quarta-feira, 28 de maio de 2008

Parte 33 - Quando uma vida nasce [(dor, gemidos, alívio) GO, GO, RAVENEH! XD]

- Ah - Raveneh ofegava. Havia passado duas horas desde que as amigas haviam a deixado sozinha. Haviam dito para ela ficar tranquila e não se debater, que tudo ia ficar bem - Ah (como posso ficar tranquila?) Ah (como?) - as contrações passaram a ser de dez em dez minutos.
Chegou um homem. Ele estava alto, de jaleco branco, o rosto oculto sob uma máscara também branca. Seu cabelo era grisalho e seu olhar não era nem um pouco confortável. Raveneh gelou.
- Vai ficar tudo bem - disse o homem.
Levantou-se tonta, aceitando ser levada. Viu que havia uma mulher do lado de fora. Ergueu a face, eram dois olhos doces. Kitsune!
Ela havia oculto a face debaixo da máscara, e penteara o cabelo de um jeito estranhissímo, mas Raveneh pôde reconhece-la. Sorriu aliviada.
- Doutor - disse Kitsune - não é perigoso um parto de oito meses?
- Ela é metade fada, Patty - explicou o médico - não tem perigo, as fadas podem parir aos oito meses tranquilamente.
- Ah - Kitsune sorriu para Raveneh como que dizendo "vai ficar tudo bem". Raveneh concordou com um aceno de cabeça e andou, as contrações vindo a cada dez minutos.
- Ah - ofegava - Ah - Ah.

Raveneh estava tonta demais, trocando os pés, o corpo pesado. O intervalo diminuiu: cinco minutos. Ainda bem que já estava no quarto, a roupa sendo tirada de baixo sendo retirada às pressas, o vestido mantido. Doía, porque doía?
Conseguiu escutar a voz de Johnny sendo sussurrada no seu ouvido lhe dizendo que tudo ia ficar bem, que não se preocupasse, que as coisas iam melhorar. Conseguiu ver os olhos de Tatiih a lhe tranquilizarem. Conseguiu sentir as mãos de Kitsune apoiando sua cabeça. E alguém, provavelmente o médico, segurava as pernas.
Força, Raveneh
Ofegou. Tentou mais uma vez, empurrando o bebê com força.
Sentiu algo molhar suas pernas.
Vai, vai
Estava doendo demais.
Céus, porque dói tanto?

E essa coisa que me molha?...


Tentou mais uma, forçou de novo, o bebê colaborando com a sua força, se empurrado e sendo empurrado. Nunca sentira dor igual, nunca, nunca.

Era uma dor praticamente indescritível (por isso não tentaria descrever mais aqui, será impossível). Raveneh ofegou.
- Você consegue, Raveneh... você consegue... - de quem era a voz? Johnny? Tatiih? Kitsune? de ela própria? De Catherine?
Sentiu como se conseguisse se apoiar em algo. Não era a cama ou as mãos dos "médicos" (já que eram amigos disfarçados, na verdade), era como se fosse uma alma a lhe segurar.
Catherine.
- ooh - murmurou feliz - está aqui comigo.
Sim, porque agora Raveneh não conseguia viver sem Catherine e vice-versa. E agora podia partilhar seu sofrimento com a outra face de forma completa, integral. Assim não sentiria tanto a dor. E o sangue, o sangue nas pernas, sentia agora o cheiro...
- Você consegue, Raveneh.
Respirou fundo antes de tomar fôlego. O cheiro de sangue a deixava nauseada.
Vai...
- Você consegue! - era a voz de Catherine, a voz que lhe acolhera nos dias e noites mais difíceis.
Viu um sorriso no rosto de alguém que não conseguia identificar.
- A cabeça! A cabeça! - exclamou alguém.
Raveneh nem sentira, só um alívio imediato que não identificara e atribuira a Catherine lhe ajudando...
Sorriu, erguendo o rosto para o céu. Estava difícil, mordeu o pano na boca com toda a força (antigamente - e ainda hoje, sei lá - punham panos na boca quando uma mulher estava em trabalho de parto, assim os gritos seriam abafados. Não sei qual é a explicação exata).
Estava completamente molhada de suor.
Vá logo!
Rezou quase em silêncio, uma oração perdida nas lembranças da infância, ela que nem religião ou deus tinha. A que deus servia? Não sabia mais, só sabia que rezava sem freios, rezava como se o mundo fosse acabar, como se todas as forças existentes se reunissem naquele ventre que tentava empurrar o bebê.
- Está vindo! Ombros! Ombros! - alguém gritou, perdido em extâse.
Raveneh cuspiu o pano, os dentes se chocaram com força e reuniu tudo o que tinha: esperanças, frustrações, sonhos, forças, alegrias e bateu tudo em um liquidificador mental, concentrando tudo no ventre. E de imediato o bebê saiu.
Ficou tonta, amolecida pelo cansaço e alívio.
Viu os rostos felizes, contentes: o bebê era saudável.
Olhou para o teto, escutou o choro tão esperado. Nunca se sentira tão feliz.
- Deixe-me - ouviu Johnny pedir - permita que a mãe segure-o por uns momentos.
O médico não era uma pessoa cruel nem insensível, então não teve problemas em permitir.
- Aqui - Raveneh viu Johnny dizer, bem pertinho - é uma menina, mamãe.
Raveneh se debulhou em lágrimas, de tão feliz que estava. Sentiu o corpo quente, pequeno do bebê. Era uma linda menininha, já tinha o corpo limpo.

Deu de amamentar, feliz, a menininha guti-guti lá feliz da vida.
- Meu bebê... - riu - ela é a nossa menininha, Johnny. Ela é a nossa menininha.
Johnny sorriu.

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- Crazy - era o mesmo homem dos malditos recados - Crazy.
- Argh - Crazy resmungou - de novo. Sabe que tenho vontade de fatiar você em mil partes e dar para o cachorro mais pulguento que encontrar,

certo?
- Ah, certo - o homem sorriu mostrando seus dentes brancos e tortos - só vim lhe avisar que a mulher foi enviada para lhe ajudar.
- Aquela oferecida da Zidaly? - Crazy riu - aquela lá mais diz "eu te amo" que trabalha!
O homem riu, zombeteiro.
- Bem, o chefe mandou você trabalhou com a Zidinha - disse - então vá trabalhar.
- "Zidinha"? - Crazy teve que fazer muita força para não cair na gargalhada - "Zidinha"? Quantas noites ela teve que encarar com você para ser chamada de "Zidinha"? Duas? Cinco? Dez--
- Cala a boca e vá trabalhar!
- Ah-Ah - resmungou Crazy - Ah-Ah! "Vá trabalhar!" Quem tem que mandar trabalhar sou eu, vagabundo! Vá trabalhar em vez de se engraçar com uma moçoila incompetente!
O homem fechou a cara, ao que Crazy riu - magoou, foi?
- Vou virar hippie - resmungou o homem - vou virar emo, vou processar você, vou convocar o sindicato de escurraçados :K vou-me embora daqui.
- É uma decisão muito sábia - Crazy alfinetou mais ainda - e nem precisa voltar!
- Gruuuumpf :K
O homem deu as costas e foi embora, elaborando planos malignos para matar o chefe. Algo envolvendo pauladas na cabeça e sadomasoquismo O.o

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Ophelia resolvera, de uma hora pra outra, viajar para alguns reinos pequenos lá longe. Lala a acompanhara, sendo encantada por Ophelia para conseguir voar (já que Lala não sabia e Ophelia achava isso um absurdo).
- O que fará?
- Veja só... - Ophelia sorriu. Não voava em vassouras, somente trazia Lala nas costas e levitava no ar como se estivesse dando saltos e deslizando entre as nuvens feito uma dessas fadas de contos de fada.
Ophelia pousou em um reino estranho, com montanhas repletas de neve no topo e um céu meio arroxeado, em nuances de lilás. Estavam cercadas de árvores altas, com copas pequenas, folhas minúsculas, amareladas. Lala olhou em volta: não havia uma casa, fumaça de chaminé, castelo, nenhum sinal de existência. Nem mesmo pegadas: era um lugar lindo onde parecia não ter vida.
- Lala - murmurou Ophelia a conduzindo pela estranha floresta - existe uma coisa que você deve aprender.
- Sim? - Lala já estava acostumada com os "você tem que aprender" de Ophelia, quando aprendia várias coisas diferentes que realmente a ajudavam, mas desta vez Ophelia estava com o semblante mais sério que o comum. A conduziu meio que flutuando, correndo, atravessando as árvores, tão veloz que Lala mal conseguia visualizar as árvores direito.
Chegaram em um barranco, abaixo umas casinhas enfileiradas. Eram de madeira, acabadas: deviam ser quantas? Vinte, cinquenta casas? Não sabia definir. Eram barracos miseráveis, onde pessoas de pele seca e enrugada ficavam na frente, comendo a poeira. Lala sentiu aperto ao ver aquelas casas tão miseráveis, em um deserto de areia com um céu lilás, as pessoas tão definhadas, aquelas crianças caladas, os homens rabugentos, as mulheres pálidas. Era um cenário tão triste que Lala quis recuar.
- Não.
Foi a voz de Ophelia, grave e séria. Então Ophelia resolvera agir em prol dos desajustados dos reinos das fadas? Seria a Musa da Caridade? Isso não combinava com ela... de jeito nenhum Lala imaginaria Ophelia ajudando pessoas.
- Venha agora - Ophelia chamou - eu não mostrei essa vila para você para ver o que as fadas estão fazendo. Eu mostrei para você ver o primeiro passo do meu plano... as fadas fizeram um vasto império durante muitos anos. Para tanto, subjugou vários povos. Ninguém se rebelou porque... quem tem força para vencer? Mas agora é diferente. Vou precisar que esses reinos derrotados me apóiem e que me reconheçam como a Rainha do Novo Mundo. Está entendendo aonde quero chegar?
Lala levantou as sobrancelhas, a voz carregada de ironia, um dos cantos do lábio se erguendo:
- E você como boa santa, vai mandar os seus amiguinhos para convocar todo mundo?
Ophelia sorriu, olhando para o céu lilás:
- Sabe, só vence no jogo quem manipula. E sabe, minha querida Lala, é muito importante semear o caos...®

Lala ficou calada, fitando o céu lilás quase azul, seus olhos pensativos.

Nota de Autora: O "®" deve-se que a frase 'é muito importante semear o caos' não é minha. É de Umrae, minha amiga³, portanto não a considere obra minha =)

domingo, 25 de maio de 2008

Parte 32 - Um plano e umas mentiras pra contar.

Rafitcha não alimentara esperanças. Mas o prazo era muito pouco. Como poderiam escapar em uma semana?
- Raveneh... - murmurou - desculpe.
Raveneh sorriu.
- Não se preocupe - disse - eu vou conseguir escapar.
- Eu posso tentar recorrer... - murmurou Rafitcha, tentando persuadir a amiga.
- Eu não vou cumprir a pena de qualquer jeito, vou? - cochichou Raveneh - então pronto.
Rafitcha se levantou, resignada. Ergueu a voz, revoltadissíma.
- Vocês vão matar uma mulher grávida?!
- Não - murmurou Jorge - removeremos o bebê amanhã.
GASP.
- Vocês vão abortar o bebê????! - exclamou Rafitcha escandalizada.
- Claro - Jorge zombou - mas é claro! O bebê vai ser educado na minha casa, não se preocupe.
- Mas nem pagando, eu deixo isso acontecer! - protestou Raveneh - vai tentando, vai!
- Ora ora.

Ninguém soube definir o que acontecera em seguida. Só que em uma questão de cinco minutos, um grupo enorme de soldados entraram, pegaram Raveneh sem nenhuma delicadeza, Bia tentou agir ao que Rafitcha impediu - ela tinha um plano B. E em cinco minutos, o grupo se viu livre. Menos Raveneh que foi jogada em uma prisão imunda, tentando proteger a barriga. Mas não chorou, não esperneou ou gritou. Somente ficou séria, alisando a barriga como se tentasse acalmar o bebê, a personalidade mudando o tempo todo.
Fique tranquila...
A cela era fria. Era fria demais.
Está tudo bem.
E a janela era minúscula, alta demais. O carcereiro parecia cínico e olhava Raveneh com maldade nos olhos.
Vai ficar tudo bem.
Engoliu o choro, começando a analisar a situação.

Era uma cela separada. Era uma cela em uma prisão comum. Estava sozinha na cela, embora houvesse outras celas e com pessoas dentro. Poucas pessoas: mulheres choramingando, homens apáticos, gente sem esperança. Meio-dia, uma hora, quem sabia? Raveneh se encostou no fundo da cela, tentando ignorar os múrmurios e a cela triste, cinzenta, escura, vazia, tentando ignorar as contrações.

- Não... - Rafitcha sussurrou, lágrimas nos olhos - não...
- Rafitcha... - murmurou Johnny - vai estar tudo bem... tudo bem...
- Ela vai parir sozinha... - Tatiih observou tentando manter a cabeça fria - sozinha! O que vão fazer com o bebê?
- Ela pode escapar sozinha - Johnny disse - Catherine consegue fazer isso, e Raveneh não vai resistir a isso. Mas com ela grávida, é outra história...
Todos engoliam o choro, o desespero, ficando com um tremendo nó na garganta. Tentavam raciocinar direito, mas estava difícil.
- Jorge disse que amanhã vão fazer uma cirurgia para remover o bebê, não é isso? - sussurrou Kitsune - e então?
- Como assim? - indagou Rafitcha ainda meio nervosa - não entendi aonde você quer chegar...
- Vai ter médicos, provavelmente, segurando Raveneh - continuou Kitsune - e o bebê vai vir...
- Ahhh... - entendeu Tatiih sorrindo - é isso! Você é genial, Kitsune!
- Só precisamos ficar aqui! - Kitsune riu - e a gente vai ter que saber atuar decentemente, é claro.
Rafitcha sorriu. Voltara a ter esperanças.

