domingo, 24 de maio de 2009

Parte 84 - Como se afundar.

Catherine quis fugir.
Fugir para bem longe, nunca mais encontrar alguém com poder igual ou maior do que o dela. Aliás, queria viver uma vida que não encontrasse ninguém com alguma magia. Sentia seu ombro sangrando, mas sabia que a dor que vinha de seu peito não era pelo ombro, é pela perda. Pelo fracasso, pela ingratidão.
Olga me perdoaria?
O cristal ao seu redor. As estátuas espatifadas.
Coisas pequenas, mas juntas formavam uma bagunça cristalina tão imensa, e com pingos de sangue! Viu que aquele demônio a quem quase matara junto com Elyon acordara, e agora encarava tudo com medo. Abraçava os próprios joelhos e tremia covardemente, os cabelos caídos em cima do rosto.
- Pronto. Agora falta você, minha doce Catherine - Ophelia se levantou, afastando uma Elyon morta do colo. Seu corpo estava normal, exceto pelos braços que mais pareciam estarem amputados: as pinças se tornaram finas demais para serem reconhecidas como parte inteligente do corpo de Elyon. Catherine se levantou, as lágrimas correndo.
Não que tivesse algum amor pela própria vida.
É que simplesmente foi um choque constatar o real poder de Ophelia.

Jamais imaginara que Ophelia conseguia alguma coisa além de modificar o próprio corpo para lutar. Vira a espada nas costas de Elyon, espada que sequer foi utilizada. Era uma verdadeira relíquia da época que os demônios dominavam o mundo e que as fadas eram pequenas demais, donas de coisas pequenas demais. Mas nenhuma espada seria suficiente para conter Ophelia. Realmente acreditava que Ophelia se limitava ao próprio corpo, porém tal limite era vago demais. Mas agora...
... Ophelia conseguira destruir Elyon sem precisar ferir sua face.
Como assim?
Quando foi que Ophelia aprendera isso?

- Céus - Catherine se encostou à parede.
Não conseguia entender.
Ainda que Ophelia fosse mais poderosa, como Elyon perdera tão fácil? Ela poderia ter feito qualquer coisa: se transformado totalmente, ter movido as suas pinças contra Ophelia, ter manipulado as sombras como fazia de brincadeira em dias de paz, ter feito qualquer coisa! Mas... ela simplesmente encarou a Majestade e mal tempo de gritar teve: desabou, seus olhos vítreos, espada perdida, pinças fracas, corpo frio.
- Majestade, pare! - Alicia gritou de repente.
Ela não devia ter feito isso.
Estava sendo testemunha de uma coisa muito importante: a subtração de uma Musa e a demonstração de um poder desconhecido, mas mortal. Então porque não aproveitava e assistia o espetáculo, calada, do começo ao fim? Tinha que gritar? Tinha que dar uma de Mayu parando Lucy e Nana*? Ora!
Ophelia a encarou com despeito, como se não acreditasse em tamanha ousadia.
- Saia daqui, Alicia! - gritou, ao mesmo tempo que Catherine também berrava:
- Fuja daqui!
Alicia parou, temerosa. Tremia dos pés à cabeça, sem saber o que fazer. Não queria fugir, seria covardia demais. Mas também queria fugir, porque ficar era estupidez. Voltou ao quarto onde Lala dormia, confusa e com a visão turvada pelas lágrimas. Abriu o armário, com várias roupas de Lala. Não queria pensar que era um roubo, quando simplesmente escolheu um manto negro para se cobrir. Fugiria. Sim, fugira dali antes que morresse. A cada dia que passava, Ophelia estava a beira da loucura. Lala estava inconsciente e ferida, Ravèh morreria provavelmente, a família real já perecera, e Ophelia matara uma das Musas pela primeira vez em anos e anos.
Se perguntou o que Lala acharia disso.
De tudo isso.
Se sentou na beirada da cama, encarando Lala adormecida. Nunca reparara em como ela era estranhamente bonita, com os lábios meio que alaranjados e os cabelos que pareciam queimar de tão viva que era a cor. Havia sardas sutis no nariz e nas bochechas, e ela dormia de um jeito que a fazia parecer um anjo. Nada daquela criatura terrível que era o apoio emocional de Ophelia.
- Ah, Lala! - Alicia suspirou - porque está do lado de Ophelia?
Desalentada, saiu do quarto. Para onde? Não sabia. Mas para qualquer lugar que ainda fosse são, porém duvidava que existisse um lugar desse no mundo.

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O pântano era lamacento, mas isso não era novidade nenhuma.
Ratta estava molhada de lodo até as coxas, tentando alimentar um dos dragões negros. Segurava uma anta enorme, e o dragão parecia querer recusar a comida. As órbitas eram fundas e a cor negra se misturava a cor de osso presente nos chifres e nos dentes. Ela resmungou, sacudindo a anta na frente dele.
- Vamos! - disse brava - olha que deliciosa anta!
A anta não era nem um pouco deliciosa se fosse julgar pela visão, mas era só um detalhe. Ao mesmo tempo, Polly se ocupava com as correntes de ferro, verificando se estavam bem ajustadas. Bel estava não-sei-aonde, e todo o resto do pessoal que cuidava dos dragões negros estava dormindo de dia para assumirem o turno de noite.
- Finalmente! - Ratta resmungou, quando finalmente conseguiu fazer com que o dragão comesse a anta. Mastigou-a ruidosamente, a carne sendo dilacerada pelos afiados dentes. Conseguiu com que o dragão ficasse quieto, e aceitasse descansar junto aos negros dragões irmãos. Ratta suspirou, e saiu do pântano, sentando em uma das pedras em volta. Erevan apareceu, os cabelos negros revoltos lhe dando um ar sombrio. Ele parecia ser o senhor de alguma coisa bem sinistra, como o lorde de um castelo amaldiçoado.
- Bom dia, senhoritas - Erevan cumprimentou amigavelmente - achando muito difícil?
- Em Grillindor, nem é - Ratta confessou - eles são bem tranquilos. Mas aqui... diabos, tenho vontade de arrancar o couro deles!
Erevan riu, seu sorriso se tornando gentil e lhe conferindo um ar mais gracioso à sua atmosfera sombria. Ratta passou a mão nas orelhas de gato que tinha no crânio, uma caracteristíca estranhamente felina que tinha, assim como o rabo. Nunca entendera o motivo de ter essas anomalias, mas não era um incômodo completo (exceto pela parte de que tinha que se sentar de tal forma que o rabo não lhe atrapalhasse e também tinha que fazer um furo em toda calça que tivesse, mas eram detalhes a que ela já tinha se acostumado). Seus olhos esverdeados brilhavam na iluminação lúgubre que aquela região tinha. Provavelmente era evitada pelo povo das Campinas, de tão fácil que era se perder lá. Felizmente tinha muitos animais por lá, e não seria necessário tanta comida para alimentar os dragões. Quando se deu conta, Keishara se aproximou, sorrindo.
Se instalou ao lado de Erevan.
- Como vão? - perguntou, ao que Polly respondeu:
- Não sei - ela ajustou as correntes, verificou se todos os dragões estavam dormindo e suspirou, aliviada. Tinha feito tudo o que tinha de ter feito. Não saiu da lama, não estava muito incomodada a medida que as calças se ensopavam de lodo. Ela resmungou qualquer coisa, e chamou por Ratta - sua desgraçada - gritou - foi descansar enquanto me ferro aqui com essa maldita lama?
- Ora, os dragões já dormem - Ratta disse tranquila - o que de mal pode acontecer?
Polly só a encarou de forma muito irritada, fazendo Ratta rir, enquanto se levantava e ajudava Polly a sair de toda aquela lama, pois as rochas eram muito escorregadias e Polly parecia ter alguma deficência na medula espinhal de tão estabanada que era. Devia ter ido cuidar dos dragões azuis, onde mergulharia os pés em areia, mas Bel sabia que Polly se ajustava perfeitamente ao seu jeito desajeitado em superfícies escorregadias.
- Olá? - Rafitcha chegou. Parecia estar tímida, embora seus traços permanecessem duros e furiosos - trouxe o lanche.
- Arigatô - Ratta sorriu. Achava aquela mulher morena alguém muito doce, apesar do ar cansado que transparecia frequentemente - você é?
- Rafitcha - respondeu, entregando a cesta nas mãos de Ratta - sou residente de Campinas desde a minha juventude.
Polly abriu o cesto, vendo que tinha um pedaço de bolo de trigo. Sorriu, engolindo-o. Ela sorriu generosamente:
- Obrigada - disse - caçaremos algum bicho hoje, para termos carne no jantar. Que acha?
- Bela idéia - Rafitcha disse friamente - quem sabe os nossos estômagos se sintam bem.
Seu sorriso foi gentil até.
Mas havia em seu semblante um cruel ar de tristeza. Ela deu as costas e saiu, indo até o celeiro. Tomaria os ovos das galinhas e seria a última vez que teriam ovos. As galinhas tinham posto bastante, mas elas bem se lamentavam.
A última vez que teriam ovos.
Pode não parecer, mas cada vez mais os habitantes de Campinas se viam afundados em depressão. E ovos faltando é só uma minúscula parte disso tudo.

