmpf.
Harumi deu algum sorriso.
- Ratta, de onde você veio? E esse é o seu nome real?
A pergunta fez Ratta a encarar com surpresa, mas logo ela sorriu e disse:
- Não, me chamo Nemo Ratta. Nunca disse?
Harumi negou. Ela era extraordinariamente meiga, e nunca foi vista machucando um novato, um dragão, um inimigo. Ela vinha de uma família muito rica, e por pura imposição dos pais, foi mandada em casamento com um importante conde de não-sei-o-quê. Mas, rebelada, se refugiu, mudando de nome e serviu ao Exército de Grillindor. Claro que foi descoberta e todo o país soube da história, mas Bel fez questão de tê-la conosco. Harumi foi deserdada, mas quem disse que ela se incomodou?
- Eu venho do sul de Grillindor - Ratta disse, se sentando na pedra também - naquelas comunidades do Oriente... fugi de casa.
- Oh.
Ratta sorriu amavelmente.

De fato, Ratta fugira de casa.
Tantas brigas, tantos conflitos... filha única, com tantos problemas...
Ainda se lembrava com clareza da noite que fugira.

Suas mãos abriram a janela.
A sacola de roupas estava bem ajustada nas costas.
A noite era fria, e a neve caía sem parar. Lembrava de escutar o ranger da porta, e lembrava da sensação de ter seus dedos tocando a fria madeira. O olhar tão ácido do padrasto foi a gota d'água.
- Quer mesmo ir embora, Nemo? Então vá.
Droga.

Mas agora estava do outro lado do país, foragida. Sua mãe nunca fez esforço para procurá-la, e seu padrasto também não. E ela não lembrava de ter conhecido o pai, assim como não lembrava de um período que brincasse na rua feliz. Preferia ficar em casa, pois as crianças riam de sua cauda de gato. Então se distraía lutando com uma espada de madeira, em seu enorme quarto, e lia tantos livros que logo poderia recitar todos os contos palavra por palavra.
Fora uma criança aparentemente feliz.
Mas ela nunca perdoara a mãe e o padrasto. Nunca perdoara aquele casal pela ausência deliberada, pela falta de amor, pelo abandono. Enquanto criança, precisava de alguém para pegá-la no colo e nunca teve.
Bem.
Agora cuidava de dragões. Tinha certeza que o pai se orgulhava dela, em algum lugar do mundo. Se ele estivesse vivo, queria conhecê-lo. Se estivesse morto, queria que existisse vida além da morte para ele ser um fantasma e a receber com mimos quando ela morresse também. Deu uma olhada nos dragões, sorrindo.
Será que quero essa vida para sempre?
Ela só queria ser feliz. Por mais difícil que isso fosse.

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Ophelia escolheu um vestido particularmente lindo naquele dia.
Todo verde-esmeralda, com flores se desabrochando, bordados de forma tão detalhada, e ela se sentia ainda mais bonita dentro dele. Não tinha mangás, e não tinha alças que sustentassem o vestido. Era mantido na altura dos seios, e se firmava com tanta delicadeza que nem parecia que ia cair. Era um vestido da cor da primavera.
- Belo vestido - disse Dahes, um Glomb de ar um tanto tristonho.
Ophelia não respondeu. Ela não se sentia mais feliz. Queria se sentir mais bonita, por isso escolheu esse vestido e fez um coque nos cabelos, se utilizando de uma linda margarida, ainda úmida de orvalho. Parecia ainda mais bonita, mas não estava mais feliz. Tinha ódio.
- Bom dia - Lala se sentou, utilizando sua habitual roupa preta e nada fez com o cabelo.
Ophelia nada disse. Somente fitou o pão, o mamão e o leite com um certo tremor. Ela não aguentaria alguém mais bonita que ela, e para ela, era o que Lala estava sendo. Como a amiga podia ficar tão tranquila, tão calma?
- Algum problema, Ophelia? - a voz de Lala parecia veneno aos ouvidos de Ophelia.
- Eu... - Ophelia ergueu o olhar, sua face corando com rapidez - nada.
Lala a olhou com certa curiosidade.
- Tem certeza? Parece... doente.
- Tenho. É só que... - Ophelia se controlou.
Lala deu um leve sorriso, e começou a comer seu mamão.

Ophelia sentia que um grande risco estava chegando e tinha medo.
Tanto, tanto medo!

Minha net tá uma droga. Quando ela cai, cai por dias seguidos. Meu namorado tentou arranjá-la, vamos ver se funciona. E quero ver seu desenho, hein, Umrae *-*

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Parte 72 - Crepúsculo.

