sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Parte 27 - Raveneh escuta segredos

Já se passara uma semana desde que Raveneh estava trabalhando como uma escrava. Já estava se arrependendo: não descobrira nada e odiava
escrever a mesma coisa todos os dias "sem novidades. Estou trabalhando duro aqui sendo escrava do Rei".
Em compensação os servos do Rei tinham boa índole. A cozinheira adorou ter uma ajudante para fazer os fartos banquetes que o Rei preparava.
E Raveneh também adorava inventar pratos maravilhosos como macarronada com temperos especiais que só existiam no jardim real. Mas odiava
ajudar os faxineiros a lavar quartos e banheiros, e também tinha que respirar fundo e contar até dez quando a mandavam levar algo para o Rei
de tanta raiva que sentia dele.
- Raveneh querida - gritou a cozinheira que se chamava Kelly e era muito simpática e gorda - terminou o café da manhã? Precisamos levar isto
a Vossa Majestade!
- "Vossa Majestade", "Vossa Majestade", "Vossa Majestade" - disse Raveneh irritada para si mesma de modo que ninguém a escutou - porque
todos são tão cegos a respeito da "Vossa Majestade"??
E resmungando colocou alguns pedaços de mamão e entregou a bandeja para Kelly.
Kelly saiu balançando seu enorme traseiro, deixando uma Raveneh irritada sozinha. Não é pra menos: Raveneh estava ficando de saco cheio daquela
estúpida missão! Se aturasse mais uma semana, ia acabar desistindo e voltava pra casa. Respirou fundo.
Mas um grito a distraiu. Era um grito apavorada e feminino, um grito agudo. Logo depois viu Kelly invadir a cozinha com uma expressão
apavorada.
- Céus, Kelly, que diabos aconteceu? - pergunta Raveneh com uma voz muito assustada.
- Vossa Majestade... - diz Kelly ofegante - eu... céus, ele mandou eu sair do quarto... Fiquei tão assustada com a expressão dele que deixei
cair a bandeja... Vossa Majestade tinha uma cara tão estranha... E... meu Deus, Maria Santa Mãe de Deus, rezai por mim...
E Kelly começou a rezar ofegante. Estava assustada demais com o que vira, e Raveneh estava bastante curiosa para saber o que Kelly vira.
- Kelly, o que você viu? - pergunta Raveneh sacudindo a cozinheira nos ombros.
Kelly revira os olhos e sussurra:
- Ele... Olhos maus - Kelly começa a chorar - olhos maus e vermelhos! Ele é assassino!
Raveneh largou uma Kelly que soluçava.
Um assassino de olhos maus e vermelhos no quarto do Rei? E o Rei tratou mal a cozinheira, coisa que nunca fazia!!
- Você já o viu, Kelly? Quando? - indaga Raveneh em uma voz muito calma.
- Sim - responde Kelly cabisbaixa, enxugando as lágrimas - faz dez anos que o vi... Quando teve a Primeira Guerra... Quando ele apareceu,
houve o pior tormento sobre o reino...
Kelly estava com a voz bastante fraca, mas Raveneh rapidamente se levantou e saiu da cozinha, indo direto para o quarto do Rei.
Porta fechada.
Encostou o ouvido na porta, tentando escutar qualquer coisa. Nada. Ativou seus dons mágicos... Ahhh... agora sim! Escutava tudo!
- Realmente acha que vamos ter uma guerra? - pergunta uma voz masculina, que Raveneh identifica como voz do Rei.
- Sim - responde uma outra voz. Raveneh imaginava qualquer coisa, mas nunca conseguiria imaginar aquela voz. Era uma voz baixa, sibilante, cruel, fria. Era uma voz de alguém muito mau. E a voz não somente falava, sibilava como uma cobra, o tipo de voz que fazia arrepiar até o Drácula de Transilvânia.
E Raveneh podia sentir que o Rei sentia a mesma coisa que ela em relação ao tom da voz. Muito medo.
- E eu vou liderar o exército - continua a voz fria - eu lidero e avanço pelas Campinas. Tentarei um ataque surpresa.
- Errr... - fala o Rei trêmulo - as fadas protegem as Campinas...
- E as trevas protegem seu Reino - finaliza a voz.