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Catherine não chorou.
Ela estava ferida, e não se regenerou. Estava tonta demais para tentar algo do tipo, e sentia que seria uma traição caso ficasse bem. Olga morrera para que todas ficassem bem, Elyon perdera na luta porque fizera uma estúpida promessa de vingar Olga e não conseguiu. Agora ela que estava com esse destino nas mãos. Todas as outras companheiras fugiram da luta, e foram fiéis ao desejo de Olga. Mas ela mesma, estúpida e idealista, fora com Elyon em busca de sede.
E esqueci que eu não poderia perder mais alguém...
- Oh, céus - Catherine deu um passo para trás, perguntando-se como cargas d'água chegara a aquela situação. Parecia-lhe irreal. Elyon caíra, Ophelia tinha muito mais poder do que demonstrara, as lágrimas pareciam querer escapar dos seus olhos, mas tentava resistir. Como resistir, como aguentar? Dizem que Deus nunca dá um fardo maior do que a pessoa pode aguentar...
... sabemos todos que é mentira.
Encarou Elyon, caída, e não conseguiu mais. Chorou.
- Para trás!
Quantas vezes Elyon lhe empurrara para trás, julgando-se capaz de salvar a amiga? Quantas vezes ela encarara a fria lâmina? Quantas vezes ela se lamentou?
- Olga? Olga se sacrificou para manter a gente viva e você vem e diz que vai morrer por ela!
E agora embarcara na loucura. Droga, droga, droga. Devia ter dito 'não', devia ter falado que não podia, devia ter derrotado Elyon na luta, devia ter prendido ela em casa, devia ter protestado. Devia ter machucado mais a amiga só para protegê-la de algo que ela não podia curar. Devia ter feito tantas coisas, que nunca fez...
Abraçou a própria barriga, cansada, entregue, ofegante.
- Já chorou? - Ophelia murmurou. Parecia compadecida, sentindo alguma compaixão. Mas sabia as duas, Ophelia e Catherine, que compaixão não existia ali. Existia somente a frieza, a crueldade. - é a sua vez agora.
Quando Ophelia golpeou Catherine, ela se defendeu.
Defendendo-se, recuava, as lágrimas lhe cegando a razão. Ophelia conseguiu segurar seu braço, Catherine parou de tentar fugir. Fugir não levaria a nada, só a alguma solução não muito agradável, e ela desabou. Desabou mil vezes na própria consciência, amargurada pelo arrependimento e agora tudo lhe parecia inútil. Só lhe restava não repetir o erro pela segunda vez: aprender que deveria ficar viva de uma vez.
Não recusou, estava com medo de que seu braço fosse rasgado. Não sabia se aguentaria uma regeneração tão intensiva do tipo, e só queria mergulhar a si mesmo em autopiedade.
Se houvesse alguma música para esse momento, seria uma o tema de Kamiya Kaoru, somente instrumental. Porque as notas ressoavam em sua cabeça de forma depressiva, como relances de paixão que se perdeu no tempo. E quando a música ficava mais alta, era porque Catherine sentia, sentia muito mais dor, fisgada no peito que lhe feria inebriantemente. Ela fechou os olhos.
Não, não iria morrer.
Deu um sorriso desajeitado e ignorou Ophelia quando ela se aproximou.
Ela afrouxou a segurança do seu braço, Catherine se livrou.
E como um tigre acuado, se afastou, recolhendo-se à parede de cristal. A encarava como alguém que sentia medo e coragem, como se eles fossem a mesma coisa. Alguém.
Alguém.
- Não pense em escapar!
Ophelia se moveu rapidamente, pés deslizando pelo cristal, cabelos esvoaçando e estranho aroma de terror no ar, fazendo Catherine cobrir a cabeça com as mãos, a espera do golpe decisivo. Sentiu um dos punhos roçar em seu ombro, no machucado, o suficiente para lhe provocar um intenso choque que lhe paralisava. Ela ofegou. Musas nunca deveriam ofegar.
- Não - Ophelia lhe pressionou a garganta - não.
Foi como cair em um profundo abismo.
O céu azul ficava cada vez menor, a escuridão lhe engolia cada vez mais, as trevas eram cada vez mais presentes, e sentia mais e mais frio. Piscava os olhos, confusa, as lágrimas lhe atordoando e a dor se fazendo ficar tão presente que a tornava surda e insensível aos golpes e gritos da oponente que lutava com fúria, tentando lhe asfixiar. Sentia aquela estranha consciência de que tudo terminaria ali.
Melhor se terminasse.
Uma mulher pode dizer que a maior dor que já sentiu é a de parir uma criança, e um homem se sente profundamente ferido quando tem os órgãos baixos atingidos por um belo chute. Mas Catherine não era um homem e nunca teve um filho, de modo que se fosse interrogada depois, ela diria que a maior dor aconteceu no momento exato que ela bateu a cabeça para trás, tentando se desvencilhar de Ophelia, e sentia a garganta sendo comprimida, o ar lhe faltando, o coração batendo acelerado, desespero e lágrimas lhe dificultando a respiração mais do que o comum. Para ela, foi como se Ophelia estivesse abrindo sua traquéia, remexendo em seus ossos, comprimindo suas artérias.
- Estava pensando em lhe deixar viva - Ophelia sussurrou - pelo que me lembro...
Ela chegou mais perto, deslizando cada vez mais próximo, sua voz tão macia.
- Você era amiga daquela - Catherine perdeu a consciência quando bateu de novo a cabeça.
Não iria adiantar. Ophelia podia ser menos experiente, mas a consciência perversa semeada pela mãe lhe impulsionava, e ela já sabia o suficiente para se virar. Era claramente cruel, e Catherine não duvidava de que ela fosse psicopata.
Se perdeu na escuridão, seus olhos se turvando.
Seu coração que havia parado de bater retomou as batidas calmamente.
Estava por um fio, mas ainda não era o suficiente. A morte lhe abraçou por um momento, mas o abraço não durou o tempo que Catherine queria. E, sentindo-se gelada, percebeu que ainda estava no castelo, seu ombro doía, à mercê da rainha mais cruel que esse reino já vira. Deslizou para os braços de Morpheus a contragosto.
Precisava de paz.

* Mayu: personagem do anime e mangá Elfen Lied que tenta fazer com que Lucy e Nana parem de lutar (e elas não escutam, obviamente, e o saldo da luta é [spoiler episódio 4] que Nana tem os quatro membros aniquilados, sendo obrigada a usar próteses. Pelo menos ela não sente mais dor depois, se alguém pega seu braço ou perna).

Sim, acho que imaginarei a reação 'capítulo enrolation'. Sorry... esse capítulo era pra ter terminado na segunda-feira, porém recebi uma notícia triste que me abalou muito... talvez eu tenha escrito os últimos parágrafos imersa na melancolia, e acho que o resultado saiu mais superficial do que eu esperava. Descobri que a minha tendência é inversa ao 'normal': escrevo melhor quando estou feliz. Mas agora estou melhor, afinal nada se pode fazer contra a morte, exceto aceitá-la. Não é? Eu escrevo sobre mortes o tempo todo, então a minha atitude deveria ser encará-la como natural. E uma semana depois da notícia, estou bem ^^
Ratta, de que religião você é? Que eu me lembre, é só a wicca que acredita nos elementais, não consigo lembrar de outra :B
E sim, Umrae, o pessoal de Campinas já está com medo e esse pessoal de Grillindor só assusta mais: eles não sabem se desconfiam ou se confiam. Bel foi bem egoísta em ter pensado em Zidaly, enquanto ela deveria se concentrar no problema maior. Porém mesmo ela não se sente uma heroína: só foi pagar um favor que devia a Umrae e salvar a própria pátria do avanço dos demônios antes que fosse tarde. E assim se aplica ao resto dos 'salvadores'. Ainda haverá muitos conflitos entre os dois grupos, principalmente nessa questão de 'heroísmo'. Afinal deve ser assustador receber a missão de ganhar uma guerra para que um 'país' não se afunde no abrigo de uma vez por todas, assim como deve ser aterrorizante perceber que precisa de pessoas egoístas para conseguir viver normalmente. Quero tratar bastante todos os pontos de vista: o de Rafitcha que não consegue confiar, o de Umrae que recebeu o encargo de salvar o país, o de Bel que quer salvar todo seu exercíto sabendo que isso tem poucas chances de acontecer, enfim, todos. :)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Parte 83 - No limite.

- Oh!
Elyon puxou Ravèh e a jogou de volta contra o muro, o que fez a vítima gritar de novo.
De novo.
E de novo.
- Sim, garota - Catherine encostou a cabeça de Ravèh contra uma das paredes ainda em pé - sim, sim.
Ravèh tentou se levantar, mas mal tinha forças. Na última hora que se seguira desde o primeiro golpe, só apanhara impiedosamente. Catherine e Elyon... sabia muito vagamente que elas eram tão poderosas, só perdendo para Ophelia. Fora burrice, devia ter saído do caminho delas. Mas se lhe contassem sobre duas Musas socando alguém (ainda que esse alguém fosse um demônio), jamais teria acreditado, afinal Musas eram lindas e boas e elas viviam para ajudar a humanidade.
Que estúpida mentira contada para acalmar as pessoas.
Até parece que alguém tão poderoso se curvaria para ajudar pessoas por puro prazer.

