sábado, 28 de março de 2009

Parte 78 - Em vão, creio.

- Vamos lá. Já que perdi a amiguinha de vocês, então vou usar você, tá? - Ravèh sorriu levemente.
As algemas que acorrentavam Lefi se desfazeram em pó, fazendo Ravèh sorrir mais abertamente. Siih não conseguia dormir, é verdade, encarava Ravèh com um olhar completamente blasé como se não desse a mínima para o que acontecesse ali.
- Você tem que tirar as bolas lá de cima. Lembre-se, não deixe cair uma ou é muito provável que ela esmague sua irmã - Ravèh disse - Siih pode utilizar magia de proteção de primeiro grau, e você, meu querido Lefi, poderá proteger sua irmã usando a mesma magia de proteção de primeiro grau. Mas fiquemos atento: a única coisa que vocês podem criar é o Escudo Primário I. Só. É o único feitiço permitido nessa masmorra em especial.
Apareceram várias escadas até o teto, escadas de degraus com grande espaço entre um e outro, e finos, prestes a cair a qualquer momento.
- Vamos lá, meu amado Lefi.
Siih não movia os pulsos, ficando cada vez mais nervosa e enfurecida. Lefi podia jurar que sentia alguma centelha de poder se movendo dentro dela, mas julgou que devia ser ilusão e continuou.

Os degraus eram frágeis, mas nenhum caiu a cada vez que Lefi subia. Queria muito que Alicia estivesse ali para ajudá-lo e mantê-lo calmo com o seu habitual sangue frio, mas calculou que Alicia arrumaria um modo de libertá-lo daquela prisão. As bolas de ferro estavam longe demais... subiu com todas as forças que ainda tinha, até alcança uma delas. Com todo o cuidado, com todo o medo, conseguiu tirá-la e a lançou longe de Siih. A bola bateu no outro extremo da sala, fazendo Ravèh rir.
- Parabéns! Mas faltam outras.
Lefi observou que não tinha como pegar as outras bolas sem mexer nas cordas, e assim elas desabassem.
- SIIH!
Siih não se mexeu, tentando reunir forças.
- Siih! Crie o escudo a toda hora, entendeu? Não pare de criar escudos!
- Entendi... irmão.
Siih não parecia animada, como se entregasse os pontos. Um escudo se moveu em cima dela, protegendo-a muito rapidamente, por meros segundos. Lefi criou outro, escudos que se chocavam. A única mágica permitida, feita para salvar a vida em um segundo.

E as bolas eram lançadas em cima dos escudos que se moviam, e por pouco não esmagavam Siih.
Siih não se mexia, não olhava para a frente, e sequer tentava respirar fundo. Só ficava parada, tentando perfurar a proteção contra magias que aquele lugar tinha. Parecia querer explodir.
Lefi acabou com todas as bolas e nenhuma atingiu Siih, por causa dos escudos que tinham de ser criados a todo instante. No fim, a última bola rolou e se chocou com a primeira bola, no extremo da sala. Os escudos se desfizeram completamente, e ninguém mais tinha forças para manter algum tipo de magia, mesmo que ela fosse minúscula. E Lefi simplesmente caiu, deixando-se entregar ao ar. Desabou na frente de Siih que mudou de expressão mais rápido que você pode dizer 'Siih'.

- LEFI!
Siih mexeu os pulsos, podendo sentir o gostinho de liberdade.
Lefi moveu a cabeça para o lado, sua testa sangrando pela queda.
- Irmã.
- O que pensa que está fazendo, desistindo? - Siih gritou, tentando se manter sã - não morra! Por favor, não desista! Pelo reino!
- Ora, irmã - Lefi sorriu - isso importa a essa altura? Se Ophelia for derrotada, não será pela gente. Só o que podemos fazer é tentar sobreviver...
Ravèh encarava a cena com deboche. Sem avisar, saiu da masmorra. Queria comer alguém, e isso só poderia ser permitido fora do castelo.
- Irmã, me diga, se Ophelia for derrotada, o que vai fazer? - Lefi parecia ter dificuldade em respirar, encarava o teto - irmã, não será mais a rainha, deixe-me lembrar disso. Mas você tem que sobreviver de qualquer jeito, entende?
- Eu não preciso sobreviver - Siih murmurou - sou uma péssima rainha, sou incompetente e não consigo sentir energia nenhuma agora. Queria poder matar Ophelia, mas não tenho poder para isso.
- Irmã, o que interessa agora não é Ophelia - Lefi murmurou - nada disso interessa mais. Irmã, o que temos de fazer é sobreviver e ponto final. Depois a gente decide o que fazer.
Siih ficou em silêncio.
O que faria?
Queria tanto conseguir furar a segurança daquela masmorra...

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Raveneh foi até a superfície, ficando perto da entrada do abrigo. Olhava para o céu, completamente escuro. May estava com Johnny, e ela tinha pedido para ficar lá fora. Queria voltar a treinar espada, mesmo que não fosse tão talentosa como Umrae ou Bia. Era mais nova que ambas, praticamente uma criança que engravidara e casara cedo.
A espada em sua mão lhe lembrava de que ela não podia ser protegida a vida inteira. Era o primeiro dia que ela treinava, depois que May nasceu, mas todas as lições lhe pareciam voltar com naturalidade. Dianteira, recuar. A espada se movia com velocidade, de forma precisa, embora ela fosse mais lenta e tivesse menos força.
- Não vou deixar May viver em um abrigo.
Queria poder usar magia, mas tinha medo demais. Sabia que enquanto Catherine existir dentro de seu corpo, seus poderes iam ter um limite indefinido, impossível de se mapear, um limite vago. Sabia que conseguira um corpo para sobreviver, uma cópia de si mesma, e isso a havia desgastado muito na época. Desde o seu julgamento, seus poderes pareciam que queriam lhe sufocar.