- Boa noite - disse Gerogie, fazendo uma leve reverência - eu irei dormir.
Rafitcha a encarou espantada:
- Nem deu seis da tarde ainda! - ela disse admirada, ao que Gerogie respondeu delicada:
- Quero dormir agora e descansar por ora. Partirei de madrugada, assim chegarei a Grillindor amanhã de noite.
- Oh, entendo - Rafitcha sorriu - deixe-me preparar sua cama, temos um quarto de hóspede...
- Não precisa - Gerogie se virou - eu dormirei na sala, espero que não se incomode.
- Quê? Ah, não... - Rafitcha observou Gerogie se sentar no canto da sala, e dormir apoiada na parede, coluna ereta.
Ela é estranha...

Voltou a atenção para as roupas que ajudava a remendar.
Raveneh entrou na sala, jogando sobre a mesa as pouquissímas ervas que serviam de tempero.
- Droga - murmurou, cabisbaixa - só posso temperar muita pouca coisa com manjericão.
- Pelo menos temos o sal - Rafitcha tentou consolar - é alguma coisa, não é?
- Pode ser - Raveneh olhou para um ramo de manjericão - bem, farei alguma coisa especial hoje. E aproveite bem, Rafitcha. Pode ser a última refeição realmente gostosa que prepararei por todo o ano.
Rafitcha sorriu, parecendo se conformar.

Johnny entrou no abrigo, trazendo algumas lenhas, juntamente com Ly. Raveneh festejou a volta deles, correndo para abrir espaço na lareira. A lareira tinha ligação com uma chaminé, muito bem disfarçada na floresta de modo que se alguém visse a fumaça, iria achar que era o suspiro de algum dragão flamejante. Mas normalmente alguém versado em magia como Rafitcha encantava a lenha de modo que ela queimasse, e a fumaça subisse de forma inodora e praticamente incolor. Era uma magia bem simples, e para Rafitcha, não era esforço nenhum. Afinal, era um modo de ela utilizar aquelas coisas que aprendeu na escola.
- Eu vou começar a fazer o jantar - disse Raveneh para Johnny, analisando suas mãos - poderia trazer uma galinha?
- Uma galinha? Esbanjando comida? - Johnny sorriu, ao que Raveneh juntou as próprias palmas das mãos, sua expressão assumindo um ar de tristeza:
- Queria algo especial. Não sei, afinal ainda estamos todos vivos, não é?
Johnny passou a mão nos cabelos dela, sorrindo de forma consoladora:
- Sim, querida. Por enquanto, estamos todos vivos.
Ele deu as costas, saindo do abrigo.
Logo, logo daria as seis horas e ela ainda não havia começado a preparar o jantar! Rafitcha largou as roupas para ajudá-la a cortar alguns tomates, a preparar a massa do macarrão, a temperar tudo com cuidado e quando Johnny trouxe a galinha, quinze minutos depois, ajudou Raveneh a assar a galinha, temperá-la, e também as duas prepararam um bolo de trigo, e aproveitaram o suco de laranja e morango que sobrara do almoço, e fizeram render o suco para o jantar. Aproveitaram todas as sobras, e fizeram tudo com esmero, que mal se deram conta do tempo que passara e de que por um longo tempo, não teriam mais como preparar esse tipo de coisa...

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- Finalmente ela chegou - Ophelia sorriu - apresento-lhe a Ravèh.
- Prazer.
Parecia uma humana completamente normal.

Cabelos longos, completamente lisos, sem franja ou qualquer coisa do tipo. Eram de uma cor loira, quase branca.
Seus olhos eram quase felinos, pelo formato dos olhos, pelas sobrancelhas loiras e arqueadas, e as íris verde-lua, quase amarelada. O contorno dos seus lábios eram bem definidos, e a cor era bem rosada. Vestia um vestido, muito justo no busto e bem largo a partir da cintura. Era um vestido bonito, todo azul-marinho, com riquissímos bordados dourados. Seus dedos eram longos, suas unhas eram de formato oval, seu sorriso era estranhamente sádico, suas orelhas pontiagudas.
- Não parece um demônio - observou Alicia, seus braços pendendo das correntes, a cabeça abaixada.
- Não tomarei o formato de demônio - Ravèh sussurrou, sua voz tão musical, aveludada, baixa.
Ophelia fez uma leve reverência:
- Obrigada por me ajudar, Ravèh. Lembre-se das regras. Deixo-as com você.
- Ok, Ophelia.
Ophelia deu um sorriso e saiu da masmorra, deixando Ravèh sozinha com os três prisioneiros.