"Mentira" pensa Raveneh irritada "As trevas e a luz sempre estiveram com as Campinas! Sempre!"
E o Rei também pensava do mesmo modo.
- As trevas protegem as Campinas também - fala o Rei um pouco mais decidido - inclusive as fadas das trevas. Elas me odeiam.
- Mentira - replica a segunda voz gélida - quem?
- Aquela Renegada - responde o Rei. Raveneh gela. O Rei conhecia a Renegada? E... Oh, céus! - ela já disse que me odeia. Ela tem vergonha de mim...
- Besteira dela - a segunda voz sibila maldosamente - o que ela pode fazer contra você?
- Muitas coisas, Karl - responde o Rei - ela protege Raveneh o tempo todo. E diz que se eu tentar algo contra as Campinas, ela vai fazer o jogo virar. E de Rei, me tornarei escravo da garota...
Raveneh tomba levemente no chão chocada. A Renegada protegia Raveneh? Pensou na tentativa de sequestro, que todos dizeram que foi a primeira vez que alguém consegue escapar a um sequestro em muito tempo... Só pode ser a proteção que Renegada lhe conferia! E mal imaginava que Renegada fosse uma fada das trevas... Quer dizer, não era exatamente um segredo... mas ela não sabia disso... pensava que era uma menina que achara por acaso na estrada. Epa, será que foi por acaso? Ou será que a Renegada estava ali de propósito, esperando Raveneh?
- Hmpf - resmunga Karl, o nome do dono da voz cruel - atacarei amanhã, antes do amanhecer. O exército avançarão pela floresta e tomarão o navio.
"Tenta!" ri Raveneh pra si mesma. A hipótese de um soldado do Rei tomar o navio da Capitã Biih era algo tão impossivel como inventarem o elixir da imortalidade E sanidade. E todo mundo sabe que isso é impossivel: se alguém quiser se manter imortal, vai ter que aturar um bocado de demência. Ou você tem uma mente sã e é mortal, ou você é imortal e fica o resto da vida cheio de doenças e pereba.
- Faça como achar melhor - fala o Rei bastante exausto. Raveneh escuta passos, e corre para seu quarto. Claro com todo o silêncio para Karl não perceber que alguém estava escutando a voz. Como o quarto era muito escuro, mesmo de manhã, Raveneh acendeu uma vela. E começou a escrever uma longa carta narrando tudo o que escutara. Tudo. E depois de terminar a carta, dobrar-la e selar-la magicamente, pensou se não devia escrever algo pessoal. Pegou outro pergaminho (não tinha papel ofício na época), e começou a rabiscar "Estou bem e morrendo de saudades e mandando beijos para todos, inclusive Rafitcha, Maria, Capitã Biih, Tatiih, Umrae, Fer, Lych, Doceh, Nath e por aí vai" apressadamente. Dobrou, e no verso escreveu somente um "Pessoal - Para todos lerem". Hesitou. Estava faltando alguém. Mais um pergaminho e mais calma.
"Johnny" começou
"Estou morrendo de saudades das Campinas, dos morangos que você dava para mim, das nossas conversas" nisso Raveneh mordeu o lábio inferior, mas decidiu continuar.
"Estou bem, fique tranquilo. O Rei não me reconheceu, e estou fazendo deliciosos pratos na cozinha. Mas devo admitir que isso aqui é meio chato... Sempre tenho vontade de jogar tudo para o alto e voltar para as Campinas - ô vidinha que os empregados levam só pra servir a 'Vossa Majestade'!"
Raveneh escutou berros a chamando.
"Devo terminar aqui, pois tenho importantes afazeres. Só... Bem, você é muito especial na minha vida.
Beijos
Da R."
Dobrou a carta rapidamente e escreveu um "Pessoal - para Johnny" no verso.
Juntou as três cartas, colocou dentro de um envelope e escreveu somente um "R". Foi até a janela, viu uma pomba branca. E com um certo brilho dourado... Entregou o envelope à pomba, que seguiu direto para as Campinas sempre batendo as suas fortes asas.
Raveneh sorriu olhando a pequena faixa brilhante e verde. As Campinas. E atrás via-se a floresta, e depois o mar. E o sol brilhando fracamente.

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