sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Parte 35 - O Mensageiro

Censura: 14 anos.
Motivo: violência.


- O segundo dia sem notícia de Raveneh... - disse Rafitcha aflita.
- Mandei um mensageiro... - falou Maria, tentando não aparentar ansiedade.
Johnny roía as unhas, preocupado. O que será que acontecera para Raveneh não mandar nenhuma carta? Andava de um lado para outro no quarto em que dividia com outros rapazes, mas se alguém entrasse, ele gritava escandalizado para sair. De modo que estava sozinho durante aquele dia. Lembrou-se da pergunta que Raveneh lhe fizera, de que se ela ficasse em perigo, ele iria salvar-la. Será que era o caso agora?
- O mensageiro chegou! - gritou Rafitcha.
Todos desceram até a sala de entrada aflitos: não havia ninguém que não gostasse de Raveneh. O mensageiro chegou montado num cavalo. Nath correu até o cavalo, tentando ajudar o rapaz para descer do cavalo. Mas ele simplesmente caiu molemente, fazendo a Nath desabar e ser ajudada por Doceh e Raven. Lych correu até Nath para tirar o peso do rapaz em cima dela.
- Meu Deus! - exclamou Rafitcha virando o rosto para o lado enojada.
- Não!... - sussurrou Maria pasma.
- Raveneh sofre sérios problemas - foi a resposta de Fer, fria. Ela vira aquela cena diversas vezes no seu passado, mas sempre a enojava.
Lych havia virado o rapaz. Ele simplesmente jogou a cabeça para trás, os olhos se turvando para cima, a boca aberta num espasmo, somente mostrando o céu da boca.
- Cortaram sua língua e arrancaram os dentes - disse Lych. Analisou as vestes rasgadas e ensangüentada, e completou: - cortaram sua gargante. E falta-lhe quatro dedos, dois de cada mão.
- Oh, meu Deus! - exclamou Rafitcha. Ela sentiu-se muito tonta, e desabou no chão, fechando os olhos.
- Rafitcha! - exclamaram todos.
- Dêem água para ela - Nath disse já de pé - carreguem-o para dentro, faremos um velório decente. Mais alguma coisa, Lych?
- Verei o cavalo. - foi a resposta de Lych.
Todos entraram no navio menos Lych e Doceh para levarem o cavalo para o pequeno estábulo. Estavam bastante desolados: o mensageiro era um homem bom e honrado, e ser morto não era nada bom.
- Lych, como pôde? - exclamou Doceh pesarosa.
- Vai ficar tudo bem, querida - Lych disse - vai ficar tudo bem...
- Tudo bem? Mataram o mensageiro! A Raveneh deve estar numa masmorra fria e...
- Não foram os soldados do Rei - Lchy afirmou.
- Como você pode saber? Quem mais faria isso?
- Você se lembra da Primeira Guerra, não é? Você lembra de como o Rei matava.
- Sim, ele simplesmente mandava dar um corte profundo nas coxas e... - Doceh mordeu o lábio inferior.
- Pois é - Lych disse - este pode ser tão cruel quanto, mas dentes arrancados? Não...!
Doceh cruzou os braços, observando Lych levar o cavalo calmamente para o estábulo.
- O cavalo tem sela - comentou Lych - o mensageiro não gosta da sela, lembra? Só usa as rédeas...
- Tem uma caixa presa na sela - observou Doceh num sussurro.
Pegaram a caixa. Uma caixa pequena, de madeira. Lych abriu a caixa, fazendo Doceh quase desmaiar com o conteúdo da caixa.
Um papel pequeno. E ao lado, um dedo. Provavelmente um dos dedos arrancados do rapaz.
"Estamos fazendo um colar com os dentes. Está ficando bonito. Tenho certeza que o mensageiro é a própria mensagem: não tente tomar isso aqui."
Doceh gelou. Não era o Rei. Eram simplesmente os nortistas, conhecidos por sua crueldade absurda, pela sede de sangue.
Raveneh tivera o azar de ser prisioneira do pior tipo de gente possível.

Parte 34 - Conversa e Sangue

Censura: 14 anos.
Motivo: violência.