Oh oh como o mundo dá voltas
Ontem fui a caça, hoje o caçador
Oh oh o mundo realmente dá voltas, não é?
Mas oh, não se preocupe, minha flor


- Mas teremos que saber o horário... - murmurou Rafitcha - e alguém tem que ficar com Raveneh...
Amai observou os soldados cuidadosamente, o ambiente. Na sua mente se formava uma estratégia, cada pessoa com um papel, as mentiras para serem contadas, as máscaras que iriam ser postas, a adrenalina a todo minuto.
- Veja bem... eu pensei no seguinte - começou.
Todos se aproximaram, tentando parecer conflitantes e tristes para não despertar suspeitas.

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Ophelia ajustava a roupa novamente, meio que irritada.
Odiava decidir.
E odiava sentir fome.
- Ora, vamos! - resmungou Lala mais uma vez - o que quer? Decida de uma vez!
- Argh - Ophelia olhou para a carne que não parecia nada apetitosa (tenho certeza que você também não acharia nada apetitoso comer carne crua de uma anta ._.) e para as maçãs. Malditas maçãs. Porque estava metida em uma área que SÓ TINHA MAÇÃ? Ophelia pensou seriamente em virar emo durante uns dois minutos, mas logo escolheu a carne. Seu estômago desenvolva rejeição absoluta a qualquer coisa que envolvesse maçã. Até bala de maçã verde.
- Boa escolha - Lala sorriu - olha só, vamos assar essa carne, oks?
- Ah. Certo - Ophelia contorceu o nariz para a carne crua. Certo que ela já comera muita carne crua na vida, mas ela não achava atraente ._."
Lala acendeu o fogo, assou a carne, cortou-a em pedaços, resgatou algumas ervas e temperou a carne. Pronto. Feito.
- Toma, ó, menina enjoada - Lala ofereceu a carne - pronto, está assada e temperada.
Ophelia comeu o primeiro pedaço. Sorriu sutilmente.
- Você é uma excelente cozinheira, sabia, Lala? - disse com aquele sorriso sutil, meio orgulhoso.
Lala ficou lisongeada.
- Oh, sério?
- Não. Eu estou sentindo vontade de vomitar com isso aqui - Ophelia disse desfazendo o sorriso, ao que Lala quase chorou frustrada.
Mas na verdade a carne nem estava tão ruim, e dava pra engolir numa boa. Ophelia só estava provocando a amiga.

Três horas da tarde. Agora não estava mais tanto calor, somente aquele tipo de calor que as pessoas gostam, que conforta e aquece, mas sem queimar.
A floresta era confortável, o cheiro impregnado em cada árvore era bom de se sentir.
- Ophelia... - sussurrou Lala.
- Sim?
- Diz a história que a sua mãe era a que mais estimulava seus poderes - começou Lala timidamente - como sua mãe era?
- Uma babaca frustrada. - respondeu Ophelia. Lala reparou que a sua face se endurecera com a lembrança da mãe, mas não falou nada a respeito - ela sempre disse que eu deveria matar as Musas. Ela abusava dos meus poderes para ela ser a Rainha... nunca vou me esquecer da tortura que era conviver com ela...
- Mas diziam que você era muito apegada à sua mãe - observou Lala.
Ophelia reprimiu o riso, seus olhos tristes.
- Eu era - murmurou - eu a tratava como a mais bela das deusas, quando era só uma mulher mesquinha. De todos os irmãos que tive, não me lembro de nenhum, somente da mais velha. Eu bem queria saber o que houve com ela... era a que mais cuidava de mim.
- Ophelia... você realmente odeia as Musas? - perguntou Lala. Nunca conhecera Ophelia tão a fundo, coisa que muitos matariam para conhecer.
- Não - Ophelia sorriu - eu não quero mata-las. Lutar com elas é suicídio. Só o que eu quero é este mundo todo meu... esse império controlado por mim. Demônios, fadas, humanos, elfos... todos esses reinos por aí... todos eles serão meus. Eu serei a Rainha.
Lala sorriu.
- E você será a princesa de tudo isso, viu? - Ophelia olhou para o céu, todo azul. Final de verão - você vai estar ao meu lado quando eu dominar tudo.
Lala deixou de sorrir. Será que o plano de Ophelia realmente se concretizaria? Será que um dia continuaria sendo tão amiga de Ophelia? Como podia esquecer dos ferimentos causados na primeira luta? Porque Ophelia se esquecera da primeira luta? Porque havia tantas marcas carregadas na infância que perduram por toda a vida?

Lala fechou os olhos, tentando relembrar a infância.
Desde pequena fora treinada para a guerra, sabendo lutar e armar estratégias. Quando cresceu, não sabia fazer outra coisa do que se envolver com criminosos de guerra, trabalhar no submundo para o governo. Não lembrava de uma mãe cruel, de um pai ausente, de uma família que odiava. Tivera uma vida feliz, ao contrário de Ophelia.
Dormiu.

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Raveneh contava os minutos entre as contrações. A cada vinte minutos, vinha uma nova contração. Agora.

- Jorge! - chamou Rafitcha preocupada - Jorge!
Jorge se virou cínico.
- O que quer? - perguntou - apelar?
Rafitcha engoliu os xingamentos que queria soltar e somente perguntou friamente:
- Que horas vão fazer o parto de Raveneh? E o bebê? Nós queremos o bebê.
- O que isso lhe importa? - Jorge retrucou - Raveneh vai morrer, e nós ficaremos com o bebê.
- Dê uma segunda opinião - Rafitcha disse maldosamente - sabe, a espada da nossa querida Bia deseja ver um pouco de sangue...
Jorge se virou, vendo a lâmina beeeeem afiada da Bia e, claro, seu olhar muito maligno que só Bia sabia ter. Engoliu em seco e disse:
- Vamos fazer daqui a três horas - admitiu Jorge - vocês podem ficar em frente à sala, no quinto corredor logo ali. A gente entregará o bebê a vocês.
- Não ouse fazer diferente, está bem? - murmurou Rafitcha - no mínimo você vai ser capado.
Jorge gelou.

- Vamos - Rafitcha disse - agora!
Chegaram ao quinto corredor sem muita dificuldade. A sala estava vazia, e estava na cara que era uma sala de operação, a mesa repleta de facas, bisturis e afins, a cama com lençóis brancos, a fraca iluminação.
- Cadê os médicos? - indagou Tatiih - vamos precisar deles...
- Eu escuto murmúrios - disse Bia - tem roupas.
- Oba! - festejou Tatiih - tem três uniformes de médicos aqui. Quem os usará?
- Eu não posso - disse Rafitcha - vão me reconhecer facilmente. Nem Bia, pois ela é a nossa defesa.
- Johnny tem que ir pra acalmar Raveneh - lembrou Amai - tia, acho melhor você ir também.
Tatiih deu um uniforme a Johnny, outro à Kitsune. Era somente um jaleco, com uma máscara e touca.
- Sobrou um - murmurou Rafitcha - Tatiih, você fica com ele. Amai e Bia, venham comigo. A gente vai buscar Raveneh.
- Sim! - concordaram as duas.
Tatiih vestiu o jaleco.

Rafitcha, Amai e Bia saíram para o corredor novamente. Viram Jorge entrando no corredor, Rafitcha foi atrás dele.
- O que é agora? - indagou Jorge irritado.
- Podemos falar com Raveneh na cela? - perguntou Rafitcha tentando usar a expressão mais meiga que podia ter - por favor.
- Err... - Jorge hesitou. Ele era arrogante e astuto, mas não era páreo para Rafitcha em termos de esperteza. E como havia outras preocupações muito importantes (como favorecer cada jurado por ter votado na culpa de Raveneh), acabou deixando. E nem notou o sorriso de vitória no rosto de Rafitcha.

- Por aqui.
Raveneh já dormia, tentando esquecer as contrações a cada vinte minutos.
Acordou despertada por uma garota de cabelos negros, olhos amáveis.
- Raveneh! - cochichava Rafitcha - Raveneh!
- Ah - Raveneh murmurou com a voz sonoleta - oi. Hã.
Amai sorriu. Raveneh estava bem.
- Vão tirar seu bebê daqui a três horas - contou Amai - mas fique tranquila.
- Como? - sussurrou Raveneh sem conseguir gritar. Nem queria.
- Vamos ajudar você a fugir daqui, entendeu? Mas não se debata na hora de ir, estamos lá - sussurrou Bia - por favor.
Raveneh concordou, tonta. Não tinha idéia do plano, só sabia que queria dormir e só dormir. Para todo o sempre, com certeza.

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- Mamãe! Mamãe! - exclamou um garoto de dez anos, talvez, de cabelos loiros - mamãe!
- Wow - Maria sorriu - meu anjo, se divertiu?
- Aqui é um lugar maravilhoso, mãe! - disse o garotinho, contente - mil vezes melhor que aquela escola chata!
- Ora, querido - Maria riu - "aquela escola chata" é o lugar onde você é educado!
- Hmpf - o garoto reprimiu um sorriso de desdém.
Maria sorriu. Estavam dentro de um abrigo subterrâneo, ia ficar doente por falta de sol provavelmente. Abraçou o filho mais uma vez, bem forte, temendo um dia perdê-lo. Não vou perde-lo pensava não o perderei, não por causa de Ophelia, não vou perder o meu filho nessa guerra...
Seus lábios tremeram de medo. Lembrou da reunião, da decisão de pôr a vida da Majestade das Fadas em risco. Pensou nas vidas que se perderiam, pensou nos dados que soubera da primeira guerra.

Deitou-se na cama, exausta. Estava ansiosa demais, e ao mesmo tempo que esperava que Ophelia viesse e acabar logo com essa ansiedade toda, torcia por que ela prolongasse ao máximo os ataques.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Parte 31 - A batalha entre Rafitcha e Jorge (um capítulo decisivo por uma escritora insegura)

- Aberta a sessão - disse o juiz, um homem de olhos pequenos e hálito que lembrava podridão.
- Acusada Raveneh Liptene, atualmente Raveneh Likara, de assassinato. A vítima chama-se Kathie Liptene, 52 anos no ano em que foi assassinada, no dia 12 de dezembro no ano da cerejeira, ingerindo sete gotas do remédio iijuppa, sendo que o máximo são quatro gotas e bla bla bla.
Raveneh suspirou.
- A senhorita se declara inocente ou culpada? - perguntou o juiz, lá no alto do pedestal, em sua pose arrogante.
- Inocente, é claro - riu Raveneh.
- Fique séria - repreendeu Rafitcha, ao que Raveneh resmungou qualquer coisa.
- Pois bem, começarei... - Jorge riu com aquele riso sarcástico e sinistro que todos odiavam - essa loirinha de olhos azuis, inocente, um poço de doçura, inocência e candura... essa garota matou a própria mãe a sangue frio!
- Ooooooh!
Jornalistas escreviam pausadamente: a notícia não era quente, e os jornalistas haviam acordado de mau humor.
- Este remédio é um composto derivado de uma bebida índigena e é extremamente nociva em doses altas. Bem, Kathie Liptene sofria de úlcera e enxaqueca, e esse remédio servia para esquecer todas as dores. Quatro gotas a cada seis horas é o ideal. Mas esta garota, psicopata, doida e totalmente cruel... esta garota se aproveitou da velhice e ofereceu sete gotas de uma vez. Três gotas a mais causaram doses absurdas e causou a morte de Kathie Liptene. Vocês vão argumentar com a estúpida idéia de que foi um acidente? Investigamos esse caso durante dois anos para concluir que foi um homicídio proposital, sabe.
Rafitcha engoliu em seco. Nunca se deparara com um caso tão difícil.

- Raveneh - sussurrou olhando Jorge discursar freneticamente em frente ao júri - você não tem escapatória. Sabe disso, certo?
- Então o que sugere que eu faça? - perguntou Raveneh preocupada, os lábios tremendo.
- Sem o argumento de acidente ou defesa legítima... - Rafitcha hesitou antes de continuar - me permita machucar seu orgulho e usar a sua dupla personalidade?
- Mas--
- Por favor.
Raveneh quase chorou. Não queria isso, não queria.
- Ou é o orgulho ou a vida - murmurou Rafitcha - por favor.
- Está bem - Catherine murmurou - eu ajudo Raveneh.
Catherine engoliu em seco, contendo as lágrimas.
- Obrigada... obrigada...