Ravèh moveu a cabeça pra trás, na tentativa de estancar o sangramento nasal, mas a tentativa foi interrompida com um tapa vindo de Elyon. Ela já estava muito mais desarrumada, seus olhos já se reviravam de tontura. Estava lutando bêbada, assim como Catherine. Mas ainda assim lutavam e muito bem, tinha que admitir.
- Vamos lá, demôniozinho - Elyon zombou - o que você consegue fazer?
Ravèh se levantou, ficando de pé, surpresa por ter conseguido sem ter um vulto lhe dando socos ou lhe perfurando. Mal podia contar os arranhões profundos que tinha nos braços e costas, e agora sangrava demais. Tinha um corte na testa, acima do olho esquerdo, e o sangue corria muito fracamente, mas o suficiente para atrapalhar a visão de Ravèh.
- Vá em frente - Catherine murmurou.
Que coisa mais estranha.

Estava frio, mesmo sendo verão e tudo o mais.
Mas todo aquele cheiro de morte ao redor, normalmente delicioso para os demônios, era perverso para Ravèh. A cada segundo que permanecia ali, encarando Catherine e Elyon, e gravava os traços femininos das oponentes, percebia que caíra em um abismo. Um abismo que não havia nada de mais, só a infindável escuridão.
Recuou um passo antes de se lançar, loucamente, contra Catherine. Enfiaria o punho nela e se utilizaria da sua força quase sobrenatural para atacar Elyon. Deslizaria os braços, dobraria os joelhos e lançaria uma contra a outra, cegando-as momentaneamente.
E foi.

Deu estupidamente errado.
Primeiro porque Catherine percebeu seu punho e o repeliu com um gesto - o fato de Ravèh nem ter sentido o braço de Catherine lhe batendo é outra história - e quando ela tentou mesmo assim dobrar os joelhos e deslizar para atrás de Elyon, Catherine lhe segurou pelos braços e Elyon sorriu. Nossa, como era ingênua.
Monstros são monstros, mas Musas são Musas.
- Bem, querida, você acha que a Vossa Majestade sente sua falta? - perguntou.
Ravèh não respondeu.
- Vamos levá-la - Catherine sugeriu - temos que devolvê-la!
- Sim,
Droga. Não podiam fazer isso, como explicaria para Ophelia? No mínimo Ophelia teria mais um dos acessos típicos de fúria, e urraria o quanto ela era incompetente. Nem queria pensar em voltar, já que assassinara aquele bastardo, e Ophelia lhe dissera explicitamente para só torturar, sem morte realmente. DrogaDroga.
Quando Ravèh fez uma expressão furiosa, Elyon percebeu que estava fazendo a coisa ideal.

Claro, os monstros aos monstros.
E seria uma perfeita oportunidade para ter uma nova luta com Ophelia, e dessa vez ser tudo ou nada.
Pois dessa vez, decidiu Elyon, só um lado levantaria no final da batalha.

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- Bom dia! - mas tudo o que Raveneh menos parecia era alguém entusiasmado que dava 'bom dia!'. Tinha motivos: tivera um daqueles horrorosos pesadelos de novo, e May acordara a mãe desse horrososo pesadelo com um temível choro. Passara a noite em claro, ninando a filha, dando de mamar e já estava há muito rasa de ânimo e esperança.
Quando pôs a filha para dormir, então se levantara para realizar seus afazeres. Juntara as roupas da semana, e precisava lavar, embora agora só pudessem ir ao rio com proteção especial, e em seguida arrumara uma cesta repleta das roupas. Chamaria mais umas duas meninas para ajudar, e teria que pedir ajuda de alguns dos soldados. Na cozinha, percebeu que a quantidade de trigo era pouca. Mas mesmo assim, fez o possível para assar o máximo possível de pão, mas só deu um pão pequeno para cada um. A essa altura Tatiih lhe ajudou a produzir geléia de morango.
- Não temos mais vacas - lamentou Tatiih - isso significa sem leite, sem queijo, sem manteiga.
- Lamentavelmente.
De fato. As vacas e cabras que viviam por ali, pastando para lá e para cá, sumiam pouco a pouco. Algumas fugiram para o meio das florestas quando sentiram os demônios, as outras foram mortos pelos demônios. Mas como as Campinas estavam cercadas de demônios, nada mais natural que a cada dia quando acordasse, visse que tinha uma cabra faltando.
- Pão e geléia - murmurou Raveneh - o que querem mais? Ainda temos galinhas, vejam só!
- Por quanto tempo? - Tatiih disse sombriamente.
De fato.
O celeiro com as galinhas contava com muitos poucos espécimes. Um dia elas se acabariam, e não podiam trazê-las para dentro do abrigo. Teria que arranjar uma forma de alimentar a todos sem precisar de animais ou qualquer alimento vindo delas. Não sabia como, mas tinha que fazê-lo. Batatas. Cozinharia batatas e as refogaria, misturando-as com manjericão. Talvez não ficasse gostoso, mas daria sustento ao corpo. E cortaria as batatas, e faria arroz também, alguma plantação se salvara.
Tinha medo de que chegasse ao ponto de terem que comer no café da manhã o que comeriam no almoço, simplesmente por não ter opção.
- Olá, senhorita - Erevan se sentou, encarando o minúsculo pão que recebera. Sorriu gentilmente e recusou a comida. Raveneh se ofendeu:
- Mas, senhor! - exclamou - vocês são hóspedes! O que pensam de nós se não lhe oferecermos comida?
- Somos carnívoros - Keishara se explicou - prefiro caçar a minha comida do que me alimentar de trigo, além disso posso passar por longo tempo sem comer. Perdoe-me, alimente-se com esses pães. Vejo que precisa mais do que eu.
Raveneh resmungou. De modo que pegou os pães recusados pelos três dragões e ficou sem saber o que fazer. A divisão tinha que ser justa, não podia se alimentar deles e ter mais do que os outros.
- Coma um pão - Maria disse - dê o outro para a Amai que é a mais nova daqui, ainda em fase de crescimento. E guarde esse outro pão, divida-o com Amai quando chegar o almoço.
- Maria! - exclamou Amai indignada - eu não pre-
- Precisa - Bia deu uma pequena mordida no seu pão - você é uma criança, Amai. Não pode ficar desnutrida, e a Maytsuri não pode comer ainda.
Amai engoliu seu pão com raiva.

- Pensei que estaria lá em cima - Raveneh se mexeu pegando o cesto com as roupas. Estava conversando com Harumi, a quem considerou particularmente delicada.
- Não é meu turno agora - Harumi disse - o que vai fazer?
- Lavar roupas.
Harumi a encarou com curiosidade, como se lavar roupas fosse uma excentridade.
- Sozinha? - perguntou, ao que Raveneh sorriu, aliviada:
- Não, Tatiih e Thá me ajudarão - remexeu no cesto - por quê?
- Nada, queria te ajudar.
Raveneh sorriu de canto, Harumi entendeu. Levantou-se e pegou o outro cesto de roupas sujas. Seguiu Raveneh, Tatiih e Thá por todo o caminho, até o rio, sendo escoltadas por Bia e Fer que pareciam achar servir de guarda-costas algo extremamente chato. Raveneh ensinava os caminhos para Harumi, e as duas trocavam histórias. Chegaram ao rio, um lugar normalmente confortável e protegido pelas árvores, mas agora tinha uma atmosfera opressiva.
- Tomamos banho aqui - Raveneh disse para Harumi - foi aqui que Kibii foi surpreendida por um demônio. Lembro que Umrae torceu o pé, e teve o início do treinamento para que todos soubessem lutar com demônios.
- Umrae já torceu o pé? - Harumi se surpreendeu.
- Claro - Fer disse, se apoiando no chão, observando as mulheres começando o trabalho - todos torcem o pé ou quebram o braço alguma vez na vida, se é alguém que luta. Nem mesmo Umrae escapa à regra... ela já foi uma iniciante.
- Mas ela já não era mais iniciante quando torceu com aquele demônio - Raveneh alfinetou - mas, pelo que soube, aquele era monstruoso e terrível.
- Sim - Fer concordou - na época, era. Agora aposto que era do tipo que conseguiríamos derrotar facilmente. Só erramos em achar que eles atacariam mais tarde. Mas não erramos nunca mais.
- E o que dizer do seu braço? - Tatiih disse em tom jocoso - mas você vai me dizer de novo que foi diferente...
Fer riu.
- Claro que foi! Eram três e fortes. E tinham uma refém.
- Umrae não trabalhava com reféns? - Raveneh perguntou, seus olhos azuis cintilando de curiosidade. Umrae era sempre aquela pessoa responsável e fria, porém de passado desconhecido. Fer suspirou. Ela sabia algumas coisas a mais, não que isso significasse que fosse amiga íntima. Umrae nunca comentava muito abertamente sobre o seu passado, e era estranho lhe perguntar qualquer coisa do tipo. Assim como seria estranho se Umrae lhe interrogasse sobre como ela assassinara os assassinos de sua família. Imaginou se Kibii ou Bia sentiam o mesmo.
- Acho que sim - Fer sussurrou - ela veio de Faerün, aquela terra cheia de elfos e tal. Dizem que Ophelia seria aniquilada assim que botasse o pé lá, então não quero nem imaginar eu lá. Já conheci uma guria que vinha de lá. Falava muito sobre os deuses bons e mortos.
- Deuses, deuses! - exclamou Harumi com ódio.
- Os bons são sempre mortos - Raveneh riu com desgosto - quando eu vivia em Istypid, as pessoas cultuavam algum deus que nunca viram. Por anos, sempre achei que deus era aquela criatura que nunca se vê, nem se ouve, mas se sente e os que não sentem são retardados espiritualmente.
Fer riu.
- Aqui há criaturas poderosas como as Musas e elas são tidas como deusas - disse quase em lamento - mas, droga, como confiar a colheita do ano a essas criaturas tão caprichosas? Nós não temos a quem rezar, no fim das contas.
Todos encararam Fer com alguma expressão estranha, como uma mistura de desalento e alívio. De fato, não podiam rezar para mais ninguém. Não podiam culpar um deus pelos demônios, pelas mortes, pelo desespero. E como não rezavam, nenhuma esperança era depositada nas orações, só nas estratégias. Se a morte viesse, a culpa era de todos e de ninguém.
A culpa era só do azar ou da estupidez.
Para as pessoas que pensavam como Fer, era muito melhor assumir todos os atos, sejam insanos e desmedidos, do que jogar tudo nas mãos de uma entidade estranha e viver sem pensar nas consequências.