Nunca podia usar magia enquanto era criança. Era extremamente proibido onde vivera, e era tão castigada quando usava, que aos poucos seus poderes pareceram parar de repente. Ela nunca conseguira controlá-los porque nunca se acostumara com eles. Catherine que era a face que sabia usar sempre foi alguém clandestino, alguém que se servia de magia para prejudicar os outros, alguém que gostava de explorar os próprios limites.
É tão horrível ter alguém dentro de mim que sabe mais do que eu...
A espada cortou a grama com precisão absurda. Ao que parece, Raveneh estava melhorando graças a algum treino.
- Raveneh, você quer alguma magia?
Mais grama foi cortada, o ar se mexeu com a pressão da espada se movendo o tempo todo.
- O mais importante... você precisa de magia?
A espada parou, Raveneh ficou calada. Fitou as estrelas novamente, os cabelos soltos. Lá embaixo, Johnny cuidava de May. Se perguntou se May herdaria as suas habilidades mágicas, se ela teria algum problema psicológico assim como a mãe. Raveneh se perguntou se May teria problemas com a própria sanidade, assim como a mãe tinha.
Johnny tinha que ter amor demais para cuidar de Raveneh, e ele não se incomodava. Corria o risco de que Raveneh se descontrolasse, de que Catherine surtasse de uma vez, e de que o poder não fosse nada pequeno. Mas embora Raveneh fosse alguém de poder relativamente grande, não era nada comparado à Siih ou uma das Musas. Era uma fada normal que parecia simplesmente mais poderosa e usava a magia de forma mais inconsequente. Só isso.
- Não pode proteger a sua filha sem ser pela magia?
Sentou no chão, massageando os joelhos. A espada deitada ao seu lado, hesitação pulsante em seus movimentos. Parecia insegura do que queria, e estava sozinha. Todos estavam dentro do abrigo, embora Johnny estivesse na escada. Ele escutava os movimentos de Raveneh, pronto para defendê-la se precisasse.
Cale-se, Catherine.
Raveneh escondeu a cabeça com os braços, quase que chorando.
Eu não aguento mais ouvir você.
As lágrimas rolavam pelas bochechas, quentes, acariciavam a pele.
- Não vai conseguir se libertar de mim...
... irmã.

Havia alguma risada no seu íntimo.
Alguma risada
no seu íntimo.

As estrelas pareciam concordar que Raveneh seria inútil naquela guerra.

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Duas da manhã.
Grillindor completamente prontos.
Dez dragões mestiços prontos. Não necessariamente para a batalha, pois Bel queria conhecer o terreno e montar um plano primeiro, mas eles estavam prontos para viajar. E mais três dragões verdadeiros: um vermelho, um azul e um negro. Sim, não era um território apropriado para dragões vermelhos, mas Gerogie era ótima para espionar e vigiar territórios, então ela poderia ficar em sua forma humana.
Toda a tropa estava reunida no escritório de Bel, as malas no canto, e todos estavam nervosos. Apreensivos de imaginar controlando dragões diretamente. Bel mostrou um mapa na mesa:
- Observem - disse - aqui é Campinas - apontou para um desenho - debaixo fica o Mundo das Fadas, como podem perceber.
- É um território bem grande - observou Ti-Yi que parecia intrigado - só uma pergunta... nunca fui ao Mundo das Fadas, mas ouvi dizer que fica nas nuvens. Então debaixo do Mundo das Fadas, o que se tem?
- Terra, mais nuvens, árvores e uma floresta estranha. De qualquer forma, também é território das fadas. Mas a parte realmente civilizada e bonitinha fica nas nuvens - Bel respondeu com seriedade - ao lado se tem Heppaceneoh, atualmente um território governado por fadas, oficialmente. Mas toda essa área - apontou Heppaceneoh e todo o leste do mapa - foi destruída por demônios. As Campinas não possuem demônios em seu território, mas só porque eles possuem uma proteção mágica que pode se romper a qualquer tempo, bastando Ophelia sentir vontade. O Mundo das Fadas está arruinado. A capital que fica, vejamos, aqui - fez um ponto na fronteira de Mundo das Fadas com as Campinas - está acabada. Demônios estão comendo gente, e o plano de evacuação que a rainha anterior, Siih, começara acabou não sendo completado a tempo, ou seja, muitos civis foram mortos. Os abrigos estão protegidos, e eu imagino que eles estejam 'debaixo' das nuvens que é um território muito bem protegido. Ou seja, vamos estar em um território completamente cercado. E não dá para conseguir controlar dragões, se as informações passadas por Umrae estiverem corretas.
- Eu não entendi - disse Ratta - dá para explicar melhor?
- Primeiro, não podemos nos dar ao luxo de perder dragões e sabemos que é melhor controlar diretamente. - alguém murmurou que era mais provável um dragão morrer pelo controle direto do que pelo indireto, mas Bel não deu atenção - segundo, os Encantos que existem nas Campinas atrapalham. Eles bloqueiam magia dos adversários, e do ponto de vista das fadas, nós somos adversários. Esse é o principal motivo de porque vamos controlar diretamente, entendem? Se ficarmos nas Campinas, controlando a distância, a magia existente lá vai interferir e podemos perder dragões por besteira.
- Entendo... - sussurrou Polly - então realmente, o controle direto...
- Não tem outra saída.
Bel encarou seus onze soldados [incluindo Zidaly, a intrusa] com severidade:
- Me desculpem por colocá-los em situação de risco. Eu não quero isso, eu não queria simplesmente colocá-los em risco... - seus dedos tremiam - eu sei que é uma guerra de graça para vocês, é uma guerra sem motivos, é simplesmente porque vamos ajudá-los... eu sei que morrer nessa guerra é morrer por nada, então me desculpem, mas... - odiava chorar na frente de alguém, mas não podia evitar.
Droga, não tinha idéia do que podia envolver...
- Comandante - Harumi sorriu, seus olhos furta-cor brilhando vivamente - não vamos morrer por nada. Vamos morrer para matar Ophelia antes que ela destrua Grillindor.
Bel ergueu o rosto, lágrimas brilhando. Ninguém a culpava ali.
Crazy sorria, Polly e Ratta davam oizinho, Harumi a olhava com doçura, Toronto e Ti-Yi cruzaram os braços como se estivessem decididos, Pauline se apoiava em Giovanna e ambas pareciam sinceramente contentes em ajudar na luta contra Ophelia.
- Você disse que Ophelia destruiu todos os reinos em volta - Harumi continuou, sua voz permanecendo doce - veja bem, somente a Terra Seca separa nós dos reinos destruídos. Não é nada improvável que os demônios se movimentem à Terra Seca que tem mais humanos sem nenhuma mágica, e sabemos que quanto menos mágica uma pessoa tem, mais saborosa ela tem. Se alcançarem a Terra Seca, vão atravessá-los sem nenhuma dificuldade porque eles não tem nenhuma defesa. E aí eles vão acabar com Grillindor, porque nós não nos preparamos direito. Temos que acabar com os demônios e com Ophelia enquanto eles não chegam aqui.
- Eu concordo com Harumi - Pauline apoiou - não vamos morrer de graça, Comandante. Vamos morrer por Grillindor, e é pra isso que fomos treinados, não é?
- Claro - Ti-Yi disse - senão não seríamos soldados.
- Eu sou soldado porque me mandaram ficar aqui, por lei - Polly confessou - mas não me incomodo em morrer, se souber que mais gente poderá viver com isso.
- Você é tão altruísta, Polly - Ratta disse com um riso disfarçado - eu jamais morreria por aquelas fadas. Mas, bem... Comandante, eu arrisco a minha vida se isso significar uma promoção minha no trabalho. - fez uma continência
- Ora, Ratta, deixe de ser tão arrogante - divertiu-se Bel - vamos guerrear. Todos nós vamos arriscar as nossas vidas. Se não quiserem morrer, lutem com tudo que tem. E...
Respirou fundo antes de continuar.
- Ophelia ameaça a nossa segurança. Se ela continuar destruindo nesse ritmo, ela só vai parar de verdade quando alcançar Faerün, onde tem seres pau a pau com ela. Vamos partir agora. Despeçam-se de quem puderem se despedir, pois podem ser que vocês nunca mais verão este castelo.
Ela não falou com tristeza.
Ela não falou com pesar.
Ela só falou com sinceridade e uma certa nostalgia.