- O que fará conosco? - Alicia resmungou, erguendo a cabeça - comerá a todos nós? Por quem começará?
- Uma opinião tão baixa de mim! - Ravèh parecia falsamente indignada - qual seu nome, minha querida?
Alicia fechou os olhos para responder. Não queria ver o rosto dela. Não queria pensar em ser morta.
- Alicia.
- Belo nome - Ravèh disse - mais bonito que o meu. E o seu é Siih, suponho.
Siih não respondeu. Estava de cabeça baixa, se recusando a responder qualquer coisa. Ela rangia os dentes, procurando uma forma de escapar daquelas algemas. Concentrava toda a sua energia possível nas algemas, tentando rompê-las de todas as formas que conseguia imaginar.
- Não vai conseguir - Ravèh a encarou sorrindo - essas masmorras estão protegidas magicamente. Mesmo que você exploda, ainda assim as algemas ficarão inteiras.
Siih a olhou furiosa.
- O que fará conosco? E que regras são essas que Ophelia falou para não se esquecer? - perguntou Lefi em um tom completamente morno, sem nenhuma alteração.
Ravèh o encarou, seus olhos brilhando de expectativa.
- Menino curioso - disse - não me admira que Ophelia tenha te trancado aqui. Mas como não sou um monstro, direi as regras que tenho que obedecer... primeiro, não devo comê-los. Segundo, não devo matá-los. Terceiro, não devo deixar escapá-lo. Eu posso esquecer a primeira e a segunda regra se vocês escaparem e não tiver opção além de matá-los. Portanto farei tudo menos as três regras que citei.
- Então... - Siih disse, olhando para Ravèh de forma tranquila - ...devo presumir que você vai nos torturar queimando-nos, privando-nos de sono e comida, mergulhando a nós em água fria, dando cortes em todas as partes, cortes que só sangram e doem, e ardem. E humilhará, baterá, e fará de tudo para que a gente peça a morte no final. Estou certa?
Ravèh sorriu, seus olhos brilhando de forma anormal.
- Você está... - seus dentes alinhados se mostraram - ... certissíma!

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- E aí, como faremos? - Elyon murmurou, apontando para o corpo de Catherine - não podemos ir até a capital e atacar Ophelia se não temos roupas.
- É verdade - Catherine murmurou - que incômodo...
Elyon se levantou:
- Você acha que ainda tem alguma roupa em Cherllaux?
- Duvido. Mas vá lá, se achar que ainda tem algo lá.
Elyon fez um sinal de retinência, sorrindo.
- Irei. Fique aqui, que já volto.
Catherine a encarou de forma brincalhona.

Elyon correu entre pelo que restava das árvores, dos troncos caídos no chão, seus pés sentindo a aspereza do chão, as pernas sentindo o vento que causava ao correr.
Foi quase como voar.

Cherllaux não era mais nada, praticamente.
Nenhuma casa estava em pé.
O chão era lama, o ambiente era frio e vazio.
Se tinha alguma roupa aqui...
Observou as montanhas por perto.
... desapareceu do meio dessas ruínas de madeira. Que triste fim.
E havia sangue. Muito sangue: pedaços de monstros por todo o canto, pedaços retorcidos e sangrentos, tripas a céu aberto.
- Que nojo - Elyon contorceu a cara, mas continuou em frente. Correu bastante, procurando por uma casa em pé.
Havia uma, muito longe dali. Podia avistá-la de longe, um tímido casebre, discreto no meio do nada, ao pé das montanhas.
Correu até lá, a velocidade triplicada.

- hah.
Elyon abriu a porta de uma vez só, sem se incomodar. Com certeza não haveria ninguém ali.
Acertara.
Tinha três quartos, uma sala.
Na sala, um sofá com sangue seco em cima.
- demônio?
Foi até os quartos. O primeiro estava vazio, uma cama e um criado-mudo.
O segundo também estava vazio, embora a cama estivesse com as cobertas reviradas, e o castiçal de vela caído no chão, a vela apagada e esquecida. Não havia nenhum armário ou cabideiro, embora tivesse um chapéu em cima da cama.
No terceiro quarto que Elyon deixou escapar um murmúrio de assombro.

A cama era enorme, de casal. Em cada lado, um criado-mudo, castiçais de velas caídos no chão, um armário. As cobertas estavam reviradas, e em cima das cobertas, Elyon podia ver três pessoas. Uma mulher, um homem e uma menininha.
A mulher estava de barriga para cima, os olhos fixados no teto, e a pele parecia encolhida. O homem estava em idêntica situação, porém a menininha estava de bruços, os olhos fechados. Todos tinham o abdomên perfurado, nenhum apresentava todos os órgãos, e podia se perceber os ossos quebrados, as partes moles como braços cujos ossos foram retirados e recolocados.
- Um demônio cuidadoso - Elyon reparou, abrindo a porta do armário - porquê colocaria os ossos de volta?
Abrindo o armário, encontrou várias roupas. Duas capas de inverno gigantescas, uma capa menor. Havia mais roupas como blusas de frio, calças e vestidos, além de botas. Todas em um bom estado. Três quartos, três pessoas mortas. Se a mulher e o homem constituiam um casal, e portanto dormiam juntos no mesmo quarto, então de quem seria o primeiro quarto? Apostava que a menininha fora acordada pelos pais durante a noite, e talvez iriam escapar pela janela aberta do quarto. Provavelmente não deu tempo. Mas no chão, havia pegadas de sangue de uma só pessoa. Pegadas pequenas, sutis.
Eram menores do que a da menininha.
Intrigada, pegou duas capas de inverno, dois pares de botas, duas calças e duas camisas brancas. Foi até a janela, reparando nas pegadas. O caminho ia até à montanha, onde havia um corpo.
Havia urubus em volta do corpo.