- Como era em Istypid, Raveneh? - Harumi perguntou, sem muita curiosidade só para romper o silêncio.
Raveneh mergulhou um vestido verde na água, sacudindo-a freneticamente. Só encarou o verde encharcado, mordeu o lábio inferior. Não eram exatamente lembranças felizes, mas não as escondia. Sempre as tinha quando possível, e fazia o impossível para tentar lembrar algo mais.
- Meio deprimente - Raveneh respondeu - todos eram humanos. Isso por si é deprimente.
- Você odeia humanos normais?
- Acho que sim - Raveneh murmurou - todos aqueles humanos que nunca viram magia... odeio todos eles.
Harumi ergueu os olhos, parecendo entristecida.
- Eu morava em um bairro que era mais uma vila isolada da cidade - explicou Raveneh - era pobre demais para ter algo grandioso. E a minha família era a mais perversa entre os perversos, então não havia grande solidariedade comigo, ainda mais por eu ser fada.
- Raveneh, seus pais não eram humanos? Como nasceu fada? - Tatiih perguntou.
Raveneh sorriu. Era um grande trunfo para si mesma: ter nascido de raça diferente da sua mãe. Quando era mais nova, tal diferença lhe era o próprio inferno, mas agora era como algo delicioso. Mesmo que fadas fossem terríveis, sentia-se aliviada de saber que não compartilhava o mesmo tipo de sangue que a mãe carregava.
- Meu pai amou uma fada, traindo mamãe. E fui criada pela mamãe.
- E você a chama de 'mamãe' - Harumi murmurou, não querendo ser ouvida, mas o desejo foi frustrado assim que Raveneh deslizou as mãos por uma blusa branca. Encarou o cesto ainda cheio, percebendo o quão lenta que estava. Adiantou o serviço, ficando assim mais calada. Mas nada disse, ficando imersa em seus pensamentos. Ainda chamava de 'mamãe'.
- Me chame de mamãe, entendeu?
Passou o sabão sentindo raiva. Ainda se lembrava das unhas sujas da mãe lhe apertando o braço com tanta força que saía sangue, e de como ela gritava a cada vez que alguma coisa era culpa dela: um prato quebrado, cenouras arrancadas da horta, existência de um gato arruaçeiro. Não ousava entrar no quarto da irmã mais velha, pisava sempre sem fazer silêncio. Recusava-se a comer animais, pois conseguia ouvi-los e nenhum controle era feito sobre isso. Era simplesmente constrangedor admitir que poderia esquentar um pouco mais o ambiente, enquanto todos sentiam frio na neve e reclamavam disso.
Ela simplesmente gostava de fazer tudo ficar ainda mais frio.
Por que não é como sua irmã? Saia do caminho!
Seu pai.
Céus, seu pai.
E agora todos estavam mortos. Seu pai morrera, sua mãe morrera, sua irmã morrera. E seu irmão mais cruel também. Excluindo seu pai, a quem amara ingenuinamente, todos os outros encontraram a morte em suas mãos. Pois fora negligente com a mãe (não duvidava nada de que Catherine tivesse alterado o remédio pouco a pouco para que a mãe ficasse enfraquecida e morresse depois da superdose), ignorara os apelos da irmã e empurrara o irmão para a morte. Faltava os outros irmãos, era verdade, mas todos eles provavelmente já encontravam a morte. E se não tivessem encontrado, não ousariam atravessar o caminho de Raveneh.
Sempre me pergunto...
... quando eu sinto raiva, quem sente raiva? Eu ou ela?


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Alicia tomou banho.
Entorpecera Lala, lhe dando um chá que fortalecesse misturado a um forte sonífero para que ela dormisse até quando se cansasse de dormir. Quanto a Ophelia, a deixou no quarto resmungando coisas estranhas sobre 'matar', 'Campinas', 'Umrae' e 'peça-chave'. E agora não sabia mais o que fazer. Estava sozinha.
Irremediavelmente sozinha.
Penteou os finos cabelos, encarando-se no espelho com ódio. Fracassara. Assim como a Siih fracassara em salvar o reino, Alicia fracassara em salvar Siih. Bem, tinha algum resquíco de amor-próprio. Apertou os punhos com força, seus olhos ficaram vermelhos pelo esforço pra não chorar. Não chore, não chore, não chore.
Libby. Gika. Siih. Lefi.
Droga, era a sobrevivente. Se era a última pessoa sã que restava naquele castelo, então permaneceria a última pessoa sã. Levantou-se, tentando descobrir o que poderia fazer. Tinha medo de que os cadáveres dos irmãos fossem para a goela de Ravèh, assim como Gika. Mas não tinha muito o que fazer. Penteou os cabelos mais uma vez com raiva.
Seus fios loiros já estavam quebrados de tanto serem penteados com tanta força, os nós sendo arrebentados.

Saiu do quarto, a faixa do vestido bem amarrada em um bonito laço nas costas, seus olhos cinzentos fitando o cristal das paredes de forma vaga. Estava ligeiramente tonta, e o amanhecer só tornava tudo mais difícil. Era manhã, o sol já brilhava, e toda aquela coisa de Siih gritando para que a criada vivesse lhe tinha abalado a estrutura psicológica. Quase tropeçou em um tapete qualquer, ficou com medo de que alguém tivesse visto a sua quase queda. Chegou ao salão, onde havia o trono onde a Rainha se senta.
- Seria mais fácil - concluiu Alicia - se eu simplesmente me mandasse daqui. Mas para onde?
Estava perdida nos devaneios em que mergulhara, tentando raciocinar, quando percebeu que alguém estava batendo na porta bruscamente. Sem demora, foi atender para receber com horror uma criatura muito loira e pálida caída aos seus pés, ensaguentada. Alicia recuou, assustada, erguendo a vista para ver quem era.
Duas garotas que nunca tinha visto antes. Uma tinha cabelos castanhos, e estava completamente despenteada assim como a outra que lhe fazia lembrar as sereias ilustradas em livros escolares, com os lábios sensuais e os cabelos de um estranho tom esverdeado misturado ao negro.
- Quem são vocês?
- Chame Ophelia - a de cabelos castanhos declarou - diga que Elyon e Catherine a procuram.
Alicia fez uma temerosa reverência, saindo do salão rapidamente, seguindo até o quarto de Ophelia. Bateu na porta freneticamente, sujeitando-se a penar sob a fúria da atual Majestade. E de fato, Alicia sentiu uns fios de cabelo se cortarem com uma faca atirada por Ophelia, através da porta. Ela sorriu amareladamente, mal acreditando na própria sorte.
- O que é?
- Elyon e Catherine lhe chamam no salão, Majestade - Alicia disse sem pestanejar, já ansiosa para sair do caminho de Ophelia.
Ophelia franziu as sobrancelhas. O que elas queriam ali? Já não bastava a luta anterior, que as deixara no limite entre a morte e a vida? Fora tão arrogante em supor que estariam fracas no momento! Pelo menos, permaneciam tolas e tolas seriam até morrerem, entre os seus dedos. Saiu do quarto de vez, descendo as escadas em uma velocidade tão surpreendente que Alicia se confundiu para onde Ophelia teria ido. Ela também desceu para o salão, mas quando Ophelia a avistou, só fez gritar:
- Vá fazer suas coisas!
Claro, tinha que ficar ao lado de Lala, cuidar dela e tudo o mais. Mas dopada do jeito que estava, era pouco provável que ela acordasse e pedisse algo, de modo que Alicia se escondeu atrás de uma das estátuas de marfim, e conseguia enxergar o salão. Aquela criatura ensaguentada não era a Ravèh, por acaso? Se elas conseguiram deixar Ravèh desse jeito, então elas são extraordinariamente poderosas...
- Acertar nossas contas de uma vez - Elyon disse.

- Que diabos é isso? - Ophelia apontou para Ravèh que ainda gemia de dor.
- Achamos que gostaria de ter seus empregados debaixo do seu nariz - Catherine disse maldosamente, chutando Ravèh - ela tem o cheiro daqui, então não foi difícil concluir que ela trabalha aqui.
Ophelia recuou, encarando os olhos decisivos das oponentes. Mataria as duas naquela hora, e seria quem daria o primeiro golpe. Moveu o pé direito, empunhando a mão, em direção a Catherine. Sentiu o abdomên da garota se contorcer de vez, e ela ser arremessada contra uma das paredes de cristal. Ela ofegou, tentando se levantar.
Elyon tentou ajudar Catherine, mas Ophelia a impediu, puxando-a para junto de si, o braço em volta da garganta de Elyon, comprimindo sua jugular. Estava com raiva.
- Veja bem, garota - Ophelia sussurrou - eu posso ter nascido depois de você, mas isso não quer dizer que deve me subestimar. Eu vou te matar - apertou ainda mais a jugular - vou fazer da sua pele trapo para limpar o chão - as unhas se enterraram na carne - darei sua carne aos cachorros e - ignorou Catherine que conseguiu se levantar - você se tornará tão irreconhecível como uma ameba.