Mas soldados são assim... eles nunca podem se apegar a alguém, pois podem perder este alguém logo, logo.

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Elyon andava pela cidade, acompanhada por Catherine. O corpo doía demais, e de fato a regeneração não estava completa, mas nenhuma das duas se incomodaram. Usando o máximo-máximo de seus poderes, conseguiram fechar as feridas, mas o corpo não conseguia se acostumar com a regeneração forçada e protestava.
- Porque estamos andando pela cidade? - perguntou Catherine, cuja orelha ainda sangrava - até parece que vamos conseguir derrotar Ophelia assim.
- Não vamos - Elyon murmurou - eu só queria beber alguma coisa. Será que tem alguma bebida por aqui?
Catherine sorriu:
- Elyon, essa cidade está acabada pelos demônios - lembrou - onde você vai achar um bar?
- Demônios bebem, não bebem?
As ruas estavam completamente desertas, exceto por um ou outro humano andando por aí, de vestes esfarrapadas, parecendo se fundir à escuridão. Elyon chutou o chão, resmungando sobre as roupas rasgadas e sujas de sangue que vestia.
- Pare de resmungar - Catherine reclamou - não vamos achar roupas decentes nessa cidade, de qualquer jeito, então se acostume.
Resmungou mais uma vez.

O céu estava tão claro, depois da chuva.
As calçadas tão molhadas, e as pessoas tão lúgubres por todo o canto.
E as estrelas estavam perfeitas, brilhando em toda a sua imensidão.
Elyon ergueu o rosto para cima, Catherine a imitou:
- O que olha?
- Estrelas.
Catherine passou a fitar Elyon, que continuava encarando as estrelas, tão vivas!
- Catherine, o que você acha que existe após a morte? - perguntou Elyon - para onde você acha que Olga foi?
- Elyon...
Vida após a morte. Não, ela não sabia. Sabia que existiam casas mal-assombradas, espíritos que não tinham paz, e ela nunca duvidou dos relatos sobre fantasmas que apareciam aos montes, geralmente sempre depois de uma guerra ou tragédia. Mas não sabia, e a idéia da morte a tinha apavorado por alguns anos, no começo de sua vida. Agora ela podia ficar assegurada que só morreria se assim quisesse, e assim descobriria o que haveria depois da morte.
- Existe um céu, Catherine? Você sabe se existe um inferno? - Elyon insistiu, querendo uma resposta. Catherine continuou sem resposta, sem saber. Se nem Elyon, que conhecia a morte de perto, sabia o que existia depois, quem era ela para saber?
- Olga não existe mais - Catherine disse, depois de muito hesitar - para nós, ela não existe mais.
O silêncio era tão estranho.

É.
Olga não existia mais e...
E elas continuavam vivendo.
Decerto, isso era estranho. Catherine deu a mão para Elyon, apontando uma porta aberta com luz dentro, e uma singela tabuleta 'Taverna Gladys'. Pela porta aberta, podiam escutar uma música tocada no piano, risadas estrondosas e podiam ver um ser com tentáculos saindo pelas orelhas e bebendo com a tromba de elefante que possuía.
Elyon sorriu, acompanhando Catherine.

É.
Olga morreu para que elas ficassem bem.
Então porque elas se arriscavam tanto e se lançavam para a morte?


Eu vi. Achei bizarro o Papai Noel mesclado ao Coelhinho da Páscoa (ou seria o contrário? rs). E Umrae, pra seguir um blog, creio que ele tenha que ter o espaço para ser seguido, e tem botão tipo 'seguir'. Espero ter ajudado a ti =*

segunda-feira, 23 de março de 2009

Parte 77 - Uma véspera ansiosa.

Quando fica muito escuro, normalmente as pessoas acendem as velas e se reúnem, com medo de algo que não podem sentir. As pessoas costumam procurar segurança em outras pessoas, e acham que estão seguras de todas as intempérias da vida se estiverem em algum bom lugar, alguma luz e conversa. Principalmente as crianças que gostam de sentir essa segurança, senão elas ficam com medo e tem pesadelos de noite. Pior ainda é se não houver ninguém para cuidar delas.
No momento em que Amai concluiu a leitura de um conto, algumas crianças procuravam pelos seus pais em vários países.
No momento em que Raveneh cantarolou para May, várias famílias foram extirpadas pelos demônios.
No momento em que Doceh criava novas receitas, demônios brigavam entre si por mais comida.

Porque neste mundo em que vivemos agora, no mundo em que Raveneh vive, há algumas mudanças fundamentais.
Primeiro, com os demônios a solta, acontece exatamente o que acontece quando você coloca um predador em um habitat em que há somente caça para ele, e ninguém para caçá-lo. Quando isso acontece, a caça é morta e os caçadores procriam de forma desordenada, e assim há mais caçadores que a caça. Nesse ponto, sempre acontece competição pela comida.
Era o que estava acontecendo com os demônios.