Elyon voltou à Catherine, todas as roupas entregues.
- Demorou, mas conseguiu - Catherine disse, sem felicitar - hey... o que foi?
- Nada - foi a resposta de Elyon.
Realmente, não acontecera nada. Só uma família inteira assassinada e ninguém para enterrá-la. Olhou para suas mãos sujas de terra, engolindo em seco. Não fora muito cuidadosa, mas achava que dera conta do recado. Pelo menos cuidar delas depois de serem mortas. Pelo menos para serem enterradas, embora Elyon lamentasse não poder queimá-la, mas não tinha lenha naquele lugar.
Tudo havia sido destruído e reduzido a pó.

Até quando?

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- Uau - Umrae murmurou ao observar os pratos apresentados - esbanjando prosperidade na guerra, Raveneh?
- Exatamente - Raveneh disse, se sentindo orgulhosa. Fez questão de que Nath permitisse Kibii se instalar na mesa, junto com os outros, o que fez Kibii sair do leito e se sentar com os outros, mesmo que ficar sentada lhe causasse dores e o barulho dos garfos e das conversas lhe incomodasse. Raveneh continuou, quase como se estivesse solene: - não sei quem vai sobreviver no final dessa guerra, e pode ser que alguém aqui morra, como aconteceu como Yohana. Então eu e Rafitcha fizemos um jantar, para que... pelo menos tenham essa lembrança para o resto da vida, mesmo que Ophelia assassine a todos nós.

Todos encararam o frango e a macarronada com certa reverência.
Comeram em silêncio, quase como se fizessem uma oração.
Doía triturar a comida com os dentes para Kibii, mas ela não se incomodou: a dor lhe era uma velha amiga.

De fato, era uma lembrança que ficaria para sempre gravada nas lembranças de todos. Era um simples jantar, mesmo que parecesse esbanjador em época de guerra. Mas mesmo assim, era um simples jantar que ficaria nos corações, até o momento da morte. Era um jantar inseguro, incerto. Todos comiam aquilo como se fosse a última vez que veria comida, como a última vez antes da época das vacas magras.

Comiam como condenados à morte.

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Alicia foi a primeira vítima.
Jogada no canto, sem as correntes, recebia todo tipo de golpe.
Era tortura sem motivo, puramente por vingança, somente para pagar pelo pecado de ofender Ophelia.

Mas ainda assim Ravèh não gostou daquela mocinha, daqueles olhos frios e cinzentos, daqueles cabelos tão longos, lisos e loiros. Cuspiu sangue mais uma vez e tentou se levantar, mas Ravèh a golpeou na barriga e a fez desabar novamente.
- Alicia! - Siih gritava, toda vez que Alicia era machucada.
Ravèh não podia se transformar em um monstro, pois a magia contida nas masmorras impedia tal ato. Mas ela podia estender seus braços, fortalecendo-os, e golpeando todos à distância.
- Ela resiste bem - Ravèh murmurou - vamos ver como ela se sairá com os brinquedinhos?
No fundo do lugar, havia uma série de aparelhos estranhos, e mais correntes penduradas do teto, e um certo ar de maldade.
Ravèh jogou Alicia contra uma parede, fazendo-a perder a consciência por uns uns três segundos.
- Alicia - murmurou Ravèh - levante-se.
Alicia continuou ajoelhada, as mãos apoiando o corpo. Ofegava, não queria se levantar. Ouvia Siih gritar horrores, ouvia a respiração pesada de Lefi. Ouvia os suspiros impacientes de Ravèh, mas sinceramente não estava nem aí.

Deveria ter se preparado melhor.
Deveria ter sabido que a vitória exige alguns sacrifícios.
Deveria saber que ela tinha todas as chances de não chegar ao final.

Levou uma mão à testa, percebendo que ali sangrava. Sorriu, achando aquilo cômico. Tantas vezes sendo golpeada com socos, sendo jogada contra a parede e tudo o que Ravèh conseguira fazer era fazer sua testa sangrar. Que ridículo!
- Levante-se, idiota! - gritou Ravèh.
Alicia olhou para Ravèh, embora sua visão estivesse sendo ofuscada pelos cabelos, tão orgulhosamente penteados.
- Tire esse cabelo na cara - Ravèh sussurrou - agora.
- rs.
Alicia se levantou, suas pernas trêmulas.
Não havia quebrado nenhum osso.
- droga - Alicia murmurou - droga.
- O que disse? - Ravèh sussurrou - não tem o direito de dizer nada.
Alicia a encarou, os olhos frios:
- Eu disse: vá à merda.
Foi jogada contra a parede novamente, sem direito de reclamar. E foi jogada de novo, por dez vezes seguidas.
- NÃO - Ravèh gritava enquanto a pegava em seus braços enormes - OUSE ZOMBAR DE MIM.
Alicia só ria.
Da primeira vez que foi jogada contra a parede, ria.
Da terceira vez, gritava de dor.
A partir da sétima vez, ela já estava inconsciente, a testa já sangrava mais e ela não acordou, não durante aquela noite.