Catherine se lançou contra Ophelia.

Como uma serpente veloz, seus pés bateram no chão uma só vez, o suficiente para ela saltar e se instalar bruscamente bem atrás de Ophelia, seus olhos fitando os cabelos castanhos da Majestade. Sem parar para pensar, socou as costas de Ophelia, fazendo-a soltar Elyon, um soco sendo suficiente. Elyon desabou no chão, o pescoço sangrando e a respiração difícil.
- Maldita.
Catherine desviou do primeiro golpe lançado por Ophelia, fazendo zigue-zague pelo salão. Seus cabelos voavam a cada vez que Ophelia avançava um passo, tentando golpear Catherine. Infelizmente para Catherine, Ophelia tinha a habilidade de não se cansar rapidamente, o que a fez prosseguir e casualmente arremessava Elyon contra a parede, para que a respiração dela se tornasse ainda mais difícil e não conseguisse se levantar.

Finalmente Ophelia agarrou um dos pés de Catherine, fazendo-a cair de cara em uma das estátuas caríssimas de cristal, tal que o cristal se partiu em mil pedaços. Cortou a bochecha ferozmente, e quando conseguiu enxergar o mundo novamente, estava do lado oposto ao de Elyon. Sentira que suas costelas ameaçavam se partir caso Ophelia continuasse a agarrar seus pés e a lançar sobre o chão e as paredes como se fosse um boneco.
De repente, Ophelia parou.
Seu braço direito, propriamente elástico que no momento se enrolava em volta dos pés de Catherine, fora perfurado por uma pinça enorme e preta. Catherine ficou em choque.
- Pare. - Elyon estava ajoelhada, com somente um braço normal. O outro se transformava em uma enorme pinça, que atravessara a carne de Ophelia como se fosse nada. Percebeu que Ravèh estava acordada, mas no canto dela, gemendo de pavor. Elyon se levantou, ainda achando dificuldade em manter parte do corpo na forma monstruosa. Ophelia não se incomodou. Simplesmente puxou o braço de volta para si, rasgando a carne, mas parecia que isso não lhe causava nenhuma dor.
Elyon transformou o outro braço em outra pinça monstruosa, e movendo as duas pinças contra Ophelia, tentando fazer com que uma rompesse o cérebro e a outra fizesse o coração sangrar. Ophelia se defendeu magistralmente bem, deslizando pelo aposento, evitando qualquer pinça que se lançasse sobre ela. Ainda não estava perfeitamente recuperada, e por isso, desviava.
Catherine se lançou contra ela, porém a tentativa caiu perfeitamente boa para Ophelia pois quando Catherine tentou lhe aplicar cortes com uma espada recém-conjurada (Ophelia bem que queria saber onde foi que Catherine arranjou aquilo, mas desistiu de perguntar), Ophelia se aproveitou, fazendo com que a espada virasse pó ao aperto que deu, com a mão, em volta da lâmina. E a outra mão serviu para arremessar Catherine para uma das pinças que vinha na direção dela.
De fato, Catherine viu seu ombro direito ser atingido pela pinça. Ela rompeu a carne, atravessou todo o ombro e ficou a um centímetro do rosto de Ophelia. Tremia, assim como todo o corpo de Elyon, e por puro instinto tentou diminuir a distância só para pelo menos roçar no nariz de Ophelia. Só isso.
Mas Catherine gritou de dor.
E Ophelia riu, se aproveitando da fraqueza momentânea, golpeando Elyon.

Não utilizou dos tentáculos que criava com os braços.
Simplesmente jogou Elyon de volta para a parede, a fazendo sentir tanta dor (mas tanta dor).
E ao beijar, com ironia, a testa de Elyon, sentiu que a vida se esvaía ali.
- Pela primeira vez na vida, uso isso em alguém - Ophelia murmurou - deve se sentir honrada.
Elyon a encarou, os olhos quase chorosos, quando sentiu seu cérebro sentir a pressão de ter um elefante em cima dele. E já não mais gritou, porque não havia mais cérebro.


Para de tentar imaginar que Ophelia consegue visualizar um cérebro, e PLIM!, o cérebro sumiu, okay? Imaginem coisas mais excêntricas e criativas! Arigatô, Umrae e Ratta, por me ajudarem. Umrae, valeu mesmo, estava com essa dúvida terrível xD Agora já estou mais tranquila. E quando eu falei 'entre sua raça', eu não pensei muito na questão de 'meio-elfo'. Na verdade, pensei em Bel que teria aquela visão mais comum dos elfos: como seres belos, inteligentes, etc. Não são todos assim, e elfos não são tão pacíficos como muita gente costuma achar. Então quando falei 'viver entre sua raça', imaginei em Bel tendo aquela visão de elfos lindos e maravilhosos, e pensando porque cargas d'água Umrae não estava entre elas. Não é a toa que Umrae ignorou solenemente, porque sabe que a pergunta é meio estranha. Aliás, gostei muito de sua aula sobre drows, e tal. Realmente, você sabe que a cada post bem detalhado seu, tenho uma base melhor para a sua personagem e isso é muito bom, além de quê eu posso conseguir vislumbrar um detalhe da mente de Umrae. Obrigada ^^ Ratta, você realmente acredita em dragões? o_o okay, tudo bem, tem gente que acredita no Espaguete Voador, não vou falar nada, então. Aliás, meu computador tá bizarro. A área de trabalho, o desktop sumiram! Não consigo mais ir em 'meus documentos' e essas coisas. Para acessar essas coisas, tenho que digitar o atalho para gerenciador de tarefas (ctrl+alt+delete) e clicar em 'iniciar nova tarefa' e ir diretamente na pasta onde está o programa, porque senão me lasquei. Nunca fui tanto à pasta C:\, onde estão os programinhas instalados porque eu não usava os atalhos no desktop, usava na barrinha de iniciar... tão prático :(
Enfim, espero que vocês tenham gostado do capítulo. Tenho que confessar que adoro esse capítulo simplesmente porque ele significa uma virada na história e um alívio: eu já não sabia mais o que fazer com Elyon. Eu planejava que ela morreria na luta final, mas adiantei a morte dela e agora posso trabalhar melhor sem ela no caminho, e ainda assim, usando ela como a gota d'água da história. Vocês entenderão, eu garanto.
E quanto as reflexões de Raveneh, bem, acho que são boas, serviu para recapitular a vida dela até ali, como um resumo. Agora se dá para esboçar de forma eficiente como será a vida dela - se sobreviver, claro. Porque se há uma coisa que vocês não podem contar é a garantia de que alguém sobreviva. Por exemplo, quando criei a Libby, não tinha intenção nenhuma de matá-la, assim como Yohana. Mas matei as duas. Se os personagens atrapalham mais a trama do que ajudam, eu mato. E se alguma pessoa que retratei na história (ex: Umrae, Rata, Rafinha) me pedir tal coisa, normalmente eu faço tal coisa a não ser que ela for muito contrária ao que penso (tipo, se alguém me pedir pra transformar a personagem dela em uma dançarina louca de circo e eu não ter como encaixar no conceito). Mas normalmente eu atendo aos desejos. Ou você acha que Umrae teve a personalidade melhorada (porque a Umrae da 1ª temporada é muito² mais infantil comparada com essa, convenhamos) como? Teve que ter a guria ali pra reclamar xD

Bem, adoro vocês, sabe disso *-*
Beijos, tenham felizes dias enquanto minha história permanecer ausente, okay? E se divirtam :D

domingo, 10 de maio de 2009

Parte 82 - Desperdício.

O abrigo estava um forno durante a noite.
- May não pára de chorar! - Raveneh gemia, mas Rafitcha só fazia responder que como todas as uvas foram arruinadas na invasão dos três demônios, as folhas simplesmente morreram, ou seja, sem chance de se realizar os feitiços para refrescar o ambiente sem a matéria-prima.
- Se não está contente, crie você alguma mágica para isso. Não é fada? - retrucou Rafitcha, complementando.
Todas as mulheres usavam dos mais leves vestidos que tinham, exceto as que usavam calças como Umrae e Bia. Umrae sequer reclamava do calor, sua frieza se acentuando a cada palavra dita por Bel, que falava bem baixinho.
- Esses dragões todos me dão medo - confessou Amai que arregaçou as mangas do vestido até o ombro, e mesmo assim, já se formava uma camada de suor sobre sua pele pálida - eles não podem matar a gente?
- Relaxa - Raven respondeu, com a sua habitual voz tranquilizadora, enquanto cuidava das ervas que tinha colhido mais cedo a pedido de Raveneh - esses dragões são do tipo mestiço, o tipo bonzinho.
Amai deu um sorriso contorcido de incredulidade, e Raven logo corrigiu:
- Claro, eles estraçalharão com você se for estúpida a ponto de lançar uma flecha contra eles, mas - nesse ponto ele parou o que fazia, seus olhos bondosos - relaxa. Eles estão do nosso lado-
- Não falo dos mestiços! - Amai exclamou, impaciente - eu falo dos verdadeiros que andam por entre a gente em forma humana!
Ela parecia sinceramente apavorada. Raven sorriu, consolador, e deslizou sua mão direita, grande e áspera pelo duro trabalho no campo, pelos cabelos ruivos de Amai, a fazendo respirar melhor e ficar mais calma.
- Amai, eles são legais - disse calmamente - sabe, acho que Keishara seria uma boa amiga para você.
- Não quero ela como minha amiga - Amai reclamou - não quero nenhum deles como amigo.
- Que erro - Raven murmurou - eles podem ser legais.
Amai fechou os olhos, ignorando os dedos de Raven lhe acalmando gentilmente. Sentia calor demais, era verdade, mas não podia conter um arrepio na espinha quando avistava aquela de cabelos vermelhos e olhos estranhos, ou quando cruzou com a tal da Keishara e sentiu sua frieza, ou pior ainda, quando seu olhar se encontrava com o de Erevan. Nunca, nunca, nunca vira dois olhos tão profundos, tão negros, tão sinistros e malvados. Sentia tanto tanto medo!

