domingo, 20 de junho de 2010

Parte 102 - Na linha da frente

O amanhecer veio com pessoas frenéticas, arrumando seus uniformes, mulheres penteando seus cabelos para não guerrearem desarrumadas. Kibii se ocultou, mantendo sua roupa de guerra guardada, aparentando fragilidade. Giovanna gritou um "avante!" e todos corresponderam. A animação estava em cada fio de cabelo alvoroçado, a exasperação contida. Doceh quase chorava só de imaginar que iria se meter em confrontos ao lado de Ly, Rafitcha desejava boa sorte ao Erevan. A medida que o preto deixava de existir no céu e o azul coloria, mesmo contorcido de sombras graças ao feitiço lançado, as pessoas se agitavam para arrumar um apressado café da manhã aos guerreiros, as roupas se ajeitavam, os guerreiros se arrumavam, Zidaly ficava fora do caminho, querendo muito entrar na guerra, relembrando trajetos, planos, rotas e planos de fuga, além de relembrar o que todos os sinais significavam: avante, recue, fugir!

Umrae já estava com tudo preparado.
Bel gritava as ordens, porque a paz sempre vinha com guerra e guerras estrondosas e chamativas nunca são silenciosas.
A respiração vinha tensa, preocupada.
E o céu, azul, se cobria do seu triste véu enfeitiçado, véu cinzento e melancólico. Tatiih, Thá, Kitsune se ocupavam da comida, Johnny ajudava Umrae a enfileirar as armas, a organizar os venenos, Amai ficara responsável pelas crianças para mantê-las quietas e calmas, o que considerando a personalidade calada dos três irmãos Sekai, não era algo realmente difícil.

Zidaly não iria à guerra.
Não iria à guerra porque não queria, porque estava cansada de tanto trabalhar, porque a própria Bel - mesmo superando seus sentimentos de raiva - não a desejava, mesmo sendo competente. Era uma atitude burra, sabia, mas o que iria fazer? Iria lançar uma garota com quem não tinha intimidade, nem confiança? Todos os seus soldados eram seus companheiros, tinham vínculos afetivos, por mais que doesse. Sabia que o segredo de seu sucesso estava em formar amizade entre os guerreiros, em fazer com que eles se empenhassem, de coração, na luta para salvar a si mesmo e salvar os colegas. Zidaly era competente, mas não tinha o menor espírito de equipe e os outros haviam adquirido antipatia por ela. Como ir em frente numa batalha tendo essas relações no interior? Era como um câncer corroendo o corpo.

Verde.
Céu.
- Preparados? - Umrae passou pela fileira de soldados, armados até os dentes, o metal tilintando.
- Sim - disseram os soldados, em perfeito uníssono.
- Soldados, ergam os olhos e vejam - Bel apontou para um tímido contorno de palácio por entre as nuvens - é o mundo das fadas. Lembrem! Não viemos por bondade, viemos por Grillindor. Lembrem que Ophelia morta é Grillindor segura. Lembrem que vocês não vieram brincando de soldadinho e sim vieram para arriscar suas vidas. - doía quando Bel percebia que em toda guerra, isso teria que acontecer. Era fato. Era inevitável. - por favor, cuidem de si. São soldados jogando com suas vidas, mas elas são valiosas demais para serem desperdiçadas em atos insensatos.
- Comandante - Harumi chamou, com doçura insegura. Seus olhos furta-cor brilhavam à luz da manhãzinha - deixe-me perguntar... nós iremos na linha de frente. Como vamos cuidar dos civis que lutarão ao nosso lado?
- Umrae é a líder deles - declarou Bel - ao passo que sou a líder de vocês. Protejam-se. Unam-se. Acobertem-se. Nós vivemos um tempo com eles para formar laços e treinar o quanto pudermos. Se tais laços estão fragéis, quebrarão aqui. Porém se foram bem recebidos, tais laços se fortalecerão. Tudo dependerá das últimas semanas que passamos aqui, Harumi. Tudo dependerá da nossa força em jogar nossas vidas para proteger outras pessoas.
- Porque Umrae guarda segredos sobre os próximos atos dela? - Ratta lembrou.
Bel não sabia responder. Ela mesma não sabia a resposta.
- Umrae sabe o que faz. Ela foi minha Líder no passado, ela me treinou durante algum tempo e foi a mais sábia comandante que pude ter na vida. Ela não guardaria segredo se não fosse algo necessário. Ela fará o que está planejando e ninguém a atrapalhará... e provavelmente será algo definitivo...
- Você também não sabe - Pauline quase riu ao ver que havia uma pergunta que Bel sentia dúvidas ao responder.
- Não interessa. Não devemos ser como os fanáticos, mas podemos confiar em Umrae. Nós, soldados de Grillindor, cumpriremos a missão que nos foi confiada. E qual foi ela?
- Destruir Ophelia? - Polly ergueu a mão.
- Exatamente. Não vamos ter dúvidas em relação a isso. Nossa missão é destruir Ophelia. O resgate será feito pelas forças de Campinas. Nós acabaremos com os demônios que são paus mandados de Ophelia. Vamos acabar com cada cabecinha de demônio. Cada fibra de carne será posta abaixo. E voltaremos com a cabeça de Ophelia!

Armados com armaduras.
Dragões bem alimentados.
Dez dragões.
Oito soldados.
E a bandeira de Grillindor se ondulando com o vento, imponente e esperançosa.

Cada segundo contava.
E Umrae precisava de cada segundo, cada pessoa, cada veneno, cada palavra. Ela precisava desesperadamente de tudo à sua volta e, mais do que tudo, queria a coragem. Quase rezou: deveria? Era assunto de humanos e nessa estranha terra com seres diferentes coexistindo na paz e na guerra, entidades sobrenaturais mantinham-se distantes. Sabia-se da existência, mas ninguém rezava, ninguém fazia cultos: era um estranho acordo de paz e não-interferência. Os seus deuses agiriam da mesma forma? Passara anos sem jamais incomodá-los e agora não sabia mais...

Ophelia estaria à sua espera? Estaria... com a sua arrogância habitual, gostaria de vê-la. Nem que fosse para dirigir qualquer sarcasmo 'oi sou melhor que você'. Embainhou sua cimitarra, ajeitou seus dardos, conferiu os frascos de veneno pela milésima vez. Precisaria estar com tudo: todo o destino de Campinas estava na sua mão. Tudo estava entre seus dedos e a hesitação crescente só lhe dava um frio no estômago.
Umrae viu Ly. Doceh. Fer. Bia. Até mesmo Johnny e Raven estavam ali, entre os que iriam lutar. Havia hesitado, inicialmente, em usá-los, mas eram fortes e capazes. Tinham aprendido com Heppaceneoh e estavam desejosos demais de fazerem algo, e não precisavam ficar dentro de casa. E os dragões estavam já à frente, caminhando para cercarem a cidade. Considerando que a cidade fica no norte do país das fadas, Gerogie cuidaria dos demônios vindo do sul. Erevan fiscalizaria as fronteiras do leste, e Keishara no oeste. Provavelmente não iriam ser perfeitos. Mas iriam vigiar e avisar e isso era suficiente. Por enquanto.
As calças.
A camisa branca. Sempre ali.
Prendeu o cabelo. Nada podia atrapalhar o grande ato.

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- Eu vejo movimentação - Lala disse ao olhar pela janela - algo vai acontecer.
Ophelia estalou os dedos, tranquilamente.
- Impressionante - diz admirando as próprias unhas - como você percebe isso agora.
Ficou mexendo nos cabelos castanhos, brincando com os dedos, olhando para o salão. Era manhãzinha e acordara mais cedo só para esperar. Logo os demônios viriam. Logo ela seria desafiada. E a ordem de tudo entraria em desequilíbrio.
Pensou nas pessoas mortas.
Nas pessoas que fugiram. Nas pessoas refugiadas em abrigos secretos, enterrados magicamente nessa terra e só se abririam quando tudo parasse.
Em todos.

Quem estaria com a razão? Estavam andando, agora, para acabar com ela. Seria a razão prevalecendo sobre o instinto.
- Lala, qual foi a vez que mais esteve perto da morte? - perguntou, sorriso estranhado nos lábios.
Lala teve que parar para pensar. Já passara por muitas situações ruins: caos, guerra, terror. Mas mesmo quando viajava pra terras estranhas em caos, ela nunca sentira o medo absurdo como no dia que ela conhecera Lala e se tornara sua escrava. Ophelia lhe causara um pavor totalmente impossível de se descrever e, naquele instante, ela havia apostado suas fichas na morte. Se saíra viva, foi por sorte.
- Foi com você - admitiu.
Ophelia sorriu.
- Assim que se fala - sussurrou - veja, minha querida Lala, veja Campinas. Mal podemos enxergar os nossos oponentes, mas podemos sentir a ansiedade. A energia é como comida para os que virão. Desse jeito é tão fácil... como mariposas vindo para a luz. Queimaremos todos eles. Esmagaremos um por um. Sente-as?
- Quem? - Lala sentiu Ophelia conduzi-la para olhar para o oeste. Aonde havia a fábrica abandonada.
- Minhas queridas amigas - Ophelia quase riu - elas estão esperando. Só esperando. Se elas não se moveram... se Campinas agirá agora com seus bichinhos... eu devo deduzir que se uniram, não é? É como um jogo. Não pode entrar pra perder, jamais. Então quando você precisa de atitudes drásticas, você faz o que nunca costuma fazer. Como se unir com aliados duvidosos.
- As pessoas de Campinas não são aliados duvidosos - declarou Lala - elas são confiáveis e possuem integridade. Ophelia... por mais que você seja poderosa, não pode duvidar da honestidade deles! Eles são poderosos, são fortes. Mesmo que o poder não se compare ao seu - encarou profundamente os castanhos olhos de Ophelia - mesmo assim, eles possuem uma integridade impossível de ser ferida-
- Chega! Chega dessas tolices! Integridade? Honestidade? Confiança? - Ophelia abraçou a amiga por trás, quase como uma mãe carinhosa - minha querida... de nada vale as suas convicções em uma guerra, quando você perde o que te faz humana... a sanidade é impossível para aqueles que fazem mais do que existir.
- Mas, Ophelia...
- Cale-se. Vá lá e veja como está a loirinha... eles virão resgatá-la e ela não pode saber disso.
Lala ficou em silêncio.

Sentia a derrota.
Droga...
Raveneh estava quase sorrindo, isolada e machucada, em seu canto. Até ela sentia a derrubada da tirania.


Ela esperava deitada no chão.
- Oláá - a voz saía muito diferente da habitual.
Não era a Raveneh que conhecia.
- Você é a traidora - Raveneh riu, seus olhos sussurrando maldade e certeza - não é? Você não é aquela loira...
- Não importa - Lala sussurrou - você já ultrapassou a sua sanidade.
Raveneh riu mais ainda.
Sua gargalhada ecoou pelo quarto.
- Aquela estúpida me sequestra, me tortura, me deixa horas a fio sem me dar comida... e me pede para ser sã? O que estão pensando? Lembro-me de você... já te vi andando pelas Campinas por alguns dias... mas não lembro... porque não lembro? Claro que não... isso é coisa de Raveneh... nem todas as suas memórias são minhas...
Ela é comparsa de Ophelia. Tome cuidado.
- Que voz doce ela tem, não é? - Catherine ergueu os olhos para Lala - eu gostaria de banho. Aquela loira me trouxe comida. Mas não me trouxe água pra me banhar...
- Cale-se.
Lala se ajoelhou, ficando na mesma altura dos olhos de Raveneh. Ou da mulher que dominava seu corpo, seja qual fosse. Aquela garota era perigosa, sentia isso. Ela havia tentado fugir e se perdera nas armadilhas de Ophelia. E a rainha esperava que Umrae e seus companheiros buscassem Raveneh nesses mesmos caminhos. Porém... e se Raveneh tentasse fugir de outra maneira? E se conseguisse avisar os outros das armadilhas? E se sacrificasse para que ninguém a buscasse e caísse nas mãos de Ophelia? Como funcionava toda a proteção, como funcionava os laços entre os moradores de Campinas e, principalmente, como funcionava a cabeça de Raveneh? Era como duas mulheres? Duas vozes, duas histórias? Ou era uma mulher com duas mentes? Ou era tudo a mesma coisa?
Pegou a corrente de ferro que trazia.

Não fora até ali para pensar.
Ela fora até ali para arrancar informações, se é que isso era possível.
- Raveneh... - Lala mostrou a corrente - me dê suas mãos.
Catherine entregou as mãos.
Pulsos finos que foram acorrentados. E Catherine já não conseguia mais sentir dor. Esvaziava-se completamente quando as correntes apertavam demais seu corpo nos pulsos, tornozelos, pescoço e cintura. Não implorava mais por sua vida quando Lala fez questão de chamuscar seus pés, gritar ordens para ela contar as falhas de Campinas, puxar as correntes que a prendiam. Era inútil. Era tarde demais. Os soldados de Campinas estavam a caminho, o sol subia e logo mais sangue seria derramado. Por que Ophelia insistia em querer mais dor e sofrimento? Por sadismo?
Era arrasador demais.

- Não contarei - a voz doce de Raveneh resistia - mate a nós duas... mate a mim, mate à ela... mas não contaremos. Não diremos nada... porque o desespero? Estão vindo me buscar? Tolos... deveriam me esquecer. Eu só faço eles terem problemas - e chorou com o pensamento.
Lala saiu, fechando a porta atrás de si, deixando Raveneh e Catherine sozinhas com a dor de imaginar que, por conta delas, alguém perderia a liberdade.

Raveneh se encostou na parede.
Como conseguiria pensar em fugir se estava tão ferida? Kibii demorou semanas pra conseguir andar e lutar com metade de sua capacidade... se bem que ela tinha sido torturada diariamente, por muito tempo e com técnicas piores... mesmo assim. Catherine lhe dizia, no fundo, que a regeneração completa e rápida era possível. Ela só precisava de confiança, de poder, de conseguir almejar isso sinceramente.
A solidão da dor era um passo a ser conquistado.

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- Estão vindo - disse Miih ao ver o pequeno grupo reunido.
- Devemos esperá-los na entrada da cidade? Onde outrora havia aquela praça...?
- Sim.
As cinco Musas estavam ali.
À espera.
Não tinham mais intenção de se esconderem de Ophelia. Sabiam que com o poder de Ophelia, elas já tinham sido descobertas há muito tempo. Já tinham visto Keishara no ar, com seus cabelos azulados, e conseguiam sentir o pequeno tremor vindo dos novos soldados do lado de Ophelia. Na linha de fogo, muitas vidas se perderiam. Os dragões mestiços de Bel avançavam pelo ar calmamente, sem estardalhaço. Levavam o exército de Umrae junto, como uma suave carona.
- O que deseja, Catherine? - Loveh perguntou.
O poder místico da Musa das Águas se agitava, esperançoso para ser libertado em uma única dose.
- Eu desejo a cabeça de Ophelia entre meus dedos - declarou a Musa - mas deixo os festejos da vitória com vocês.
- Não deveria ter feito isso - Sunny parecia que ia chorar - e novamente seremos mutiladas como quando Olga partiu... pensavámos que éramos poderosas, as rainhas de tudo, mas... ela se foi... simplesmente se foi...
- A morte é impossível de se evitar - Miih disse, com doçura - mesmo as que vivem muito tempo conhecerão a morte. Ou os efeitos de evitá-la... não somos imortais. E essa era não é mais a nossa. É a era das fadas menores, das fadas ordinárias, organizadas, uma sociedade estruturada com regras, leis e previsões. A magia é simplesmente uma parte, não a essência... e nós somos a essência desse mundo que se foi.