- Agora - Ravèh sorriu diabolicamente - vamos brincar com outra bonequinha!

Não, eu não baseei o título do capítulo na nova onda chamada Crepúsculo.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Parte 71 - Duas contra Uma [ou: Refresco antes do Suicídio]

Catherine se refugiara no rio, onde estaria bem. Não importasse o que acontecesse, estaria bem no rio.
Quando Elyon gritara para ela ficar na forma original, ela sequer pensou em se transformar em um monstro na terra. Mesmo que pudesse ser competente, considerava-se fraca pois toda a sua estrutura só era útil no mar.

Um rio serviria.
Ela poderia manipular a água da forma como quisesse, seja multiplicando a água corrente ou absorvendo tudo, fazendo um país inteiro ficar na seca. Podia fazer o que quisesse.
- Ora - Katie arrastou o corpo para a frente, arrasando mais casas e alcançando a floresta rapidamente - ora, só consegue lutar no rio?
Elyon preferiu correr até entre as árvores, onde se concentraria em fugir. Sabia que quando dois demônios se enfrentavam, muita coisa deixava de existir. Sabia que teve gente que morreu, na última batalha de Ophelia, só de enfrentarem desabamentos e terremotos provocados pela luta entre monstros.
- Bem, farei esse favor - Katie sorriu - pelo menos não fugiu como aquela morena.
Elyon rangeu os dentes de raiva. De todas as Musas, ela é a que mais demorava para se converter à forma original.
- Não se preocupe com ela - Catherine disse, sua voz adocicada se espalhando entre as árvores - eu que sou a sua adversária.
- Que bom.
Várias lanças foram lançadas, rompendo o solo com voracidade, alcançando quem estivesse no caminho como uma inocente gaivota que voava a muitos metros da batalha que desconhecia.
Mas nenhuma delas adiantou para arranhar Catherine.
- Que tolice. Só porque não consegue me enxergar daí, acha que eu sou ridicularmente pequena - Catherine sussurrou, o que fez Elyon lembrar que sempre tinha a impressão de que Catherine ficava muito mais calma e perigosa em sua forma original.
Katie não prosseguiu.
Mas Catherine sim.

Com apenas um toque, Katie sentiu água e mais água a atingi-la de forma brutal, como um maremoto.
- Quê.. ?
Catherine derrubou várias árvores ao redor, o que permitiu que Katie a visualizasse. Estava com água por todo o chão, e agora já se acalmara. Mas Catherine continuou sorridente. Ela boiava no rio, seus olhos assustadoramente calmos e sonhadores, e seus braços que viraram enormes nadadeiras, entre seus dedos, membrana fina. Seu pescoço tinha guelras, assim como os peixes, e da cintura para baixo, uma enorme cauda de peixe, grande e pesada, com nadadeiras na ponta. Podia lembrar uma sereia, exceto pelos braços.

Ao contrário dos mitos sobre sereias, Catherine não era irrealmente bela. Na verdade, ela era surrealmente bela, e de um outro ponto de vista. Parecia um monstro, mas tinha que se admitir que sua boca desenhada a caneta combinava com seus olhos sonhadores, e que o rosto humano pouco combinava com a pele, tão esverdeada, e havia escamas, tão sutis, imperceptíveis. As escamas davam à Catherine um brilho anormal, e muitas vezes faziam a pessoa se perguntar o que dava tanto brilho. Os braços eram normais para um demônio, mas a simples visão de seres nadadeiras atormentou Katie.
- Por isso que ela luta melhor em um rio - concluiu Katie, se fazendo de indiferente.
Repetiu o procedimento das lanças, mas nenhuma atingiu Catherine. Ela pegou todas no ar.

Katie bateu a cauda de serpente no chão, fazendo um grande estrondo.
Todas as árvores foram abaixos, restando algumas poucas, resistentes e antigas. Elyon deu um salto no ar, para não sofrer com o súbito terremoto. Porém não precisava de tanto: sua roupa já se rasgava com as pernas negras que apareciam a partir dos quadris.
Assim como Catherine era um tipo super-adaptado de alguma espécie de peixe humano, Elyon lembrava uma aranha com dezesseis pernas enormes e grotescas, pernas duras, porém maleáveis devido ao fato de cada perna ter nove partes, o que fazia com que cada parte pudesse se mover de forma simultânea e única, e cada ponta de cada perna era como uma pinça, afiada e dura, e fina.
- Que interessante - Katie murmurou, percebendo que do ventre para cima, Elyon era inteiramente humana, já que os braços não se modificavam. Parecia uma menininha acima de um monte de pernas. A única coisa que mudava era os olhos de Elyon que ficavam inteiramente vermelhos, de pupilas inteiramente negras e redondas. Logo notava uma mudança nas íris: elas se avermelhavam cada vez mais, e a pupila se dividia completamente em quatro partes redondas, como se fossem mini-pupilas.
Moveu a cauda de serpente, logo sendo fatiada por três das dezesseis pernas de Elyon. Mas se regenerou tão rápido como foi ferida, porém recuou. Catherine sorriu, batendo várias vezes a cauda no rio.