- Onde estão as pessoas de Grillindor? - Tatiih perguntou enquanto contava os lugares na mesa para ordenar os pratos. Rafitcha respondeu, também contando os lugares.
- Com os dragões - resmungou arrumando uma prega usual em alguma parte da toalha sobre a mesa - eles estão cuidando para que não fujam, coisa do tipo.
- Uau - Tatiih deu um suspiro cortado de admiração. A idéia de ver dragões lhe parecia fascinante.
- É mais boca para alimentar - Rafitcha não parecia nada feliz, seus olhos frios como um punhal de prata - ainda mais com Raveneh que não pode ajudar a nós completamente, já que tem a May... e ela está chorando de novo - rosnou baixinho raivosamente - eu adoro crianças, mas isso não quer dizer que não tenho vontade de jogar a desgraçada em um poço e largá-la!
Tatiih riu com a ira de Rafitcha:
- Relaxa - Tatiih suspirou mais longamente e em tom de consolo - crianças são chatas e inúteis, mas o que se pode fazer? Não se pode matá-las nem dar veneno, sem correr o risco de morrer dolorosamente e lentamente. Então resta a nós aguentar todo o choro da criança. Pense que quando ela crescer, você poderá se vingar.
- Se estivermos vivas, eu e ela, pode apostar - Rafitcha disse entredentes, sua frieza irada excedendo os limites da normalidade quando Johnny entrou na sala, de calças azul-marinho e peito nu, cabelos molhados do banho recém-tomado no rio, um luxo que estava com dias contados - aonde você foi? No rio?
- Sim, irmã - Johnny beijou a face de Rafitcha, mas ela sequer sonhou em sorrir.
- Por que não tomou banho aqui? - perguntou Rafitcha, sua expressão ríspida - temos água! Por que se arriscar a ir para o rio? É perigoso, sabia?
- Calma, irmãzinha... - Johnny sussurrou, tentando parecer tranquilo, mas sua voz só sumia a cada palavra dura dita por Rafitcha que fuzilava os copos - porfav-
- CALMA? - Rafitcha virou o rosto para Johnny, parecendo a própria fúria em pessoa - Calma? - mas a sua ira se esvaiu na própria crueldade mantida cuidadosamente e cuspida em cada palavra - Johnny, você tem uma esposa e uma filha. Lembre-se que a sua esposa sempre está a beira de perder o senso de si mesma. E lembre-se, Johnny, que estamos em uma maldita guerra em que há demônios e dragões lá fora - sua voz tornara-se um sussurro tão perverso que Johnny se arrepiava com cada rosnar latente em cada letra sussurrada - Johnny, rios não são lugares seguros, entendeu? Nem rios, nem florestas, nem plantações! Ou seja, lugares que não sejam seguros só em situações necessárias, entendeu?
- Sim - Johnny respondeu em um fio de voz.
- Ótimo, agora vá calar a boca da sua cria - Rafitcha rosnou, o que o irmão fez prontamente, sem nem sequer imaginar em desobedecer.
Tatiih ergueu as sobrancelhas, murmurando um "uau", mas sem emitir som. Parecia impressionada com o talento desconhecido de Rafitcha em parecer uma irmã perversa e manipuladora quando quisesse.


- Uuufff - Polly passou a mão pela testa, cansada, mas seu sorriso decorando o rosto com leveza.
Ratta se recostou ao seu lado, também parecendo feliz e cansada.
- Bonito lugar, não? - Ratta opinou, olhando em volta. Polly concordou:
- Bom lugar para morar, em tempos de paz.
- E o céu é fabuloso, olha só! - Ratta olhou para o céu todo estrelado - mas o céu é o mesmo em qualquer lugar, não é?
- Sim - Polly ronronou - aqui, Grillindor, o lugar onde nasci e onde você nasceu também.
- Onde nasci? - Ratta soltou um ruído como um ronronhar duvidoso - com certeza, não. Se o céu de lá fosse como esse - apontou para o céu estrelado - eu nunca veria necessidade de sair de lá.
- Que deprimente - Polly disse risonha - pelo menos saiu de lá. E veio pra cá, sendo soldada a serviço da Grillindor, amada pátria! *-*
- Wow.
- Hey, quer fazer uma aposta? - Polly indagou, seus olhos grandes e castanhos encarando uma folha que arrancara e despedaçava com cuidado. Ratta assentiu com entusiasmo, sua cauda balançando de empolgação. Polly sorriu enviesadamente, orgulhosamente:
- Aposto quatro ouros que Zidaly sobrevive, no máximo, um mês aqui.
Ratta riu com gosto.
- Pois eu aposto sete ouros que ela não passa de duas semanas!
Ouros era a moeda corrente em Grillindor, e ela valia cerca de um gm' e meio no Mundo das Fadas. Claro, com todos os ataques sucessivos dos demônios e tudo o mais, a inflação aumentara descontroladamente, o que significava que um ouro de Grillindor poderia chegar a vinte gm's em dias excepcionalmente complicados.
- E se ela sobreviver mais? - Ratta interrogou, mas a resposta foi óbvia:
- Todos os ouros entregues a ela!
As duas sorriram para a escuridão.

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Ravèh estava na rua.
Largara um garoto morto na calçada ali atrás, mas embora seus rins fossem nutritivos e sua carne fosse apetitosa, ainda assim não havia o tempero especial que fazia com que ela concluisse uma refeição até o fim. Seus cabelos loiros se ondulavam com a menor brisa, seus olhos felinos se aguçavam a cada ruído que escutava que se assemelhava a passos ou a rosnar de algum demônio vulgar.
A rua lhe era extremamente confortável, embora gostasse mais quando tudo fosse muito, muito frio.
Mas assim também era legal.

A rua era melhor do que o palácio.
Lá, no palácio, Ophelia tinha idéias idiotas e acessos de fúria e nervosismo, trancada em seus quartos, sempre perguntando por Lala como uma amante ensandecida. Nem ao menos se dava ao trabalho de perguntar como ia a tortura dos irmãos que haviam perdido a coroa, e isso era tão frustrante... sim, tinha expectativas de que Ophelia fosse um monstro completo, sem nenhum tipo de compaixão e piedade, mas se desiludira assim que Ophelia ordenou que Alicia cuidasse de Lala, arrancando a garota de olhos cinzentos de suas garras.
Era justamente a jóia que teria tanto prazer em torturar até ver o lindo rostinho angelical se contorcer de dor, implorando para morrer...

Hmpf.
E ainda convivera com a ex-rainha e o irmão dela tempo suficiente para conseguir lembrar dos nomes deles. Que estúpido, ainda lembrava de como sua mão se enfurecera no abdomên do pirralho e se remexera lá, rasgando as tripas do garoto. Mas nem carne boa nem sangue doce ele tinha dentro, com um organismo totalmente medonho ao paladar. Gente mágica era horrível para se devorar as tripas, mas achou realmente que Lefi era um humano, com aquele sangue completamente doce e delicioso. Ele até teve sorte, caindo no chão e sendo deixado lá à própria sorte, ao lado da irmã.
Com alguma sorte, os dois morriam e Ravèh se livrava dos encostos para poder "se demitir" e ficar independente como era. Não que aquela loira de olhos cinzentos fosse escapar ao seu destino. Ainda a teria sob seus braços, ainda esmagaria seus ossos e riria, ainda veria o sorriso dela virar um esgar de pavor, como se nada no mundo a apavorasse mais do que morrer. Ah!a vida é bela, até mesmo para os demônios...