Ficaram em silêncio.

De fato.

- Me pergunto como eles irão atacar... - disse Louise - somos bons aliados, mas desconhecemos os ataques que irão ser feitos.
Sunny mexeu nos cabelos claros, claramente aflita.
- Isso não é problema. Não somos exatamente aliadas, estamos agindo em prol da mesma causa. Mas não fazemos parte do mesmo esquadrão ou algo assim... e isso me faz acreditar que Campinas viveu tempos demais de paz para ter tamanho despreparo. - Sunny cruzou os braços - são talentosos e competentes, mas sabem pouco de guerras... mesmo tendo acontecido uma há dois anos, que envolveu mais pessoas na linha de frente.
- Sim, o exército dessa guerra é inferior, em números, àquele - Loveh concordou - mas eu acho isso inteligente. Umrae prefere a qualidade, sendo uma combatente veterana. Embora seja pequeno, acredito que tem o poder de prejudicar Ophelia para que ela se sinta bastante incomodada...
- Não é o poder que assusta Ophelia - Catherine estreitou os olhos para visualizar a imensidão verde. Pontinhos se moviam. Estavam próximos - é a liberdade. Ah, olá, olá.

Estavam chamando atenção.
Cinco Musas.
Dez dragões.
O exército de Grillindor - desfalcado - estava ali.
Umrae com seus companheiros chamava a atenção pelos cabelos revoltos, olhos dourados e pele escura. E, principalmente, pelo olhar de quem seria capaz de arrancar a cabeça de quem se metesse no seu caminho com os dentes com a mesma elegância de um cisne.

E Ophelia só aguardava o chamado.
Sentia cada um deles, sorria ao imaginar destruindo cada peça com delicadeza e crueldade e movia seus dedos pelas cortinas, caminhando até o salão. Estava a espera.
De todos. E Lala estava ao seu lado. Mesmo que internamente ela estivesse se destruindo de dúvidas, o seu exterior brilhava de certeza e honra. Era traidora uma vez. Não trairia pela segunda vez, assim pensava Ophelia. O que ela desconhecia era que Lala não a trairia jamais, mas isso não significasse que ela não desejasse sua derrota.

- Finalmente - Catherine disse - temos que nos organizar.
- Claro - Umrae sussurrou - como pretende operar?
- Atrair Ophelia até a fábrica abandonada - Miih disse - não podemos lutar como humanas vulgares, então precisamos de um lugar como aquele. Os demônios estão vindo pelo sul, principalmente. São bem fortes... irão dar conta?
- Sim - Bel respondeu prontamente - são forças antigas se confrontando, acredito que iremos dar conta.
Loveh piscou os olhos, parecendo confusa.
- Essa proteção de Campinas não vai funcionar - sussurrou Loveh - ela é contra inimigos...
- Sabemos... nosso território é vulnerável. Mas o abrigo é suficiente contra eles - Ly disse - eles ficarão bem.
- Não acho bom confiar... a terra se revolta e ela é mais poderosa do que qualquer proteção que impuserem - Alice ponderou - seria bom se alguém pudesse cobri-la, protegendo-a melhor. Sunny? Você não gosta tanto de lutar...
Sunny ergueu os olhos, parecendo magoada. Estariam a pondo de lado?
Não...
Quando encarou os olhos de Alice, percebeu a verdade. Não estavam a pondo de lado - estavam precisando dela.
- Está bem - Sunny sorriu - eu darei o melhor de mim para proteger as pessoas.
- É bom ouvir isso de você - Louise disse, em tom gentil.

E Sunny foi.
Ela realmente deveria ter aceitado se distanciar de suas companheiras? Isso realmente fazia sentido?
Isso daria certo?



releve os carrinhos.
e, ok, vamos relevar o jejum de histórias por quase três meses.

domingo, 4 de abril de 2010

Parte 101 - Decorando o campo de guerra

Há encanto na noite.
Felizmente Ophelia não a visitara mais, quem viera lhe trazer comida foi uma moça de cabelos muito claros e ar bondoso. Parecia não estar do lado de Ophelia, como fosse uma escrava. Perguntara seu nome, mas a garota nada disse. Aparentemente estava com medo. Sofrera algo? Ela tinha cara de menina rebelde, e a voz de Catherine urgia de dentro, gritando que aquela escrava era a sua resposta, sua fuga, sua saída.

- Ei - insistiu - diga-me seu nome.
Alicia a encarou, sentindo um misto de pena e raiva. Essa moça loira parecia tão boa e delicada, cheia de encantos... como Ophelia era má, a utilizando de isca, de vítima para toda sua maldade!
- Diga-me qualquer nome que eu possa te chamar - Raveneh pediu. Sua voz saia estranhamente cruel para os ouvidos de Alicia, e isso não era bom sinal. Catherine tomava muito cuidado para se manter fria, sem pular em cima de Alicia e ameaçá-la. Lembrava que certamente, sob tensão, Alicia não saberia guia-la pelo castelo e que ela era mais uma aliada do que inimiga, então Ophelia a mantinha sob redéa curta. Ou não.
- Eu não tenho nome - Alicia suspirou. Não queria dar seu nome, não queria se envolver com aquela estranha loira. E se Ophelia desconfiasse? Por quanto tempo mais ela ficaria viva naquele castelo?
- Claro que tem - a loira desdenhava, a voz estranhamente rouca e sensual - vamos lá, eu aposto.
- Me chame de qualquer coisa - Alicia disse.
Não sabia muito bem.
Mas entendia que aquela doce moça loira era muito mais do que só açúcar e candura.
- Você conhece todo esse castelo? Vive aqui há quanto tempo? Você é o quê?
Alicia ofegou. Já passara do tempo de voltar para servir Ophelia.
- Por favor, não me mate, nem me sequestre - Alicia sorriu debilmente - eu sou a antiga serva da Rainha Siih...
- Então é do nosso lado - Catherine estava de enlouquecer.
Estava sã, e era isso que assustava: ela não tinha um pingo de loucura dentro de seu corpo, sua mente, sua alma. Estava completamente sã, agindo de forma pensada e calculada, raciocinando calmamente, imaginando cada detalhe.
Alicia quase chorava, praticamente implorando para não morrer.

Raveneh não queria matar. Ela só queria furar a segurança de Ophelia.
Catherine podia ter matado antes. Mas percebia a inocência de Alicia, e todo seu desespero e esperança de não ser envolvida naquilo, sua cumplicidade silenciosa e forçada. Não podia culpá-la por estar ali.
- Diga-me, como burla isso?
Alicia saiu de perto, trazendo a bandeja.
- Não sei, não sei - gritou, esganiçada - ela disse que mataria quem soubesse... eu não sei.
- Meus amigos te protegem - era a voz de Raveneh, mas a cabeça de Catherine - conte e eu irei te proteger.
A escrava sentiu vontade de rir.
- Tola - disse - ninguém se protege de Ophelia.
E saiu correndo.

Um fracasso.
Não.
Não era um fracasso. Era só o começo, talvez o começo do fim.

Catherine, então, fez Raveneh pegar no sono.

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A noite começara a brilhar. Sombria e nefasta depois do feitiço de Ophelia, cobria Campinas como um delicado véu cheio de morte. Rafitcha estava bem melhor, já andando pela cozinha e ajudando a preparar o jantar. Erevan estava vigiando os arredores, sendo parte do seu turno, e junto na arrumação, Kitsune, Amai e Tatiih ajudavam. Mal conversavam, desejando só um pouco menos de tensão. May dormia depois de ter bebido leite com sonífero. Todo o pouco leite em reserva ia para as crianças, mais necessitadas de comida boa.
- Você acha que vão vencer? - Amai perguntou.
Era a mais nova e a que mais queria falar: ela não aguentava os longos silêncios.
- Não sei, querida - Kitsune respondeu - eu realmente não sei.
- Mas quanto tempo eles ficarão fora? - Amai indagou novamente, sua respiração chorosa.
Rafitcha voltava ao seu mau humor habitual.
- Amai, eles vão ficar o tempo que é pra ficar - disse quase rudemente - eles vão lá, acabar com essa maldita, eles vão voltar e vamos cuidar do que sobrar, entendeu?
- Eles vão voltar mutilados - Amai quase choramingava, sua voz falhando de pavor.
A imagem que se passou na sua cabeça foram todos os soldados voltando sem braço ou sem perna, soltando tripas e sangue. Nada agradável.
- Olha aqui, Amai - Rafitcha chegou a sentar para ficar na mesma altura dos olhos - numa guerra não há só vitórias. Há perdas de ambos os lados. E nós podemos perder, e não admitir isso é estupidez. Mas eu acredito que dessa vez a gente vence, porque eu confio na habilidade de Umrae. Eu convivo com ela faz bastante tempo, e quando você convive muito tempo com uma pessoa, você a entende - respirou fundo - e eu vejo os olhos dela, e a entendo: ela tem um trunfo. E ela vai usar isso e nós vamos vencer. Entendeu?
- Sim, mas
- Mas a vitória tem um preço. Um preço bem alto que a gente vai pagar - interrompeu Amai com sua voz cortante como punhal - então, minha doce Amai, essa é a prova que você vai ter que superar para seu crescimento. Você vai ter que aguentar o preço que a vitória pede, entende?
- Entendo - as lágrimas desciam pelo rosto da garota, sua respiração falhando terrivelmente.
- Ótimo - Rafitcha quase sorriu de tristeza.
Queria muito abraçar aquela pequena garota, mas ela não conseguia nem consolar a si mesma.


A respiração estava bem medida.
Kibii arrumou suas coisas. Estava quase boa. Mas os pontos podiam abrir a qualquer momento. Mas iria dar tudo certo, iria absolutamente ficar tudo bem. Ela iria guerrear, traria de volta mil cabeças de demônio e, ao menos, um dedo de Ophelia. Voltaria como guerreira-rainha. E mesmo que não voltasse assim, ela voltaria bem. Mas iria de qualquer jeito, iria satisfazer sua sede de sangue.
Seu anel de prata caiu, tilintando pelo chão duro, de pedra.
- Droga - sussurrou. E se pôs a procurar pelo chão, achando-o rapidamente. Era um anel antigo, que usava desde que era criança. Sempre coubera em seu dedo anular, mesmo que tivesse crescido e tudo o mais. Era como um molde perfeito aos seus dedos.
Mas ele era como algumas de suas jóias e flechas especiais: lembranças de tempos vagos. Sabia que tinha vivido muito bem para uma criança, que vivera, inclusive, em uma espécie de castelo. Mas não conseguia lembrar muita coisa, era tão criança e sua vida era demasiada longa para lembrar dos seus primeiros anos, ainda mais quando eles terminavam com tragédia. Desde que chegara ali, Umrae sempre lhe dissera para, um dia, voltar e descobrir.
Era irresponsabilidade não assumir o seu destino.
Ainda que fosse seu destino voltar e descobrir o seu verdadeiro poder, ainda que as pessoas aguardassem seu regresso, ela não queria. Era egoísta, de certo modo, e não queria voltar para onde vivia quando era criança.
Só de pensar doía.

E haveria um passado em cada sussurro.
Um sussurro em cada lembrança.
E algo de desesperador... em cada sonho que ela tinha. Não queria realmente reunir a sua coletânia de sorrisos e fatos antigos.

- Kibii - era Amai.
Ela tinha saído da cozinha, e recebera o encargo de distribuir as roupas limpas conforme seus donos.
- Suas roupas - Amai disse, entregando uma sacola murcha. Kibii não tinha muitas roupas.
- Obrigada - Kibii recolheu a sacola, sussurrando qualquer coisa como que iria sujá-las no dia seguinte. Amai deu um débil sorriso ao ouvir atentamente, se perguntando se Kibii sairia pra guerra ou não. Umrae tinha dito que não, certo?
- Você também vai partir? - Amai perguntou, ao que Kibii ergueu os olhos, tentando imaginar a melhor maneira de responder.
Se ela respondesse "sim", seu plano poderia falhar?
E se respondesse com a mentira, o que aconteceria?
Optou pela mentira. Já basta Umrae se pondo no caminho para lhe proteger, não precisava daquela garota tola lhe interrogando sobre os seus projetos.
- Não, não vou - Kibii sentiu a raiva ao lembrar de Umrae tão sábia argumentando sobre o porquê de ela não poder ir à guerra - vou ficar aqui, feito uma velha.
- Vai ficar comigo - Amai sorriu - e com minha tia. Com Rafitcha. Tatiih, Thá, Nath... elas são legais.
- Claro - Kibii deu um sorriso confortador como que tentasse acalmar a garota - vou ficar com pessoas legais.
Amai concordou e saiu do pequeno quarto, deixando a elfa a refletir sobre seus problemas.

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O primeiro dos demônios chegou quando a lua deu mais um passo para o começo da aurora.
Vinha na forma de uma serpente, deslizando pelas ruas da cidade destruída, sua língua sibilando maldades a céu aberto. Alcançou o palácio, e se denominou Rainha dos Monstros. Apesar de se dizer feminina, a criatura não tinha sexo. Sua voz era de homem, sua mentalidade assexuada, totalmente sem gênero.
Ophelia a recebeu em seu salão, posicionada no trono com sua habitual arrogância, admirando a bela serpente que parou, calada, no chão sujo de poeira e sangue. E logo a serpente se endireitava, como que encantada por uma música invísivel, movendo-se. Sua voz era voz de humanos, sua face de cobra.
- Olá. Rainha dos Monstros.
- Olá. Rainha das Musas.
O sibilar era inconstante. Lala estava ao lado de Ophelia, quase sentindo repulsa e admiração pela figura extraordinária e malévola. Escutava os passos de Alicia, que andava pelos corredores e, de repente, parou. Atrás da porta, para espionar a visita.
- Virão quando o céu se tornar dois tons mais claros do que esse negrume - sussurrou a serpente - daremos a nossa força e poder. Rainha das Musas, quando pagará a nós o tributo dos nossos esforços? Afinal vidas cairão.
- O tributo é a honra - Ophelia sorriu - se vencermos, essa terra será nossa. Serão os reis que eram antes das fadas - hesitou, com cuidado - e poderão seguir em frente, não tendo mais os humanos armados.
- É uma rainha tola - disse a Rainha dos Monstros - não há motivos para criaturas das trevas seguirem, à luz do dia, uma frágil criatura como a sua pessoa.
- Frágil?
Ophelia quase riu. A idéia de alguém a chamá-la de frágil era inconcebível... era a mais forte criatura, de um poder nunca visto. Poderia romper com essa serpente em um piscar de olhos, e mesmo assim ainda era frágil.
- Esses olhos da Rainha dos Monstros enxergam o que a arrogância não enxerga - a serpente deslizou mais adiante, aproximando-se das pernas de Ophelia - enxerga a crueldade, enxerga o passar do tempo. Essa voz foi emprestada de um espírito, e esse poder foi dado de uma bruxa. Essa Rainha enxerga o que a outra Rainha não enxerga, Ophelia.
- Então a vitória não vai ser minha?
- Se a Rainha das Musas não contiver sua loucura e crueldade, falhará como recém-nascido ao andar. Os monstros a ajudarão, coroando-a como a Outra Rainha dos Monstros. Porém tirarão sua coroa no segundo que perceberem a sua falta de coerência.
Suspiraram por um segundo. Ophelia não disse nada.

A Rainha dos Monstros dissera que se ela não parasse com todos seus ataques de ira e loucura, o mundo entraria em caos e ela iria perder. Iria perder para Umrae, aquela elfa sujeitinha de mentalidade tão espertinha... não iria admitir perder pra inferiores. Para humanos, fadas, elfos.
- Ophelia, ouça o que ela diz... - Lala sussurrou - vá com mais calma.
- Vai ficar tudo bem, Lala - Ophelia estava com raiva.
Mas também estava em paz.