Os humanos e as fadas estão sendo mortos de forma desordenada, e os sobreviventes são aqueles que procuraram um abrigo desde o começo. Os que não tiveram tal sorte ou viram comida de monstros ou fogem, virando mendigos. Alguns das pessoas ali correram para a Terra Seca onde a magia é proibida, ou para Grillindor que é um oásis na Terra Seca. Houve aqueles que procuravam fugir para Faerün, achando que tal lugar era inteiramente pacífico e que seriam bem recebidos. Mas na verdade, para os humanos naqueles países, nada disso importava. Só importava um lugar onde pudesse ter a garantia de viver mais um dia.
Acontece que viver nunca é certeiro.

Não houve muitos imigrantes, pois as estradas estavam infestadas de monstros.
Geralmente, quem sobrevivia em um ataque era as crianças porque eram as mais protegidas. Uma família inteira se dispunha a morrer, desde que a criança sobrevivesse. Mas depois que a família fosse morta, a criança não tinha mais nenhuma proteção e tentava fugir. Muitas vezes, a morte vinha. Geralmente a melhor saída era fugir, fugir, fugir.
O inferno era real.

- Eu queria ter todos os seus livros, Raven - admitiu Amai contente - são tão...!
- Se eu morrer nessa guerra, Amai - Raven disse, com delicadeza - esses livros são seus.
Amai ergueu os olhos, olhos úmidos de dor.
- Não vai morrer, Raven! - disse, suas mãos apertando as mãos de Raven com desespero - não vai morrer, não é?
- Amai - Raven sorriu, passando a mão na cabeça da garota - eu não sei. Só sei que você ficará viva, não é?
Amai começou a chorar.
Ela não sabia mais como era o real sentimento de perda. Perdera Yohana, mas ela não era lá tão grande amiga. E era tão criança quando perdera toda a família, sendo resgatada pela tia!
- Fique tranquila, Amai - disse Raven - prometo que não morrerei.
- Promete?
- Prometo.

ora, ora, não se pode prometer coisas que não estão no controle!

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Lala acordou, tonta.
- ?
Alicia havia enfaixado os membros dos corpos feridos, cuidado de cada um deles, e com cuidado percebeu que Lala começara a ter febre. Por isso, raciocinou, a regeneração estava tão lenta.
- !
Lala virou a cabeça para o lado, vendo a Alicia arrumar as cortinas para deixar ar fresco.
- Não estava com Ravèh? - disse Lala, intrigada.
- Vim para cuidar de você, sob ordens de Ophelia - respondeu Alicia sem se deixar alterar.
- Cuidar de mim...
Lala não fez nenhum movimento brusco. Não se lembrava de nada, mas estava meio tonta e as lembranças eram bem poucas nítidas. Lembrava que Ophelia a defendera e a salvara da morte.
Ela nunca faria isso por mim... faria?
Olhou para a mão esquerda, toda enfaixada. A direita estava no mesmo estado, e doía quando ela mexia os dedos. Resolveu ficar imóvel, tentando se concentrar em se regenerar. Mas não conseguia, estava tonta demais.
- Não faça esforço e cure a si mesma pouco a pouco - disse Alicia, pegando uma bandeja - vou pegar alguma coisa para você comer. Avisarei Ophelia que você acordou.
Alicia saiu, deixando Lala sozinha, reflexiva.

Lala não registrou as palavras direito, mas concordou. Só queria dormir de novo.

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Bel trocou de roupa, colocando calças, botas e uma camiseta branca. Ajustou as proteções de pulso, encarando a vista de Grillindor pela janela. Sentia como se aquele céu que se escurecia depressa fosse todo para ela. Um tipo de sentimento que ela só experimentava quando estava na véspera de uma guerra, e odiava sentir isso.
Quantas pessoas já morreram por causa de Ophelia?
Montou a sua mala rapidamente, colocando umas poucas roupas que precisaria. Estojo de socorros rápidos como ataduras e loções para machucados, um kit para lustrar espadas.
E quando a gente entrar na guerra... quantas pessoas mais irão morrer?
Amarrou os cabelos castanhos, espírito tão ansioso pela guerra iminente.

Bel, o que está fazendo?, podia ouvir a sua cabeça dizendo.
Bel, tem certeza que seus dragões podem derrotar Ophelia?, sua consciência gritava.
Bel, Ophelia é um monstro! Ninguém sabe do que ela é capaz, sentia as palavras firmes em sua consciência, em um tom lamentoso.
Ignorou.
Não posso recusar um pedido de Umrae.
Eu não posso recusar porque eu devo a vida à ela.
A minha vida é totalmente dela, porque ela já me salvou.
Sim, era horrível a sensação de ter favores com alguém, ainda mais se alguém te salva. Mas Bel não podia medir as consequências de um ato impestuoso e adolescente, e assim precisar de um resgate. Umrae era experiente com resgates e a salvou. Se não fosse Umrae, Bel não estaria viva. Então de jeito nenhum Bel poderia recusar um pedido de Umrae.
Como se pode negar a vida para alguém que a resgatara para ti?

- Comandante! - Polly entrou, seus cabelos amarrados em um coque, camiseta preta e calças verde-militas - toda a nossa formação humana está pronta para partir, exceto Zidaly e Crazy. Dos dez dragões que serão enviados, cinco estão 100% preparados para partir. Os outros cinco estão somente 42% preparados, mas Luka, Toronto, Ti-Yi, Harumi e Pauline já estão cuidando dos outros cinco dragões para apressar a preparação.
- Estão utilizando ilusões? - Bel perguntou, em um tom austero, ao que Polly respondeu imediatamente:
- Sim, Comandante. Por isso está mais lento do que o normal, pela mágica da ilusão. Mas Giovanna e Harumi estão unidas para iludir todos os dragões. Agora já conseguiram iludir completamente quatro dragões, e nesse passo, teremos todo a tropa pronta em duas horas, creio.
- Ótimo - Bel disse - agora você vá e chame Zidaly e Crazy. Eu queria dar mais descanso à Crazy, mas preciso dele. Quanto à Zidaly, mande-a se arrumar direito para a guerra e a se despedir dos amantes dela.
- Bel... - Polly sorriu timidamente - não acho que isso seja uma boa idéia. Porque não vamos partir silenciosamente deixando Zidaly aqui. Ela vai atrapalhar nossos planos.
Bel a encarou com doçura. Realmente, Polly era uma ótima subordinada e suas idéias eram boas. Mas isso não dava.
- Polly, esse não vai ser do tipo de guerra de mandar dragões e entregar nas mãos de algum deus - comentou Bel - não podemos dar ao luxo de perder nenhum dragão, pois estamos levando poucos. Eu sei que podíamos invocar uma magia que fizesse eles sairem daqui e se mandassem pra lá, mas é arriscado demais. Não podemos nos dar ao luxo, então vamos controlar os dragões de forma direta.
- Direta? Mas, Bel, isso é... - Polly parecia tremer - Bel, isso é tão... arriscado! Assim nossas vidas estão ameaçadas também!
- Em uma guerra, Polly - Bel disse, com firmeza - um enfermeiro fica lá dentro e um soldado fica lá fora. E nós, Polly, somos soldados, portanto ficamos lá fora e nos matamos. Entendeu?
Polly deixou a prancheta cair no chão, controlando o possível choro que viria.
- Entendi... - Polly pegou a prancheta e respirou fundo - ... Comandante.
- Muito bem. Avise a todos sobre isso e diga que sair da lista agora está fora de cogitação - Bel disse, sua voz fria como um punhal.
Polly saiu, seus passos rápidos, insegura.