Hey, um cheiro aqui...
Sofisticado e irreal, porém desgostoso.
Fascinante.
Parecia-se com o cheiro de Ophelia, mas esse era mais antiquado como um perfume velho.
- 'Elyon! - gritou uma voz, descuidada. Parecia estar bêbada.
Uma humana? Não, humanos não tinham esse cheiro absurdamente fascinante e misterioso, embora a carne e sangue sejam infinitivamente melhores... Fadas? Mas elas não tinham sido destruídas, arruinadas?
- Catherine, vem logo! - outra voz gritou também, rindo tontamente. Parecia estar bêbada também - senão-
- Fodase, Elyon! - Catherine virou a esquina - estou cansada de viver por milênios, oh!
Catherine encarou Ravèh com surpresa, mas seu susto virou riso desenhado.
- Um ser humano? - Catherine franziu as sobrancelhas com interrogação bêbada - não, pelo cheiro - também franziu o nariz como se sentisse nojo - venha ver, Elyon! É a merda ambulante do mundo! Um demônio, e - chegou mais perto sem se incomodar se Ravèh reagiria à aproximação, e chegara perto o suficiente para aspirar o cheiro dos cabelos loiros que ainda ondulavam ao vento - ela tem o cheiro do maldito palácio! Senhorita, você é um dos monstros que amam Ophelia?
- Não - Ravèh sorriu diante da inteligência apresentada pela garota, mesmo que não fosse lá muito inteligente chamar um demônio de "merda ambulante". Mas ainda assim, sentia que ela não quebraria com um único golpe. A julgar pelo desaforo de se aproximar, pelo cheiro estranho, e pela ousadia de sorrir desaforadamente e chamar por Elyon.
- Ela diz que não é? - Elyon perguntou. Ravèh fixou a atenção no penteado desarrumado da garota com cabelos castanho-claros e em como ela transformava seus movimentos em alguma coisa ondulante, hipnótica - todos os monstros falam isso. Fere tanto o orgulho dizer que trabalha para Ophelia?
- Todos os monstros? - Catherine murmurou enquanto enrolava uma mecha loira de Ravèh nos dedos - o que é ser monstro? Comer gente? Você come gente, loirinha?
- Amo. Especialmente carne jovem e macia.
Se a intenção de Ravèh era assustar, de nada conseguiu.
Em um segundo, foi jogada contra uma casa em ruínas, e desabou no chão com estrondo. Antes que pudesse sequer pensar, assumiu a expressão em um assombro pasmo, como se não acreditasse. Seus olhos se dirigiram para o chão cinzento e banhado de sombras.
- Descobri - Catherine ficou bem ao lado dela, sentada em posição de lótus com o maior sorriso em seu rosto - você é realmente criada de Ophelia, não é? Trabalha para ela diretamente, e veio do palácio dela.
- Ela tem o cheiro monstruoso misturado às flores do jardim - Elyon comentou. Ela que jogara Ravèh contra a casa, e agora se movia tão rapidamente que mal se enxergava suas pernas se movendo até ela chegar bem pertinho de Ravèh, seu rosto a menos de dez centímetros da face assustada de Ravèh.
Ravèh sorriu. Aquelas duas vadiam iriam só ver uma coisa.

Quando Ravèh tentou se levantar, ninguém impediu.
Tanto Elyon quanto Catherine estavam tontas e embriagadas, e Ravèh tinha vantagem em estar em um estado sóbrio, inteiramente consciente de si mesmo. Ficou em pé, pronta para dar o primeiro golpe e estraçalhar com a carne da tal da Elyon. Não podiam ser humanas, não inteiramente frágeis humanas, senão como desafiariam um demônio com tanta impetuosidade?
Deu um passo para a frente, movendo suas mãos com extremo zelo.
Cravou as unhas no pescoço de Elyon com tanta forma que logo o sangue começou a escorrer. Elyon riu. Era fascinante quando alguém se lançava contra ela, a perfurando e coisas do tipo e era ainda mais fascinante quando sentia as artérias se romperem para se refazerem logo em seguida!
- Quem você é? - Catherine sequer fez menção de salvar a amiga. Só fez a pergunta quase de forma doce, como fosse uma professora de ar maternal.
Ravèh soltou o pescoço de Elyon que sangrava em longos filetes e virou a atenção para a Catherine.

Sim, ela também.
Mas como atacar as duas, matá-las?
- Quem você é? - Catherine perguntou de novo, mas seu ar maternal já se fora: só restava a mais fria elegância - suponho que embora seja um monstro, ainda reste alguma faísca de civilidade o bastante para dizer o próprio nome.
Ravèh não respondeu à crítica, limpando seus dedos na saia do vestido. O azul-pálido se misturou ao vermelho sangrento em certas partes, mas ela não deu atenção.
- É muito ruim, sabe - Catherine continuou, e agora dava passos para a frente delicadamente - matar alguém de quem não sabe o nome.
Ravèh gelou.

Sentiu que Elyon não caíra atrás.
Podia sentir a respiração pausada de Elyon, podia sentir que ela se aproximava por trás.
Estava perto demais.
E, mais rápido do que uma cobra que dá seu bote, Ravèh colocou todo o fôlego e correu. Tarde demais, ainda assim.

Seus braços foram bem seguros, os dedos de Catherine pressionando sua carne com delicadeza. E o sorriso quase diabólico de Elyon pairava em seu rosto como um fantasma, e ela estava muito muito perto, quase que encostando seus lábios na testa de Ravèh, e suas mãos se estranhavam entre o cabelo loiro. Arfou.
Pela primeira vez na vida, estava com medo.

Sentiu a pressão nos braços aumentar ainda mais.

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- Quem é essa Lala? - Bel perguntou, o copo de mimatta lhe sendo oferecido pela loira de nome Raveneh.
- É o braço-direito de Ophelia - Umrae respondeu - antes de você chegar, pensei em sequestrá-la.
Bel riu desgostosamente, seu nariz se franzindo de surpresa e zombaria.
- E vai fazer? - perguntou, ao que Umrae respondeu, muito séria:
- Não precisamos.
Bel mordeu o lábio inferior, parecendo insegura por um momento, mas logo o riso tomou conta de seu rosto novamente. Bebeu mais um gole da mimatta adocicada e disse:
- Umrae, acho que você deveria voltar ao seu reino e conviver com uns de sua raça - Umrae ergueu os olhos dourados intrigada - sequestrar? Umrae-san, convenhamos, quem tem idéias de sequestrar aqui sou eu, não você. Quando falei de sequestrar Luroen, no treinamento, lembra? Você só faltou me bater de tão irada que ficou! Diga-me, o que fez você ter essa idéia?
- Não sei - Umrae deu um leve sorriso. Ou talvez fosse só imaginação de Bel - foi só uma idéia prontamente descartada.
- Você realmente deveria conviver com mais gente da sua raça. - concluiu Bel admirando a caneca com a mimatta - mas até que sequestrar Lala não é uma idéia ruim. O que você sabe sobre a Lala?
Umrae respondeu pacientemente.
- Lallyn Sakamoto, vindo de uma família guerreira. É a única descendente viva, eu acho. Trabalhou para a Rainha quando era mais nova como estrategista militar. Lembro-me dela ter trabalhado quando o Rei foi capturado, há dois anos. Agora, sei lá como, trabalha para Ophelia.
- Por quê? Não é tão desonroso ser aliado de uma criatura que derrotou a família real?
- Não duvido nada que a Lala, dando uma de heroína inflamada, tenha desafiado Ophelia e perdido a luta - opinou Umrae - e assim virou escrava. Não seria a primeira nem a última vez que isso acontece.
- Claro, isso acontece direto em Grillindor - Bel concordou. Ficou pensativa por um momento - bem, se formos levar esse plano para a frente, teríamos várias dificuldades como adentrar o palácio, capturar Lala e mantê-la presa...
Umrae fez um ruído como se zombasse.
- Entrar no palácio é a coisa mais idiota que já fiz - disse - tem uns demônios mais burros do que uma porta como guardas, e os criados são incrivelmente estúpidos. Bel, você nunca verá outro palácio com soldados tão incompetentes, defesa tão baixa e o poder tão fraco. Ophelia entregou o reino aos caos, Bel. Ela pode ser a Rainha no título, mas se perguntar qual a real influência dela ali... céus, ela mal sai do palácio para ver o que acontece em seu próprio reino!
- Ela é um monstro, Umrae - Bel bebeu o último gole da mimatta - um monstro altamente emocional?
- Sim - Umrae conhecia bem as lendas a respeito de Ophelia e a conhecia o suficiente para tirar suas conclusões sobre o temperamento da Rainha. Temperamental, infantil, e maldosamente perverso.
- Pois bem - Bel encarou a caneca vazia - temos mais dez aqui. Já apresentei todos, certo?
- Sim.
- Pois bem, sabe a Zidaly? - Bel perguntou. Uma mecha castanha caiu em frente ao rosto, mas ela não tirou. Só encarou Umrae como se pedisse algo.
- Sei - Umrae murmurou em resposta - a de cabelos negros e roupa justa demais.
- Pois bem.

Umrae ergueu as sobrancelhas.
- Quero que ela morra - Bel admitiu, quase que engolindo em seco.
- Por quê? - Umrae sorriu suavemente, e dessa vez, não era nenhuma ilusão.
- Ela entrou nessa missão por puro suborno - Bel contou. Seus olhos escuros se estreitaram, faiscando de ódio - eu quero que ela morra.
Umrae se levantou, e disse:
- Se quiser matá-la, vá em frente. Mas já tenho coisas demais para me preocupar com infantilidades como uma garota que quer matar outra.
Bel sorriu. Era só o que queria: consentimento.
Agora Zidaly estaria em suas mãos, e ninguém poderia salvá-la da ira de Bel.