Ela iria ouvir a Rainha dos Monstros.
Mas ouvir não quer dizer considerar. E ela iria escutar, iria mandar os monstros se destruirem contra os dragões e soldados e depois... depois iria vencer. Sua certeza era tão natural que mal passava na sua cabeça que as pessoas poderiam surpreendê-la.


Tal blog está em reforma no momento. Estou arrumando tudo, e esse banner vai mudar (quero colocar essa imagem, mas a burra aqui acabou salvando no Photoscape, esquecendo que se salva no PS, perde-se a transparência conquistada ¬¬). Quero também arrumar a história toda em primeira e segunda temporada, arrumar a galeria (pra pôr todas as imagens relacionandas, como os desenhos de Umrae e de Polly). Enfim, dar um jeito nessa bagaça e na história também. Perdão pela demora, é que estava naquele típico estado de não conseguir avançar com nenhum personagem, mas agora depois da Rainha dos Monstros, a luz divina -q invadiu meu cérebro e tenho um norte agora. Incluindo as idéias que Umrae me deu, e etc.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Parte 100 - Trilhando a fuga.

- Eu queria saber o que fazer - Rafitcha sussurrou, percebendo que o pé estava melhorando e ela poderia andar pelo abrigo todo, mancando um pouco. Erevan sorriu, remexendo entre os cabelos de Rafitcha. Ele não via sentido na guerra, mas compreendendo a defesa de Campinas e pouco interessado em ajudar, decidia simplesmente ficar na dele. Bel o tinha trazido com ela para colaborar com ela, e ele colaboraria. Porém Bel não pediu sua ajuda e ele não via no que poderia ajudar, a não ser nas lutas.
- Só se recupere - sussurrou Erevan - e fique ok para ajudar suas amigas.
- Você está ficando ao meu lado por quê? - Rafitcha se virou, incomodando a dor repentina no pé quando se moveu.
- Porque você é uma garota legal, mesmo com todo seu mau humor - Erevan respondeu com um sorriso - não posso? Além do mais já cumpri meu turno.
- Tem certeza? - Rafitcha riu - diga-me, você acha legal ser dragão?
Erevan olhou para Rafitcha pensando se era realmente legal.
Quer dizer, ser mais poderoso e antigo, sim, era legal. Mas nunca pensara nisso a sério.
Nunca mesmo.
- É - Erevan respondeu - e como é ser uma humana? Sem magia?
- Um saco - Rafitcha sussurrou - o meu consolo é de que não me envolvo muito nessas malditas guerras, mas não adianta... todas as espécies brigam.
- A briga é algo natural... e paz é um estado inconstante. Ela existe quando ninguém está interessado em brigar e é bem entediante viver assim, sem algo pelo que brigar, convenhamos... mas, Rafitcha, não precisa se preocupar com isso. Já está sofrendo demais por conta de seus pais, de seu pé, das pessoas que ama...
- Como posso evitar me preocupar? Aposto que meus pais ou estão morrendo ou estão mortos - Rafitcha esfregou os olhos, evitando o choro - e Johnny... ele enlouquece se perder a Raveneh. E Raveneh... presa, aprisionada nas mãos de Ophelia... céus, eu a ajudei, eu a vi de tantos jeitos... vai ser tão doloroso se Ophelia a matar...
- Não vai matá-la - Erevan ponderou - Ophelia quer Umrae, e não Raveneh. Se matá-la, que trunfo terá? Só a nossa raiva!
Rafitcha deu de ombros.
Não tinha pensado por esse ângulo, mas era verdade, não era mesmo? Raveneh não podia ser morta, não enquanto Ophelia não conseguisse seus objetivos... Umrae. Mas como conciliar dois desejos impossíveis?


Zidaly estava trabalhando, pondo para secar as roupas limpas.
Bel não a perturbava mais, tendo até esquecido de sua raiva, de tão preocupada que estava com o decorrer da guerra. Isso a deixava aliviada, mas também insegura para fazer qualquer movimento de vingança. Se um não queria, dois não brigavam, dizia o ditado e Bel não desejava mais brigar. Zidaly pedira por paz também, não foi? Sua raiva só se estendia ao Crazy, e ela não se esvaneceria com a guerra, como nunca tinha sumido entre os vários combates desde que Crazy terminara tudo com ela.
A dor de uma mulher rejeitada nunca passa.
Roupa de baixo, quase seca.
Calças azuis, marrons, cintos enormes e pesados. Suas mãos se cansavam da tarefa, seu ânimo diminuía mais e mais.
- Olá.
Ergue os olhos, já pensando em xingar se fosse algum dos guerreiros de Grillindor.
- Harumi - Zidaly controlou a língua, pensando que poderia ser pior caso xingasse.
- Deixe-me te ajudar - Harumi sorriu.
Seus olhos furta-cor cintilaram de confiança e sinceridade, o que fez com que Zidaly concordasse com um aceno, sem pronunciar algo parecido com sarcasmo. Aquela menina não era um anjo como parecia, mas decerto era a mais decente das criaturas que Bel trouxera. Harumi ficou ao seu lado, estendendo as roupas no varal em silêncio. Seu sorriso não mudava muito, mas emitia vivacidade.
- Continua com raiva?
Zidaly não sabia muito bem como responder à pergunta.
Continuava com raiva?
Ou simplesmente...?
- Não sei - foi sua resposta, e logo se arrependeu pela sinceridade.
- Raiva passa. Ódio... nunca - Harumi ajeitou um vestido azulado.
As duas ficaram olhando as roupas penduradas, e estendendo as camisas brancas novamente, as capas escuras, as botas que estavam praticamente secas. Tudo tinha que estar nos conformes até o amanhecer, com todo mundo preparado para a guerra.

- Você está com medo da guerra? - Zidaly perguntou, fazendo com que Harumi pensasse antes de falar.
Sua hesitação tinha nuances de tristeza.
- Sim. Ophelia é poderosa, e mesmo com essas Musas, eu ainda não acredito que vamos ilesos... alguém vai perecer.
- Que tristeza - Zidaly sussurrou.
Espero que Crazy não seja um dos mortos...
... eu não aguentaria, mesmo com todo meu ódio...
Ficaram caladas até terminar o serviço.

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Raveneh acordou sobressaltada. Tivera um de seus pesadelos, mas felizmente ninguém tinha entrado no aposento.
Fique calma.
Concentrou-se em escutar.
Só isso.
Escutar.

Um passo. Dois passos.
Muitos passos fracos, arrastados, ligeiros, nervosos de pessoas que trafegavam pelo castelo. Criaturas que tinham medo de Ophelia, sabia disso. Sabia disso como sabia que May estava bem. Simplesmente sentia.
Catherine iria lhe ajudar.
- Está bem agora? - não sabia se a voz era dela ou de Catherine. Mas a pergunta servia para ambas, e ambas confirmaram. Sua mente estava anestesiada, seu corpo amolecido estava confortável, as dores que sumiam. Surgiam, de repente, e acometiam Raveneh com sofrimento, mas eram tão rápidas e tão mais fracas do que toda aquela angústia que Raveneh já sentira tantas e tantas vezes...
Ficou em pé, encostada à parede, tentando raciocinar. Os passos alcançavam seus ouvidos, mas ouvi-los adiantaria o quê agora?
E então;
um suspiro.
- Bom dia, Raveneh - a voz de Ophelia era elegante e sensual, mas lhe dava calafrios. Só de lembrar de toda aquela dor alucinante, temeu perder o controle. Ofegou, tentando ficar do extremo lado oposto, visualizando o vulto da rainha entre as sombras. Atrás dela a porta aberta. Se fosse rápida, se fosse realmente rápida... poderia ultrapassar, poderia fugir... não poderia?
Não seja precipitada.
- Não adianta - Ophelia sorriu daquela forma tão malvada - não adianta, minha doce camponesa.
Fuja agora.
- Por que não consigo entender você? - Ophelia franziu o cenho de repente, como se ficasse intrigada com alguma coisa? Mas o que quer que seja, Raveneh não quis ficar. Preferiu tentar fugir diante dos olhos da sequestradora, seu corpo se movendo velozmente, impulsionada por Catherine. Ophelia não evitou, simplesmente a deixou ir. Escapar pela porta aberta.
- Posso não entendê-la - Ophelia disse, quase gritando para que Raveneh escutasse enquanto percorria os corredores do palácio - mas fugir de mim... é o mesmo que uma folha desejar nunca ter nascido de uma planta! Impossível!
E Raveneh entendeu.

Eufórica, aliviada e emocionada por simplesmente sair daquele maldito galpão, já entendendo que era dia, simplesmente parou. Não havia ninguém. De quem era aqueles passos que ela ouvira? Todos pareciam iguais, cruéis, escorregadios. Voltava, ia, não conseguia. A saída era impossível de se achar. Todas as janelas mostravam o céu e o sol, mas não conseguia nem se pendurar na sacada para olhar para baixo e saber a direção, simplesmente porque era como se um véu negro cobrisse todas as direções, além de que ela simplesmente não conseguia pular.
E no fim de cada corredor, Ophelia.
Se virasse, Ophelia.
Mesmo que desse um soco, o vulto se desfazia tão rápido como surgia, e ela aparecia tantas e tantas vezes... Raveneh começava a se sentir louca. As lágrimas enchiam seus olhos, e por mais que Catherine tentasse ajudá-la, tentando orientá-la pelo imenso castelo, parecia impossível. Ela não sabia o quanto andava, só sabia que o tempo corria. Ophelia estaria ali, no fim de cada caminho, com toda sua crueldade. Parou, então, chorando e chorando.
O desespero dava lugar à loucura.
- Não adianta - a voz de Ophelia vinha de trás? Ou será que Ophelia estava ali, adiante? Não conseguia nem ao menos identificar a origem da voz, só a autoria - você nunca vai fugir. Simplesmente não vai conseguir...
Maldita.
Não se deixe enlouquecer.
- Não vou.
Tinha sido tão tola! É claro, era óbvio que a porta aberta tinha sido uma armadilha... mas cega pela esperança de escapar viva, cega pela euforia, não percebera. E agora percebia que era como se estivesse em uma teia, uma teia que enreda os tolos e desprotegidos.
- Droga - ela se virou, percebendo o corpo de Ophelia.
Parecia tão real.
Mas sabia que se corresse, se fosse adiante, iria se evaporar no ar.
Se ficasse, seria devorada.
Se fugisse, seria capturada.
Desabou, no fim, à procura de sua sanidade.

Ophelia se aproximou. Sua voz não ecoava mais, nem parecia mais uma ilusão. Mas Raveneh não conseguia mais identificar a verdade, nem separá-la da mentira, e seu pavor crescera a ponto de ofuscar sua razão.
- O que você fez?
A rainha abraçou a fada com carinho, acolhendo toda sua tristeza e seu medo. Era como um veneno que matava sem doer. A dor vinha depois, talvez.
- Eu não quero que você fuja - declarou Ophelia - mas não se preocupe. Umrae lhe resgatará, e seu tormento vai sumir...
- Não vai - Raveneh se desvencilhou do abraço da rainha, encarando-a nos olhos. A voz era muito mais Catherine do que Raveneh, mas ambas compartilhavam a consciência - não vai... porque você não vai me fazer enlouquecer para eu esquecer o que fez comigo... e meu tormento nunca vai sumir, nunca, nunca...
- Quem é você? - Ophelia sacudiu Raveneh pelos braços - por que tem algo em você que não entendo? Tem coisas que não entendo...
- Não consegue ler meus pensamentos? - Raveneh gritou, histérica, as lágrimas lhe molhando a face - não consegue me manipular? Você pode tentar me fazer ficar louca, insana, incoerente... mas não pode me dominar, Ophelia, isso é algo fora do seu alcance... - e ria, sua risada ecoando pelo corredor de cristal.
Demorou uns poucos minutos para Ophelia entender.

Raveneh não era uma, era duas em uma.
Se ela desconhecia a existência de Catherine, e ignorava sua personalidade, como poderia manipula-la? E assim como poderia ter o controle de Raveneh se ainda havia Catherine para quebrar seu encanto? Raveneh tentava se recompor do pequeno momento em que fora induzida à loucura, Catherine ficando quieta para não ser descoberta por Ophelia.
- Você é dividida? - Ophelia quase riu, e não obteve resposta.
Raveneh só fez encará-la, o cabelo desarrumado, as vestes amarrotadas. O sorriso artificial e insano.
- Vamos voltar - Ophelia se ergueu, deu a mão - você precisa de comida.
- Por que eu comeria algo de suas mãos? - Raveneh se levantou sem precisar de ajuda - eu não estou tão louca assim...
- Porque você precisa comer - a voz de Ophelia era realmente provocante - e quando voltar, vai ter um bebê à sua espera...
Isso alterou a postura de Raveneh de forma significativa, ou seja, ela seguiu com a rainha, sentindo repulsa de si mesma e ansiedade. Além da sensação de covardia que experimentava e tentava engolir.

O lugar estava mais escuro do que antes.
A comida veio na forma de sopa rala com pedaços de macarrão, carne e cenoura e acompanhada de um copo d'água ao lado. Raveneh teve que se dar por contente que não fosse pão ou qualquer coisa que dêem para prisioneiros. E ainda se sentiu incomodada porque Ophelia estava ali, a vigiando enquanto comia. Como se não tivesse aprendido a lição o suficiente, ainda vinha a bruxa ficar calada, com os dois olhos brilhando no escuro de tanta maldade.
- Não tem que fazer alguma coisa? - ousou perguntar Raveneh ao terminar de comer.
- Enquanto os meus amigos não chegarem, não - Ophelia sussurrou - já fiz a minha proteção, e você foi meu teste. Digamos que fez o Controle de Qualidade, e espero que dê certo quando vier seus amigos.
- Quem são seus amigos? - Raveneh quase riu, só de imaginar que alguém gostaria de ser amigo de Ophelia. Mas ao imaginar um ser descomunal, com pinças e uma crueldade sem limites, calou-se.
- Eles vão dar dor de cabeça aos seus amigos - Ophelia respondeu meigamente - muita dor de cabeça. Já terminou de comer?
- Sim - Raveneh entregou o prato, sua hesitação flagrante em cada gesto. Ophelia achou isso louvável, mas nada disse ou alfinetou. Pegou o prato e levou para fora, a postura ereta de uma rainha e fazendo os serviços de uma serva. Mas Ophelia era toda contraditória e, bem, sua atitude sempre tinha sido insana perante a vida, para quê mudar?
Raveneh ficou sozinha.

Bem, ninguém poderia salvá-la.
Não se ela quisesse que todos saíssem sãos no final da jornada. Aquilo realmente fazia mal, todos aqueles corredores, aquela sensação de angústia... com certeza foi um feitiço que Ophelia pôs no castelo para evitar fugas, para fazer com que inimigos se perdessem em seu labirinto. Quem viesse salvá-la... iria se perder. O que ela poderia fazer para quebrar aquilo? Quem poderia andar pelo castelo sem se perder? Ophelia... e com certeza aquela ruiva... Lala? As duas estariam imunes ao poder do feitiço.
Será que o feitiço atingiria Umrae? Ou será que seria uma mágica universal, que atinge todas as pessoas, independente da espécie?
Não. Quem tem que sair daqui é você. Nós.
De fato.
Não queria fazer com que mais alguém se perdesse naqueles malditos corredores, e bem, ela poderia descobrir um jeito de sair. A segurança provavelmente estaria fragilizada, já que Ophelia seria toda confiante a respeito do feitiço e não faria tanta questão de que ela não pudesse mais sair. Com certeza iria se divertir e zombar todas as vezes que ela tentasse fugir, mostrando todo seu desprezo.
Ok.
Iria dar um jeito. Aquela vaca da Ophelia que pensasse que ela não iria conseguir. Se aquele feitiço tornava as pessoas loucas e mais loucas a cada segundo perdida, não tinha problema. Ela já tinha problemas, não era? Ela era uma garota problemática que tinha dupla personalidade e, se fosse uma humana em algum lugar tipo Istypid, teria sido internada em um sanatório há tempos! Aquela loucura não podia afetá-la. Não quando ela tinha Raveneh e Catherine dentro de si, e ambas eram escudos. Catherine não aguentou toda a dor e todos os traumas para proteger Raveneh? Agora, estava decidida, Raveneh iria proteger Catherine de toda a insanidade. E a outra face permaneceria lúcida e seria seu guia.
Isso tinha que dar certo.