A água transbordava.
- A única diferença entre eu e você - murmurou Catherine que fez surgir mais e mais água - é que você come gente e eu não. A carne humana é incomestível para mim. E só por esse detalhe, você é superior.
Katie recuou, lançando lanças e jogando a terra em cima de Catherine, que a repeliu, dissolvendo todo o solo em água.
- Mas - Catherine olhou para o céu - nós somos muito mais humanas. Isso é uma grande desvantagem.
Elyon levantou oito pernas, todas afiadas como pinças, e todas elas se miraram em diferentes partes do corpo de Elyon: duas atingiriam a cabeça, outras duas perfurariam os ombros, e as quatro pernas restantes fariam buracos pela superfície do tronco.
Apenas um segundo foi suficiente para Elyon agir, manipulando as oito pernas para baixo, com toda a velocidade.
- ??
- !
Foram suspensas pela cauda, que foi perfurada em oito lugares ao mesmo tempo. Mas mesmo assim, a cauda fora erguida acima do corpo de Katie, protegendo-a das armas de Elyon. Katie não tinha dificuldade nenhuma em se sustentar pelos braços, com a cauda pesada erguida sobre ela, e as poucas e ínfimas gotas de sangue escorrerem pela escama de cobra.
- Você acha que eu sou uma idiota sem reflexos? - Katie sorriu - uma moça tão boa em ler a minha energia não deveria agir assim.

Elas agiram em conjunto.
Catherine saiu do rio, movendo-se com a sua cauda, fortalecida.
Elyon atacou com suas pernas novamente.
Foram as duas contra Katie, fatiando a cauda de serpente em pedaços, querendo esmagar pedaço por pedaço, até alcançar a cabeça de Katie. Ela tentava se preocupar em se regenerar, e em se defender dos golpes. Corria pela floresta, procurando um pouco de tempo para sua cauda se inteirar novamente, mas Catherine era mais rápida, pois seguia o caminho do rio, e Elyon era forte demais com suas pernas e ameaçava cada vez mais. Aos poucos, Katie foi se deixando vencer.

Foram vinte minutos de golpes seguidos.
Três monstros.

Em vinte minutos, a floresta toda veio abaixo, Cherllaux se apagou do mapa e um demônio foi arrebentado.
- hah - Catherine ofegou - hah.
Elyon retomou a forma humana, tentando um pouco de respiração normal. Embora ela gostasse de ficar na forma 'original', ainda assim era cansativo, pois se usava tanto poder! Reparou que não tinha mais roupa nenhuma, dos quadris para baixo. Suas calças se rasgaram com a transformação, e as botas simplesmente deixaram de existir. Somente restavam a blusa e a calcinha, que pelo menos asseguravam a sua decência. Reparou que Catherine estava completamente nua, pois durante a transformação, todas as roupas foram rasgadas tamanho o poder utilizado e pela modificação absurda dos braços e das pernas. Somente o busto não era modificado, mas como Catherine dobrou de tamanho em todas as partes, então a blusa que usava fora rasgada.
- hah - Catherine ficou no rio, seus cabelos despenteados - hah.
- Foi uma boa luta, acho - Elyon se espreguiçou no rio, olhando para o céu - heh, acabamos com isso aqui.
De fato. Todas as árvores em volta simplesmente desabaram e muitas se espatifaram no caminho. O solo estava todo revirado, e tinha água por tudo que era canto, o que fazia tudo ficar uma verdadeira lama. Cherllaux, por exemplo, teve suas últimas casas acabadas, reduzidas a escombros.
- Quanta tolice - Catherine murmurou - sabe que Ophelia não será vencida com isso, meramente.
Elyon esticou a blusa, suspirando:
- Eu sei. Eu sei. Mas... mesmo assim, quero tentar. Pelo menos, tentar.
- Entendo.
Catherine se deixou banhar pela água, agora tranquila.

Só tentar.
Tentar acabar com Ophelia.
Sabia que seria impossível, sabia que morreria assim que chegasse ao palácio, sabia que morreria no primeiro confronto.
Mas ela não fazia questão nenhuma de evitar. Para ela, quanto mais rápido a morte chegasse, melhor. Só queria um pouco de paz, só queria relaxar. Não sabia como era o mundo de quem partira, mas não fazia mais questão de fugir dele. Somente existir, isso era tão cansativo.
Fechou os olhos, pensativa.
O céu estava brilhante como todo bom céu de verão. Um azul tão bonito, tão límpido.
Como seria o depois?