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Alicia deslizou seus pés pelos degraus, procurando avidamente pela entrada para as masmorras. Procurava por uma maneira de salvar Siih e Lefi, e temia que fosse tarde demais. Quase escorregou em uma parte qualquer, mas conseguiu se segurar. A medida que penetrava mais e mais fundo, sentia-se como se todo o sangue em seu corpo secasse e sua cabeça parecia pesada demais para seu corpo aguentar. Tentou se servir da magia para enxergar melhor na escuridão, percebeu que todas as tentativas eram frustradas.
Experimentou conjurar uma chama para melhor se aquecer, mas mal o fogo se acendeu no ar e se apagou.
- Merda - Alicia sussurrou.
Quase escorregou, mas conseguiu chegar a um fino corredor. Era escuro, sem chamas a brilhar, e o teto era muito alto e intimidador. A escuridão, que estranho!, tinha nuances de roxo que brilhavam a cada vez que Alicia piscava os olhos. Conjurou uma chama só para iluminar melhor, conseguiu enxergar portas ao longo do corredor. Estava no caminho certo, percebeu.
Não sabia o que aconteceria quando abrisse a primeira porta.
- Majestade, Majestade - resmungava.
Não conseguia achar a porta.
Ravèh podia voltar a qualquer hora.
- Onde está, onde está?
Ficou exatamente no meio do corredor, embora não soubesse disso. Bateu com o punho na parede, de raiva.
E sabe qual era a pior parte?
Esses irmãos nem gritavam.

Alicia tinha certeza que ouviria os gritos. Estava no mais profundo silêncio, mas tinha a certeza absoluta de que se naquelas prisões, estivessem furiosos e desesperados, os gritos se fariam ecoar por todas as masmorras. Porém o único som que se fazia ouvir era a respiração pesada de Alicia. Ela respirou fundo, olhou para o alto.
Negrume.
- Ah - mordeu o lábio inferior - por favor...
Tentou se orientar, tentou usar toda a magia que tivesse em si para se orientar melhor.
Incompetente.
Ergueu os olhos. Tinha que achar. Se não achasse, se não salvasse a Majestade, se não salvasse seu irmão...
Incompetente como a Majestade derrotada.
Sentiria o mesmo que a Siih sentia desde que Ophelia lhe derrotara. Lhe derrotara, porque nem lutara. Nem lutar pelo próprio reino, Siih fizera! Pois bem, Alicia cumpriria a sua promessa de salvar a Majestade e salvaria a própria vida. Pois morrer ali, nas mãos de uma criatura sádica, lhe era repugnante demais.
Quando terminar isso tudo,
Farejou o medo misturado ao ar.
eu vou pegar o que ainda tiver e me mandar pra sul. Sul é bom.
Chegou ao fim do corredor, experimentando abrir as portas, uma por uma.
Todas estavam abertas até chegar na décima segunda porta, a que estava fechada. Bateu violentamente, fazendo bastante barulho. Esperava que fosse a que guardasse Siih e Lefi.
- MAJESTADE! - gritou.
- Alicia? - a voz de Siih era um fio.
Siih não se levantou. Permaneceu sentada, ao lado do irmão a quem sacudia vigorosamente. As lágrimas ainda molhavam o rosto, e o coração parecia mais quente quando escutava a voz de Alicia. Parecia-lhe que Alicia procurava por uma forma de abrir a porta. De fato, ela olhava a porta com interesse e exasperação. Tinha que ter a chave, diabos.
Obviamente a chave ficava entre os finos dedos de Ravèh, aquela diaba.
Experimentou tocar a maçaneta e enfeitiçá-la de modo que ela abrisse magicamente, mas não conseguiu. Nada moveria aquelas masmorras. Por milênios, resistiram a furacões e guerras e demônios usurpadores, porque se abririam para uma tola fada que mal conseguia se libertar das garras de um monstro por si própria?
- Siih! - Alicia gritou, tentando fazer com que Siih a ouvisse - Majestade! Ouve?
- Sim - Siih se levantou, tonta. Precisava ouvir Alicia melhor.
- Não consigo abrir - Alicia admitiu, percebendo que Siih andava pelos aposentos. Bom sinal, significa que não tinha perdido as pernas. Mas por que não ouvia Lefi? - Siih, me ajude.
- Como?
- É mais poderosa que eu - Alicia disse - mas não é mais poderosa que essas masmorras - Alicia ofegou, tentando pensar, pensar rápido - Majestade, tenho certeza que se você ainda fosse uma das fadas altas, essa maçaneta se moveria.
- Mas não tenho mais os poderes de dois anos atrás, Alicia - Siih deslizou pela parede - o que quer que eu faça?
- Lembre-se de como era, Majestade - Alicia pediu - lembre-se de como era, quando era Fada Alta. Não se foram todos os poderes, sabe disso... ainda restam alguns, e precisamos desses restos agora! Cadê Lefi para lhe ajudar?
- Ele...
,

Alicia teve que se controlar muito.
Pense na RainhaRainhaRainha
Siih fechou os olhos, tentando.
Não, não dava.
Alicia passou a mão na maçaneta, tentando pensar.
Ele sempre foi tão gentil comigo.
- Consiga.
Siih mexeu na porta, seus dedos roçando suavemente na pedra da porta.
Ela se mexeu muito fracamente, mas nada que se comparasse a um belo poder. As masmorras não se curvam a uma rainha enfraquecida, nem a uma serva que só é inteligente quando está em paz. Alicia passou as mãos pelos cabelos pálidos, seu respirar se tornando cada vez mais pesado, seus olhos cinzentos cintilando com as lágrimas. Porém mantinha a razão no lugar ao notar que Siih se mexia.

Siih engatinhou até Lefi.
Já havia chorado demais, já abraçara o corpo de Lefi, e ele já não mais respirava. Sim, mas a carne dele ainda estava exposta e a magia demora tempo para se dissipar de um morto. Se Lefi saísse dali agora e fosse tratado pelos melhores médicos, poderia se recuperar. Milagres eram perfeitamente possíveis quando se tinha um sangue mágico que resistia a morrer. Lefi não respirava mais, e nem ele lutava mais pela sua vida. Só olhara para Siih com aquele olhar bondoso, e ficara ali. Fechou os olhos por conta própria.
- Perdoe-me, irmão, por te matar.
Era um crime.
Um verdadeiro crime.

Pode ser que a porta não se curvaria a nenhuma magia que viesse de uma Majestade humilhada, pode ser que todos os seus esforços fossem mudos para a maçaneta. Siih mergulhou suas mãos na poça de sangue que se formara em volta de Lefi, mas não as limpou. Voltou a porta, e pegou na maçaneta. Forçou-a a abrir com todas as suas forças, o sangue ficando escorregadio.
- ?
Alicia mexeu na maçaneta também, mas parou assustada.
Nunca sentira tamanha carga de poder. Assustador, como uma neblina que a envolvesse. Estava ainda mais frio do que o costume, e tudo lhe parecia denso demais. Siih gritou, e tudo lhe parecia grande demais. O sangue deslizou pela porta, pingando pelos dedos, Siih caiu, seus joelhos se tombando no chão.
Lágrimas se fundiram ao sangue sujo.
- Merda!
Alicia movimentou a maçaneta de novo, confusa. Fosse o que fosse, talvez Siih conseguisse manipular seus poderes de tal forma que conseguiria abrir. Forçou-a a abrir, fazendo com que Siih se levantasse de novo. Mas em vez de tentar abrir, só se encostou junto à porta, inteiramente. Pedra contra corpo, ambos frios. A pedra era morta, mas não se podia dizer que Siih estava inteiramente viva.
- Alicia.
Alicia parou. Também se encostou junto à porta, ouvindo Siih muito claramente.
- Ouve-me - Siih sussurrou, suas palavras atravessando a pedra e soando calmamente frias - ouve. Está perdido.
- Não.
- Lefi morre a cada vez que roubo a magia dele para sair daqui, Alicia - Siih disse - e eu morro também. Alicia, vá embora e viva.
- Majestade, não.
- Alicia!
- Eu prometi, droga!
- !
- E não sairei enquanto não tiver você ao meu lado!
Siih suspirou.
- Estrangule a si mesma se quiser, mas só quando sair daqui - Alicia rosnou furiosa - mas, ouça: saia. Utilize toda a magia estúpida que tiver pra sair dali, e se não houver magia suficiente, que use a de Lefi. Afinal a magia não resiste à morte?
- Se Lefi--
- FODA-SE - Alicia gritou - que mate Lefi inteiramente, mas ele vai preferir morrer pra você sair viva do que os dois morrerem estupidamente!
- Não. Já roubei demais.
Alicia socou a porta. Siih não respondeu.
Afastou-se da porta, juntando-se a Lefi. Deitou-se ao seu lado, abraçou-o. E fechou os olhos.


Impressão de que está acontecendo mata-mata? Relaxa, ainda não estou nem na metade. Enfim, meus dedos meio que doem em dias mais frios, minha conexão é uma porcaria e outras coisas más me fazem atrasar a entrega de capítulo. Mas não se preocupem, terminarei essa segunda temporada antes do fim do ano, (e vocês: OH!). Espero que esse capítulo tenha sido bom para vocês, meio que tentei colocar todos os temas em pauta juntos. Afinal Catherine e Elyon não podem ficar de fora, e nem as outras Musas. Elas estão ignorando o assunto por enquanto, mas vocês sabem perfeitamente que não as fiz surgir nessa história só para darem um 'alô, nós lutamos com Ophelia no passado' e sumirem, né? Enfim, vocês entenderam. Aliás, eu gostaria de um help... Umrae, help-me: os dragões se alimentam de quê basicamente? Não sei como me meti a escrever sobre criatura e esquecer a alimentação delas, a parte mais importante! Eu gostaria muitissímo de saber sobre a alimentação dos dragões de forma geral (RPG, literatura, cinema). Se puder me oferecer isso, Umrae, me sentiria muito grata. É claro que meu pedido não é só para Umrae: qualquer um que queira me ajudar (Ratta, você também sabe? Tenho a impressão de que você sabe), por favor!

Obrigada, obrigada ^^