Controle direto sobre os dragões...
Nunca fizera algo assim, só nos tempos em que treinava para ser soldada. Era uma forma de guerra tão pouco usada, ainda mais depois que conseguiram manipular os dragões à distância...
O que Bel estava pretendendo...?

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Ophelia tomou banho, penteou os cabelos. Avisada por Alicia de que Lala estava consciente, também recebeu um relatório sobre o estado de Lala:
- Majestade - Alicia começou a falar, em um tom grave - Lala poderia ter se regenerado com rapidez, mas foi atingida gravemente em vários pontos e logo depois perdeu a consciência, o que fez a velocidade e a força de sua regeneração cair cerca de 70%. Está com febre, e precisa de tratamento. Ela precisa começar a regeneração ao modo dela de forma rápida, se não aguentar esperar uma regeneração normal de uma fada comum. Com febre, ela pode tentar se regenerar rapidamente, mas a velocidade e força estarão a nível de 30% do nível padrão dela.
- Alicia, por favor, encurte isso - Ophelia pediu de forma sibilante, ao que Alicia sorriu discretamente e concluiu:
- Isso significa que ou Lala se regenera agora e fica bem em quase uma semana, contando com a carga absurda de poder que receberá e enfraquecerá seu corpo ou ela espera ser uma fada normal e fica bem em quase um mês.
- Acho que a alternativa é óbvia - Ophelia murmurou hesitante - Alicia, você pode apressar a regeneração de alguém?
- Sim, mas...
- Faça.
Alicia engoliu o orgulho e voltou ao quarto de Lala. Ela dormia, sua respiração descompassada. Podia escutar o coração dela batendo em um ritmo estranho e desordenado, procurando por qualquer tentativa de sobreviver. Sua pele estava suada e podia fritar um ovo na sua testa de tão quente que estava, mas Alicia não se importava com isso, sinceramente. Ela só queria a morte de Lala, assim como queria a morte de Ophelia. Mas não queria ousar em matar Lala, porque seria morta logo depois. Mesmo que Lala morresse sem que Alicia interferisse, Ophelia a puniria com morte imediata, ou pior, tortura sádica seguida de uma terrível morte. Então decidiu que iria aproveitar a momentânea e restritiva liberdade para ajudar Siih e Lefi. Se perguntou como estariam, entregues nas mãos daquele demônio.
Trocou os lençóis da cama de Lala, tentando não acordá-la, e acendeu uma vela. Rezou em silêncio, implorando para qualquer deus que existisse que acabasse com aquilo. Mas os únicos deuses que as fadas tinham eram meramente as Musas, e elas não eram páreo para Ophelia. Aliás, se a Ophelia assim quisesse, poderia ser idolatrada como uma deusa. Não é tão estranho que a única pessoa ali capaz de acabar com a situação fosse justamente aquela que a gerou e não tem nenhum remorso por isso?
- Ali? - Lala acordou, não conseguindo pronunciar todo o nome de Alicia - Ali?
- Boa noite, Lala - Alicia disse, fazendo a voz ficar mais doce que a habitual. Por mais que Lala tivesse sido cruel ao obedecer Ophelia fielmente, Alicia aprendera que nunca se desrespeita alguém quando se cuida desse alguém. Por isso que os médicos, atualmente, não podem destratar seus pacientes, mesmo se eles forem estupradores ou assassinos. Vai contra a ética da medicina, ética que Alicia adotava no momento.
- Oph? - perguntou. Lala parecia ter dificuldade em completar um nome inteiro, mesmo se ele fosse fácil de falar - Oph?
Alicia demorou uns segundos até entender que 'Oph' significava 'Ophelia' que se referia à 'Majestade', um monstro capaz de acabar com cidades inteiras e sair cantarolando canção de ninar entre os escombros.
- Majestade está trabalhando, acho - Alicia respondeu - estava se arrumando para o jantar quando eu fui entregar seu relatório à ela.
- Rel... - Lala engoliu em seco, tentando se sentar, mas a dor não deixou. Respirou fundo e tentou: - ela... vem me...?
- Te ver? - completou Alicia. Suspirou, tentando responder sinceramente - creio que sim. Acho. Talvez.
Lala virou para o lado, a dor insistente.
- Bonoit-, Ali - disse Lala, a dor cortando as últimas letras das palavras.
- Boa noite, Lala - disse Alicia, que se levantou. Daqui a pouco, acordaria Lala para lhe fazer comer, lhe passar sua situação e quem sabe, conseguir algo que garanta a liberdade de Siih e Lefi.