Como seria quando se cruza a linha tão tênue, tão delicada entre a vida e a morte? Por anos e anos, Catherine personificou o sonho da humanidade: a imortalidade, ou pelo menos, uma cópia bem real. Enquanto todos os seres morriam, mesmo que vivam por muitos e muitos anos, Catherine rompia séculos, assim como suas companheiras. Era o que havia de menos humano nelas, era o único fator que realmente fazia a diferença entre ela e os outros seres como fadas, elfos e humanos. Enquanto fadas, elfos e humanos aprendem que são iguais por morrerem, de um jeito ou outro, Catherine se mantinha alheia à essas idéias. Preocupava-se em cuidar dos mares como uma deusa, e tal como deusa, foi reverenciada por algumas tribos de pessoas que viviam em ilhas e praias. Essas pessoas não entendiam a diferença entre um deus e uma musa. Para eles, um deus era meramente uma pessoa com poderes mágicos, a imortalidade entre elas. De certo modo, fazia sentido.

E agora, por vontade própria, caminhava ao suicídio. Para se entregar à maior aventura que alguém pode viver na terra, de acordo com alguém que não lembrava o nome.

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Venceram a luta.
Ophelia sorriu. Sentia em seus fios de cabelo, em seu nariz, em seus ouvidos... podia sentir a energia de Elyon pulsando a muitos quilômetros dali. E conseguira identificar a outra energia: Catherine. Claro, quando as duas lutam em uma forma tão animal, como poderiam ter suas auras desapercebidas?
Que interessante.
Ficou sinceramente feliz ao perceber que o terceiro demônio fora vencido e estraçalhado. Ela gostava quando lidava com gente competente, com pessoas que soubessem lutar, aquelas que nunca deveriam ser subjugadas. Para ela, essas pessoas são as mais especiais, mesmo quando eram seus inimigos, oponentes que deveriam ser mortos. Os vermes, rastejantes, aqueles que mal sabiam segurar uma espada... pobres coitados, não passavam de pobres coitados.

Mas acima da habilidade com a luta, o que contava era a inteligência.
Ophelia gostava de gente inteligente. E imprudente. Não inteligente no sentido de escapar de Ophelia, pois essa obviamente é a atitude mais inteligente que alguém pode tomar. Mas inteligente para imaginar estratégias e imprudente para tentar, de qualquer forma.
O céu está bonito.
Ela olhou as próprias mãos, dedos longos e finos, mãos tão femininas. Quem imaginaria que esses dedos poderiam se esticar, serem tão maleáveis, e terem garras tão fenomenais que aterrorizaram várias pessoas que presenciaram uma Ophelia brigando para valer? Lembrou-se de alguma luta no passado...

Miih tinha o cabelo mais comprido quando encarou a pirralha de dez anos.
- O que você quer? - riu - um corpo animal? Ou... como a gente chama, "forma original".
Não foi na época que Ophelia se virou contra as Musas, inspirada pela mãe. Era na época que Ophelia ainda queria um pouco de ensinamentos, e se refugiava nas ironias de Miih.
- Mas ele não nasce com você - Miih disse - você passa anos para moldar seu próprio corpo animal e mais anos para desenvolver um deles e poder utilizá-lo sem gastar muito poder. Não é algo que você deva fazer, criancinha.


Sim... de todas, Ophelia não sabia muito bem se converter ao corpo animal. Fizera isso muitas raras vezes, e não criara de uma forma adequada. Na luta com Jirä, por exemplo, só se transformara, pois queria intimidar. Mas qualquer um sabia que Ophelia se superava na forma humana e embora menosprezada pela pequenez, nunca gastava poder para se transformar. Era ágil, tão veloz e podia se regenerar sem precisar ofegar.
Era a melhor lutadora. E de todas, era a pior em modificações corporais.

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Bia ergueu os olhos para o teto.
- Aconteceu algo - disse, hesitante.
- O quê, por exemplo? - Raveneh perguntou, ao que Bia respondeu com exatidão:
- Acho que, pelo menos, uma Musa está perto do palácio e ela acabou de lutar.
- Oh - Raveneh sorriu - você é boa, Bia. Ninguém conseguiu sentir nada.
- Não, isso foi muito longe. - Bia explicou, bebendo seu suco de laranja devagar.