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Uma trajetória.
Venenos a postos.
Zidaly e Harumi já tinham dado conta das roupas.
Polly, Ratta, Ti-Yi e Pauline entregaram relatório, conferindo que os dragões estão prontos.
Crazy e Luka cuidaram dos feitiços que iriam dar conta do segredo, ao menos até por dois dias, junto com as Musas que realmente ajudaram quando trataram de ocultar Campinas. Umrae estava com medo de que algo acontecesse com a própria terra no instante da luta, pois tinha ouvido falar de que o efeito de uma luta provocava terremotos e furacões, o que as Musas confirmaram. Então ajeitou essa parte também, e as Musas concordaram em proteger.
Durante a luta, perguntaram-se, como seria?
- Tem que ser em algum lugar com água - pediu Catherine.
Embora depois que tenha pedido o poder das águas encarnado dentro dela e isso a fizesse mais poderosa, ainda assim tinha a fragilidade da água ao redor. Todos concordaram, mas onde? Crazy estava acompanhado por Ly que indicava os territórios.
- Há o mar, além da floresta - sugeriu Ly - é uma área praticamente intocada, poucas guerras aconteceram lá.
- O mar não é bom - Catherine sussurrou - é muita energia minha, mas pouca dos outros.
- Aquela região que a gente ficou ontem - Sunny sorriu - tinha um rio correndo... na mesma área que estava uma fábrica abandonada, lembra?
- Sim, ela é boa - concordou Miih - tem equilíbrio. Tem ruínas, tem água, tem paixão... sei que se alimenta mais de paixão do que de fogo, Louise - Louise deu a língua sarcasticamente - tem tudo.
- Mas teremos que atrair Ophelia para lá - Loveh lembrou - como faríamos isso? Ela nunca sai dos limites do castelo!
- Então tem que ser algo especial pra tirá-la de lá - Miih sorriu.
Todos ficaram calados por um segundo, pensando seriamente em como fazer isso.
- Enquanto Ophelia sai junto com vocês, a gente vai lá e pega Raveneh de volta - sugeriu - aposto que aquela ruiva faz isso. Tipo, fazer com que ela saia do castelo.
- Mas não podemos sequestrar a ruiva - Sunny discordou. Lembrava muito bem de como Ophelia tinha ficado ao ver sua mãe e irmã nas mãos do inimigo. Uma besta enfurecida, e não queria tornar a vê-la daquele jeito, de todo o coração. Morria tendo a pele arrancada, mas contanto que não tivesse mais uma Ophelia louca e furiosa daquele jeito, estava bom.
Lala com certeza seria um ótimo alvo.

Não precisavam realmente sequestrá-la. Só precisavam atrai-la.
E fazer com que levasse Ophelia junto.
Alguma coisa tinha que funcionar.

Podiam tirar a ruiva por algum encanto mágico, unindo forças. Talvez ela não fosse imune, talvez simplesmente poderiam provocar Ophelia para uma luta. Simplesmente um desafio. Um jogo.
Se soubessem jogar, Ophelia aceitaria. E aí, tinham quase certeza, ela seria enredada pela própria arrogância.




Ah-Ah! Outro capítulo curto, composto de três trechos. Quando minhas mãos começaram a doer muito mesmo, eu já estava no final. Mas por ordem da mamadi queridinha eu não poderia digitar nada longe, então eu reli todo o capítulo e decidi encurtá-lo para postá-lo mais rapidamente, afinal se eu digitar mais devagar e com mais cuidado e fizer textos menores, eu posso continuar usando o computador.

Eu fiz a fuga de Raveneh de uma forma estúpida para mostrar as barreiras novas que Ophelia impôs no castelo. No próximo capítulo, vão descobrir mais sobre como essa proteção funciona e com que ela funciona, mas vale lembrar que é uma proteção do tipo universal, então todas as espécies podem serem afetadas, o que é o intuito de Ophelia. Raveneh não vai ser a donzela desprotegida, não é essa a minha intenção. Ela vai dar um jeito e só ela conseguindo para que mais pessoas não sejam enredadas pelas barreiras mágicas...

Eu queria, hm, falar de uma coisa: há algum tempo atrás resolvi fazer um template para o Três Fadas. Eu não mostrei no outro blog porque eu queria mostrar quando tivesse o capítulo 100 pronto. Ele está aqui, em um blog que uso de cobaia para testes de HTML, CSS e afins. Usei o template de Pernície como modelo, e eu realmente não sei o que achar dele. Eu gostei muito do fundo de madeira e do fundo branco, como um papel. Mas não sou muito fã das imagens de banner - eu gostei do mapa e do papel onde está escrito Três Fadas, mas as imagens em "fotografias". Eu queria colocar um dos desenhos que Umrae fez, mas não consigo acessar mais o Gaia Online, diz que minha senha está incorreta e por mais que peça pra enviar e-mail e confirmar e tal, diz que estou tentando entrar numa conta que não é minha (????). O mapa já tinha no computador... e achei esse itálico rosinha muito, muito estranho. Tipo é bonitinho, mas é estranho. O que vocês acham?

Enfim, dêem sua opinião! *-*

sexta-feira, 5 de março de 2010

Parte 99 - Poucas horas, uma ou duas mudanças no cotidiano.

A madrugada transcorreu tranquilamente.
O amanhecer surgiu com as seis pisando na relva.
- Vamos acordá-los? - indagou Louise tendo o sarcasmo magoado em sua voz. Sunny soltou um suspiro, e respondeu com delicadeza:
- Não sejamos indelicadas. Esperemos um pouco.
E sentaram na grama, esperando.
Elas não tinham muito tempo. Mas naquele momento esperariam o ano inteiro, se fosse necessário.

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Lala abriu as cortinas, deixando a luz matutina invadir o quarto da rainha, acordando Ophelia. Esta, resmungando, se sentou na cama com os olhos entreabertos e perguntou sobre o café da manhã.
- Está na mesa - Lala arrumou as cortinas, seus olhos cor de mel admirando a paisagem pela janela - mandei servirem na mesa.
- Sua tola - Ophelia esfregou os olhos - eu não quero descer até àquela sala desse jeito.
Lala se virou, cruzou os braços, encarando a amiga.
- Tome banho, então.
A rainha balbuciou qualquer coisa, como se reclamasse muito, e se pôs de pé. Pediu licença, queria se arrumar sozinha. Não, não precisava mandar a algum Glomb preparar o banho, Ophelia já não confiava nessa raça. Lala saiu do quarto, deixando Ophelia sozinha.

Os cabelos ruivos não eram cortados fazia tempo, quase o comprimento de dois anos atrás. Lala estava ficando muito desleixada consigo mesma, e isso não a irritava como irritaria as outras mulheres. O que a irritava era sua íntima contradição, sua hipocrisia, sua traição a todos os juramentos feitos quando era criança e adolescente. Sempre fora treinada para a guerra sendo a única descendente de sua família. Estavam todos mortos, à espera do seu golpe final. Quando ela finalmente decidiria de que lado ficaria.

Ora, pensou sentindo aquele típico peso no peito quando ficava indecisa, é óbvio. Eu fico do meu lado... no lado que me pagar melhor.
Mas não era uma mercenária. Nunca foi.

- Ophelia, estou te esperando - gritou, antes de descer.
As roupas pretas, a espada nas costas, os cabelos soltos, tudo lhe conferia um ar de guerreira livre. Mas qualquer um que enxergasse bem seus olhos perceberia a tristeza em toda aquela cor de mel.

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Umrae admirava o trabalho de Thá em etiquetar e organizar todos os venenos, antídotos, soníferos e tipos de poções em seu armário. Notou que faltavam alguns soníferos mais suaves, mas decerto isso tinha a ver com o silêncio das pessoas no abrigo. Não iria brigar por aquilo, tinha desfrutado de toda aquela paz de Maytsuri, não é mesmo? E não faria mal à ela, contanto que não exagerassem na dose. Pousou entre os frascos mais perigosos, feitos há bastante tempo, cuja validade era eterna. Venenos que manchavam a alma, faziam explodir as veias por dentro, queimavam e ardiam, e simulavam mortes e gelavam pessoas tão vagarosamente. Em tempos de paz, Umrae gostava de fazer venenos mesmo que não tivesse intenção de usá-los. Sempre era bom contar com uma boa arma de vez em quando.

- Umrae? - Kibii pedia licença.
Estava quase boa. Mesmo que já fizesse um tempo, Nath fazia questão de mantê-la em observação. Temia que qualquer ponto ainda não absorvido se abrisse, temia que Kibii ainda sentisse dores, e sua pele marcada de cicatrizes se regenerava de forma vagarosa, como desejava Nath, pois esta achava que cicatrizações rápidas demais eram ruins. Não faziam a pessoa dar valor aos próprios machucados, dizia, e se não dá valor essas coisas, também não dá valor à própria vida.
- Olá, Kibii - Umrae cumprimentou, arrumando as tabelas onde ficavam anotadas as entradas e saídas de todo frasco.
- Você vai fazer o levante amanhã - Kibii começou, se sentando numa cadeira vaga, olhando para os frascos atrás de Umrae - como pretende, sabe, lutar?
Umrae sentou-se também, encarando Kibii com uma pergunta imediatamente respondida em décimos de segundos. É claro que Kibii queria saber. Ela queria lutar, participar, sentir em suas mãos o ardor e o sangue das batalhas.
- Sim, Kibii. E não, eu não vou permitir que você entre nisso. Está se recuperando.
- Eu já consigo lutar normalmente, Umrae - Kibii retrucou, parecendo magoada em ter sido dispensada - meu corpo não dói mais, e já cicatrizou, juro, e-
- Kibii, você ainda está fraca. Eu não quero pôr-la em risco - Umrae respirara fundo antes de negar novamente, e se preparava para juntar bons argumentos que venceriam Kibii. Não queria realmente colocar a amiga na linha de batalha. Com certeza teria valor inestimável, mas as cicatrizes... e o medo de que aqueles pontos ainda existentes se rompessem. Porém seu medo maior não era a dor, ou as cicatrizes, ou a fraqueza... era simplesmente pensar que Kibii poderia desejar sua vingança, e ir atrás de Lala. Por mais que Kibii fosse boa, como sabia que era, não via como superaria Lala e sua capacidade incrível de regeneração.

- Ora, vamos lá - Kibii se levantou, agindo de forma muito elegante e imponente - Umrae, eu não posso viver sem guerra. Quer dizer, o que mais tem nessa vida para mim?
- Talvez tentar resgatar sua história - sugeriu Umrae.
Silêncio.
- O meu passado não me interessa mais - Kibii rosnou muito suavemente - sabe disso, Umrae. Tenho as heranças, tenho minha vida, porque terei que saber sobre meu passado? O que eu era quando criança?
- Por que você sabe e não quer admitir - Umrae falava de forma muito delicada. Se a sua voz fosse matéria, seria uma pluma - e vive querendo se atirar em missões de guerra para dar algum sentido. Kibii, você não está bem o suficiente. É uma excelente guerreira, e tenho certeza que agiria bem em combate. Mas seus pontos ainda não foram totalmente absorvidos, e a cicatrização não é total. Tenho medo que aconteça alguma coisa com você, Kibii.
- Não vai acontecer - Kibii deu de ombros - eu sei me cuidar. E, de qualquer forma, mesmo que eu morra, eu vou morrer com honra. Não é um conceito louvável?
- Conceito louvável, Kibii, é você dar valor à sua própria vida - Umrae também se levantou. Embora Kibii tivesse a compleição de rainha, Umrae tinha ar de líder e intimidava fácil qualquer pessoa sensata - esqueça. Não vou pôr você para lutar contra Ophelia, porque eu não quero que você dê uma de louca e arrisque sua vida. Se quer tanto ajudar, coopere com os serviços de casa no momento. Sinto muito, mas é isso que pode fazer.
- Maldita! - Kibii resmungou, se sentindo indignada, magoada e insultada - e eu vou ficar aqui, mofando, enquanto todos arriscam suas vidas! Insulto! Blasfêmia!
- Kibii - Umrae quase sentiu pena, mas aquilo a estava cansando. Tinha que organizar absolutamente tudo em menos de um dia, descansar fisicamente e psicologicamente e ainda tinha essa! Gostava muito de Kibii, mas ela não entendia que era justamente por esse querer bem que preferia que Kibii ficasse no abrigo?

A elfa ajeitou os cabelos negros em um coque, tentando se conformar. Realmente não queria se confrontar com Umrae, mas saber que iria ficar no abrigo, feito covarde, enquanto todos davam suas vidas... ok, ok, ficar enfiada no abrigo não era covardia. Rafitcha ficaria, Thá, Tatiih, Kitsune, Amai. Ok, mas elas não eram guerreiras! Eram mulheres cujo trabalho se voltava para garantir a ordem, a paz e a sanidade. Faziam milagre toda manhã para dar sopa, pão e café e, portanto, era crueldade chamá-las de covardes, além de ser uma baita mentira. Mas ela mesma, Kibii, era guerreira! Mestre das flechas, praticamente uma artista com sua katana! Como poderia ficar no abrigo? Ainda mais quando o maior inimigo, a Heil Ophelia, estaria lá, a rir sadicamente de sua ausência, relembrando aquelas torturas, aquelas dores...

Iria. Nem que fosse escondida.
Mas Umrae teria que engoli-la, e dane-se a preservação da própria espécie. Ela nunca foi exatamente o ideal dos elfos, não é mesmo?