- Com a palavra, a defesa - disse o juiz.
- Não serei a mais exemplar advogada - começou Rafitcha. Estudara isso durante anos e anos a fio, e sabia perfeitamente que não é a melhor maneira de se defender alguém - nem usarei o argumento de acidente ou legítima defesa. Eu não sou tola. - Rafitcha estava ansiosa demais, e a ansiedade lhe embaraçava os neurônios - minha cliente sempre foi humilhada durante os dezessete anos que conviveu com a "mãe". Ela era maltratada, tida como a pior filha de todos, sendo ignorada e abusada. Vocês condenariam uma garota que não teve escapatória? Vocês inocentariam uma mulher perversa que só fez machucar uma criança durante dezessete anos? O que vocês fariam? Vocês continuariam sendo tão "humanos"? Humanos! - contorceu a cara de nojo. Via cada par de olhos, desprezíveis, infelizes, hipócritas.
- Não estamos julgando Kathie Liptene aqui - advertiu Jorge, ao que Rafitcha retrucou:
- Mas estou defendendo Raveneh Likara. Ou você prefere que eu fale sobre como você tentou infringir o Artigo 7º da Lei Protetora?
- Ah sim. E a sua amiguinha acabou com cinco homens. - replicou Jorge de imediato.
Bia resmungou:
- Foram só quatros e foi pouco :k
- Cala a boca - murmurou Amai, quase rindo.
Bia sorriu.
- Bia se defendeu - Rafitcha tentava respirar, não querendo parar pra pensar na enroscada que se metera - vocês foram lá querendo tomar Raveneh! Tentaram infringir uma lei deste país! Vocês ficam nessa enrolação e querem levar Raveneh para a morte porque - respirou fundo. Quer saber? Dane-se as dicas dos professores e todos os livros que lera. Se o julgamento virou circo, Rafitcha então iria ser a domadora de leões! - porque vocês ficam nesse preconceito idiota, nesse medo irracional de seres mágicos. Vocês acham que fadas são aberrações, e discriminam Raveneh só porque ela é filha bastarda de um casamento infeliz que gerou crianças idiotas, babacas e psicopatas!
- Bah! - cortou Jorge - ela matou minha mãe!
- E ajudou a salvar a minha vida, além de várias pessoas, quando foi espiã! - contra-argumentou Rafitcha - e você está levando pro lado pessoal! Porque uma espécie deve ser considerada inferior?
- Ahmeudeus - murmurou um dos jurados - ela vai usar o papo das espécies? ;__;
Raveneh sorriu. Agora era tudo uma grande brincadeira!
- Então você pretende julgar a vida inteira de Raveneh! - zombou Jorge.
- Claro! Se isso servir para inocentar Raveneh!
- Então acha que pode ganhar? Sua vadia fracassada!
- Protesto! - reclamou Rafitcha - está ofendendo e apelando pro pessoal!
- Negado. Continue, Jorge - disse o juiz adorando o barraco.
Rafitcha respirou fundo.
- Então, desmiolado estúpido - testou Rafitcha avaliando tudo.
- Protesto, Merítissimo!
- Concedido. Rafaela Brito, meça suas palavras ù.ú
- HAH! - Rafitcha nunca se sentiu tão revoltada na vida - o que você faz, Jorge, para ganhar seus casos? Suborna esses homens como? Com dinheiro? Com favores? Com o corpo? Com o quê, me responde?
Jorge ficou feito pimentão.
- Eu sou casado - disse muito firme.
- A carapuça serviu, Jorge? - riu Rafitcha ao ver que a maior parte dos jurados e o juiz estavam vermelhos como tomates maduros - eu sabia. Vocês são todos nojentos, serem tão corruptos... e vocês ainda querem condenar uma mulher casada, grávida, de respeito! Porquê? Por um assassinato! Eu não estou tentando minimizar o crime, mas vamos avaliar: imagine, Merítissimo... imagine se você fosse torturado dia a dia pela própria mãe e irmãos? Imagine se sussurrassem que você é imprestável todos os dias? Imaginem, vocês todos, em sofrerem tentativas de assassinato todos os dias? O que vocês fariam? Aceitariam?
- Ah. Qual é a prova? - Jorge recuperou a compostura.
- Posso chamar a ré, Merítissimo?
- Pedido aceito.
Raveneh se levantou trêmula, indo até o meio do tribunal.
- Fique tranquila, está bem? - murmurou Rafitcha - deixe isso com Catherine.
Raveneh se sentiu temerosa, mas algo dentro dela lhe dizia que tudo ia ficar bem. Bastava entregar a si mesma.
- Tá - disse Jorge - marcas de agressão? Oh, ela está viva e saudável, e nem ficou doida! Cadê os danos desse "abusos de um casamento infeliz que gerou crianças idiotas, babacas e psicopatas"? o.O
- Os traumas foram tão absurdos que Raveneh procurou uma saída desde pequena - começou Rafitcha de forma sombria - mas a fuga não foi se revoltar quando criança ou fugir de casa. Não tinha como e a família fazia praticamente uma lavagem cerebral, então Raveneh acabou por ter a personalidade dividida. Um personagem foi criado dentro de Raveneh. Um personagem feminino, mais madura, mais bonita, mais inteligente. Não por acaso, a personalidade era como uma Catherine melhorada. Para quem não sabe, Catherine foi a irmã de Raveneh, a mais cruel entre todas e a que infligiu mais dores à irmã. Essa divisão de personalidade só aparecia quando era maltratada, portanto Raveneh não tem lembranças da triste vida que viveu. Ao contrário de Catherine. E esse problema voltou, mas Raveneh fez terapia o que fez as duas personalidades quase se unirem. Elas já não são mais opostas.
- Tá. Ela sarou disso. Mas e aí? - fez Jorge.
- Mas a divisão ainda existe.
- Bom dia, Jorge - Catherine riu.
Seria muito fácil para Jorge dizer que era um teatro, uma farsa. Mas ao sentir o olhar penetrante de Raveneh, que na verdade era Catherine, soube os traumas que ajudou a causar. Apesar de não conseguir dizer que era tudo mentira, não se abalou: ele tinha um temperamento psicopata e o preconceito, a obsessão pelo poder, o vício em machucar as pessoas falavam mais alto.
- Sabe - todos sabiam que era outra voz, outra personalidade, outro olhar - eu fiquei muito triste quando mamãezinha morreu. Ela era tão boazinha, me mandando pro cantinho da disciplina e tentando me afogar, sabe...?
Catherine ironizara legal.
- Oks - Jorge disse - eu acredito na dupla personalidade, não precisa de médico pra isso. E daí? Continue!

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- E como anda? - uma mulher perguntou.
- Pelas barbas de Merlin! - esbravejou Crazy - estou trabalhando!
A mulher riu. Ela era bem sedutora, os cabelos negros e a roupa toda colada no corpo.
- Ora ora - sussurrou a mulher - eu não estou atrapalhando... só fui enviada para garantir que você não faça nenhuma besteira. Continua anti-social.
- Obviamente - respondeu Crazy cínico - agora cala a boca, que quero ver se Raveneh vai ser condenada ou inocentada.
- Opa! Você torce para quê...?
- Inocente, lógico - murmurou Crazy - mas eles vão sair vivos de qualquer jeito.
- Ora ora - a mulher sussurrou novamente com desdém - não parecem que são capazes de escapar.
- Aí que você se engana - riu Crazy - e depois eu vou ajuda-los ^^
- Oh, meu caridoso Crazy - a mulher sorriu - você sabe que eu te amo, né?
- Oh sim - Crazy resmungou.
A mulher piscou o olhar inocentemente.

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Estava perto de meio-dia, calor infernal (finalzinho de verão, lembrem-se!), flores coloridas e um bando de gente com sacos e sacos nas costas, fugindo da Rainha dos Demônios. Pombas.
O abrigo era bonito. Foi contruído pouco antes da primeira guerra de Ophelia, por pura magia (dizem que foi necessário cento e sete magos; cinquenta e nove fadas e oitenta elfos para construírem o abrigo em menos de um mês. Dizem também que vários morreram de exaustão) e era confortável, além de ter boa iluminação e etc.
Tinha espaço pra todo mundo.
- Aqui vai ficar a ala dos soldados - disse Umrae - os soldados ficam aqui. Todos que vão lutar ficam por aqui, é perto da entrada.
- Ai ai - murmurou Kibii - parei meu treinamento por isso ;_;
- Pelo menos não morre dormindo - retrucou Fer.
- Hmpf.
Nath e Yohana ofegavam.
- Aah - Nath murmurou - foi difícil, mas trouxemos o mais importante!
- Sim! - Yohana riu - ah, esse lugar é tão legal... nem vou voltar a cantar *-*
- Wow - riu Nath - mas você não tem que obedecer contrato, sei lá?
Yohana deu de ombros.
- Não - disse - eu sou completamente independente e a minha publicidade não se paga. Eu só sinto falta de Pinkê, mas acho que ele morreu ;_;
- Pinkê?
- Meu porquinho cor-de-rosa de estimação ;_;
- Ah - Nath fez - quem estava no seu camarim?
- Vê que estava cuidando das coisas - respondeu Yohana - será que ela pegou Pinkê? *.*
- Ah-Ah - suspirou.

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- Canalha - murmurou Johnny.
- Oh - Raveneh franziu as sobrancelhas.
- Houve algo, Raveneh? - perguntou Rafitcha preocupada.
- Não... - Raveneh bebeu mais um gole - o bebê só se mexeu...
Rafitcha sorriu.
- Bem, concluo a defesa - que defesa horrível. Seus pais a deserdariam se visse você defendendo uma cliente deste jeito! - e agora?
- E agora o júri vai decidir *o* - disse o juiz ansioso por ver mais uma execução. Fazia tempo que isso não acontecia, e o juiz é uma daquelas pessoas que sentem orgasmos ao ver sangue derramado sobre o chão. E sangue inocente, de preferência.

- Ah - a pontada veio novamente. Aquela sensação... oh meu deusohmeudeus, issonãopodeestaracontecendo!
- Raveneh?
Ela não respondeu, não sabia se ficava feliz ou triste.
- Contrações - respondeu Catherine - contrações... eu sinto...
- Oh-My-God - balbuciou Rafitcha - não pode ser... Merda, mas não deu nove meses...
- Não sei - Raveneh estava chorando. Ou seria Catherine? Não dava mais para diferenciar as duas, elas haviam se unido.
- O que houve, posso saber? - perguntou o juiz, muito antipático.
- Nada, Merítissimo - respondeu Rafitcha - a minha cliente precisa esperar nesse banco ou ela pode ficar lá?
- Pode ficar lá... já vai ser condenada mesmo... - o juiz crispou os lábios, demonstrando desprezo.
Raveneh se levantou com um pouco de dificuldade, os cabelos jogados em cima do rosto, a barriga absolutamente enoooorme.
Johnny não sabia o que fazer quando soube das contrações: devia gritar "mulher pariiiiiindo" bem alto? devia ficar calado? devia fazer o quê? maldita hora que não pedi conselhos pro meu pai ou qualquer um! ;_;

Passou-se segundos, minutos, horas. As contrações indo e voltando, o intervalo entre elas encurtando, Raveneh estava tonta, Johnny preocupado, todos tensos. Todos ansiosos pelo veredicto, todos odiando aquele lugar, os jurados sumidos, o juiz se abanando. Blu blu blu bla bla bla.
Ansiedade.
Nervosismo.
Dor.
Alegria. Ou não.

- Decidimos - diz um jurado.
- A ré queira se levantar - disse o juiz.
Raveneh se levanta com uma certa dificuldade, ofegando.
Um minuto de suspense.
- E aí? - o juiz perguntou.
O jurado sequer respirou fundo, somente respondeu:
- Culpada. Vai ser enforcada na próxima semana.

N.A.: nunca imaginei que escrever sobre um julgamento fosse tão chato ._. Nem explorei muito a questão da dupla personalidade no julgamento, mas acho que numa escala de 0 a 10, esse capítulo tá uns 6.9. Acho ;__;

Espero que vocês gostem x.x'

terça-feira, 20 de maio de 2008

Parte 30 - Algumas decisões.

- Estou com medo - admitiu Raveneh.
Johnny a abraçou, um sorriso forçado no rosto.
Kitsune trancava as portas, cuidadosamente, deixando lá dentro somente as coisas que poderia deixar pra trás: sentia medo de não poder voltar mais a esta casa onde vivera durante os últimos anos.
- Vai dar tudo certo - Rafitcha disse - vai dar tudo certo.
- Você tem esperanças de ganhar o julgamento? - Kitsune perguntou, a voz soando quase incrédula.
Rafitcha hesitou antes de dizer a verdade:
- Não. Jorge é sujo demais.

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Umrae estava preocupada demais contando os venenos de dano, soníferos, paralisantes, cimitarras, katanas, bestas, arcos, flechas, espadas comuns, lanças e outras coisas de guerra.
- Bom dia, Umrae - cumprimentara Ly - como vai?
- Bem - respondeu Umrae secamente.
- Heh - Ly murmurou - muito difícil o trabalho aí?
- Sim - Umrae respondeu - você não devia estar treinando a pequena tropa?
- Vão perder de qualquer forma - Ly disse friamente - aquele exército de nada vai adiantar contra demônios. Eu me sinto culpado por treinar pessoas de forma tão inútil.
- Pelo menos as armas são de prata - Umrae tentou consolar.
Ly mordeu o lábio inferior de apreensão.
- Sim... pelo menos.
Maria estava por perto, toda apressada, envolta em um manto em vários tons de azul.
- Umrae - sussurrou - sem enrolação, venho lhe dizer que pensei muito e você foi promovida a Capitã.
CRAS.
Umrae deixou cair um frasco de sonífero no chão, o líquido se derramando no chão.
- A o quê?
- Capitã - respondeu Umrae - agora você irá dividir suas responsabilidades com Ly. E vice-versa.
- Maria... - murmurou Ly - então não serei mais sozinho nas minhas obrigações?
- Exato - Maria continuou - vocês dois tem a carta branca para fazerem o que quiserem.
- Como assim? - disseram Ly e Umrae em uníssono.
- O que quiser - Maria repetiu - a estratégia militar, medidas de evacuamento, táticas de ataque, tudo vai ser determinado por vocês dois.
- Oh My God - murmurou Umrae pasma - então sou livre para fazer o que quiser a respeito de Ophelia.
- Exatamente - respondeu Maria - agora vou indo, tenho reunião com as fadas. Tchau.
- Tchau... - Ly se espantara também.
Maria dera as costas, Umrae pegara um pano para limpar o sonífero no chão.
- Então... Capitã Umrae, qual será a sua primeira medida? - perguntou Ly.
Umrae mordeu o lábio inferior: não conseguia definir o que sentia... se era apreensão, medo ou simplesmente a mais pura euforia.
- Ly... - começou - ainda tem aquele abrigo construído há anos e anos?
- O abrigo subterrâneo? - disse Ly intrigado - sim, embora seja inutilizado...
- Pois comece uma campanha de evacuação agora - Umrae disse - todo mundo deve ser mandado para lá. Depois separamos os que vão lutar e os que não vão...
- Aquele abrigo é enorme - Ly disse ainda mais curioso - você acha que a situação vai ser como a lenda?
- Aquele abrigo foi construído na primeira guerra provocada por Ophelia - vociferou Umrae - os poucos sobreviventes que restaram aqui nas Campinas só sobreviveram porque estavam no abrigo. Não vai ser diferente agora.
- Sim, Capitã - Ly sorriu - então é um plano para mudarmos tudo pra lá. Comece você também.
- Sim - Umrae disse.
Em cinco minutos, as caixas já estavam abertas para guardar os frascos que iriam ser guardados no abrigo. Em cinco minutos, todos nas Campinas guardavam suas roupas, armas, utensílios. E os que tinham poucas coisas se preocuparam com as coisas das pessoas que viajaram como Johnny, Rafitcha ou Raveneh, então arrumaram também as coisas que estes deixaram para trás.
Era um plano de emergência, em que todos se preparavam para partir.

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- Tem certeza que está bem, Majestade? - Dahes perguntou.
- Sim - respondeu Siih.
O vestido era belo, com aqueles detalhes em azul que a faziam parecer uma rainha da neve. As mangas justas que chegavam até o punho, o corpete ricamente bordado, repleto de pedrarias, as milhares de camadas de seda na saia do vestido, o cabelo quase negro trançado cuidadosamente, a tiara de prata dando o seu brilho.
- Vai ser uma reunião chata - argumentou Dahes preocupado com a rainha que aprendera a gostar - não precisa ir.
- Eu vou - disse Siih categoricamente - não se preocupe comigo, querido.
Dificilmente se encontraria uma rainha tão bela quando ela. Seus olhos eram sorridentes, a sua pele brilhando de tanta emoção. Mas ainda assim seu espírito parecia preocupado. Percorreu os corredores sendo acompanhado de Dahes que a toda hora fazia uma reverência para toda pessoa que passava, até chegar em uma enorme porta de madeira. Empurrou a porta com força.
O salão era fascinante: todo amplo, uma mesa de madeira formando um semicírculo. O chão espelhado, o lustre dourado no teto, as janelas revelando os jardins fantásticos, os vitrais no alto. E atrás da enorme mesa, várias pessoas: todas elas seres mágicos, vestidos pomposamente e ares arrogantes. No centro, Lefi cercado de nove cadeiras: quatro cadeiras no lado direito, cinco no lado esquerdo.
- Irmã! - cumprimentou Lefi com alegria - venha! - apontou a cadeira ao lado direito - venha!
- Oh não seja tão informal, irmão - disse Siih corando - estamos em uma reunião importante!
- Quem se importa com isso? - Lefi riu.
Siih deu a mão para Dahes que a acompanhou: em seguida ela subiu o pé direito, como se fosse subir uma escada. E seguiu com o pé esquerdo, sempre subindo uma escada. Mas não havia escada nenhuma, só se ela fosse invisível. Assim Siih caminhou no meio do ar, como se houvesse um tapete invisível sob seus pés, levando Dahes. Sentou-se ao lado de Lefi, deixando Dahes atrás de si.

Mal Siih se sentou, a porta se abriu com rompantes revelando três garotas: uma de cabelos negros e um olhar maldoso, a outra com seu ar sempre étero e os cabelos que chegavam a causar profunda inveja de tão sedosos e a terceira garota usava tranças no cabelo, a roupa negra e marrom.
- Miih, Loveh e Elyon - sussurrou Lefi - Trevas, Ventos e Submundo.
- Sejam bem-vindas - Siih disse em voz alta, sua voz ecoando em todo o canto do salão.
- Oh-Oh - Miih estava diante da mesa, tendo que erguer os olhos para enxergar os rostos atrás da mesa - então você é a Rainha das Fadas? Jovem demais.
- Eu sou Rainha há mais de dois anos - murmurou Siih secamente.
- Pior ainda! - zombou Miih - era ainda mais jovem quando assumiu o cargo.
Siih engoliu em seco.
- Por favor, sente-se - pediu Lefi apartando o sarcasmo - Loveh aí, Miih ao seu lado. Elyon, pode sentar aí.
Ao contrário de Siih que simplesmente levitou até o lugar, elas preferiram subir na mesa com grande leveza.
- Cadê as outras? - perguntou Lefi.
- Não sei - respondeu Elyon secamente.
Logo depois chegou Maria que ao contrário de todo mundo, resolveu usar uma das entradas da mesa para chegar ao seu lugar.

Eu poderia passar horas discorrendo sobre o modo de como cada Musa chegou, mas seria muito saco pra vocês e creio que vocês estão ansiosos para saber como é que vai ser o fim dessa história que parece não ter fim.
- Bem - começou Siih - está aberta a sessão. 5ª Reunião Extraordinária. Eu sou a Rainha das Fadas e todos vocês, excluindo as Musas e Maria Jhujhu, obedecem às minhas ordens. Estamos diante de um caso difícil em que há duzentos anos atrás, provocou a mesma preocupação, apreensão e a 3ª Reunião Extraordinária: e este problema tem um nome, e este nome é Ophelia.
- Ophelia é uma das Musas - continuou séria - nasceu há duzento e dez anos, e tinha um poder absurdamente enorme² logo na infância que fez todos se assustarem. Mas era só uma criança, e foi abusada pela mãe, esta uma mulher inescrupulosa que queria o poder absoluto. A família de Ophelia constava de oito irmãos, três primos, uma tia viúva, a mãe e o pai. Quando a mãe iniciou seus planos de ser a Rainha do Novo Mundo se aproveitando dos poderes da quarta filha, de dez anos na época, a guerra se iniciou. As, na época, oito musas revidaram. A guerra durou um ano inteiro e suas consequências foram trágicas: a família de Ophelia se reduziu a mãe e a irmã mais velha, desaparecida. Só na capital, havia cerca de dois milhões de habitantes. Depois da guerra, o número se reduziu a apenas quinhentos habitantes. Nas Campinas, a maioria se refugiu no abrigo subterrâneo, de modo que a maioria sobreviveu. Aproximadamente duzentas pessoas ficaram na superfície para lutarem. Dessas duzentas, sobreviveram em "perfeito" estado quarenta e duas pessoas. Esses são somente alguns números. Esses são somente alguns números, é claro. Não está contabilizado o número de mortos, feridos e sobreviventes em todo o Império e reinos próximos. E não devemos esquecer que uma das Musas, Olga, perdeu a vida.
Todos ficaram calados. Estavam apreensivos, relembrando as músicas tristes, os cemitérios. E isso acontecera há duzento anos... Para nós, pode parecer muita coisa. Mas uma fada vive em média cento e cinquenta anos, e os humanos que vivem entre as fadas também. Então era como se tivesse acontecido há apenas dez anos. Todos os reinos conseguiram se reconstruir, mas todos estavam medrosos de que a dose se repetisse... ainda hoje havia famílias dilaceradas pela guerra, crianças órfãs criaram seus filhos em meio ao sofrimento e outros tantos efeitos colaterais terríveis que uma guerra pode trazer.

Siih ainda se lembrava... a mãe não vira a guerra, mas a avó vira. Lembrava-se das histórias que a avó que contava: o medo que as pessoas tinham de dormir, a qualquer cor diferente no céu achavam que era mais uma luta, os cadáveres empilhados, as construções que ruíam dia a dia. A própria família de Siih quase fora destruída: além da avó, havia os irmãos e primos e netos. Depois da guerra, só havia a avó e seu filho para restaurarem o reino. Cinquenta anos depois da guerra, o filho morreu louco, e então a avó desposou um rapaz (sim, um rapaz): tiveram quatro filhos, e uma delas era a mãe de Siih. Os outros três se espalharam pelo mundo. Enfim...

- Deixe a luta com Ophelia com a gente - disse Loveh - só se preocupem em proteger seus cidadãos.
- Usem os abrigos - disse Siih - faça uma evacuação em massa. Peguem os melhores soldados para lutar com os demônios, e o resto... abriguem o resto.
- As armas tem que ser de prata - lembrou Elyon - ferro não faz efeito com demônios.
Ao redor, todos iam anotando as sugestões que na verdade eram ordens.
- Posso chama-la de Siih? - perguntou Sunny simpaticamente, com seus olhos azuis sonhadores - por favor.
- Sim - respondeu Siih analisando os inúmeros relatórios.
- Bem... - continuou Sunny - nós não somos suficientes para conter Ophelia.
- Eu sei.
- Então quer que a gente aceite ajudar vocês assim... arriscando as nossas vidas de um jeito tão fútil? - indignou Sunny.
- Nós também vamos arriscar as nossas vidas - disse Siih - os cidadãos de Campinas sabem que vão morrer, por exemplo, mas ainda assim eles querem lutar em vez de fugir! E o que está pretendendo com essa pergunta?
- Eu quero saber qual é o apoio que vamos receber - Sunny disse entredentes - nós resolvemos ajudar vocês, mesmo não tendo obrigação. Pouco nos importa os seus soldados, cidadãos, mulheres, crianças. E não estou nem um pouco a fim de lutar com uma Ophelia forte. Como vocês vão ajudar a gente?
Siih engoliu em seco.
- Eu concordo com ela - disse Alice - nós sete, sozinhas, não bastam para Ophelia ser derrotada. Seus soldados poderão dar conta dos demônios, mas nós que ficamos com o peixe grande.
Maria mordeu o lábio inferior: quem poderia auxiliar as Musas em uma missão tão difícil? Como poderia derrotar a Ophelia? Aparentemente todos tinham as mesmas dúvidas, e a resposta estava difícil de ser encontrada.
- Bem... - começou Siih insegura - a gente poderia enfraquecer Ophelia antes de vocês lutarem com ela...
- Como? - cortou Loveh.
Siih não sabia o que dizer, e não queria inventar qualquer coisa de última hora. Embora precisasse... milhares de vidas seriam perdidas caso Ophelia desse o primeiro passo.
- Não sei - admitiu Siih quase aos prantos - não sei. Não sabemos as fraquezas de Ophelia, não sabemos o que funcionará, não sabemos de nada...
- Hmpf - fez Loveh - só conseguiríamos enfraquecer Ophelia...
- E nós também estaríamos fracas - lembrou Catherine desanimada - vamos precisar de sangue novo no final da luta para dar o golpe final. Mas quem tem poder suficiente para se esconder e só agir em último caso?
Sunny se agitou.
- Tem alguém assim - disse sorridente.
- Quem? - começou Miih, mas logo compreendeu - sim, ela é perfeita...
As Musas sorriram como se soubessem de algum segredo muito, muito importante: os olhares secretos, os sorrisos tímidos, os risinhos disfarçados.
- Eu concordo! - disse Elyon em voz alta.
- Eu também! - apoiou Loveh.
Obviamente ninguém estava entendendo alguma coisa.
- Do que estão falando? - perguntou Siih - posso, por favor, saber?
- Simples... - Elyon cochichou - alguém com poder suficiente para dar o golpe final... não precisa ser necessariamente uma Musa, certo?
- Aonde estão querendo chegar com isso? - Siih não entendia nada.
- Seu poder é estranhamente gradativo, Majestade - murmurou Loveh sorridente - por mais que você tente se livrar dele, parece impossível que seu poder se perca...
- É perfeito - comentou Sunny.
- O que querem? - indagou Lefi surpreso - que Siih seja o elemento surpresa?
- Exatamente - Louise disse, sendo apoiada pelas companheiras.

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- Esse reino é tão triste - murmurou Rafitcha - porque esse preconceito todo aos seres mágicos?
Estavam na carruagem, em direção ao tribunal e ao julgamento.
Amai olhou para fora antes de começar:
- Houve uma guerra por aqui há muitos anos. E há muitos anos haviam seres mágicos, junto com humanos. E havia alguns seres humanos que desprezavam os seres mágicos, sabe-se lá porquê. O fato é que esse grupo, formado por três principais famílias, começou a disseminar seus pensamentos anti-mágicos por todo o país. E pouco a pouco, os humanos foram acreditando que os mágicos eram impuros e que não deviam estar ali. Contavam lorotas de que foram abusados por mágicos durante séculos, ameaçavam aqueles que tinham amizade com mágicos, etc. Até a Noite das Chamas em que expulsaram todos os seres mágicos que haviam: queimaram todas as florestas que haviam por perto, raptavam os filhotes mágicos indefesos e os largavam em uma zona onde não se pode usar magia, o que fazia as fêmeas correrem atrás. Enfim, se utilizaram de várias técnicas sujas que acabaram por fazer com que os seres mágicos decidissem não ficar aqui. Então eles foram embora, e desde então é isso. Esses seres são odiados e desprezados.
- Então... - Rafitcha olhou para fora - nenhum reino vizinho criou rivalidade?
- Somente um - respondeu Kitsune - a maioria dos reinos vizinhos são humanos e eles resolveram adotar a mesma estratégia. Por isso essa área é chamada de Terra Seca, sem encantos, sem mágica. E há um reino mágico, governado por magos. Chama-se Grillindor, é bem bonito, eu já fui lá. Os seres mágicos se refugiaram lá, e seus descendentes guardam rancor deste reino...
- Bem, uma história bem triste - sussurrou Raveneh - sempre detestei esse país... esse país que nunca consegui chamar de lar...
Todos ficaram calados.

Rafitcha mordeu o lábio inferior, se vendo totalmente perdida: como poderia sair viva? Sabia que não ganharia, era impossível: além das complicações envolvendo o caso de Raveneh (N.A.: de acordo com uma amiga minha, nenhum advogado brasileiro poderia salvar Raveneh se ela fosse julgada nos dias atuais O.O"), ainda estava lidando com um promotor que queria sangue. Que queria ver Raveneh morta, custe o que custar.
E pelo que escutara de Raveneh durante a viagem, Jorge era um fanático que menosprezava mágicos, ou seja, não bastava Raveneh ser condenada à morte. Seus amigos também tinham que ir...
... mas Raveneh estava grávida! Mas desde quando Jorge ligaria pra isso? Não esperaria Raveneh ter o bebê, ou pior ainda, forçaria um parto e pegaria o bebê para si, sabe-se lá para quê.
Rafitcha precisava ganhar, custe o que custar. Não tinha esperanças, mas iria tentar. E na sua mente, um plano B se formava...

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- Pelas barbas de Merlim! - vociferou Crazy - eu tenho compromisso, que quê é?
- O plano foi adiado - disse o homem - vai ser daqui a dois dias.
- Quer dizer, depois e depois de amanhã? PQP! (N.A.: pra não usar o palavrão todo! ù.ú)
Crazy mordeu o lábio inferior, quase arrancando sangue de tanta fúria. Respirou fundo, e disse friamente:
- Então o plano vai ser daqui a dois dias - respirou fundo mais uma vez - então que seja.
- É...
- Então tchau - disse Crazy - tenho um julgamento pra ir, entendeu?
O homem engoliu em seco.
- Está bem, comandante.
Está bem... está bem... Bem, o jeito é esse. Pelo menos tem mais prazo pra Raveneh e seus amigos escaparem da morte...

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Parte 29 - Promessa, Volta à Rotina, Preparativos.

- Tenta andar um pouco - disse Nath - SEM APOIAR NO PÉ TORCIDO!
- Tá bom, tá bom! - resmungou Umrae, se levantando, usando aquela camisola enorme e branca, típica de gente que tá em hospital.
Anda, sem apoiar muito. Nath fica fazendo "humrum" com a cabeça, ou seja, nada a reclamar do modo como Umrae está andando.
- Está bom - Nath disse - já pode voltar aos seus afazeres. Mas nada de pegar peso por uns dois dias, e tente ao máximo evitar acrobacias envolvendo seus pés, está bem? Está dispensada.
- Já passou três dias e meio? - Umrae fez, quase surpresa.
- Você se recuperou mais rápido que imaginei - Nath disse, olhando para alguns papéis - agora vá, estou ocupada.
Sim, Nath estaria muito ocupada: a sua equipe de enfermeiros é composta de apenas dez pessoas e é muito difícil coordenar dez pessoas. Mas estas só costumam trabalhar em guerras, porque Nath dá conta sozinha quando está tudo em paz. Ou quase.

Era madrugada, o sol quase raiando, aquela sensação de que parece tudo um sonho: se você é do tipo que dorme de noite, e um dia resolveu ficar na rua, olhando o céu de madrugada, vai ter essa sensação. É como se você soubesse naquele exato momento que é apenas mais um em todo o universo, mas ao mesmo tempo você pode se sentir como se todos os seus problemas pudessem ser resolvidos no dia que vai nascer. Eu, como narradora, acho que ver o nascer do dia é uma experiência fabulosa e dá uma bela injeção de ânimo. Bem, a sensação é melhor depois de uma madrugada de festas ou algo igualmente divertido. Porque ver o dia nascer, pois varou a noite estudando não é algo tão belo assim...

Umrae estava tomando banho em sua casa, usando água recém-fervida, provavelmente através da magia de algumas fadas que viviam por lá. Lavou-se, colocou a calça marrom, ajustando as botas pretas. A blusa branca, uma outra blusa de frio por cima. Amarra os cabelos em um coque alto, para evitar que o cabelo fique na frente dos olhos. E recomeçou a trabalhar, produzindo mais e mais venenos.
Na casa ao lado da sua, Ly e Doceh já acordaram e tomavam café da manhã, tensos.
Na outra casa, ao lado esquerdo, Kibii estava em pé e colocava venenos em flechas, sem nem tomar o café da manhã.
Na casa em frente a de Kibii, Fer acordava e fazia alongamentos, enquanto programava a sua rotina.
Na casa ao lado a de Fer, em frente a de Umrae, vivia Maria cuidando do seu filho e de Claudia, a professora de dança. E ao lado, a pensão que Rafitcha cuidava.
Era onde ficavam as pessoas que chegaram recentemente: Yohana, Alex, Thá, Lynda (chamada de Malygna pelos demais), Vinicius. Todos começaram a acordar, mesmo ainda sendo escuro. Mas era uma situação tensa que todos achavam que podiam não acordar nunca mais, sentiam medo de dormirem e quando acordarem, verem que alguém morreu ou qualquer coisa do tipo. Sentiam medo do que veriam ao acordar.

Então naturalmente as pessoas ficaram muito mais apegadas entre si: Doceh odiava quando Ly não estava por perto, Maria temia a cada vez que tinha que ir trabalhar e deixar o filho em casa, sendo cuidado pela Claudia, Nath tinha medo a cada vez que alguém entrava naquela enfermaria: e se esta pessoa nunca mais saísse da enfermaria viva?
E todos temiam por Raveneh, e os que foram com ela.

E o céu ficou ainda mais claro.
- Bom dia, Umrae - disse Kibii, entrando na casa sem nem sequer bater na porta. Umrae não respondeu, de tão concentrada que estava em adicionar corretamente as pitadas de algum pó que fazia espirrar em um líquido meio roxo.
- Bom dia, Umrae? - repetiu Kibii, tentando não atrapalhar - eu trouxe café da manhã.
Umrae terminou a última pitada, e se virou para Kibii com aquele sorriso aberto:
- Nath me liberou.
- Estou vendo.
Kibii colocou a cesta em cima da mesa, mostrando o conteúdo deliciosamente organizado:
- Fiquei preocupada em você ficar sem comida, do jeito que é, trabalhando tanto... - Kibii murmurou - já chamei Fer para vir aqui, tomar café da manhã com a gente. O café está quentinho (ao que Umrae murmurou algo do tipo "mas eu nem gosto de café", que Kibii ignorou e só apontou uma garrafa de chá), o pão também e também peguei algumas frutas como morangos e mamão. Você gosta de mamão, né?
- Sim, gosto - Umrae se sentiu muito confortável ao ver a preocupação da amiga. Seu pé já nem doía mais, embora estivesse bem cansada.
- Bom dia! - Fer entrou, quase aos gritos, quase pulando de tanto contentamento - recebeu muitas visitas?
- Quase nada, só umas de Kibi - respondeu Umrae, fechando a cara.
- Bem, isso não é só nossa culpa - Fer se desculpou - Maria está obrigando a gente a trabalhar hoje. Até Ly está reclamando do fardo... mas hoje vamos escapar um pouco, Maria vai ter uma reunião especial com as fadas lá. Você acredita que corre por aí que as Musas vão ajudar a gente?
- Sério? - Umrae ficou espantada. Conhecia bem as lendas sobre as Musas, e nunca acreditara realmente que as Musas iriam ajudar as fadas, que tanto desprezavam.
- Sim... E Maria como Governante das Campinas tem que ir lá para as Campinas ficar na lista das terras protegidas *o* - aparentemente Fer sabia de tudo - as Musas são de dar medo...
- Mas a Rainha Siih nunca quis que as Musas ajudassem por questão de orgulho... - Kibii observou, intrigada.
- Ela caiu doente, e seu irmão assumiu o poder - Fer disse - e ele pediu a ajuda, e depois ele enfrenta a irmã por ter feito isso sem o consentimento dela.
- É, ela não vai poder fazer muita coisa... - Umrae ponderou - bem, vamos comer algo!
- Sim. Café, Umrae? - perguntou Fer.
- Odeio café - Umrae fechou a cara novamente - por favor, o chá.
- Nham. Que estranho - Kibii disse mais para si mesma do que para as amigas - o irmão desafiar a própria irmã, esta mais poderosa...

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- QUÊ?
- Er... é isso aí. Me desculpe, mas tenho que sair...
- Não vai sair pra lugar nenhum, mocinho!
Neste instante, a porta se fechou e não abriu mais, por um passe de mágica. Siih estava furiosa, seus cabelos caindo em cima dos ombros, o vestido branco e azul, a coberta em cima do corpo, a temperatura do corpo de Siih se alterando o tempo todo. A Rainha tinha uma saúde bastante frágil, devido aos seus imensos poderes. Mesmo que tenha se livrado da maior parte, ainda assim era comum sentir dores e tontura de vez em quando.
- Como é que você convoca as Musas - Siih se exaspera - se aproveita do MEU poder para convocá-las e ainda pede a ajuda delas?
- Mas a situação estava grave! - Lefi tentou argumentar - nós não podemos vencer Ophelia, não sozinhos.
- Prometemos a elas não pedir mais a ajuda! - gritou Siih - e... droga, não quero sacrificar a vida de tanta gente...
As lágrimas rolaram pela face, desenfreadamente, a ponto que Dahes se sentiu na obrigação de interferir e oferecer um lenço. Siih sorriu desajeitadamente.
- Sinto muito, irmã - Lefi murmurou triste - eu me odeio tanto por ter quebrado a promessa, e me odeio por te fazer chorar. Mas não teve saída... ou era as Musas ou era a ruína. Você sentiu, não sentiu? Até eu senti alguns demônios se movimentando...
Siih odiava admitir a verdade, sentia a garganta dando um nó e aquela sensação de que estava perdendo. Sempre ganhara, sempre fora a mais poderosa e a mais prudente. Mas dessa vez Lefi fora mais sensato e resolvera abrir mão do próprio orgulho para pedir ajuda a gente infinitivamente mais poderosa. Siih sorriu e abriu os braços, pedindo um abraço. Lefi a abraçou, contente pela irmã compreender a situação em que estavam.
Mas na hora que sentiu o corpo da irmã, sentiu algo estranho. Siih estava calma, mas a energia estava assustadoramente grande como se a irmã estivesse em uma guerra. Só que Lefi não queria sair dali, pois mesmo que a energia estivesse em um nível assustador, era confortável ficar ali, recebendo toda aquela coisa que não conseguia definir. Oops, recebendo? Sim, recebendo: era como se abrisse buracos imaginários no corpo de Lefi, e ficassem colocando coisas estranhas dentro do corpo de Lefi, no coração, pulmões, estômago, esôfago, músculos, ossos. Cada órgão, cada osso, cada músculo, cada veia do corpo de Lefi recebia alguma coisa, e a sensação de conforto e poder só aumentava drasticamente, a ponto de ele ficar quase eufórico e se sentir capaz de combater Ophelia de igual pra igual. Sorriu.
Mas logo, logo doía. O corpo doía. Os tais buracos imaginários agora se fechavam e isso doía demais, como se todos os órgãos estivessem sendo revirados e rearrumados. Era incômodo, nauseante, ele queria ir embora.
- Não agora - era a voz de Siih, parecia um eco, algo muito longe.
Lefi escutou e quase chorou de tanta dor. Dahes via tudo aquilo sem compreender, sem entender a expressão chorosa de Lefi e a face serena de Siih. Não entendia porque Lefi sofria tanto só porque estava abraçado com a irmã. Dahes não conseguia sentir a assustadora energia, pois esta capacidade fora retirada dos Glombs durante os anos de escravidão. De modo que não entendia nada, só sabia que era algo assustador e muito poderoso.
- Dói, irmã - Lefi murmurou, quase gaguejando.
Siih não falou nada, somente apertou o abraço e a dor se multiplicando.
- D-dói... - uma única lágrima muito tímida rolou pela face, fazendo Lefi se desesperar. O que era aquilo?
- Vai ficar tudo bem - a voz de Siih parecia estranha, sofrida.
Os órgãos se reviraram mais uma vez, Lefi sentiu o incômodo. Engoliu em seco, contendo as ânsias de vômito e a dor parou quando Siih afrouxou o abraço.
- Irmã! - gritou Lefi ao ver que a irmã quase desmaiava - você está bem?
Siih estava tonta, os olhos quase fechando e a pele pálida.
- Querido... - Siih sorriu muito timidamente - não se aflija por tão pouco... agora você está bem.
- O quê?
- Eu cedi um quinto dos meus poderes a você - explicou Siih tentando falar sem desmaiar - agora você pode realmente tomar conta de tudo... agora, as coisas mudaram.
- Mas você ficou sem um quinto dos seus poderes - Lefi não entendia.
- Não me fez muita falta - admitiu Siih exausta - relaxa, não vou morrer. Estou melhor, poderei ir a reunião de hoje.
- Mas...
- Eu vou. Nada vai me fazer mudar de idéia - Siih sorriu - me deixe aqui, acordarei logo.
- Para quê me cedeu um quinto? - era a pergunta que não queria calar.
- Você vai entender - disse Siih ajustando o travesseiro, fechando os olhos, a sua expressão sempre serena.

Lefi se levantou e deixou o braço, deixando somente uma ordem: de que não perturbassem a Vossa Majestade. Ele se sentia estranho, como se tivesse algo que precisasse falar e não conseguia saber o que era. Era um bocado estranho, como se o coração vivesse em um aperto estranho. Começou a odiar esse sentimento.

Foi arrumar as coisas para a reunião.

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- Pronto.
Rafitcha sorriu.
- Treinamos a madrugada inteira - disse Rafitcha - mas acho que dá pra enfrentar aquele babuíno idiota!
- Acha? - Raveneh havia se cansado a noite inteira e seus hormônios estavam em ebulição, praticamente. Então qualquer "acho" soava irritante.
- Sim, "acho" - Rafitcha repetiu - agora durma durante uma hora, e depois tome banho para irmos ao julgamento. Raveneh, você vai estar livre nem que seja a última coisa que eu consiga na vida.
- E se você perder o julgamento? - Raveneh ponderou - Jorge é sujo!
- Mesmo se eu perder o julgamento - Rafitcha disse - eu prometo pra você, Raveneh. Mesmo se eu perder este julgamento, você vai criar seu filho nas Campinas. É a minha promessa.
Raveneh sorriu ao ouvir as palavras carregadas de tanta convicção.

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O homem fumava.
- Você acha que dá certo hoje? - disse em uma voz rasgante.
- Não, não hoje - Crazy murmurou - amanhã é melhor, as pessoas estão mais despreocupadas.
- Qual a diferença? - o homem perguntou - preocupado com aquele pessoal das Campinas? São inúteis!
- Não, não são - Crazy disse - e eles não podem morrer, eles estão sob a proteção do Mundo das Fadas.
- HA - o homem riu - o Mundo das Fadas está perto do seu fim, com esta Ophelia por aí.
- Não exagere - Crazy sorriu - Siih é poderosa o suficiente. E aquele grupo precisa ficar vivo. Mas não precisa se preocupar com eles... faça tudo, deixe que eu me arranjo com eles.
- Eu ainda não compreendo o que eles tem a ver com o nosso plano, Crazy - disse o homem - eles são somente uns seres mágicos que vieram para um julgamento de uma qualquer.
- Sim, sim.
Crazy sorriu:
- Bem, está na minha hora. Amanhã, na hora planejada. Não falhe ou o chefe vai pedir nossas cabeças a prêmio.
- Sim... comandante Crazy. Amanhã, na hora planejada. Não falhe também.
- Com certeza.
Crazy se afastou com um olhar bastante sinistro.

sábado, 10 de maio de 2008

Parte 28 - Eu quero vingar Olga.

- Não é muito grande mas acho que deve dar - disse Amai.
- Não, é ótimo - disse Raveneh sentando-se no sofá. Ficou instantaneamente tonta, mas logo se recuperou. Cuidar de um bebê estava ficando difícil e pesado, apesar de adorar a sensação de ter uma vida no ventre. Mas agora se preocupava em dobro com a própria segurança, e não gostava da sensação de ter mais alguém que tinha que proteger a qualquer custo. Era estranho.
Johnny resmungou qualquer coisa.
Já estava ficando tarde: nem repararam que o pequeno passeio no leito do rio tomou tanto tempo. Mas ninguém se incomodou: era como um pouco de paz no meio da turbulência.
Todos estavam sentados ou em sofá ou no chão, em meio a inúmeras almofadas de formato meio oriental, coloridas, repletas de estampas. O passeio foi agradável, comeram bastante e estavam sonolentos.
- Está preparada, Raveneh?
Raveneh estava no colo de Johnny, e respondeu com a voz sonolenta:
- Sim...
- Eu também - Rafitcha murmurou.
Amai olhou para o teto:
- Não sei o que vocês pensam, mas estamos ferrados.
- Sim - Kitsune concordou - pelo menos sabem as estradas de emergência? Para o caso de fuga.
Ninguém neeeeeem tchum. Estavam todos quase dormindo, e foi o que fizeram: dormir a sono solto.

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- Ah-Ah - Nath resmungou - seu remédio.
- Ai Ai - Kibii disse - a Musa TPM chegou. Bye bye, Umrae, eu volto logo =D
- Oks - Umrae disse.
- Depois de amanhã você vai estar bem, Umrae - disse Nath quando a porta atrás de si bateu - eu prometo.
Umrae bebeu o remédio amargo, o remédio de todos os dias. Yohana entrou no quarto, apressada, o rosto suado.
- Tola! - Nath repreendeu a garota - é pra chegar na hora!
- Eu só cheguei dez minutos atrasa--
- Não perdoarei mais um atraso - cortou Nath - vem, eu vou te ensinar a fabricar alguns remédios.
Umrae franziu as sobrancelhas, intrigada.
- Yohana decidiu ser minha aprendiz - explicou Nath - enquanto ela não volta a cantar.
- Por que está deixando de cantar? - Umrae perguntou, olhando nos olhos de Yohana: os olhos amáveis (N.A.: quanta gente nessa história tem olhos amáveis ¬¬) e a expressão de boneca.
- Sei lá, cansei. Era muito cansativo... A empresária que marcou a minha turnê está louca da vida comigo...
- Quem é ela?
Nath se enfiara no quartinho dela, arrumando as coisas.
- Vê G. - Yohana respondeu - ela trabalhou com a Rainha Siih!
- Vê G...? - Umrae sorriu timidamente - eu não sabia que ela trabalhava como empresária também... Também não vou há tempos para o Mundo das Fadas...
Vê G. não era apenas uma empresária, ex-serva da Rainha. Também fazia negócios ilícitos debaixo dos panos, negociando ervas proibidas e poções tão venenosas que foram abolidas de todas as colônias mágicas, com exceção de algumas. Ela também manda em um negócio altamente poderoso que vende a mimatta mais forte que já se ouviu falar, chamada de "ikuppa". Esta também é proibida em vários países, inclusive nos nã0-mágicos. Ou seja, Vê G. era a Rainha do Mundo dos Crimes: todos a conhecem, porém poucos sabem a sua verdadeira identidade. Umrae, entre outras pessoas como Kibii e Maria, sabem que a Vê G. é a mesma que coordena o submundo cinicamente. Não me perguntem como elas sabem, eu sou somente narradora: isso é um mistério. E depois as Campinas não estão sob jurisdição de nenhum país, portanto caso Vê contrabandeie alguma erva proibida para as Campinas, as Fadas não poderão buscá-la.
- YOHANA! O que pensa que está fazendo conversando de papo pro ar com Umrae?
Yohana suspirou e se retirou, deixando Umrae sozinha.
Umrae suspirou também.

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A noite veio. Sim, um dia veio e se foi sem nenhuma novidade surpreendente. Raveneh acordou. A barriga se mexeu. Alguém batia na porta.
Levantou-se devagar para não acordar ninguém, abriu a porta. Tal foi a sua surpresa que era Jorge.
- De novo? - abaixou o tom de voz, quase em um sussurro.
Reparou que Jorge não trazia soldados: a casa dava direto pra rua.
Ele estava muito mais solene do que na noite anterior, o cabelo repartido para a direita, seus olhos sem emoção.
- Boa noite, Raveneh.
- Não me diga que você... - Raveneh começou, os lábios tremendo e a mão na barriga, quando Jorge interrompeu:
- Não. Só vim anunciar que o julgamento foi anunciado. Vai ser amanhã.
Raveneh simplesmente ficou parada, tentando absorver a notícia.
- Às oito da manhã - continuou Jorge - no Fórum...
- Ah. Tá.
Raveneh já ia fechando a porta, quando Jorge a parou:
- Eu devo dizer que... - hesitou - o acontecimento de ontem foi relatado e está sendo usado contra você.
Raveneh fechou os olhos. Não se preocupava nem um pouco.
- Err - Raveneh começou - como descobriu que estávamos aqui?
- Foi fácil - Jorge sorriu, aquele sorriso frio que gelava a alma - foi fácil demais. Vocês nem se preocupam em estarem seguros, né?
E deu as costas. Raveneh fechou a porta delicadamente, sem nenhuma raiva ou rancor. Só... só estava imersa em apatia.
- Raveneh?
Ela estava sentada no chão, encostada na porta. Os olhos fechados, o nariz inflando e desinflando a todo momento, tentando não chorar. Ergueu os olhos, tentando descobrir quem a chamara.
- Bia?
Bia sorriu.
- Ora ora - disse - você está acordada.
Seus olhos eram profundos. Raveneh nunca diria que são olhos "amáveis"... pareciam olhos de uma alma ferida.
- Sim... acordei agora - Raveneh respondeu. Mordeu o lábio inferior, receosa: - Jorge veio aqui.
Bia não se alarmou nem nada como Johnny faria. Somente ergueu as sobrancelhas e perguntou:
- O que ele queria?
Bia se sentou ao seu lado, agora calada.
- O julgamento foi adiado - informou Raveneh, engolindo o choro - vai ser amanhã.
- Vai dar tudo certo - Bia disse - vai dar tudo certo.
- Quem sabe... - Raveneh sorriu - talvez daqui a uma semana, eu seja considerada inocente. Quem sabe eu esteja livre em breve!
Bia sorriu.
- É, quem sabe - disse, com um longo suspiro.
Mas parecia não ter convicção do que dizia. E Raveneh sentiu isso.

Raficha acordou, encontrando uma Raveneh sonolenta no ombro da Bia acordada. Sorriu.
- Ela está dormindo - Bia sussurrou a verdade óbvia - não acorde.
- Está bem - Rafitcha cochichou - está tudo bem?
- Jorge veio - Bia contou, seus olhos demonstrando preocupação - o julgamento vai ser amanhã.
Rafitcha gelou.
- Que horas? - Raficha perguntou.
- Não sei, ela não falou - Bia disse, com um suspiro.
Rafitcha desabou no sofá, preocupada. Era madrugada, tinha perdido o sono. A escuridão lhe parecia confortável, todos em silêncio absoluto e Bia velando o sono de Raveneh.
- Ah droga - murmurava Rafitcha em um fio de voz - aiquedroga. Jorge não podia ter feito isso, como adia um julgamento assim sem mais nem menos?
Bia não disse nada.
- Drogamaselevaisevercomigo - os dentes de Rafitcha cerravam, os olhos furiosos.
Se trancou na cozinha, acendeu uma vela e começou a reler todo o processo.

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- Onde estou?
A voz de Ophelia estava tonta.
- Perto de algum rio - Lala respondeu - você bebeu muito, Ophelia.
- Ah - Ophelia pôs a mão na cabeça, fazendo uma careta de dor - é. Eu vomitei ou fiz alguma besteira?
- Não, só falou do seu vizinho-namorado - Lala sorriu - nada de grave.
- Ah.
Ophelia olhou para o céu, os seus olhos pensativos, se perdendo em pensamentos.
- Vai ser quando?
A pergunta parecia um eco.
- O quê?
Ophelia fechou os olhos, meio tonta.
- O ínicio de tudo...
Lala dissera deixando o final vago, ao que Ophelia sorriu.
- Sim... logo, logo vai começar.
O céu estava perfeitamente estrelado, as nuvens não existiam e a lua estava ali, serena assistindo uma rainha meio tonta com a bebida. A Rainha do Novo Mundo.

Como era triste a vida.

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Nova reunião. Nova idéia.
Mas dessa vez era entre as Musas e Lefi.
- Sua irmã sabe que chamou a gente?
- Não - respondeu Lefi apreensivo.
- E você sabe - perguntou a Musa dos cabelos de fogo - que os humanos feito vocês prometeram não recorrer mais a nós?
- Sim - admitiu Lefi - mas você precisa compreender! Ophelia vai atacar!
- Mas sua irmã, a Majestade, não admite que peça a ajuda de nós! - gritou uma das Musas, a com ar mais angelical - o que está fazendo, contrariando a sua irmã?
Era uma reunião incômoda, Lefi acompanhado das fiéis servas, a Libby e a Alicia, ambas caladas e seus ares serenos. E Lefi sabia que quando elas estavam sozinhas, tinham uma aparência perfeitamente humana. Mas agora pareciam que tinha algo de mágico e diabólico em seus olhares. A tal da Louise, por exemplo, seus cabelos eram para estarem normais. Mas agora pareciam feitos de fogo, até mesmo o seu olhar parecia chamuscado. Lefi sentia medo.
- Ai que tolinho - Alice riu - abriu mão do orgulho para nós... Bem, você quer que a gente detenha Ophelia.
- Sim - Lefi concordou.
- Que a gente dê a vida por isso - retrucou Miih.
- Não. Vocês vão sobreviver - Lefi lembrou.
- Ah! Ela é muito poderosa - Catherine disse. Seus cabelos eram esverdeados, os olhos impassíveis - como podemos detê-la?
- Nem unidas, vocês conseguem? - perguntou Lefi.
- Só desgastar Ophelia uns 70% em luta e com todas vivas - respondeu Loveh com exatidão - cada uma de nós tem somente um atributo superior a Ophelia.
- Atributos? E o que seria? - Lefi continuava interrogando, curioso e ávido para que a irmã aceitasse a ajuda.
- Força, velocidade, reflexo, regeneração, essas coisas - disse Alice - para derrotarmos Ophelia... precisariamos atacar de surpresa.
- Mas o reflexo dela é excelente - murmurou Elyon meio abatida.
- As Campinas estão se organizando para derrota-la - disse Lefi em um tom baixo.
As Musas riram.
- Então aqueles humanos e elfos querem derrotar Ophelia? - zombou Miih - jamais conseguirão!
- Sinto muito, mas tenho que concordar! - Loveh ria, seus olhos brilhando - qual é a estratégia?
- A estratégia é simplesmente sobreviver.
Catherine rira, mas agora parara. Ela olhava a tudo muito vagamente.
- Eles não querem derrotar Ophelia - continuou - eles só querem sobreviver sem se submeterem a alguma cidade ou pessoa novamente.
- Então podem ter um pouco mais de sucesso - afirmou Elyon.
As outras concordaram.
- Mas enfim... vocês vão ajudar? - Lefi perguntou.
- Deixem-nos ter uma conversa em particular - Miih falou, antes que qualquer uma dissesse algo.
Lefi concordou, e fez uma reverência sendo acompanhado por Libby e Alicia, se retirando da sala.
As sete Musas estavam sozinhas.
- E aí? - Sunny perguntou - quem apóia?
- Eu quero me vingar da Ophelia - Elyon murmurou mais para si mesma do que para as "companheiras" - eu treinei sem cansar durante os últimos anos para isso.
- Estou mudando de opinião - admitiu Miih - Ophelia está sendo um estorvo. Não aguento mais conseguir sentir a energia dela a todo instante, parece que cresce a

todo instante.
- O que Ophelia está esperando para atacar? - Sunny perguntou.
- Não está óbvio? Não sentiram? - Catherine indagou - ela está juntando um exército. Uma tropa de demônios que almejam voltar à tona depois de quase serem

sido esmagados por caçadores. Eu senti uma desses demônios desgraçados na água...
- Ela está certa - murmurou Loveh - tem cada vez mais aves voando, e isso se deve ao surgimento de alguma besta voadora...
- Então ela pretende nos derrotar primeiro - raciocinou Miih - a gente iria se ocupar com os demônios, aí ela aparece e aproveita o nosso cansaço para nos

destruir. É um plano bem simples, mas engenhoso... O que podemos fazer para contraatacar? Uma tropa de demônios está longe de cogitação, a essa hora ela já

convocou tudo. Mas é bem esperta essa garota...
- E estávamos tão distraídas, nem percebemos - lamenta Catherine.
Elyon respirava fundo, raciocinando em segredo. Sua mente funcionava feito uma máquina perfeita, feito matemática que é absolutamente detestável para gente

como eu, a pobre narradora que não lembra o que é passar em matemática, mas absolutamente adorável para Elyon. E para Miih também.
- Não adianta lamentar - Miih murmurou - fomos tolas, mas não daremos a Ophelia o conhecimento que "adivinhamos" tudo.
- Ok - começou Loveh - então aceitamos o pedido. Sabe, é melhor aceitarmos, destruirmos logo a Ophelia.
- Eu voto por aceitar - disse Catherine.
- Eu também - Sunny murmurou.
Miih se rendeu:
- Conte comigo.
- Eu quero vingar Olga - Elyon disse sombria.
- Eu também - Alice disse, mordendo o lábio inferior.
- Eu aceito - Louise foi a última a aceitar, resignada. Estava habituada demais ao conforto de viver perto do fogo.
- Então vamos lá - Loveh sorriu.

- Aceitaram. Aceitaram, oh meu Deus, adoradas Deusas, elas aceitaram! - festejou Lefi - as Musas aceitaram, eu não posso acreditar!!
Alicia e Libby sorriram diante da notícia. Agora tinham alguma esperança de acabarem vivas no fim da guerra.
Sim, por que uma guerra só é uma guerra se ambos os lados estiverem preparados. Agora que as fadas resolveram preparar algo especial, agora sim era uma guerra.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Parte 27 - Os Primeiros Homens Que Viram a Rainha do Novo Mundo. (uma Lala constrangida também está aqui =D)

- Umrae!!!
- Ah, olá.
Kibii fez uma cara zangada.
- Sabe, eu vim te agradecer por ter salvado a minha vida ou algo assim - disse - mas já que não quer mais falar comigo, eu compreendo.
- Heeeey - Umrae exclamou - eu disse 'olá' o_o
- É pra dizer: 'OLÁAA KIBI-CHAN' - Kibii disse, sua expressão quase igual a de um cachorrinho sem dono.
- Palhaçada, viu - Nath disse - a paciente está descansando.
Kibii levantou uma sobrancelha, a expressão crédula. Nath respondeu da mesma forma, seus olhos verdes faiscando.
- Ah, legal - Nath disse depois de cinco minutos - vou me retirar. Mas se ver você se exaltando e Umrae nervosa, eu juro que você não vai conseguir andar por uma semana.
- Tá O_O - virou-se pra Umrae - Nath está na TPM?
- Parece - Umrae reclamou - ela me deu bronca ontem ;__;
- Deu bronca pra todo mundo - Kibii disse - veja só, eu trouxe chocolates, que tal?
Mostrou uma caixa repleta de chocolates nas mais diversas formas: frutas pequenas como morangos ou maçãs, ou então em forma de folhas e espadas. Umrae sorriu, e pegou um.
- Pois é, e agora - Kibii também pegou um e começou a comer - Maria está organizando uma Defesa Ultra-Especial Contra Demônios Selvagens.
- Defesa Ultra-Especial Contra Demônios Selvagens? O__O - Umrae repetiu, a voz de quem duvida.
- Sim - Kibii respondeu girando a cadeira giratória ao lado da cama - não com esse nome, claro. Mas é algo assim. Dobrou as horas de treinamento. Em suma, estamos todos ferrados.
- E como está aqui? - Umrae perguntou, divertida.
- Ah, eu fugi um pouquinho - Kibii respondeu - sabe, acredito que foi um caso de demônio que não quis esperar as ordens de Ophelia. Iria morrer de qualquer jeito.
As duas riram e continuaram a comer os chocolates.

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- Raveneh! - exclamou Johnny, contente.
Raveneh sorriu docemente, os olhos azuis sorridentes.
- Estava tão preocupado!... - murmurou - só fui passear um pouquinho... veja, o bebê chutou.
Johnny sorriu: era Raveneh, a Raveneh doce.
- E o Jorge? - perguntou Johnny preocupado - o que fez com ele?
- Eu? Oh, nada - Raveneh respondeu, a expressão curiosa - eu só fui passear, Johnny.
- Mas Catherine... - Johnny começou, ao que Raveneh interrompeu:
- Ela também não fez nada.

Rafitcha sorria, acompanhada das amigas.
- Bom dia - sim, era dia já: o sol sorria atrás das nuvens.
- Bem, passamos a madrugada fora, na rua - Bia disse - o que faremos com os corpos lá dentro? Aposto que acordaram, ouvi uns gemidos.
- Bem, aposto que estão mortos já tamanha a quantidade de sangue - Rafitcha lembrou - e não tenho pingo de vontade de voltar pra lá. Aliás, não quero mais ficar em pensão nenhuma.
- Ah, então vamos ficar onde? - Amai riu - na rua?
- Bem que podia ser... - Rafitcha também riu.
Era impressionante o espiríto dessas pessoas. Dentro do quarto onde costumavam ficar, haviam cinco corpos assassinados por uma das componentes, estavam todos sob o risco de morrer a qualquer instante e estavam rindo.
- Quanto dinheiro temos? - Johnny perguntou.
- Diremos que temos uns 600 golds - Tatiih respondeu, olhando a bolsa.
- 600 golds? É bastante coisa - Amai se surpreendeu - uma noite na pensão, por exemplo, é só 20 golds o_o
- Sim, muito dinheiro - Bia respondeu - é para o caso de precisar subornar alguém.
- Bem, a gente pode simplesmente pagar uns 50 golds pra alguém limpar a bagunça - Kitsune disse - sempre tem as pessoas que fazem tudo por segredo absoluto por dinheiro pouco...
- Vamos voltar à pensão - Rafitcha sugeriu - quem sabe a gente consiga algo com os donos da pensão...

Voltaram. Mal entraram, o homem que desmaiara por apanhar no dia anterior assumiu um olhar assustado:
- Não! - disse - nada de encrenca com o governo de novo! Deixem-nos!
- Só viemos pegar nossas coisas... - murmurou Amai, que falava com o típico sotaque e se trajava à moda da cidade.
- Você mora por aqui, não é? - o homem olhou para Amai - não sei o que pensa que está fazendo se metendo com eles... VOCÊ eu deixo. Vá lá, e pegue as coisas. E sumam daqui, vocês todos!
- Está bem... - Kitsune sorriu constrangida.

Amai subiu as escadas, relembrando do caminho: estranhamente apesar de ter passado algumas poucas horas desde a invasão, as escadas estavam limpas. Abriu o quarto: nem um rastro de sangue sequer, tudo limpo. Pegou as bolsas que havia, reparou que estava tudo limpo. Pelo menos a gente não teve que limpar...
Voltou, entregando as bolsas para todo mundo.
- Está tudo limpo - disse Amai - alguém limpou.
Todos deram as costas, e ficaram sentados na calçada, pensando.
- Não podemos ficar na rua - Tatiih disse - é divertido e sem compromisso, mas Raveneh está grávida de oito meses. Não dá pra fazer isso.
- Podem ficar na nossa casa - Kitsune disse - é meio longe, mas é perto do rio.
- Sim, sim - Amai concordou - que tal?
- É uma boa - Rafitcha - lá poderemos nos esconder...
- Sim sim - Raveneh concordou - aposto que será um bom lugar para eu ter o meu bebê.
Todos sorriram.

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Ophelia acordou depois de apenas algumas horas.
- Acorde, Lala - disse - estou cheia da vida.
Lala acordou, intrigada. Rapidamente calçou as botas e ajustou a capa, curiosa.
- Estamos perto de que cidade? - perguntou Ophelia - sabe, estou cheia dessa vida de governar o novo mundo. Quero um pouco de diversão.
- Acho que estamos no leste, perto de Luvingor - respondeu Lala, com admiração na voz. Ophelia era desencanada, mas nunca saíra pra se divertir ou algo assim.
- Vamos.
Ophelia saiu, seus cabelos castanhos esvoaçando com o tempo, o sorriso brilhando. E Lala não achou que era apenas impressão quando as raízes das árvores se retraíram para deixar a Musa Adormecida passar.

- Moço! - gritou Ophelia, batendo a mão no balcão furiosamente.
- Sim? - o moço veio prontamente.
Estavam em um bar, homens enchendo a cara logo de manhã cedo e mulheres sonolentas depois de se drogar.
- Eu quero uma mimatta - Ophelia disse - a mais forte.
- Ophelia! - repreendeu Lala - mas você!...
- E uma pra ela também, mas fraca, sabe - Ophelia disse. Aproximando-se do rosto do moço, sussurrou: - ela é fraca pra bebida, infelizmente.
- Oh sim, claro! - o moço assentiu, sentindo o nervoso - eu virei.
Ophelia sorriu.
- Você tem dinheiro? - Lala perguntou.
- Quem precisa pagar aqui?
A pergunta-resposta foi tão categórica que Lala nem perguntou como a amiga pagaria as mimattas.
Logo o homem veio, trazendo dois copos altamente repletos de mimatta, até a borda. Ophelia pegou a que mais parecia forte (quanto mais espuma, mais forte é) e deixou Lala ficar com a outra.
- Beba, Lala - disse - às vezes nós precisamos nos divertir, sabe.
- Uma Rainha do Novo Mundo não pode se prestar a isso - resmungou Lala, olhando para o cálice.
- Acontece que eu não uma Rainha qualquer, sou Ophelia, a Musa Adormecida - disse a amiga friamente - agora beba.
Lala bebeu, a sua expressão fechada. Mal bebeu o primeiro gole, sorriu e perguntou:
- Você mandou servir mimatta de maçã?
- Si, si - Ophelia riu.
- Estou farta da maçãs. Vai nascer maçã em mim de tanto que eu como maçã. E você manda servir bebida feita com maçã pra mim?
- Si, si.
Pronto, o tempo fechou. Lala pegou o cálice e jogou a bebida - quente - na cara de Ophelia.

Tudo parou. O pianista que tocava suas dores parou. O bêbado que balbuciava parou. Os dois homens que brigavam pararam de brigar. Até mesmo as prostitutas que estavam do lado de fora escutaram e pararam.
Todos sabiam que era a Ophelia, e ninguém a tratava diferente por isso: estavam ferrados de qualquer jeito, então tratar a Musa Adormecida de normal não mudaria em nada nas patéticas vidas dele.
Mas todo mundo achou que Lala iria se ferrar. Se não fosse morta, seria torturada só pelo absurdo de tacar uma bebida quente de mimatta de maçã na cara da Musa Adormecida. Se alguém fizesse isso com o dono do bar, seria morto, que dirá com Ophelia?
Mas Ophelia só fez rir. E riu. E mais um pouco.
- Pensa que é o máximo que pode fazer? - gritou, esganiçada.

- Err - Lala sentiu apreensão por um momento, quase sufocada de tanto medo.
Ophelia olhou para o teto de forma intrigada e somente disse:
- É. Acho que sou fraca pra bebida - e bebeu o resto da bebida - traz mais - pediu.
O homem arregalou os olhos e trouxe a taça como se fosse um fantasma, os lábios tremendo e o suor frio: Ophelia não iria reagir, tipo, explodindo tudo? Então ela não iria confirmar as lendas que corriam a respeito de Ophelia?

Bem, eu como narradora, devo parar a história e dizer uns fatos:
Fato Número Um: as lendas sobre Ophelia surgiram quando ela ainda era uma criança manipulada pela mãe. E todos pensavam em Ophelia como uma criança, mesmo quando as lendas voltaram a correr sobre a volta da Musa Adormecida.
Fato Número Dois: quando Ophelia destruiu o show de Yohana, ela só fez destruir. Mas como você sabe como é boato, logo surgiram "verdades" que Ophelia matara umas pessoas nesse fato. Mas Ophelia é inocente de todos as acusações de assassinatos desde que acordou.
Fato Número Três: e de novo as lendas fizeram seu trabalho de aumentar a importância e exagerar os fatos, então todo mundo pensava que Ophelia era uma pessoa explosiva. Acontece que Ophelia nunca foi o tipo de pessoa que explode ou que se irrita facilmente: ela somente tem uma visão diferente do que é se divertir. Vide a primeira luta com Lala em que quase a matou.
Agora volto a história.

Ophelia bebeu tudo e pediu. E mais e mais e mais. Aí Lala começou a se preocupar. Ophelia já estava tonta, a bebida correndo pelas veias, todo mundo tinha se despreocupado. Lala não falara mais, com medo de alguma reação.
- Como vai, Lala? Não bebeu nada? Oh-Oh - ria - estou com cheiro de maçã.
A pele do rosto de Lala ficava vermelho-tomate, combinando lindamente com o cabelo laranja. Lala queria achar um buraco e se enfiar nele. Melhor ainda, ela queria morrer.
- Ophelia, vamos embora... logo logo vai anoitecer.
Ophelia ria, de forma esganiçada.
- Ora, deeeixe de ster stúpiiida - cantarolou - o Novo Mundo... o Novo Mundo... sabe - respirou fundo e recomeçou - eu era bem criança. Sabe Elyon? Pois é, Elyon, aquela vadia... ela tentou me matar, você acredita? Ha-ha.
- Ophelia, vamos... você precisa descansar...
- Deixe-me, Lala, eu passei anos e anos presa na infância. Não podia beber, se drogar, namorar, sequer sair de casa! - ria - mas eu bebia, oh yeah... eu fui uma criança rebelde. Lala, a minha adolescência só está começando...
- Ophelia, deixe disso, você está bebâda.
- Nada disso - Ophelia se afastou - vou dançar um pouco, música está divertida. Vem dançar também, querida, você precisa se divertir um pouco.
- Ophelia...
- Ah, então tá. Deixa eu te contar... sabe, eu tinha um vizinho. Ele era alto e terrivelmente narigudo e sardento. Oh, mas eu gostava dele, oh sim eu gostava - Ophelia se deliciava com as lembranças - qual era o nome dele? Zu? Ze? Zaaa?... Alguma coisa com Z, não importa...... só sei que... err, nossa estou tonta! Mal consigo ficar em pé, mas sinto como se fosse voar... enfim o vizinho gostava de mim. Um dia, sabe o que fiz? - arregalou os olhos, tentando dar suspense à história - eu botei remédio pra dormir no chá de mamãe, assim que ela dormiu, eu ó: PUF e sai pra casa do vizinho. Fiquei com ele a tarde inteira... eu nunca contei isso pra ninguém...
Lala ficou ainda mais vermelha:
- Ophelia, venha - disse tentando não gaguejar de tanta vergonha - venha... você é de uma desgraça quando bêbado, fica contando tudo. Já deixou se revelar que é Ophelia, ora essa.
A amiga riu e logo começou a ficar sonolenta, tendo que ser carregada por Lala até o jardim. Esta suspirou, resignada.

Estavam diante de um pequeno rio (sim, o Mundo das Fadas é repleto de rios o_o), Ophelia toda molhada e dormindo, Lala acordada e sentada em ângulo reto, as duas debaixo do céu que entardecia devagar.
Lala nunca contou sobre o acontecido, Ophelia não tentou relembrar, os homens que assistiram à cena lamentaram por Lala ter impedido a decadência total de Ophelia (queriam muito que ela tirasse as roupas e dançasse. Ou algo assim) porém também nunca contaram a alguém que haviam assistido a Rainha do Novo Mundo completamente bêbada. Mas estes homens foram os primeiros humanos que influenciaram vários outros para guerrearem a favor de Ophelia.

domingo, 4 de maio de 2008

Parte 26 - É estranho chorar - Homenagem à Renegada (O Último Capítulo. Emo. Portanto é o fim da saga emo mega-depressivo, oks?)

Clique aquiagora e deixe baixando. Quando começar a falar de Catherine, você dá 'play' e começa a ouvir, lendo. Oks? Obrigada. Ah, sim, é pra OUVIR a música. Você não precisa ter assistido a série em questão, eu também não assisti :P

Ophelia respirou fundo. Lala caiu simplesmente morta no chão, suspirando de tanto cansaço:
- Eu não aguento mais convocar bicho feio - disse.
Ophelia riu, e atirou umas maçãs:
- Coma-as.
- De novo? - Lala reclamou. Ultimamente era só maçã de todos os tipos possíveis - não temos carne no cardápio?
- Pare de reclamar - Ophelia sorriu - logo a situação vai melhorar.
- Com certeza -.-
E comeu as maçãs, resmungando - simplesmente porque estava entediada de tanta maçã.
- Quando você acha que vai ser possível começar a destruição?
Ophelia só olhava a mação, pensativa.
- Acho tão engraçado esse povo que destrói e diz que quer um "novo mundo". Não percebem que é um truque velho e manjado... Sabe, fazem rir. Eu quero construir um mundo novo também, quem não quer? Mas um mundo em que eu seja a deusa, em que somente eu seja considerada adorada... Imagina um mundo desses?
- E como ficariam os demônios? - perguntou Lala.
- Livres - Ophelia resmungou - é o único jeito, senão não me apoiariam.
- Que apocalipse, então - Lala comeu mais um pedaço - demônios soltos são o inferno. E não acho agradável esse mundo aí... não dá pra mudar um pouco?
- Nossa, Lala, como você é reclamona - Ophelia riu - com pena das suas companheiras? Ok, eu deixo poupar as suas companheiras, as fadinhas pululantes pra lá e pra cá... elas são tão doces, coitadas, não iriam aguentar conviver comigo.
- Você é tão cruel, Ophelia.

Há apenas alguns dias, Lala ficaria calada concordando com tudo que Ophelia diria. Mas esses dias que viajaram juntas, convocando tudo que era bicho perigoso, acabaram transformando as duas em grandes amigas, do tipo que uma daria o sangue pela outra. Então Lala se permitia brincar, criticar, brigar com Ophelia: sabia que apesar de Ophelia ser do tipo impulsiva, jamais prejudicaria Lala.
Sim, a confiança tinha crescido de um modo absurdo e anormal.
Lala suspirou, fechando os olhos. Iria descansar, finalmente...

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Estava quase amanhecendo, Catherine andando nas ruas. Havia uns bêbados aqui, outros ali. Eles murmuravam obscenidades, riam quando Catherine passava, as lágrimas secas, a expressão fechada, o vestido amassado.
As estrelas brilhavam, pálidas, as nuvens se fechando. Catherine parecia andar sempre serena, mas algo no seu jeito a fazia parecer uma drogada. A sua barriga já aparente, seu cansaço e algo que ninguém conseguia definir a faziam parecer uma perfeita princesa abandonada. Acontece que Raveneh ou Catherine não abandonou ninguém, simplesmente buscaram um motivo para se vingar.

Porque voltaram? Não fora covardia e Raveneh odiava admitir isso: preferia a mentira de que era melhor acabar com isso. Mas simplesmente não queria encerrar a vingança que Catherine começou? A irmã e a mãe já foram mortas, agora não seria a vez dos irmãos? E não seria melhor começar com Jorge? Mas era tão difícil admitir isso que Raveneh preferia morrer. E Catherine não deixava.

Era tão estranho, tão irreal. E estava tão frio, o ar sempre pesado e gélido, como se fosse um sonho. O vestido parecia pesar mil toneladas, os passos pareciam se arrastar, a barriga era algo incômodo. E Raveneh queria chorar, mas Catherine não deixava. Odiava isso, odiava negar algo a outra metade, mas como podia permitir que Raveneh simplesmente chorasse? As lágrimas lhe pareciam uma maneira odiosa de lamentar a situação, quando Catherine preferia simplesmente dar umas porradas em todos os irmãos. Mas Catherine sabia que não podia, não agora: tinha uma vida a zelar, uma vida que carregava dentro do ventre. E agora, antes da adolescência, tinha gente que não queria perdê-la. Raveneh era amada pelo Johnny, Rafitcha, Fer, Kibii, Umrae, Doceh, Ly, Maria e tantos outros amigos. Agora tinha gente que cuidava de Raveneh, que se preocupava e que a amava: como podia se atirar em um suicídio sem se preocupar com elas?

Lembrou-se de Renegada. Aí sim, Catherine se sentou no meio da rua, deixando Raveneh chorar. Maldição, era tão difícil. Lembrou-se da primeira vez que a encontrou: "eu me chamo Renegada". Lembrou-se quando cantavam juntas nas estradas, sempre rindo. Era a melhor amiga que tivera. Essa sensação chegava a ser odiosa...

In my hands
A legacy of memories
I can hear you say my name
I can almost see your smile


... simplesmente porque Catherine odiava sofrer por alguém. Lembrava-se, participara junto com Raveneh, daquele vulto lhe sorrindo antes de morrer. Aquele sorriso pedindo para cuidar de Arthur, o filho que tanto amava... será que seria capaz de ir pelo mesmo destino? Era suicídio correr atrás de Jorge agora!

Feel the warmth of your embrace
But there is nothing but silence now
Around the one I loved
Is this our farewell?


Agora não dava, definitivamente agora não dava. Mas era tanta sede, era tanta vontade... Raveneh chorou mais um pouco. Fechou os olhos, tentando se lembrar das tranças da amiga, dos seus olhares tristes e compreensivos. Nunca percebera, fora retardada demais: mas agora tudo fazia sentido: a apreensão de Renegada quando Raveneh resolvera se juntar a ela nas viagens, os momentos pensativos, as suspeitas que Maria tinha sobre a garota...

Sweet darling you worry too much, my child
See the sadness in your eyes
You are not alone in life
Although you might think that you are


Foi cedo demais, foi tarde demais. Foi como um soco no estômago. Depois de tudo, depois que fora obrigada a se confrontar com Raveneh, depois que fora obrigada a admitir que cometeria crimes hediondos em nome da paz de Raveneh... Catherine passou a se odiar quando percebeu que Raveneh não queria mais se vingar, não queria mais voltar... quem estava errada agora?

Never thought
This day would come so soon
We had no time to say goodbye
How can the world just carry on?


Renegada acreditara na vingança plena. Tanto acreditara que a morte fora o destino, mas Raveneh sabia que se não fosse a morte o fim, a vingança não seria feita. Raveneh não era uma fada das trevas, Catherine muito menos: não tinha nenhum mujiid para aparecer sete dias antes de morrer. Não sabia qual dia morreria, e não tinha ninguém para lhe dizer o "certo" e o "errado". Johnny só se preocupava com a sua segurança, todos os outros também. Era tão difícil...

I feel so lost when you are not by my side
But there's nothing but silence now
Around the one I loved
Is this our farewell?


Renegada sempre vivera sozinha, mesmo nos seus dias em que amou o Rei. Sempre estava sozinha, sempre, sempre. Mesmo quando tivera seu filho, ele lhe fora arrancado. Quando chorara sozinha todas as súplicas, o mundo parecia não se apiedar. Estava sozinha, e nisso Catherine se identificava tanto! Odiava-se tanto por sofrer a morte de alguém, mesmo sabendo que por mais que Renegada não respirasse mais, ainda assim ela estava ali. Não era espiríto, não era alma ou assombração: era simplesmente o sorriso, os risos, a mesma expressão triste e consoladora. Catherine se lembrava do que Renegada falava, se lembrava de como foram amigas por tão curto tempo e com tanta intensidade. Renegada quase não conversava com os outros, quase nunca conversavam entre elas. Era tão estranho uma amizade assim, em que palavras não costumam ser ditas. Mas Raveneh tinha isso, sabia o que era isso. Sabia o que era ser a única pessoa realmente confiável em toda a vida de alguém, e ainda assim não poder saber disso.

So sorry your world is tumbling down
I will watch you through these nights
Rest your head and go to sleep


- Por quê? - não se sabia se quem perguntava era Raveneh ou Catherine.
Mas Raveneh já chorara todas as lágrimas, Catherine não. Reprimira a si mesma por tanto tempo, se preocupara tanto em proteger Raveneh, criara uma proteção quase impossível de se remover em cima da outra face. Será que na verdade quem não podia aguentar era Catherine? Será que Raveneh sempre fora forte? Será que a doçura de Raveneh era somente característica dela, não um fruto de anos e anos sendo protegida?
Eram duas mulheres habitando o mesmo corpo...

Because my child, this not our farewell.
This is not our farewell.


- Johnny me acha fria - no meio das lágrimas, Catherine riu. Ela era fria, o que estava pensando, se prestando à uma estupidez dessas? Era quase como se Renegada estivesse ao seu lado, dando a mão para se levantar. Era como se Renegada estivesse ali, lhe dizendo para parar com tanta tolice, porque tinha um bebê e um homem, e todos lhe amavam. Um homem que a odiava não era nada, e Raveneh achava o fim do mundo. Será que era Raveneh que achava o fim do mundo, ou seria a Catherine? Raveneh não se lembrava do que Jorge lhe fazia, Catherine nunca permitira. Assim como Raveneh não conseguia se lembrar das coisas mais cruéis que a mãe fazia, e todos os momentos que o pai fora bom, Catherine vivera junto com Raveneh. Não por egoísmo, simplesmente porque Catherine queria respirar alguma coisa boa. Tonta, Raveneh se levantou.
Levante-se.
Catherine respirou, era tão estranho. Não sabia quais emoções ou pensamentos compartilhava com Raveneh.
Eu sou nada mais nada menos que Raveneh. Eu sou Raveneh.
Raveneh sorriu.
E eu sou Catherine também.
Pessoas tão diferentes, vidas tão diferentes em volta de uma mesma família... como podia?
Raveneh somente sorriu, sorriu para si mesma. E convenceu Catherine que agora não dava, não agora. Catherine aceitou, pela primeira vez se submeter a Raveneh, voltar.

E ambas deram meia volta e voltaram, apoiadas nas boas lembranças.

Música: Our Farewell - Within Temptation {sugerida por Umrae. Thanks, Umrae!}