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Polly acordou Crazy apressadamente.
- Desculpe-me, desculpe-me, mas a Comandante mandou e eu obedeço - ela gritava, enquanto sacudia o garoto e este acordava mal-humorado - desculpe, mas a Comandante manda que todos os soldados fiquem prontos por essa noite, ela quer partir de madrugada, então todos tem que estar prontos logo, ela quer apressar e...
- meu deus, respira um pouco, Polly. Desse jeito vai desmaiar - Crazy sorriu, mas logo reparou no jeito afogueado de Polly e na ansiedade contida em seu jeito de falar, respirar e mexer as mãos - aconteceu alguma coisa?
- Bem, a Comandante manda avisar que dar pra trás na missão está fora de cogitação e que os dragõesserãocontroladosdeformadireta - Polly disse, apressada.
Crazy ergueu uma sobrancelha, cético:
- Os dragões serão o quê?
- Controlados.de.forma.direta - Polly disse, pausadamente - você entende.
- Completamente - Crazy disse em tom de assombro - alguma razão em especial?
- Ela diz que é arriscado demais usar a forma padrão, pois temos poucos dragões e não podemos "nos dar ao luxo de perder algum" - Polly respondeu, a prancheta com papéis incluindo dados como fichas de cada dragão e formulários de autorização para liberar as tropas - foi o que ela disse.
- Eu entendo... - Crazy mordeu o lábio inferior - então ela quer uma guerra de verdade.
- O que quer dizer com guerra de verdade, General? - Polly perguntou, em um tom meio medroso, ao que Crazy respondeu delicadamente, tentando não parecer assustador demais:
- Polly, vamos arriscar as nossas vidas diretamente. E desse jeito, Polly, pode haver menos mortes de civis. Mas... vai haver mortes, e elas não serão dos civis. Então quem você acha que morre?
- Nós?
- Exatamente. Pois temos três modos de luta: completamente a distância, meio a distância e diretamente. Costumamos lutar no modo 'meio a distância', então tem um grupo que fica dentro controlando e o grupo que fica fora, agindo diretamente. Mas todos nós vamos agir diretamente, o que aumenta a chance de controle total e assim uma maior eficácia. Mas isso envolve nossas vidas, pois tudo que acontecer com os dragões vai interferir diretamente no nosso desempenho. E se Ophelia for esse monstro que todos falam... Polly, isso significa que se voltarmos para casa, teremos a tropa aniquilada pela metade, provavelmente.
- Pela... metade?
- Pode ir começando a se acostumar com a idéia de perder seus colegas de trabalho - disse Crazy, sorriso cínico no rosto.

Bem, eu criei outro blog [www.pernicie.blogspot.com] e ele, creio, vai pra frente. Eu espero pelo amor de Darwin que colaborou para a teoria da evolução que este blog vá para a frente! E como babei no layout personalizado [que eu peguei de um site e ainda preciso descobrir como se dá os créditos devidos], eu queria um personalizado MEEEESMO pra Três Fadas, de preferência todo preto com um desenho retratando uma Ophelia bem sinistra. Alguém saca um tutorial de XML? Quem sabe, eu consiga fazer um ^^~ Ah sim, e os nomes escolhidos foraaaam... Erevan e Keishara. Eu gostei, gosto não se discute, e mentalizei os dois com esses nomes. Perfeito, mas não exclui os outros nomes, são absolutamente necessários, portanto obrigada mais uma vez, Umrae (Y)

sábado, 14 de março de 2009

Parte 76 - Cuidado com as mulheres perigosas.

Catherine permaneceu quieta. Encarava Ophelia com uma certa tranquilidade no olhar, e preferia assim, observar Ophelia enquanto ela fingia que não conseguia se regenerar.
- O que vai acontecer - Catherine disse, em um tom bem baixinho - se eu conseguir cortar a sua cabeça?
Ophelia a encarou, seu rosto molhado, seus olhos brilhantes.
- Nada demais - ela disse - talvez eu morra.
Elyon não se aguentava de tanta impaciência. Empurrou Catherine para o lado, furiosa e temperamental, a espada rompendo o ar e visando o pescoço nu de Ophelia. Foi bem rápido, devemos admitir.
Mas Ophelia não se defendeu.

Mas a espada não conseguiu.
Elyon fracassou em sentir a Lala que se moveu de forma tão rápida e tão leal.
Catherine abaixou a cabeça, sentindo que seus poderes se duplicavam com a chuva, mas não quis se aproveitar disso. Só queria sentir a água deslizando pela sua pele, pelos fios de seus cabelos, sentir o que lhe pertencia, de alguma forma.
Lala estava ao lado de Ophelia, suas calças rasgadas na altura dos joelhos, sua respiração apressada e ofegante, a espada próxima demais ao pescoço de Ophelia, formando uma barreira para a espada de Elyon.
- M-Mal--
- Não deixarei que faça mal à Ophelia - Lala sussurrou, seus cabelos ainda mais compridos que o normal, pingando água.
Elyon se afastou, sorrindo cinicamente.
- Parece corajosa, criança - Catherine disse, se levantando - quem é você, exatamente?
Lala se levantou, seus olhos parecendo ainda mais ameaçadores, tão sinistros e sinceros.
- Eu me chamo Lallyn Sakamoto - ela respondeu meigamente - e defendo Ophelia.

- Pois bem, Lallyn Sakamoto - desdenhou Elyon - veremos o quão boa você é para defender a sua amada, Ophelia.
Foi um erro fatal, sinceramente.
Que tolice a de Elyon desafiar uma menina que aprendia tão rápido!

Lala era uma pessoa muito fria, talvez.
Ela sempre mediu seus movimentos de forma calculista, e nunca agia por emoção, mesmo que sentisse. Aprendia rápido demais, agia rápido demais. Ela nunca agia porque alguém zombava dela, embora gostasse do gosto de vingança.
Não havia motivo nenhum para lutar com Elyon por sua língua maldosa.
Simplesmente não havia, mas mesmo assim Lala quis respeitar a sua extrema lealdade em relação à Ophelia. Lala golpeou pela direita de forma cega, esquecendo que não podia dar um passo grande demais ou se desequilibraria, pois foi o que aconteceu. Elyon se desviou, deixando Lala se emborrachar no chão.
Catherine riu.
- Não é páreo para nós, menininha - disse Elyon, com repulsa e diversão - ainda quer lutar?
Ophelia deu uma olhadela para Lala, mas não moveu um dedo para ajudá-la. Concentrava-se em suas pernas, que se regeneravam pouco a pouco. Primeiro os ossos apareciam, crescendo, se fortalecendo. Pouco a pouco, em minuto em minuto, os músculos e as artérias e as veias envolviam os ossos, e um envolvia o outro de forma delicada, como uma cirurgia para criar muito delicada. Em alguns poucos minutos, enquanto Lala sofria golpes e mais golpes sucessivos de Elyon e Catherine, pois Lala mal conseguia enxergar os movimentos delicados de Elyon, e ela não conseguia sentir a energia de Catherine porque era grande demais.
Ophelia concluiu sua regeneração com um sutil sorriso, e permaneceu parada, observando a sua escrava e amiga (?) ser ferida consecutivas vezes. Mas Lala nunca desistia nem chorava de raiva ou dor. Ela permanecia serena, mesmo quando Catherine lhe golpeava no abdomên ou quando Elyon soltava uma de suas piadas maldosas.
- Não é covardia duas Musas contra uma pobre garota? - murmurou Ophelia, depois de ficar minutos apreciando a luta, sua voz calma fazendo com que Catherine e Elyon parassem de repente. Lala desabou no chão, sangrando dos pés à cabeça, seus olhos tranquilos e espírito ofegante. A espada continuava segura em sua mão direita, e ela tentava respirar, ignorando os machucados. Cada corte se regenerava rapidamente, mas mesmo assim ela precisava de tempo para conseguir ficar bem.
A dor era simplesmente inacreditável.
Nunca senti tal coisa,
Apertou o braço esquerdo em que Elyon fizera um corte bem sério, quase fraturando o osso. Doeu. Doeu demais.
E eu não posso vencê-las...