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- Umrae - Amai bateu na porta do escritório, onde Umrae ajeitava um pergaminho. Ao escutar o bater na porta, ela começou a desenhar um mapa - visitas.
- Visita? - Umrae ergueu os olhos ficando muito intrigada. Quem visitaria Campinas naquele momento? Pedindo por Umrae? - quem é?
Amai mordeu o lábio inferior, seus olhos se estreitando curiosamente:
- Eu não sei bem - ela sussurrou - mas são seis. Seis moças. E elas querem falar com a líder. Estão lá em cima, não as deixamos entrar. Não parecem demônios ou aliados de Ophelia... respeitaram a gente. Johnny está dizendo que são as Musas.
- As Musas? - Umrae quase riu.
Sem pensar um segundo, ela seguiu com Amai, tomando o cuidado de trancar as portas. Com pessoas que não conhecia bem, todo cuidado é pouco

Subiu a escada, encontrando as seis moças, em pé, olhando para ela com ar de superioridade.
Dava até para adivinhar o "poder" de cada uma só pelas roupas, pelo ar, pelos traços. Decerto a negra era do fogo... não usava roupas laranja ou imitando o próprio elemento, mas seu ar de gente ferina, com língua ácida, e de espírito tempestuoso a denunciava. Porém teve uma que não conseguiu adivinhar... muito branca, cabelos muito loiros, e ar puro. Como uma donzela ou mesmo uma ninfa das trágicas comédias que lera um dia. Parecia a encarnação da própria luz.
- Vocês são?
- Miih - a de cabelos pretos se apresentou - Loveh, Louise, Sunny, Alice. Catherine.
As seis.
Evidentemente Miih era a líder natural. Detentora dos poderes das trevas, seus olhos eram a própria expressão do submundo onde tudo é seco, noturno e melancólico. Mas Miih não parecia ser uma pessoa melancólica. Parecia ser alguém muito austero, porém de índole justa. E a última a ser apresentada... a que continha mais poder, podia perceber. Catherine? Que estranha coincidência, ter o mesmo nome que a maldita irmã e a outra face da Raveneh...
- O que querem?
- Oferecer nossa ajuda - Alice era diplomática - sabemos que estão resistindo. E deve saber, senhorita, que Ophelia assassinou duas de nós.
Umrae tinha escutado algo a respeito disso.
- Qual é a intenção de vocês? - perguntou a meio-drow, sentindo-se levemente irritada com aquela postura tão superior das Musas.
- Vingança - Catherine sussurrou - ela nos tirou Olga, e depois Elyon. E queremos matá-la o quanto antes.
- Ophelia não sentiu toda essa energia que vem de vocês?
- Deve ter sentido - Loveh respondeu brandamente - e não nos atacou. Ela quer uma ofensiva, antes de qualquer coisa. Daremos-lhe isso, mas pensamos em unir nossas estratégias. O que vocês querem?
- Mas é tão óbvio - Umrae deu um suspiro - paz. É tudo o que queremos.
A paz.
As Musas queriam vingança.
Campinas queria paz.

- O que vocês tem? - perguntou Alice.
- Depende. O que vocês tem? - Umrae indagou. Podia estar sendo grosseira com pessoas que vieram ajudá-la, mas a tática de sua vida sempre foi desconfiar das pessoas. Porque elas tinham vindo ajudar agora? O que as motivaram? Era só vingança? Ou simplesmente... porque sozinhas não tinham poder contra Ophelia? Escutou um barulho, era Crazy. Sabia que não estava sozinha. Vigiavam-na com cuidado e discrição, sempre a postos para qualquer movimento suspeito.
- Nós temos poder. Não o suficiente para derrotarmos Ophelia - Alice sorriu - mas somos boas aliadas. Excelentes aliadas. Numa luta conosco, Ophelia mal tem chance de olhar para o lado.
Talvez estivesse blefando. Mas Umrae sabia que se Ophelia lutasse com as seis mais ela e Bia, talvez, Ophelia realmente não poderia olhar para o lado, tendo que se preocupar com as sete oponentes. Não era realmente covardia, já que Ophelia valia por dez. E nem a rainha podia contar com dez pares de olhos!
- Eu gostaria de debater com os outros - Umrae disse - e decidirmos em conjunto, já que somos um grupo. Dariam a nós... uma hora?
- Claro - Sunny se ajoelhou no chão meigamente - esperaremos!
E Umrae desceu.

As seis ficaram sentadinhas, esperando. Elas mal conversaram, porque todas já sabiam que iriam aceitar sua ajuda e entrariam na guerra juntas.


Estava todo mundo na sala do abrigo, a maior.
Entre os ausentes estava Zidaly que vigiava os dragões negros, Keishara vigiava os azuis, Toronto e Giovanna que estavam na ala hospitalar, Raven que precisava colher mais um pouco de batata para os próximos jantares junto com Vinicius e Thá replantava uma pequena horta que fora destruída pelo último ataque dos demônios.
- Elas são realmente Musas? - indagou Rafitcha - como você sabe?
- É como se elas colocassem uma placa na testa anunciando que são Musas - Umrae respondeu - dá para sentir isso.
Rafitcha mostrou descrença, mas não discordou. Soltou um gemido de dor, ficou junto ao Erevan.
- Bem, elas são poderosas - Bel comentou - um poder desses ao nosso lado é um ótimo aliado.
- Mas devemos confiar? - Ratta lembrou - elas apareceram de repente. E se confiarmos e elas ferrarem com a nossa cara?
- É! - Pauline concordou - se elas traírem a gente? E se for uma armadilha?
- Elas nunca foram aliadas de Ophelia! - protestou Johnny - elas perderam Olga por causa daquela bruxa!
A balbúrdia continuava, todo mundo discutindo. Seriam confiáveis? Seria seguro? Era melhor? E...
- Elas vão nos ajudar - Polly disse - elas não são inimigas. E querem a cabeça de Ophelia.
- E não importa o motivo, se elas nos ajudarem, é meio caminho andado - Umrae concordou - então...


Dez minutos faltando,
- E aí?
Umrae, acompanhada de Bel, Maria, Crazy e Nath, anunciou:
- Ok. Vamos lutar juntos.
Sunny foi a primeira a festejar com um sorriso:
- Juramos não trai-los, e - hesitou antes de continuar - teremos a cabeça de Ophelia em uma bandeja.
Catherine ergueu o canto da boca, em um sorriso misterioso e contido.




E, rapaz, esse foi um capítulo curto. É porque quando eu cheguei exatamente na frase "teremos a cabeça de Ophelia em uma..." eu senti que era o fim do capítulo. E finalizei, ora. Bem, pelo menos alguma mudança, não é mesmo? Sem todo aquele marasmo, ohohoh. Agora Campinas estão juntos com as Musas, e isso significa uma mudança absoluta de balanço de poder, porque podem se especializar mais em ramos e Campinas sairá menos prejudicada porque pode escolher um lado: ou demônios ou Ophelia, embora queira ficar com os dois, rs.

Zidaly é uma estúpida pessoa egoísta. Mas apesar de toda sua corrupção e egoísmo, ela é uma boa pessoa. Mas precisamos despertar essa boa pessoa antes que eu fique com asco dela e me descarte (o que já considerei muitas vezes). E, tipo, eu gosto muito, muito da relação entre Ophelia e Lala. Eu gosto de trabalhar essa amizade totalmente contraditória, e de perceber que agora não posso mais voltar atrás, porque Lala e Ophelia ditam o próprio comportamento. É como se elas virassem pessoas de verdade, e não marionetes nas minhas mãos. Adoro quando isso acontece.

Kibii é uma pessoa legal, mas sim, foi proposital ela se tornar infantil. Mas achei natural da parte dela, afinal guerra é guerra e não é tão estranho guerreiros darem chilique porque não foram recrutados, rs. E quanto a atitude de Umrae, achei ela, como posso dizer? Eu gostei. Umrae preza pelos seus guerreiros e Kibii é boa demais para simplesmente ser jogada no campo de batalha e, possivelmente, morrer porque algum ponto abriu! É burrice, contra a lei da sobrevivência.

E quanto a minha vida vai rolando. Revendo as matérias aqui e acolá, tendo as mesmas aulas que tive ano passado, apreciando estar numa turma com 42 alunos e escutar a voz do professor *-*
E, bem, tenho duas amigas legais na sala. É bem legal ter a experiência de ter uma colega de sala que adora o mesmo tipo de fanfic que você (yaoi). Você se sente menos estranha (:

;*

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Parte 98 - Dá para entender o que você pensa, Ophelia.

Ao fim da noite, ao fim de outra maratona de vinte e quatro horas, Nath finalizou os relatórios de Giovanna e Toronto. Ambos estariam bem em algum tempo. Ambos não corriam mais risco de morte. E ainda que Giovanna nunca se curasse completamente de suas queimaduras, ainda que a perna de Toronto pudesse falhar, estariam os dois em bom estado.
Bel se sentiu imensamente aliviada quando pode visitar os soldados na ala hospitalar.
- Ficará tudo bem - ela disse - e trouxe mimatta - piscou um olho, mostrando uma garrafa cheia - vamos abençoar essa boa sorte que permitiu que os dois ficassem vivos e inteiros e sãos!
Giovanna riu. Ela adorava quando Bel se mostrava bem-humorada, entusiasmada como se todas as outras coisas não fossem tão importantes. No dia seguinte, Nath lhe garantiu, estaria bem consciente e poderia receber visitas por um tempo mais longo. E se cuidasse direito, poderia começar a andar dentro de uma semana ou duas. Certamente não poderia agir na batalha final, mas poderia ajudar depois, porque a guerra era feita de preparativos, batalhas e retorno para casa. Bebeu a mimatta - obviamente escondida da rigorosa Nath - que tinha sabor suave de laranja. Uma delícia e lhe entorpecia os sentidos.

- Vamos lutar na capital das fadas - Bel contou - Raveneh foi raptada, como sabem. E vamos lá, destruir todos os demônios e acabar com aquela bastarda maldita que se promulga Rainha! E, claro, resgatar Raveneh. Estão usando soníferos para manter May calma, sabiam?
- Uau! - Toronto riu. Estava quase bom - bem que o choro dela faz sofrer...


Umrae encarou o mapa com fúria gelada.
Podia atacar o quanto fosse, mas como iria se prevenir de um possível futuro movimento? Não era possível que Ophelia imaginasse em entrar na guerra com os demônios que povoavam a capital. Ela tinha que ter um trunfo, e Umrae, porém, não contava com nenhum trunfo real. Ophelia sabia dos dragões e com certeza iria se prevenir contra eles. E para enrolar Ophelia, só se aparecesse morta e todo mundo fosse morar lá em cima, como sempre moraram.
Ela tinha que ajudar a dar conta daquilo.

Com calma, pensou mais um pouco.
Iria dar um jeito.
- Você morre.
Brecha.
Bela brecha que encontrara.

Ficou mais dez, vinte minutos raciocinando, anotando, concluindo. Se isso desse certo, tudo estaria diferente. Mas de que adiantaria isso, se não tinha plano B eficiente para que as coisas se arranjassem? Instruções? Tudo seria por sua conta. Ela quem decidiria. E se errasse, tinha consciência disso, podia mandar Campinas inteira para a morte.
- Vamos lá, Ophelia. Eu vou jogar como você quer - sussurrou enquanto tirava a limpo suas idéias.
Comprimiu os lábios, olhos dourados a fitarem o papel, pena, porta.
- E eu vou vencer no seu próprio jogo - se fosse Bel, riria de contentamento.
Mas era Umrae e ela não riu. Só ficou concentrada.

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- Ok, ok, ok, vamos, Raveneh.
Dói.
Doía demais. Cada fibra agoniada, cada célula gritando por clemência e paz. Raveneh ofegou, tentando se levantar, apesar de todos os machucados, feridas abertas, sangue pelo corpo. Jogou o cabelo para trás, pensando em tudo. May, sua filhinha. Johnny, seu marido. Amigos, amigos - Rafitcha, Tatiih...
- Raveneh, deixe-me tomar conta de você.
E ainda por cima Catherine. Não queria perder o controle de si, entregar tudo à sua outra face. Vivenciar algo do começo ao fim.
- Raveneh, eu posso curar essas feridas... e não vai doer tanto.
A magia que Catherine sabia era tão mais forte. Era capaz de coisas incríveis, sem limites, como curar suas feridas, assassinar muitas pessoas e forjar a própria morte. Agoniada, conseguiu ficar em pé, respirando bem fundo, calmamente.

- Eu posso ficar forte - dizia para si mesma - é só me orientar, e eu serei eu mesma, você será você mesma, e, juntas, sairemos dessa. É só me orientar.
Catherine estava hesitante. Queria ter o controle absoluto. Porém o acordo de Raveneh estava bom, suficientemente bom para ela concordar. E se conseguisse orientar e fazer com que Raveneh escapasse, fosse longe e fugisse das garras daquela mulher louca... porque não?
- Está bem. Raveneh, cure suas feridas. Precisa ficar forte, minha querida, e não vai ser sangrando que escaparemos daqui.
Silenciosamente Raveneh se encostou à parede, escutando. Seu cérebro parecia se dividir em dois, não porque doía, e sim porque eram duas pessoas. A Raveneh, dolorida, cansada e preocupada, escutava a Catherine, trêmula e hesitante. Era como ter a voz de consciência em um nível completamente diferente, como se Catherine fosse uma velha amiga que estivesse ao seu lado e conversasse com ela tranquilamente. Era uma experiência estranha demais, mas se ainda fizesse a terapia, Gika teria considerado isso um avanço fantástico: as duas personalidades coexistirem, se unirem para um fim final, ao invés de entrarem em guerra, disputando pelo domínio do corpo.
- Fique comigo um pouco.
Lentamente, muito lentamente, Raveneh ficava calma.
Não era tão difícil.
Os machucados passaram.
A dor diminuía.
Catherine concedeu paz à Raveneh, ensinando a ela propriedades da cura.
Raveneh deslizou pela parede, conseguindo um pouco mais de força. Nunca imaginara que magia faria alguém ficar tão poderoso, pudesse fortalecer alguém. Geralmente ela se sentia mais fraca depois de uma sessão de magia, então sempre associou magia = fraqueza. Só que...
- ... Descanse.
Se entregou ao sono, finalmente reparador.

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- O que você fez? - Miih exclamou, suas sobrancelhas se franzindo de ira. Catherine não perdeu tempo se explicando, ou pedindo desculpas. Ela simplesmente ergueu os olhos do jeito mais inocente que conhecia.
- Miih, eu só fiz o mesmo que Olga. E vou matar Ophelia assim.
Miih não concordou, se sentindo insultada.
- Olga não conseguiu matar Ophelia. E éramos oito. Agora somos cinco!
Sunny concordou.
- Temos um poder muito menor - ela disse, sendo apoiada por todas as outras. Seu ar angelical tornava difícil para Catherine retrucar com impaciência, de modo que simplesmente suspirou e deixou pra lá. Sabia que ninguém gostaria de sua escolha, e que tinha sido desesperada. Mas não estava realmente arrependida, e seu espírito se acalmava quando pensava que simplesmente iria... se esvair. A água se agitaria em sua ausência, mas ela mesma ficaria tranquila.
Não haveria nada de tão ruim no outro lado da vida, haveria?
- Idiota - Louise sussurrou - agora vamos perder você!
- Mas vai adiantar - Catherine sorriu - porque eu tive uma idéia. As águas correm por todo canto, e elas falaram pra mim. E eu montei algo.
Aproximaram-se de Catherine como menininhas curiosas, ansiando por fofocas.