Raveneh serviu suco de laranja e suco de morango para outras pessoas, e logo começou a preparar o lanche para Kibii, seguindo as instruções de Nath. Pão, geléia e leite. Isso deverá ser o necessário. Também arrumou algumas frutas, e logo levou a bandeja para a enfermaria. Nath estava verificando o braço de Fer, então quem levou a bandeja até o leito de Kibii foi a Raveneh.
- Kibii - chamou Raveneh com delicadeza, quase como se estivesse soprando as palavras.
Kibii acordou, meio tonta.
Apresentava ataduras em tudo que era parte do corpo, tomando remédios a todo minuto, recebendo mil chás curativos e sendo atenciosamente examinada por Nath a cada dez minutos.
- Seu lanche de tarde, Kibii - murmurou Raveneh, dando um leve sorriso - você consegue comer sozinha?
A guerreira também deu um sorriso, como se achasse engraçado o fato de Raveneh se preocupar com ela.
- Sim - respondeu - o que você fez?
- Pão e tem geléia - Raveneh mostrou os alimentos na bandeja - coloquei leite, e peguei morangos, maçã, banana. Você aguenta comer tudo?
- Não sei - Kibii começou por um dos morangos - mas... obrigada. Soube que racionaremos alimentos durante esse ano, então... você fez um verdadeiro banquete.
- Tudo para os doentes - Raveneh sorriu - mas não se preocupe, daremos conta. Teremos bastante batatas, e bastante trigo também. Não se preocupe, a gente dá conta. A gente recompensa com galinhas e porcos quando plantas não derem.
Kibii não respondeu.

Olhou no dedo anelar, e reparou que o anel continuava lá. Perdera muitas coisas enquanto estivera prisioneira, mas o anel não se perdera. Ao passo de que a espada fora tomada por Ophelia, e a roupa que usava fora transformada em farrapos ao ser encharcada, perfurada e queimada, o anel ficava ali. Não foi tomado por Ophelia, não se perdeu em meio à tortura. Enquanto ela perdia a sanidade, a prata continuava ali, resoluta, firme em sua existência.
Um pólo de segurança em meio a um tumulto de sofrimento.

Lembrou dos sonhos que tinha, que sempre envolviam pessoas confusas. Alguma coisa sobre o passado.
Não conseguia se lembrar claramente de sua família, embora podia se lembrar que tinha uma mãe. Ela tinha uma mãe e vivia em um bom lugar, pois conseguia se lembrar das mesas cheias de comida deliciosa e requintada, e podia se lembrar dos delicados móveis da casa onde visitava seus sonhos. Mas ainda assim tudo era delicado. Eram como memórias de uma criança.
Só conseguia lembrar da sua vida depois dos seus dez anos de idade, e já estava sozinha na vida. Não tinha pais, só a espada, o anel e algumas relíquias da família.
Agora que voltara ao seu lar, não visitara mais essa casa tão estranha, tão familiar.

Agora que acordara, percebia que tinha a impressão que dormiu e ficou no vazio.
Raveneh sorriu, se levantou e saiu da enfermaria, a deixando sozinha com Nath e Fer.
Nath também sorriu, disse à Fer que em um mês, ela teria o braço inteiramente normal.
- Esse braço foi perfurado e quebrado. Se estivesse só quebrado, a cicatrização demoraria duas semanas - começou Nath em seu habitual tom de "olha a besteira que você fez" - mas como foi perfurado também, o seu corpo precisa se preocupar em cicatrizar duas vezes mais, de forma simultânea. Então demorará um mês, e se tiver muita disciplina e sorte, o tempo poderá diminuir. Você é destra ou canhota?
- Destra - Fer respondeu ao que Nath disse:
- Então está bem. Não sacrifique esse braço, mas pode lutar e carregar peso com o outro braço.
- Obrigada - Fer agradeceu, e saiu da enfermaria.
Kibii fechou os olhos, percebendo o sabor do pão com geléia de forma suave, um sabor de algo que inundava seus maxilares, que descia pela garganta e chegava até o estômago: um sabor de tímida felicidade. Bem pequena, bem suave, bem discreta. Mas estava ali, discretamente. Pois não era a comida somente. Era simplesmente ter amigos.

Desculpe pela demora, é que fui escravizada para ajudar no trabalho da minha mãe (sabe como é, ter uma mãe que faz artesanato e tem muy encomendas... sempre sobra pra alguém). Esses minutos foram os poucos que eu consegui, com algum sacrifício T.T Bem, eu tenho alguns desenhos no pc, mas como fiquei com medo de ficar sem tempo de repente, só upei um que está aqui. E HEY, relaxem, não é oficial nem nada. E depois acho que está meio esculhambado, porque nem pensei direito =X Tiops, a Rafinha está com uma cara muito morna e eu tenho um desenho melhor dela aqui em casa, mas sumiu no período Kids (uns vinte dias que aguentei duas crianças em casa), a Nath e a Tatiih nem estão lá uma obra de arte porque não li a descrição das personagens na história, achei a Renegada infantil demais (e com tranças, quem é que NÃO fica infantil?!), e os olhos da Umrae saíram tortos, e os olhos dela são uma coisa complicada, porque os imagino meio felinos, sabe como é o/ Tenho certeza que esqueci alguém, mas deixa. Enfim, desenharei melhor. E não, não tomei nada de base, só a lembrança de qual seria a aparência: não consultei nada simplesmente porque o pc era ocupado enquanto eu desenhava T__T