Ophelia se levantou.
Elyon sorriu, movendo sua espada para o pescoço de Lala, a menos de um centímetro. Qualquer tremor da mão de Elyon, e Lala teria sua vida realmente ameaçada. Gelou, esquecendo-se de se regenerar completamente, seus olhos vidrados em Ophelia. Se Ophelia ignorasse, se Ophelia desse um passo para a frente, se Ophelia não ligasse realmente...
... Lala, sinto muito, seria o fim ali.
- Está fazendo a minha escrava de refém? - Ophelia perguntou, seus olhos brilhando de antecipação.
- Exatamente - Elyon mexeu a espada mais um pouco, a lâmina encostando na pele do pescoço de Lala sem cortá-la.
A garota de cabelos laranja segurou a respiração.
- Isso é uma estratégia absurdamente suja - Ophelia deu um passo para a frente - não creio que Olga gostaria disso...
Foi em um segundo:
Elyon moveu a espada para trás, esperando encontrar uma carne macia e sentir sangue, de fúria.
- Não fale em Olga! - foi o que Catherine gritou, antes de ser empurrada por algo e encarar Elyon.
A espada de Elyon não cortou nenhum pescoço nem rompeu artérias.
A espada de Elyon encontrou somente o braço de Ophelia, e não o cortara, somente o suficiente para sangrar.
Pois onde estava Lala, estava Ophelia segurando Lala com a mão esquerda e se defendendo com o braço direito. Seu braço direito sangrava absurdamente, Elyon caiu pra trás, em choque.
Ela conseguiu defender meu golpe com o BRAÇO?
Não parecia real.
Realmente não parecia real.

Lala ofegava, tentando se recompor e recuperar a si mesma, mas estava tão ferida, tão atordoada que se perdera.
Ela não conseguia mais se encontrar naquele lugar, e assim perdeu a consciência.
- Agora - Ophelia disse, seu rosto sério e a voz maldosa e divertida - vamos brincar de verdade!

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Gerogie pousou em frente ao palácio, percebendo que o pôr-do-sol já começara.
Cheguei mais cedo do que supus.
Entrou no palácio sem anunciar nada a ninguém, atravessando corredores e sendo evitada pelos criados que procuravam ao máximo ficar longe do caminho dos dragões.
- Gerogie! - exclamou alguém surpreendido, provavelmente uma moça subserviente à Bel, que estava em algum dos corredores.
Gerogie sequer respondeu, firme em sua meta: achar Bel e anunciar sobre o que Umrae falara a respeito de Campinas.
Desceu as escadarias, achando Bel no haras, onde montava cavalos para relaxar.
- Gerogie! - exclamou Bel, contente - que tal?
- Monte tudo o mais rápido possível - anunciou Gerogie.
Bel sorriu.

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Zidaly sentou na cadeira, ansiosa. Perfumara-se bastante, e escolhera um vestido insinuante, com um decote justo e generoso que mostrava a curva dos seios e os aproximava e apertava, fazendo-a parecer uma peituda feito a Pamela Anderson. Penteara seus cabelos, e trançara-os gentilmente, usando uma presilha toda prateada. A saia do seu vestido era longa e discreta, toda azul, mas havia uma fenda no canto direito que ela poderia fazer aparecer sutilmente.
Respirou fundo.

Esperou Crazy por quarenta minutos e nem relaxou a postura. Nunca se deixava relaxar no escritório dele.
Fantasiara mil vezes sobre aquela noite. Sabia que provavelmente seria a última noite em que ela ficaria na base antes de partir para a missão, e queria alguma coisa especial com Crazy. Uma noite com ele, e sobre isso, fantasiou. Na sua imaginação, tudo seria perfeito: Crazy chegaria e logo se deliciaria com seu deslumbrante vestido, e não resistiria aos encantos dela. E os detalhes eram tórridos demais para eu contar aqui, em um endereço sem nenhuma classificação indicativa.

Quando Crazy finalmente abriu a porta, estava irado pelo que Bel tinha lhe contado durante a tarde: como assim Zidaly estava na lista dos recrutados para as Campinas?!
Assim ele teve uma surpresa desagradável.
- Crazy! - exclamou Zidaly, contente - você ficou sabendo que
- O que faz no meu quarto? - a acidez na voz de Crazy era cruel demais.
- Hey, eu tenho uma novidade, eu
Crazy ficou diante de Zidaly, esta sentada na cadeira e fazendo a expressão 'olha como sou sexy'. O problema é que Zidaly fazia esse tipo de coisa extraordinariamente bem e Crazy ficou momentaneamente sem fala. Odiava Zidaly, mas tinha que admitir que ela era atraente demais.
- Crazy,euvoucomvocêparaamissão! - Zidaly gritou, as palavras se atropelando, antes que pudesse ser interrompida.
Crazy abriu a porta do seu quarto, ignorando as palavras de Zidaly.
Fechou a porta atrás de si, tentando se concentrar na missão que tinha agora: preparar a mala e formular uma estratégia, e isso não poderia ser atrapalhado por uma vagabunda qualquer. Não poderia.
- Abra a porta, Crazy! - Zidaly gritou, enfurecida.
Crazy não abriu. Desabou em sua cama, sua mente entorpecida pelas lembranças.
- Abra a porta, droga! - Zidaly continuava.
Crazy encarou o teto, ignorando os gritos.
- Abra a porta ou abro eu mesma e você não vai gostar! - Zidaly deu ultimato decisivo.
Crazy pouco ligou.