Raveneh foi jogada numa câmara escura, e absolutamente suja. Sentiu calafrios: de onde vinha, era tudo muito limpo. Quando seus olhos se acostumaram com a escuridão, percebeu que não estava sozinha: alguns outros empregados estavam também, tremendo de frio e medo.
- Céus, eu vou vomitar...! - exclamou alguém.
- Não vomita não, por Deus! - pede outro.
- Esta câmara já tem mau cheiro mesmo, que incomoda mais um pouco?
- Não!
- O que será que fizeram com a Vossa Majestade?
- Que Vossa Majestade o quê? Eu me preocupo com o menino!
- É. Ele, sim, é um tesouro nas mãos erradas.
- Quem tá aqui...?
- Que horas são?
- Acabaram de abrir... Estão jogando alguma coisa...
- Comida? Mantas?
- Não! Meu Deus, são... oh, meu Deus!
- São corpos!
- Oh, meu Deus...! Corpos!
- Eles estão fazendo a limpeza no castelo...
- E os corpos, eles jogam aqui! Onde tem a gente!
- Agora que não vou aguentar, vou vomitar mesmo!
- NÃO!!!!!!!
- Vai vomitar longe, bem longe!
- É, tipo nos corpos!
- Ei, isso é blasfêmia!
- Blasfêmia é matar esse monte e jogar junto com a gente!
- Eles querem que a gente morra!
- Não briiiinca?? Descobriu sozinho?
- Vai te danar!
- Gente, estou passando mal!
- CALA A BOCA!
- Mas, merda, estou sangrando! Ai, ai...
- Sangrando onde??
- Cortaram meu ombro... Ai! Dói demais!...
- Jura? Vamos cuidar da feridinha, né?
- Obrigado...
- Te cuida, tá? Temos problemas bem mais sérios aqui! Tipo ficar sem comida!
- Julio, não seja tão cruel!
- Cruel? Cruel é este povo! Ah se eu pego eles...!
- Caramba, Giovanni está morrendo!!
- Giovanni? NÃO! Ele...
- E eu aqui, droga?
- Vai se danar.
- Legal todos vocês. Estou sangrando aqui, e vocês só se preocupam com Giovanni!
- Mas o corte não é muito grande.
- Como sabe? Está tão escuro aqui!
- Minha irmã era enfermeira, e ela me ensinou a identificar pelo tato, cheiro, coisas assim...
- Legal, você pode ajudar a gente!
- Giovanni, fala comigo, cara!!
- Eu... eu...
- Giovanni!
- Se... conseguirem sair... daqui... eu... vocês podem... pegar... meus... bens... dividam... justamente...
- Giovanni, você vai viver!! Estou estancando o sangue, e...
- Eu... amo... todos... vocês... foram... muito... especiais...
- Não!!!!
- Giovanni, por favor!...
- Avisem... que... eu... morri... pra... minha... irmã...
- Onde ela mora? Qual o nome dela? E...
- Campinas... Ela vive nas Campinas... Irmã adotiva... O nome dela é...
- Campinas?
- Campinas, Giovanni? Você veio das Campinas?
- Qual o nome dela, caramba???
- É...
- É...????
- É...
- Fala!
- ...
E num sussurro, Giovanni, 27 anos, um cara gente boa que ajudava todos numa boa e tinha uma irmã adotiva nas Campinas, aliás vinha de lá, ele suspirou. Seus olhos se turvaram, sua boca abriu-se numa surpresa, o sangue parava lentamente de correr, e ele estava imóvel.
Giovanni, de 27 anos, cara gente boa e das Campinas, havia deixado de existir.
Ele simplesmente parou de respirar.
E Raveneh sentiu o mundo cair em cima de si.



N/A: quem será a irmã de Giovanni? Hein? Eu ainda não decidi isso, portanto nem eu sei! =O Que absurdo, a escritora não sabe os rumos dos seus próprios personagens?? Acontece que não invento a história por inventar... Os personagens têm vida própria, eles já não são mais meus... x_x"

Beijos =*

Parte 33 - Invasão

Censura: 12 anos.
Motivo: violência.

O povo do Norte (para facilitar aqui, chamarei o povo do Norte simplesmente de "nortistas") havia ultrapassado as fronteiras. Mais rápido do que o Rei pensara. E o povo das Campinas mal sabia sobre esse povo nortista, porque Raveneh não escutara a conversa entre Karl e o Rei, portanto não tinha conhecimento desta nação que queria expandir seus limites e invadir o reinado do Rei, e assim ter um império mais forte.
Passou-se uma semana sem novidades. Raveneh já se sentia arrependida, e desejava mais do que nunca voltar para as Campinas. Todos os dias ela dançava para o Arthur, e jantava com o Rei e seu filho. Não estava exatamente numa fase muito boa. As cartas iam e voltavam, e Raveneh desabafava com Johnny, principalmente, sobre como era insuportavel ficar servindo a alguém de forma tão mentirosa.
Uma, duas semanas.
E o inferno começou a se instalar.
Os nortistas haviam tomado o reino. Atearam fogo nas cabanas, e o Rei assustado, pois esperava que eles invadissem mais tarde, procurou por Karl que comandou a defesa. E dá-lhe canhões, tiros, urros, incêndios. Um grupo de nortistas valentões conseguiram entrar na barreira de soldados fiéis e entrar no castelo.
- Não ateiem fogo - disse o chefe - vamos precisar do castelo! Matem o Rei e quem estiver dentro!
Quando Raveneh viu os nortistas chegando, seminus e sedentos por sangue, o sangue subiu a cabeça. Correu para o aposento, e viu que o Rei não estava. Procurou pelo Arthur: estava no quarto, escrevendo qualquer coisa. Onde colocaria o menino?
- Arthur, venha!
- O que houve, Catherine! - gritou Arthur, tentando se desvencilhar de Raveneh.
- Invadiram o castelo! - respondeu Raveneh ofegante - invadiram...
Escutou gritos. Correu até para baixo, entrou na cozinha. Viu a Kelly acuada por um nortista. A Kelly gritou desesperadamente, para ter sua voz silenciada pela afiada lâmina do nortista. Raveneh tapou os olhos de Arthur, e correu procurando por um lugar seguro. Diabos, onde tinha um lugar seguro neste castelo?
- Cadê papai? - perguntou Arthur.
- Não sei! - Raveneh disse - eu não sei, merda!
Estavam num corredor, e os nortistas bloquearam a saída.
- Quem é este, mulher? - perguntou um deles.
Raveneh recuou, puxando Arthur para junto de si.
- Você não vai falar nada, entendeu? - mandou Raveneh.
- Vagabunda, fale - disse um nortista - quem é o menino? Seu filho?
- Vocês não vão pegar-los - Raveneh disse, enquanto andava para trás.
Trombou com a parede. Merda. Não tinha saída. Porque nunca tinha prestado direito a lutar lutas marciais nas Campinas??
- Arthur, fique atrás de mim - disse Raveneh, puxando Arthur. Ele abraçou Raveneh forte, com medo.
Raveneh olhou para a direita. Nenhuma porta. Olhou para a esquerda. Uma porta de vidro. Perfeito.
- