A pomba branca chega com um gordo envelope de manhã. A distância entre o castelo e as Campinas não é muito grande nem para as pessoas que vão caminhar, imagine para um pássaro.
- Três cartas! - grita Maria - uma contando o que escutara e duas pessoais! Johnny, cadê você?
Johnny que comia morangos distraidamente recebe a sua carta, sendo observados por olhares maliciosos.
- Uma carta pessoal para Johnny! - cochicha Tatiih rindo disfarçadamente.
- Eles pensam que enganam todo mundo - ri Rafitcha.
- Ah, mas o amor é lindo!... - sussurra Umrae docemente.
Raven e Maria escutam os comentários e riem.
Johnny sem escutar nada, sorri ao ler a primeira linha escrita por Raveneh. Ficou contente. Pelo menos Raveneh estava bem...
- Hey, Johnny! - disse uma voz feminina ao seu lado.
- Olá, Fer - cumprimentou Johnny escondendo rapidamente a carta.
- Cartas pessoais, Johnny? - indagou Fer com um sorriso malicioso - vai responder-la?
- Err... - Johnny hesitava - eu... eu vou responder sim. Porque?
- Todos estão comentando, sabe - murmurou Fer descontraida limpando uma faca muito afiada.
- Comentando o quê? - Johnny estava muito pouco a vontade com aquela conversa.
- O porquê de uma carta de Raveneh somente para você - explicou Fer rindo. Quanta ingenuidade tamanha em um rapaz que era mais velho! Onde Fer nascera e vivera, não tinha isso. Os ingênuos e inocentes eram passados pra trás facilmente, e os mais espertos eram quem mandavam na situação.
- Ahãm... Eu e Raveneh somos somente amigos - desconversou Johnny mordendo o lábio inferior.
- Tá, eu finjo que acredito - riu Fer - bem, vou treinar um pouco. A gente entra em guerra amanhã ;x
- hmmm... ok - Johnny murmurou, contendo o alívio de Fer sair de perto dele. Não queria intrusos lendo a carta de Raveneh atrás dele.
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Fer afiava seus punhais com todo o cuidado. No dia seguinte entraria em guerra, e ansiava lançar os seus afiados punhais nos soldados: seria a primeira guerra que participaria, já que tinha somente quatro anos na Primeira Guerra. Mas se lembrava de Joe contando as façanhas na guerra, uma mulher muito chorona e suplicante lamentando a perda do marido e dois filhos na guerra, o avançado treinamento que recebera.
Fer nascera em uma cidade-estado parecida com Esparta - aliás esta cidade-estado foi a inspiração para Esparta. Todas as crianças que nasciam com algum problema como ser aleijado, corcunda ou qualquer coisa assim eram mortas no mesmo instante. Somente cegos, mudos e surdos eram poupados da terrível morte no abismo. Ao nascer, Fer fora abandonada em um orfanato. Descobriu quem eram seus pais (anos mais tarde) e soube que seu pai era um respeitavel senhor que tivera um caso com uma criada, sua empregada. O pai estava muito doente, e a mãe não resistira ao parto. Logo depois de abandonar a filha no orfanato, morreu. E foi sepultada como indigente, em uma vala comum. E Fer vivera no orfanato a vida toda. E até os seus cinco anos, aprendia a ser serva. Mas um dia vira dois meninos lutando entre si, e pediu uma espada de madeira (era assim que as crianças aprendiam a lutar). E o professor, desacreditando do sucesso daquela menininha de cinco anos, deu uma. Não é que Fer entrou no estádio e desafiou os dois garotos? O professor já estava escandalizado. "Ela vai ser massacrada!" pensara. Mas os meninos, de sete anos, aceitaram o desafio. Em poucos golpes, Fer derrotara os dois meninos. E o professor ficou pasmo. Uma menininha de cinco anos vence dois garotos de sete anos! E ele a adotou. E pagou todo o seu intensivo treinamento para ser uma guerreira. Fer passou dos cinco aos treze anos como filha adotiva de Luck, o nome do professor. Era uma casa bonita, e Fer gostava muito dela. Tinha um quarto próprio e nunca Luck deixara alguém machucar-la seriamente, somente em campo de batalha quando estava lutando. Lembrava das conversas na sala de jantar onde todos conversavam. Tinha a Mary, Karla, Joe... Ah, Joe! Joe era um velho amigo de Luck, amigo mesmo como nunca se vira na vida. Ele estava lutando quando Luck adotara Fer, mas logo depois voltaram. Joe era como um segundo pai para Fer, já que Luck era o primeiro pai que tivera na vida. E tinha a Mary como mãe e Karla como uma irmã. Oito, nove anos vivendo em um ambiente familiar, onde Fer se sentia da família. Mas quando faltavam poucos meses para completar quatorze, acabou perdendo tudo. Um ataque inimigo de outra cidade-estado invadiu a casa.
Fer chorou ao relembrar a triste noite em que a sua vida mudara pra sempre.
Era escuro, lua escondida sob as nuvens, um ar meio pesado e estranho. Fer brigara por um motivo besta qualquer com Luck, coisa de adolescente que vive brigando. E fora pra cama emburrada. Depois de poucas horas, acordou com um barulho. E rapidamente sentiu cheiro de queimado. Rapidamente se levantou, e sem nem pensar duas vezes, trocou de roupas. Quem quer que seja, não ia ser raptada ou assaltada de camisola! Pegou uma espada, avançou pelos corredores. Viu na porta e tremeu de medo. Dez ou onze homens seminus, expressões raivosas, cabeças raspadas, e tatuagens agressivas (não, não tem nada a ver com o Rei do reino principal da história, tá?). Olhos maus, dentes amarelados e podres, isso se tiver dente! E as unhas sujas e enormes, um arranhão com essas unhas não seria nada desprezivel. Logo sentiu que estavam Luck e Joe atrás de si. Eles também haviam acordados com o barulho.
- Luck, pega lá a minha faca... - pede Joe num cochicho, no idioma que somente o povo daquela cidade-estado usava. Naquele pedaço de terra, tinha um idioma em comum como o inglês hoje em dia, que quase todo mundo entende metade. E eles costumavam se falar neste idioma. Mas Joe falou em outro idioma, uma língua tão antiga quanto andar pra frente.
Luck corre até seu quarto, pega duas facas: uma pra ele, outra pra Joe. Volta.
- Fer, você sabe lançar punhais, não sabe? - pergunta Joe sibilante, no idioma local que Fer entendia muito bem.
- Sei - Fer responde com um sorriso maldoso e mira uma faca.
Fer tem o mesmo talento que aquele cara, o tal atirador de facas, um negócio assim. Aquele que joga facas num grande círculo, onde no meio sempre tem uma moça bonita cheia de curvas. De modo que Fer mirou e atirou um punhal, que acabou bem no meio de um traseiro de um homem forte. O homem berrou de dor, e todos mais riam da faca enfiada no traseiro do que ajudava o colega. E bem na hora que o homem acabou por morrer, que sacaram que era alguém jogando faca neles, Luck acionou o alarme: puxou a corda que fazia bater o sino, o que acordou a cidade inteira. Deu três badaladas: sinal de guerra. Todos se levantaram e se armaram. E não eram pouca gente que morava na casa e sabia lutar: aquela casa foi feita especialmente para homens que vinham de outros lugares e iam na cidade-estado somente para aprender a lutar.
Foi a maior batalha sangrenta. Lutar para Fer era coisa de diversão, mas percebeu que fora treinada para lutar em situações como esta: sangue e mortes. Pensou na Mary que estava grávida, e apavorou-se. Correu até o quarto de Mary, fazendo-a ir por um caminho oculto para se esconder rapidamente. Um alçapão onde as crianças, mulheres que não lutavam e idosos se esconderam. Fer lutou até o último instante, até desmaiar com um golpe.
Acordou horas depois. Os homens invasores acabaram indo embora, tamanha foi a resposta violenta que receberam. Mas houve muitas mortes, inclusive com Joe e Luck.
- Luck? - choramingou Fer ao ver o homem que acreditara nela e lhe dera uma família decente - Luck?
Sacudiu o amigo de Luck, Joe. Nenhum dos mexiam. Mary ajoelhou-se em frente aos dois corpos, examinou-os.
- Fer... - murmurou Mary com os olhos lacrimosos - eles estão...
- Oh, meu Deus - gritou Fer. Chorou. Nunca chorou tanto.
Não quis lutar durante duas semanas inteiras, de tão arrasada que estava. Só chorava copiosamente, relembrava momentos divertidos. Nunca Fer sentira dor igual. Nem quando ficou em coma por quatro dias, em decorrência de uma fratura enquanto caçava. Ou quando apanhara sem saber porquê enquanto ia fazer a feira. Nunca soube o motivo de quatros meninos enormes baterem nela, quando ela tinha sete anos. Ela conseguiu revidar, mas apanhou um bocado.
Fer se despediu de Mary e Karla, dizendo que ia caminhar por aí, achar um destino. Foi numa dessas estradas que encontrou as Campinas.
E encontrou de novo uma família que a acolheu.
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