Zidaly deu um chute na porta uma, três, sete vezes. Na décima quarta vez que dava o chute, conseguiu fazer a porta cair abaixo e revelar todo o quarto de Crazy, bem simples, aliás. Cama, escrivaninha, criado-mudo, armário, janela com cortina de seda. Era um quarto com algumas coisas diferentes pelo que Zidaly se lembrava, mas ainda assim...
- Você sequer trocou as cortinas - murmurou Zidaly em um tom morto, quase como se sentisse saudade.
- Saia daqui, Zidaly - Crazy o encarou, o desprezo pulsando em cada palavra, em cada letra.
Zidaly ficou ali. Se sentou na beirada da cama, olhando para as cortinas. Não tinha mais aquele apelo sexy que tinha há uns quinze minutos, embora seu vestido fosse provocante demais para deixá-la ter uma impressão delicada de si mesma.
- Você se lembra do dia que escolhemos as cortinas, Crazy? - perguntou Zidaly com um nostálgico sorriso.
- Saia daqui, Zidaly.
- Você se lembra de que você queria as cortinas azuis e eu queria as vermelhas de qualquer jeito? - Zidaly continuou, fixada nas cortinas.
- Por favor, saia daqui.
- E no final, compramos as cortinas brancas. Você as odiava porque elas não tapavam a luz do sol e te acordavam antes da hora que queria... - Zidaly se virou para Crazy, seu sorriso tão sinceramente iluminado, o que fez Crazy ficar calado, com algum tipo de ressentimento.

Quando foi que os dois começaram a se odiar?
Quando foi que Crazy passou a desprezar Zidaly?
Quando foi que Zidaly passou a cair de cama em cama, mesmo que só pensasse em Crazy?
Zidaly não vestia essas roupas, Zidaly não falava dessa maneira tão vulgar, Zidaly não ficava com todo homem que encontrasse.
Zidaly não era tão obcecada em Crazy assim como agora.
Zidaly tinha escrúpulos antigamente.

- Zidaly, saia daqui - pediu Crazy mais uma vez - preciso dormir e você não está deixando. Saia daqui.
A garota se levantou, e saiu. Não disse uma palavra.
Saiu de forma tão silenciosa, exceto pelo pequeno conserto de porta que voltou ao seu estado original com uma pequena ajuda de magia, que Crazy podia jurar que era ilusão.

Crazy desabou, imerso nas lembranças dos dias em que Zidaly era alguém legal.

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Elyon ofegava.
Catherine estava insconsciente.
Ophelia estava de pé, Lala no ombro desacordada.
- Maldita - Elyon dizia, entre as tentativas de respirar direito - maldita.
Ophelia não respondeu.

Não sorria.
Não ria.
E a sua voz não estava mais divertida.

- Me desculpe, Olga - Elyon disse, observando todo o jardim ensanguentado.
Talvez fosse exagero, mas do ponto em que Elyon estava, era sangue para todo o lado. Era sangue dela, de Catherine, de Lala, de Ophelia. Fora simplesmente perfurada em vários lugares do corpo, e seu braço esquerdo estava completamente quebrado, com os ossos fraturados e precisava conter o sangramento absurdo na perna direita, graças a um corte profundo que Ophelia fizera, quase que dividindo a perna em duas, na altura do joelho. Reparou em Catherine que estava em um estado muito pior. Adormecera quando, depois de todos os golpes, Ophelia cortara sua orelha esquerda e a jogara contra o chão várias vezes, tentando massacrar sua cabeça. Não conseguiu, mas na quinta tentativa, Catherine não resistiu e perdeu a consciência.
Respira, pelo menos.
Ophelia estava inteira. Suas pernas inteiramente recuperadas, e não sofrera um único arranhão. Conseguira se proteger e proteger Lala ao mesmo tempo. Parecia um monstro.
Ela deu as costas, segurando uma Lala ferida.
- Me preocuparei com vocês depois - foi tudo o que Ophelia disse antes de voltar ao palácio.
Elyon deitou no chão, tentando se recuperar o mais rápido possível para conseguir cuidar de Catherine.


Ophelia subiu nas escadarias, ignorando todo tipo de criado.
Deitou Lala em uma cama, avaliando seus ferimentos. Teria que chamar alguém para cuidar disso, pois ela mesma não sabia fazer muito bem disso. Pensou se Alicia saberia cuidar, ou Siih. Entregar uma fada às mãos de um Glomb parecia tão... repugnante.
- Glomb! - gritou Ophelia no corredor, chamando um deles todo apressadinho.
- Sim, Majestade? - perguntou um deles antes de ficar chocado pela saia do vestido todo cheio de sangue - m-majestade...
- Chame Ravèh imediatamente - Ophelia mandou, sem querer saber do que o Glomb queria falar.
Voltou ao quarto, onde Lala respirava muito pausadamente.
Logo Ravèh chegou, seus olhos muito astutos.
- O que houve, Majestade? - perguntou Ravèh de forma educada.
- Liberte Alicia e mande-a vir para cá - foi tudo o que Ophelia disse, ao que Ravèh ousou questionar:
- Alicia? Mas ela está sob minha responsabilidade e deve ser entregue à morte.
- Se questionar, o trio inteiro voltará para as minhas mãos - Ophelia disse, também muito educadamente, o que fez Ravèh se calar. Ela saiu, e quinze minutos depois, voltou trazendo Alicia pela orelha e mãos acorrentadas. Jogou-a, fazendo-a cair no chão de joelhos, diante de Ophelia.
- Aí está - Ravèh disse - mais alguma coisa, Majestade?
- Não. Está dispensada.
Ela se retirou.

Alicia ergueu o rosto, mantendo-se impassível.
- Você está imunda - Ophelia disse, com repugnância - vá tomar um banho e volte o mais rápido possível.
Alicia se levantou. Em cerca de vinte minutos, ela estava de volta, trajando avental branco por cima de um vestido rosado simples de mangas curtas, seus cabelos amarrados em um rabo-de-cavalo. Estava descalça e muito séria.
- Cuide de Lala. Essa é a sua obrigação agora e me mantenha informada de qualquer coisa que ocorrer.
Foi tudo o que Ophelia disse.
Foi tudo o que Alicia ouviu.
Foi tudo o que foi preciso para Alicia alterar os rumos da história.

Enfim, chegou. Não que vocês estivessem especialmente empolgados, afinal dei até tempo para que o marasmo chegasse o.o' Enfim, é isso :D