- Ophelia necessita de magia - Catherine começou - como já falamos. Mas de onde vem a magia?
As outras fizeram expressões entre dúvida (Miih) a admiração (Alice). Sunny passou a língua nos lábios, tentando responder:
- Natureza? Somos parte da natureza, não é?
- Exato - Catherine sorriu - se somos parte, então a natureza deveria ir contra Ophelia, não acha? Se pudemos evocar poderes, poderes da terra - encarou Alice nesse momento com determinação - bem, a gente pode conseguir!
Miih crispou os lábios de frieza.
- Mas isso é totalmente filosofia de criança! - foi o que disse, antes de Loveh retrucar.
- Só porque parece tão infantil... não quer dizer que não possa dar certo. Podemos lutar não como "Musas"... mas como forças, digamos assim.
- Isso está completamente confuso - Louise sussurrou - quer dizer que eu vou ter que virar um vulcão?
Todo mundo se calou, imaginando exatamente a mesma coisa.
Como se fossem se transformar em vulcões, florestas, furacões. Não iria adiantar contra Ophelia? Por mais que a natureza fosse mais forte, Ophelia era espera. Ela conseguiria escapar de cada detalhe, cada golpe e se fosse ferida, se recuperaria mais rápido do que um piscar de olhos. Como ir contra? Além do mais Ophelia era como elas: integrante, unida ao tudo. Ela iria descobrir esses truques e iria usar os mesmos golpes. Sem se machucar, sem deixar de sorrir.
- Eu sei que Ophelia está ficando louca - Catherine diz em murmúrios bem baixinhos - qualquer um sabe disso. Mas a loucura dela vai além, e não é difícil supor essas coisas. Eu descobri, pelas águas, que as Campinas não se renderam. Ainda.
- Mas ela deve estar pressionando muito - Loveh ponderou - o território é bem grande... e está praticamente colado ao Mundo das Fadas, uma ilha de liberdade em todas as colônias que são dela agora... a idéia de algo que não é dela está a perturbando!
- Sim - Catherine gesticulava, tentando expor seus pensamentos de forma coerente - então... pensem comigo. Ophelia, com certeza, está pressionando Campinas. Se eu bem me lembro, ela chegou a sequestrar alguém. Não duvido que ela tente de novo. Não duvido que Campinas recorra a alguma medida desesperada. E não duvido que essas medidas façam com que Ophelia se defenda a altura, utilizando algum ser perigoso que ela conheça.
- Isso é óbvio, claro como água, querida Catherine - Alice disse - mas como poderemos vencê-la? Diz para ajudarmos Campinas? Nos unirmos a eles? Mas, Catherine - ela parecia quase suplicante - demônios não são perigosos para gente. Mas Ophelia... Ophelia nos preocupa, e Campinas não vai vencê-la a menos que use a própria Lilith em pessoa!
- Porém Lilith é um mito - Miih lembrou em tom de sarcasmo frio - e mitos não vencem Ophelia.
- Isso lá é verdade - concordou Loveh.
Ficaram todas caladas e pensativas.
- Porém podemos resolver isso - Catherine sussurrou - tenho certeza de que venceremos esses monstros que Ophelia mandar. Porém... logo ela vai tomar conhecimento de nossa existência aqui, afinal estamos esbanjando energia, sabe. Minha opinião é de que devemos ajudar Campinas.
E de novo ficaram quietas, sem dizer palavra.

Ajudar Campinas?
Ajudar humanos?
Mas... eles tinham que serem ajudados, não é? Estavam do mesmo lado, contra Ophelia. Ela era oponente de ambos os lados, e se defendia com um sorriso. Mas o que aconteceria no momento que ela descobrisse que seus inimigos se juntaram? Ficaria assustada? Ao menos com um décimo de espanto? Ou acharia tudo aquilo ridículo, pensando ser capaz de vencer seus oponentes com as duas mãos amarradas nas costas? Se bem que ela era capaz disso mesmo, tendo o corpo mutante...
Estavam todas as cinco fracas, verdade.
E do outro lado tinha um povo inteiro, protegido por magias e estava todo mundo com medo. Decerto havia crianças, e foi isso que fez com que Sunny fosse a primeira a apoiar. Por mais que todas elas tivessem desprezo disfarçado aos humanos, nenhuma delas aceitaria crianças desprotegidas, seja qual for a espécie. Crianças também fizeram com que Loveh convencesse Miih, e com que Alice enchesse a cabeça de Louise com a idéia de que aquilo era sensato.

É, teriam que engolir o orgulho. E, depois, não estavam sendo ajudadas, concluiu Louise. Iriam ajudar. Sunny pensava que, na verdade, ambos os lados que iriam se ajudar. Mas nada falou do que pensava, porque não queria ferir o orgulho ferido de Louise. Miih ficou pensativa por muito tempo. Estava, sim, cedendo a Loveh, Sunny e Catherine, mas, porra, tinha que ter humano na parada? Porém tinha que concordar com a vozinha dentro dela: a situação é desesperadora, Ophelia não é uma rainha fraca e nesse momento qualquer orgulho que você tiver é inútil perante a rainha. O importante é simplesmente ter armas e vencer de uma vez. Nada de enrolações. Nada de mimimi. Nada de choro por alianças malsucedidas. Elyon teria falado isso nos seus ouvidos. Olga insistia nessa idéia. Ambas morreram, dando a vida por causa da maldita daquela bastarda.

- Ok - Miih sussurrara - Ok. Vamos lá. Em direção a Campinas.

E teriam que descer pelo Mundo das Fadas até alcançar a relva ainda verde. Não tinha problema.

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Ophelia penteava seus cabelos.
Ela se encarava muito profundamente no espelho.
Já era madrugada. Todos dormiam. Lala estava exausta, trancada em seu quarto. Havia chorado, chorado por quê? Talvez tudo estivesse difícil para Lala, deduzia Ophelia sentindo um misto de irritação e tristeza. Lala era uma peça de sua vida que ela mesma não entendia. Era determinada, dura e quase selvagem, verdade, mas podia enxergar a doçura em seu caráter. Conseguia ver a destruição da alma de Lala que ela impunha a si própria simplesmente para não violar seus princípios de lealdade. As pessoas sempre falaram que Ophelia era psicopata. Ela sempre soube disso. Sempre. Nunca tivera realmente pena, compaixão ou amor. Nunca amara sua mãe, mas dependia dela, era louca por sua mãe. Porque não eram duas, e sim uma. Quando a mãe morreu... foi como se cortassem parte dela.

Mas não era assim com Lala.
Lala não era parte dela. Se alguém tirasse Lala dela, ela não teria parte dela cortada. Mas sentiria a alma nua, mutilada mesmo assim. Não entendia o que sentia, e odiava a antiga e familiar sensação de dependência, vício, o eterno círculo vicioso. A dor... a dor era o remédio para tudo. Era a doença, era a própria cura. Todos aqueles desesperados, querendo acabar com Ophelia, todos aqueles querendo mutila-la, todos querendo matá-la, todos querendo simplesmente destrui-la... e utilizam dragões, feitiços, Musas, incêndios e ninguém percebia como a solução era tão simples. Dor. Era simplesmente toda aquela maldita dor que Ophelia não queria sentir de novo. Não sentiria mais essa dor e todo esse vazio dentro de si, se simplesmente ocupasse a cabeça com bobagens. Territórios, armas, estratégias. E quando tudo isso se concluísse, ela se entregaria ao hedonismo, quem sabe? Ou simplesmente se acabaria. Tudo para não sentir tamanha angústia.

Seu espelho mostrava uma Rainha. Uma rainha louca, de cabelos penteados e trançados, vestido arrumado e verde-esmeralda e extremamente odiada. Mas ainda assim uma Rainha. Engoliu em seco, pensando nos próximos dias. Raveneh estava com ela fazia quanto tempo? Não importava. O que importava era que as Campinas contariam os dias, Raveneh marcaria cada hora na parede com qualquer coisa que tivesse a mão e logo sua presa seria resgatada. Viria uma força especial com dragões a postos, e Umrae seria a líder desse movimento. Ela não seria estúpida de deixar que isso acontecesse. Os demônios jakens tinham sido inúteis. Então... montaria uma estratégia melhor.

Os demônios que povoavam a cidade agora eram inúteis. Logo em um ou dois dias, como disse à Lala, chegariam monstros, esses sim que poriam Umrae e sua corja de bípedes estranhos de joelhos. Até mesmo os dragões teriam que se curvar diante daquilo! Mas, convenhamos, eles não podem ser usados para a guarda pessoal... era ridículo, era desprezar o poderio dos monstros. Então ela mesma tinha que se certificar de cada proteção. Aqueles demônios que guardavam suas propriedades agora eram demasiados tontos, seriam como a primeira camada para eliminar os fracos e testar os fortes. Uma muralha que cederá facilmente à primeira ordem de Umrae. Em sua cabeça enlouquecida, podia imaginar até mesmo a cena desenrolando como em filme de TV: os demônios caindo, um após outro, e todos se contagiando com o sentimento de empolgação, de não-era-tão-difícil-assim!

E então... encarariam a própria Ophelia.
Não seu corpo físico.
Mas sua mente estaria impregnada em cada pedaço daquele castelo. Sua alma se dividiria em mil pedaços para destruir qualquer um que tentasse resgatar Raveneh. Qualquer um que tentasse acabar com ela também. Nunca tivera direito àquele castelo. Mas sempre tivera direito ao poder. Porque ela era a encarnação de todo esse poder, era simplesmente todas as forças da natureza reunidas em um corpo com uma mente que conseguia sentir e pensar.
Ophelia... era tudo.

Ela encararia cada parte, se infiltraria em tantos pedaços de ar e terra que ninguém conseguiria destrui-la. Nem mesmo Umrae, aquela maldita elfa sensitiva, conseguiria perceber as nuances de sua personalidade, os tons de sua crueldade quando fosse salvar Raveneh. Será que Umrae aceitaria o trato? De jeito nenhum... Raveneh era uma pessoa doce, percebera quando pusera suas garras na loira. Era doce, de temperamento sensível e meigo, e era mãe de um bebê, dava para ver. Não deixariam que Ophelia a matasse, nem quando os porcos criarem asas do nada. Iriam pôr as mãos em Raveneh, iriam mandá-la embora, iriam protegê-la. Tudo bem. Ela queria mesmo era Umrae. Quando ela fosse ali, como a parte principal da força do resgate, iria capturá-la. Não poderia resistir, não mesmo...

Delineou sorriso,
sentia aqueles malditos voltando. Iriam lhe ajudar.
E sentia... sentia cinco almas cochichando. Bem, não achava mesmo que iria passar incólume depois que assassinara Elyon, não era mesmo? Então... iria simplesmente se proteger, se defender e atacar, como sempre fizera.
Assim era bem mais sensato.

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- Pois bem - Umrae arrumou a mesa, mostrando o mapa - vamos atacar aqui, aqui e aqui.
E indicava os lugares. Desandou a falar, narrando toda a estratégia montada e pensada que fora discutida com Bel momentos antes, sem contar toda a parte mais essencial da história como os equipamentos, técnicas de fuga e ataque, reflexões sobre o comportamento de Ophelia e a preparação para os possíveis aliados, por isso todos os dragões precisavam estarem fortemente armados e preparados para uma fabulosa guerra. O exército era pequeno, porém dariam conta.

- Ok, entendi. - Polly cruzou os braços - mas e quanto a Giovanna? Toronto?
- Vão ter que ficar de repouso - Bel disse com um tom de insatisfação - Nath praticamente me obrigou a não exigir nada deles. Eles estão bem e apresentando melhora, mas não poderão entrar em combate. Terão que ficar aqui.
- Eles se sentirão inúteis! - exclamou Ratta se sentindo nauseada só de pensar nos dois, feridos, na cama, resmungando que não cumpriam suas missões.
Bel ficou em silêncio por uns dois segundos até decidir.
- Eles poderão trabalhar por nós - declarou - aqui. Tem preparativos, tem coisas que eles podem fazer, não é? Nem que seja escondido daquela enfermeira!
- Não zombe de Nath - advertiu Umrae entre séria e divertida - ela pode ser muito severa e cruel quando desobedecem às ordens dela.
- Ora! Não se pode prender um guerreiro em uma cama - riu-se Pauline - é uma insanidade! Umrae, há de concordar comigo!
- Até concordo - Umrae sorriu de canto - pois bem, caros guerreiros, vamos atacar daqui a um dia. Ou seja, começará logo o dia, então se preparem por hoje, equipem os dragões, lavem suas roupas e descansem. Atacaremos ao amanhecer.
Nesse ponto, Umrae pediu licença e se dirigiu ao seu escritório, ao mesmo tempo que Bel expulsava Zidaly do aposento e montava a rotina do dia seguinte.

Zidaly bufou, mas saiu e ficou na sala, observando Amai ler um livro à luz da vela.
Ouvia vagamente as vozes de Bel, Crazy, Pauline, Polly, Ratta, Harumi. Todos discutindo, debatendo, nervosos e apreensivos e furiosamente empolgados. Ouviu alguém dizer algo como "porque eu tenho que fazer isso?" e alguém responder "porra, Giovanna não pode fazer isso". Algumas discussões sobre quem alimentaria os dragões, e todo mundo esquecera das tarefas de Zidaly que se resumia, basicamente, em fazer todo o serviço sujo. Se sentia humilhada, mas tinha que reconhecer que não podia fazer nada já que praticamente obrigara o rei a enviar para cá. Crazy quase não falava, podia perceber, mas ele nunca dizia algo sem ter certeza de que aquilo teria relevância.

- O que está lendo? - perguntou à Amai, que ergueu os olhos, sobressaltada.
Em um sorriso, ela respondeu com delicadeza:
- É um livro de lendas orientais - ajeitou seu vestido comprido - tem tantas, tantas lendas! Uma mais linda do que a outra... é de Raven.
- Ele é o quê seu? - a voz de Zidaly saía carregada de malícia.
- Meu? Oh, céus - Amai passou a mão nos cabelos ruivos, constrangida - nada. Amigo, sabe. É que deixei todos meus livros em Istypid, onde vivia. Depois daquela bagunça toda, depois que Grillindor invadiu e tudo o mais, deixei tudo lá. Ainda bem que ele tem esses livros, sinto o tempo passar mais rápido.
Zidaly lembrava de Istypid. Cidade vulgar, suja e feia. Cheia de humanos que não davam um pingo de valor à magia que os cercava.
Será que Amai era uma dessas humanas?

- Como é Istypid? - perguntou em um tom baixo de voz.
- Um lugar estranho - Amai respondeu com sinceridade - parece que há tudo de ruim concentrado em um único lugar, e ninguém se incomoda. É seco demais, morto demais.
- Você nasceu lá? - os olhos de Zidaly cintilavam de estranha felicidade porque tinha alguém com quem conversava e a conversa não tinha um pingo de ironia, sarcasmo ou desconfiança.
- Não - Amai riu da idéia - nasci em uma aldeia bem pequena, muito, muito longe de Istypid. Na verdade só morei em Istypid porque estávamos protegidas lá.
Zidaly achou estranha a idéia de que alguém se sentia protegida naquele lugar, mas preferiu não comentar. Percebia, pelo tom, que Amai não queria falar muito de onde viera. Mas decerto era do Oriente, pelo nome estranho, pelo sotaque e também conhecia os idiomas orientais, o que a fazia devorar alguns poucos livros nessas estranhas línguas que quase ninguém lia. Além disso Amai se vestia de uma forma diferente. Até mesmo Kitsune, que sabia ser tia de Amai, se vestia como as outras: vestidos campestres, florais, leves. Porém Amai preferia vestes que lembravam vagamente o Oriente, com bordados diferentes, de tecidos extraordinários.

- Como você acha que essa guerra vai acabar?
A pergunta de Zidaly pegou Amai desprevenida. Chegou a fechar o livro - sem esquecer de marcar a página - e encarou a forasteira nos olhos, entre intrigada e temerosa.
- Umrae vai vencer - disse com toda a certeza que reunia dentro de si - ela é inteligente. E a sua comandante, a Bel-san, ela também. Nós vamos vencer, e derrotar aquela rainha perversa.
- Ela é tão perversa assim? - murmurou Zidaly, procurando por opiniões mais concretas do que apenas esperanças.
Amai crispou os lábios, exasperada.
- É claro! Que tipo de mulher mata a seu bel-prazer? Ela tortura as pessoas, sabia disso? Se cai nas mãos dela, céus... ela tem que ter algum ponto fraco, eu disse isso à Umrae naquele dia! Ela deve ter ficado imaginando e desistiu de imaginar, porque aquela maldita parece não ter pontos fracos! Se luta com ela, ela é um demônio... se conversa com ela, ela é a melhor oradora do mundo... ela é louca! - quase chorou ao lembrar do super-protegida proferido por Ophelia. E Kibii, justo Kibii, a corajosa, a elfa que ia em frente e matava com frieza, justo ela tinha ido em seu lugar. Quem tinha que ter sido torturada? Quem tinha que sofrer? Mas...

Mas...

Kibii ainda sofria com aquelas malditas torturas. A vigiava escondida, de vez em quando, em especial durante as noites de sono. Seus pesadelos se tornavam mais frequentes, e sua frieza mais cortante. As cicatrizes existiriam para sempre, sabia, e se culpava ainda por isso.

- Hey, se não quiser falar, não fala - Zidaly se sentiu constrangida em ter tocado em alguma ferida de Amai. Era uma menina tão doce, tão sensível que fazê-la chorar era como um pecado. Meninas assim, concluía Zidaly, são um inferno, um doce, um amor...
Deixou-a se recuperar das lembranças e devaneios, e decidiu não interrompê-la mais com perguntas. Seria até melhor, não queria que Amai devolvesse as perguntas e fazendo-a contar sobre sua vida antes dessa guerra idiota.




E, finaaaaalmente, o terceiro post de 2010 e o primeiro de fevereiro! Podem cantar, ALELUIA, IRMÃO! *-*

Primeiramente, agradeço de coração a todos os comentários e e-mails de Umrae. Cara, você é a mulher mais inteligente que já vi, sério. Rivaliza sério com minha tia e minha mãe *o*
"Segundamente", sim, teve um 'elfa' se referindo à Umrae. Aí eu quero lembrar, explicar - que seja - que quem pensa assim é Ophelia, e Ophelia não faz a minima distinção entre elfos e drows e tudo o mais. Para ela, o mundo se resume em humanos normais, elfos, fadas e demônios. O resto está catalogado em "ser bizarro e estranho", simples. Basicamente foi de propósito :)

E, por fim, em terceiro. Comecei as aulas, farei novamente o segundo ano - muitcho interessante, já comecei a anotar as meeesmas coisas do ano passado. Só tem graça repetir quando você não entendeu nada o ano passado... mas pra gente CDF que nem eu e repetiu só por conta de duas matérias, todas as outras que você ainda lembra ficam muito chatas, argh D: Mas tudo bem, encaro essa, rs!

Mas quero aumentar meu ritmo de postagem, sim, e quero mudar o layout disso aqui. Já estou com idéias e tudo, só preciso melhorar meu conhecimento de HTML, CSS e esses códigos de programação, entende. Coloquei a imagem porque passei a sentir falta daquelas imagens que punha em cada capítulo, mas vivo com preguiça de fazer algo no Paint e não estou com scanner, de modo que vou passar a catar imagens da net. Essa, em especial, veio do We ♥ It :D
E as imagens não terão necessariamente ligação com a história. Somente alguns elementos, porque acho impossível achar "A" imagem perfeita D:

Espero sinceramente que tenham gostado do capítulo. Montei a minha estratégia aqui, baseada nos e-mails de Umrae ;* e idéias mirabolantes aqui, de modo que estou construindo a história para esse rumo!

Beijos! ;*

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Parte 97 - Um passo para a beira do abismo.


Um dia.
Vinte e quatro horas era tempo demais.
May já estava berrando. Tentaram leite feito com farinha e algo lá, mas nada dava certo. E só de lembrar que restava seis dias, seis dias para o prazo final. Ou Raveneh morria. E se Raveneh morresse, o que fariam com o bebê? Como a alimentariam?
Mia também chorava.
- Com o que que essas pessoas estão hoje? - Ly perguntou quase grosseiro - é possível crianças terem cordas vocais tão fortes?
Doceh lhe abraçou carinhosamente.
- Vai ficar tudo bem - disse - vai dar tudo certo.
Estúpidas palavras de esperança.
Vai dar tudo certo.
Vai dar tudo certo.
Claro.
Com duas crianças chorando, uma pessoa sumida, duas gravemente feridas, e todo mundo praticamente louco. Vai dar tudo certo.
Claro.

Rafitcha tremia. Nunca, nunca, nunca teve paciência com crianças mesmo quando era só uma e ela tinha mãe que conseguia acalmar. Agora eram duas. Uma chorava de fome e saudades, outra de medo e saudades. A outra tinha, pelo menos, dois irmãos. Mas isso não dava jeito. E, não... o pirralho do meio começou a chorar.
- Não aguento... - e começou a chorar também. Lágrimas. Gemidos.
Não era a pessoa que estava em pior situação naquele maldito lugar.
Mas preferia descer nas prisões de Istypid do que aquele lugar. Qualquer lugar que não tivesse as malditas crianças. Não teria filhos, nunca teria uma criança. Jamais. Se engravidasse, por acaso, ela matava a criança sem culpa. Ou dava pra adoção. Se engravidasse... era melhor nem engravidar. Nunca iria transar. Jamais. Um prazer cortado pra ter um incômodo ausente. Não tinha problema.
- Ra...? - Erevan chamou seu nome, procurando lhe consolar.
Rafitcha lançou seus braços em volta do dragão em forma humana, chorando copiosamente, suplicando qualquer coisa. Como algodão nos ouvidos e coma profundo para simplesmente esquecer do clima pesado. Erevan suspirou. Gritou chamando por Kitsune, falou a ela qualquer coisa. Kitsune se afastou, disse a mesma coisa ao Johnny. Johnny adorou, e Kitsune fez. Um dos soníferos mais suaves, ideais para crianças, de Umrae.
Fez o bebê dormir rapidamente.
As três crianças também experimentaram do remédio, dormindo tão profundamente que nem uma bomba os acordaria.
E o silêncio se instaurou no abrigo.

Rafitcha pediu uma dose, o que Kitsune deu. Ela dormiu apoiada em Erevan, aconchegada e tendo conforto pela primeira vez em muito tempo.

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Raveneh não ficou na masmorra, nem em um galpão.
Ela ficou em um quarto.
O quarto tinha uma janela que tinha uma visão maravilhosa de Campinas, e bastante luminosidade. Mas Ophelia bloqueara a janela com um feitiço, de modo que Raveneh não poderia escapulir qualquer que seja o jeito. E a luz também foi bastante diminuida, para que Raveneh se sentisse nas sombras. Quando Raveneh acordou naquele lugar, ela não sabia onde estava. Ela viu os pulsos doloridos (porque?), sentiu os seios vazarem leite (há quanto tempo não dava de mamar a May?), sentiu a cabeça doer (onde estava?). Forçava a memória. Uma música. Alguma coisa do gênero. E depois... meros borrões. Nada fazia sentido.
Não havia ninguém no aposento.
Ninguém.
É.
Não.
Vai precisar de mim, moça.
Não podia ser...
Não é óbvio que você é prisioneira de Ophelia?
Deitou-se no chão, tentando dormir novamente. Não sabia que horas são, embora já fosse noite pela janela. Era noite do mesmo dia que acordara em Campinas? Ou já era outro dia?

Céus. Isso estava realmente problemático. Onde estaria May? Será que Johnny estava bem? Porque ela estava aqui? Quer dizer, algum motivo realmente razoável que não seja simplesmente porque era a mocinha da história e tudo acontece com a mocinha da história. Quer dizer, seus dias tristes já passaram. A guerra era ruim, era um desastre. Mas não era um problema dela, e sim geral, ao contrário de Istypid. Aquilo foi um problema dela.
E de todo mundo que arrastara consigo.
Que coisa mais chata.
Você não precisa vivê-la, sabe.
Claro que precisa.
Todo mundo precisa viver a vida que tem, inclusive as pessoas que tem personalidades múltiplas. Raveneh ficou em pé, começando a andar pra lá e pra cá. Estava começando a ficar com tédio, e embora não quisesse ser torturada (teve um arrepio ao lembrar o estado de Kibii quando ela chegou em Campinas), também não queria ficar ali, isolada e intocável. Estava escuro. Ela mal conseguia enxergar o outro lado do quarto. Talvez animais fossem úteis. Mas será que haveria um nesse quarto? Uma formiga? Uma barata? Uma coruja? Qualquer coisa que falasse com ela...
Contou os pés de um extremo a outro, em meio a escuridão.
Mas esqueceu-se de quantos pés media o quarto, porque quando estava no trigésimo quinto passo, Ophelia entrou. Era a única fagulha de luz, Raveneh correu para ela com tanta empolgação, quase esquecendo que alguém abrir a porta não significava a salvação. Podia significar a tortura, o que foi, de fato, aconteceu.

- Já te falaram que você parece um anjo? - Ophelia disse docemente.
Sim. Raveneh não disse nada em voz alta, tinha medo. A mulher que tinha aterrorizado todos seus amigos estava ali, atrás dela, pronta a lhe tocar, lhe machucar, lhe inflingir as piores dores. Ofegou, tentando procurar por uma maneira de fugir.
- Você realmente parece um anjo... não quero te machucar - Ophelia se aproximou.
Raveneh se sentiu sendo abraçada. Os braços da rainha envolviam seu corpo, o calor da carne era algo inumano.
Nunca havia tremido tanto assim.
Sua pele suava.
- Eu não quero - o sussurro era quase incompreensível - mas eu preciso passar por certas coisas se eu quiser ter o poder...
Raveneh olhou para a frente, sentindo Ophelia desamarrar seu vestido por trás. Estando nua, doeria muito mais.
- Eu quero realmente ser A Rainha - admitiu Ophelia - e para alguém ter o poder absoluto, precisa-se devorar algumas mentes. E torturar alguns anjos... perdoa?
Raveneh sentiu o vestido cair aos pés. Havia agora somente as roupas de baixo, e já morria de vergonha. Suas bochechas se molhavam de lágrimas, a voz interior gritava em seus ouvidos e toda aquela insanidade estava em cada centímetro do ar. As mãos de Ophelia não estavam mais concentradas em deixar cair algum vestido, mas em arranhar.
Gritou primeiro de espanto.
Aquelas unhas lhe arranharam a carne das costas.
Gritou depois de medo e dor e desespero.
Aquelas unhas começaram a ferir, agredir e dilacerar as costas.
E ela nada podia fazer, porque nem Catherine conseguia reagir.

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- Logo.
Umrae não tinha tempo.
Não tinha paciência.
Estava esgotada.
- Essa tropa - apontou para o mapa - Raveneh.
Anuiram.
- Aqui - apontou para outro ponto do mapa - destruição total.
Resgatar Raveneh era uma parte simples da operação.
O negócio era resgatar Raveneh viva, levá-la em segurança até as Campinas enquanto acabava com todos os demônios ao redor de Ophelia. Os dragões mestiços iriam destruir os arredores. Keishara e Gerogie estavam unidas para capturar Raveneh de volta.
- Eu vou - Johnny se negava a ouvir qualquer súplica ao contrário. Mesmo quando Umrae lhe disse que provavelmente ele morreria, ele disse que ia. E daí se não fosse com os dragões?
- Deixa de ser idiota - Rafitcha rosnou - se você morrer, se Raveneh morrer, EU NÃO VOU CUIDAR DE MAYTSURI, ENTENDEU?
- Ela vai ter ou um pai ou uma mãe, não se preocupe - Johnny disse - eu não vou morrer. Não mesmo. E Raveneh também... ela está protegida.
Rafitcha sacudiu a cabeça, raivosa.
- Não, Johnny - disse - Raveneh não tem proteção nenhuma. Catherine é um escape, e é só isso. Mas Catherine vai sofrer... sofrer mais do que Raveneh, e os pesadelos, os pesadelos vão continuar...
- Ela tem razão - disse um prudente Ly - não faça isso, Johnny. Não vá em frente resgatar Raveneh... se ela morrer, você tem que cuidar da sua filha. Sua filha precisa de você.
Johnny não conseguiu sair. Ninguém deixou.
Ele teve que se contentar em abraçar a filha, sussurrando pequenas cantorias.

O cravo e a rosa brigaram
Debaixo de uma sacada


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Lala não queria escutar.
Esses malditos gritos.
Ela não queria. Mas escutava. Mesmo que se enterrasse debaixo da terra, continuaria ouvindo. Aqueles gritos eram de Raveneh. E eram dela mesma, gritos que ecoavam dentro de sua mente. Como fantasmas. Com um arrepio na espinha, percebeu que nunca mais teria paz pois sempre dormiria com aquele desespero angustiado.
Alicia estava arrumando o quarto de Ophelia. Não podia tirar nada da ordem, nem pensar esbarrar no precioso mapa que acumulava vitórias dos demônios. Ela estremecia a cada berro que escutava, mas isso não tirava seu foco do trabalho.
- Alicia - chamou, e Alicia se virou, hesitante.
Lala mandou que Alicia se aproximasse e disse.
- Vá até ao quarto de onde vem esses gritos. Diga que estou chamando por ela. Rápido.
Alicia foi.

Não tinha nada realmente urgente para falar com Ophelia, mas ao menos os gritos iriam parar por algum tempo.

- Majestade - Alicia chamou - Lala lhe chama.
Ophelia parou em um décimo de segundo, e deu um frio sorriso. Se ajoelhou perante uma chorosa Raveneh, ensanguentada, e a beijou na testa.
- Desculpe, meu anjo - Ophelia enxugou as lágrimas copiosas de Raveneh - não quero isso tanto quanto você.
- Quer mais - a voz de Raveneh saiu estranha - sua maldita.
A voz era realmente diferente.
Era sensual e diabólica.

Quando Ophelia saiu do quarto, Raveneh foi deixada sozinha. Com seus machucados e com Catherine. Raveneh brigara com Catherine várias vezes, decidida a sofrer aquilo solitária, sem a sua outra face lhe proteger. Queria sentir o peso do mundo, uma vez na vida que fosse. Quase se arrependeu. Ficou em um canto, tremendo e chorando.
Suas costas ardiam, e sangravam.
Ela sentia que tudo se sujava com seu sangue.
Seu tronco, suas pernas, seus braços, todos foram atingidos. Ophelia só poupara seu rosto, porque tinha pena de estragar um rosto tão angelical.
Quero que você fique reconhecível no final disso. foi o que dissera.
Ela queria gritar mais alguma coisa, mas algo se perdera em seus berros.
Kibii aguentou isso.
Seus olhos azuis fitaram a escuridão.
Demorava, mas aos poucos toda aquela dor virava insensibilidade. Ardia. Incomodava. Mas não doía tanto.
Até respirar se tornava, ao decorrer daquelas malditas horas, um ato mecânico e difícil.

Catherine chorava também.
Mesmo que aquilo doesse, mesmo que ela mesma não quisesse mais sentir tanto os pesares, sua vontade de proteger a outra mulher inocente, a mulher adocicada era maior. Queria assumir, tomar o controle, sofrer por todos os pecados que cometera e assim cuidar de Raveneh. Outra face, outra personalidade, outra pessoa.
Eram duas histórias diferentes. Eram duas mulheres diferentes.
Como isso entraria em consenso?
Até que ponto Raveneh não iria enlouquecer? Estava no seu limite, mas iria aguentar. Era uma questão de honra, pensava, aguentar uma tortura em toda a vida. Jamais dormir, seria a brecha para Catherine controlar sua pessoa. Jamais descansar, jamais perder a consciência de ser quem é...

- Deus meu, Deus meu - Raveneh rezava baixinho, pela primeira vez em anos.
Sempre tivera ódio dos deuses que regiam a vida dos humanos em Istypid, achando-os culpados de todos os males, de toda sua vida. Não pertenço a esse mundo, dizia. Mas estava desesperada, tremia de dor e fraqueza, e essa oração, aprendida na infância, era a única que conhecia.
- Que agem sobre os céus, e sob os infernos - a cada lágrima, era um verso - deitem Tua mão sobre a mim, e que Tua lágrima me console, que Teu sorriso me acalme, Deus meu, Deus meu... - odiava-se a si mesma por ter caído tanto a ponto de ter que orar para não cair em desespero. Era sinal de fraqueza, em seu íntimo.
Mas nem Catherine lhe condenava por recorrer as crenças que nunca acreditara, nunca seguira e sempre odiara.
Mesmo ela entendia como seu coração estava tão dolorido.

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- Ophelia - Lala sussurrou - venha jantar.
- Me chamou só por isso? - Ophelia deu um gentil sorriso.
- Eu não aguentava mais ouvir aquilo, Majestade.
Ophelia se sentou na mesa, mandando chamar os Glombs apavorados servirem. Frango. Arroz. Macarrão. Pouca comida, mas tudo que havia de melhor em tempos de guerra. Lala preferiu ficar somente com um pouco de arroz e tomate. Estava com pouca fome, insegura e nervosa. Sua lealdade era incondicional e irrestrita, mas era tão melhor que Ophelia não fosse tão malvada...
- O que você acha que vão decidir? Pela vida dessa loirinha ou de Umrae? - Lala perguntou, tentando parecer tranquila.
- Nenhum dos dois - Ophelia riu - vão tentar capturar Raveneh de volta. Vão tentar me destruir. Mas... eu não me importo. Já ordenei a uma tropa, e estão vindo os demônios mais poderosos, do submundo e dos céus. Demônios realmente relevantes. Eles estão no caminho. E... acho que chegam logo, amanhã ou depois.
Lala a encarou nos olhos.
Não conhecera essa parte do plano.
Era isso que Ophelia estava fazendo ao treinar todos aqueles poderes?
Estava convocando?
Pensava que estava brincando, somente treinando e enfraquecendo! Mas estava mandando mensagens pelo país todo, convocando tropas! É por isso que ela ficou tão fraca...
- Por que não me contou? - Lala parecia claramente ofendida. Na realidade estava somente chocada.
- Porque esqueci - Ophelia sorriu como uma criança e comia seu pedaço de frango com tanta naturalidade!

Lala voltou a atenção para sua comida.
Se os demônios eram o que ela estava pensando, então eram bastante páreos para aqueles dragões. Quando ela viajara com Ophelia, convocando e noticiando sobre a futura guerra aos demônios, ela fizera uma relação dos mais perigosos monstros que povoavam esse país. Eles dormiam há séculos e séculos, escondidos dos humanos e caçadores, disfarçados nas profundezas dos vulcões ou entre as nuvens. Muitos conseguiam respirar debaixo d'água e viviam no fundo dos oceanos, outros descansavam nas cavernas, devorando intrusos que ocasionalmente entravam dentro do lugar para se proteger de uma chuva. Eram enormes, perigosos, sem um pingo de bondade ou compaixão. Não eram vulgares como os demônios que apavoravam os cidadãos, eram algo pior...

Viriam em uma centena, talvez em duas ou três se mais alguns fossem juntos. Eram quase todos hirikis, a classe mais temida. A classe que até mesmo os caçadores se ajoelhavam diante de tamanha monstruosidade.
Eu não quero ver isso. foi a primeira coisa que pensou.
Se houvesse um jeito de avisar isso a Campinas sem trair Ophelia... foi a segunda coisa que pensou.
E remoeu seus pensamentos em volta disso, querendo muito que tudo aquilo chegasse ao fim. Não queria trair Ophelia, não queria ser desonesta e desleal, e mesmo que estivesse sendo estupidamente errada, não queria dar uma de covarde e fugir. Se veio até aqui, iria até o fim. Mas queria que esse fim chegasse logo, e tudo fosse liquidado de uma vez. Todo aquele palácio, os dois corpos lá nas masmorras remanescentes da família real, os demônios em volta, Raveneh aprisionada, até mesmo esse jantar era demasiado errado, confuso, enganoso.

Se houver um jeito, disse para si mesma em pensamento, de avisar sobre esses malditos para Umrae e suas tropas, eu farei. Nem que eu tenha que trair, que desonra, que maldição.
Teve que pedir licença a Ophelia para se levantar, ir para seu quarto e chorar muito.

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Tiveram que colocar uma mordaça em Giovanna para que seus berros fossem abafados.
As lágrimas de dor faziam com que ela não conseguisse enxergar nada.
- Fique tranquila - Nath lhe disse - eu sei, querida, que está doendo. Mas isso é pra doer menos depois.
Giovanna conseguiu inspirar ar, e expirar.
Respirava fundo, tentando se controlar.
Era uma guerreira, não era? Era parte da tropa de Bel, uma dos dez melhores escolhidos especialmente para lutar contra os malditos demônios de Ophelia. Estava toda queimada, mas ainda era uma guerreira!
Eu não quero isso, eu não queria simplesmente colocá-los em risco...
Mas tinham sido colocados em risco. E ela já se machucara antes do confronto final, que lástima!
eu sei que morrer nessa guerra é morrer por nada, então me desculpem, mas...
Se isso no final valer na derrota definitva de Ophelia, não seria mais morrer por nada.
Vamos morrer para matar Ophelia antes que ela destrua Grillindor.
Sim. Sim. Harumi estava certa.
Iriam morrer. Mas morreriam por Grillindor, pelo reino tão amado, pela pátria adorada. Não era por Campinas. Não era pelas fadas. Era só por Grillindor. Giovanna se queimara, se ferira tanto porque estava lutando para que Ophelia não pudesse invadir o país que amava, e dentro dele, pessoas que amava mais ainda.

Cada uma das queimaduras era um tributo à sua família, rural e modesta.
Eu ainda haverei de vê-la de novo, mãezinha...


Zidaly suspirou.
Ninguém tinha paciência pra se meter em joguinhos, e ela não conseguia manipular uma emoção tão tensa.
Ela estava tão alheia!
Viu Crazy trabalhar arduamente, alimentando os dragões, acompanhado de alguns soldados. Viu Bel indo pra lá e pra cá, anunciando detalhes, resolvendo problemas, anotando coisas em vários papéis e olhando sempre um grande mapa onde tinha várias palavras indicando ATACAR AQUI, e etc. Entendia bem os protocolos de uma operação de ataque, tendo colaborado com uma das grandes líderes na tomada de Istypid. Mas agora não agia como uma líder. Era somente um membro desprezado, odiado.
Quero voltar pra Grillindor.
Mas de que adianta Grillindor ou qualquer outro lugar? Crazy não estaria com ela. Ela o queria, ela o desejava, ela o amava. Se precisasse destrui-lo só para receber um décimo de sua atenção, ela o faria.

Rafitcha encostou a cabeça no colo de Erevan, dormindo profundamente graças ao sonífero.
O dragão pensava. Calado, pensativo, seus olhos negros se delineando sobre o rosto de Rafitcha. Era bonita, sendo humana. Os dragões provavelmente não veriam tanta beleza em Rafitcha, porque lhe faltava o ar selvagem ou perigoso que eles gostavam, mas Erevan apreciava essa falta, considerando que havia bondade e praticidade. Como uma pessoa que trabalhava muito e bem, com um bom coração.
Tão frágil, podendo lhe partir o corpo em meros segundos...

Sentia toda a proteção mágica em volta, resistente aos poderes dos demônios, e mesmo Ophelia não poderia destrui-la. O abrigo fora feito há muitos e muitos anos, e se estendia sob o chão de toda a região das Campinas, principalmente debaixo das florestas. A parte central estava ali, e as secundárias se rastreavam debaixo das florestas, tendo portas, comida em estoque e proteção mágica reforçada, já que não tinha muitos soldados a pagarem com sua vida para protegerem bem o lugar. Mas assim como conseguia enxergar toda os feitiços protetores, Erevan conseguia enxergar as falhas.
Falhas que poderiam transparecer, quando a terra quisesse.
Ficou com medo de que Ophelia descobrisse isso, e agisse em relação a isso. Tinha capturado Raveneh usando seus dons de chamar, como encantos especiais. Raveneh era só uma fada crédula, sendo como isca fácil. E agora...
- Vou te proteger - sussurrou muito baixinho, ninguém o escutou - e ninguém vai te pegar, tá bem?

Keishara estava vigiando os dragões azuis, como um favor especial à Bel.
Ela encarava cada soldado com desdém, como se ninguém ali fosse competente o suficiente para conseguir lidar com criaturas tão poderosas. Crazy estava incomodado, Harumi estava resignada, Luka e Pauline dividiam a fúria. A ausência de Giovanna era amarga.
- Tem certeza que pode fazer isso, Crazy? - perguntava Keishara ao vê-lo dando um cervo para um dos dragões.
- Claro - Crazy respondeu. Tinha certeza que cervos são comida para dragões, mas a presença daquela mulher-dragão lhe fazia estremecer de nervosismo como fosse um novato.
- Hmpf. - Keishara parecia desaprovar o ato.
- Você come cervos, certo? - Pauline indagou, quase explodindo de raiva - então qual é o problema?
- Sua petulante - rosnou a mulher-dragão - cervos não são tão macios. Mas sabe o que é realmente gostoso? - aproximou-se sutilmente da soldada, lhe fazendo se arrepender de tê-la desafiado - tripas humanas.
- Nojenta - Luka murmurou quase rindo.
Harumi a olhou durante uns quatro segundos de uma forma muito profunda, antes de falar:
- Você só está querendo provocar, Keishara. Está com raiva de algo ou de alguém...
A mulher-dragão simplesmente parou, e recuou um pouco. Ficou calada pelo resto do dia, e nada fez dos seus comentários sarcásticos, se limitando a orientar qualquer dúvida que aparecesse.

Gerogie patrulhava os arredores das Campinas, vigiando cada minúscula folha, cada nuvem, cada lufada de ar. Naturalmente estava tudo fora do normal, a começar pelas sinistras sombras que cobriam todo o céu, como monstros que cravam suas garras nas nuvens e não querem mais sair. Já era noite, mas o trabalho jamais poderia parar. Logo terminaria seu turno, e Erevan assumiria o posto.
Mas ele vai estar preocupado com aquela humana...
Ela pousou suavemente sob a relva, escutando os sons habituais. Grilos tímidos. Pássaros temerosos. E algo... como uma energia fluindo por toda a Campinas, e não era Ophelia.
Era algo menor. Ínfimo. Semelhante, assim como uma gota d'água se assemelha ao oceano.
Sacudiu a cabeça.
Não é hora de pensar nisso, Gerogie.
E continuou sua ronda, averiguando que - por enquanto - estavam seguros.

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- Ok, vamos parar de enrolar - sussurrou Catherine encarando as companheiras.
- Primeiro temos que assumir - Miih ponderou com cuidado - que não somos as mesmas de cem, duzentos anos atrás. Não temos o mesmo crédito, nem a mesma honra.
Todas ficaram em silêncio.
- Isso lá é verdade - concordou Loveh - somente as tribos, pequenas aldeias rezam e nos oferecem coisas, tratando a nós como antigas deusas. Para o resto, somos apenas superstição.
- Não desde que Ophelia chegou pra valer - Catherine disse - ela simplesmente derrubou todos os mitos, crendices... enfim, isso não importa. O importante é: temos que acabar com Ophelia. E temos que destrui-la definitivamente, sem deixar rastros, sem possibilitar que ela ressuscite, ou volte depois de anos.
- Destruir seu corpo - Louise murmurou entusiasmada.
- E sua alma - lembrou Alice, que mantinha-se muito quieta. Sunny, entretanto, ficava calada. Pensava em modos mirabolantes de acabar com Ophelia, porém tudo caía na mesma armadilha: sequestro de alguém que Ophelia gostasse. Mas já fizeram isso, e as consequências foram desastrosas a longo prazo.
- Escutem-me - Catherine estava tremendo de medo e excitação - temos que aprisionar Ophelia de uma forma que ela não possa usar seus poderes. Somente assim encontraremos uma vantagem.
Miih hesitou uns poucos segundos antes de dizer francamente:
- Certo, o ponto forte dela é a magia. Tirem a magia e ela fica bem fraca - concluiu sensatamente - mas e quanto a poderes não-mágicos? A destreza, rapidez não são totalmente mágicos. E como limitar esses poderes sem nos prejudicarmos com isso?
Ficaram todas as cinco pensando, ruminando, hesitando, os cérebros trabalhando fervorosamente em estratégias militares, golpes sensacionais, feitiços antigos e assassinatos terríveis. Loveh pensava em convocar um furacão para destruir Ophelia, mas desistiu ao lembrar que certamente Ophelia se moveria como uma folha, se deixando levar em vez de resistir, e assim sobrevivendo. Alice queria realmente convocar um poderoso exército de árvores gigantescas e assassinas, mas como fazer isso se Ophelia cortaria todas elas com golpes singelos? Sunny desejava poder cegar a rainha com tamanha luz, Louise faria arder todo o castelo e Miih convocaria poderes sinistros. Porém todas elas imaginavam a revanche, o contra-ataque de Ophelia. E desanimavam.

Catherine pensou em como tinham feito Ophelia adormecer. Olga que conseguira. Ela havia pedido as estrelas uma dádiva, e as estrelas lhe deram. Ela sacrificara todo seu poder, toda sua magia, todos os seus sonhos para ir em frente com aquilo, somente para parar, por enquanto, e proteger suas companheiras. Agora, decidia Catherine, é hora de se sacrificar.
Mesmo que as águas não concordassem assim como as estrelas nunca concordaram com a decisão de Olga... ela iria em frente. Era a Rainha do Mar, era a soberana. Se fizesse um pedido, teria de ser atendida.

Estavam nos arredores da cidade, entre escombros de uma fábrica e árvores mutiladas por demônios. Um rio passava ali perto, e ele caía suavemente, por anos, lá embaixo, na floresta escondida e de lá escoava para o grande mar, azul e profundo. Aquele rio era, no momento, seu contato com seu habitat natural.
Deixou as companheiras refletindo sobre os planos para trás, seguindo adiante pelo rio até o grande penhasco.
- Não há mais saída - ela disse muito baixinho, tão calmamente, como se contasse desventuras amorosas já superadas de quinze anos atrás - lamento muito que isso tenha acontecido. Sabe, Elyon morreu, e nada posso fazer para resgatar esse erro. Então, ajude-me - nunca fizera um pedido dessa magnitude antes - ajude-me, ajude minhas companheiras, ajude todas essas pessoas inocentes. - sentiu a água do rio correr mais veloz, mais ligeiro, com urgência - vocês tem que me ajudar. Cada gota deve me ajudar.
Quando a água esquentou rapidamente, quase fervendo, ela não tirou os pés da água.

Seus lábios se ergueram em um sorriso de vitória.
O mar lhe atenderia o pedido.
Ou a ordem.

E pela milésima vez, eu erro dizendo que Umrae é elfa. Sinceramente, eu não sei muito bem sobre as diferenças (porque eu sempre imagino os drows - é assim que fala? - como elfos "diferentes"). Perdoe-me por erros, Umrae ^^' me corrigirei nos próximos capítulos.

Os soníferos, Umrae, são aqueles bem fracos, que não fazem mal. Embora eu tenha certeza que estejam infringindo regras ao usar remédios e produtos de forma tão leviana, mas, enfim, ninguém ali estava interessado em pensar nas situações futuras que exigirão e sim no presente. ;)

Pensei em magia divina, algo do tipo também. O que você pensou em planos, Umrae? Eu queria saber! *-* Se puder, mande-me um e-mail pela Gmal (luna.fortunato@gmail.com) falando suas opiniões, se tiver tempo... ficaria grata (:

Espero que gostem desse capítulo. Perdoem-me se demoro muito, é que tenho frequentes problemas com o computador. Ele desligava toda hora, e muitas vezes ficava dias sem ligar. Só agora que pudemos trocar o computador, e agora que pude transferir os dados de um computador pra outro, que consegui ter tudo que precisava... espero que tenha menos desventuras com pc's agora!

Beijos! E uma feliz semana, ;*

Dica: estou assistindo El Cazador de La Bruja. Estou gostando muitissimo até o momento, ainda que fique boiando em algumas partes, rs xD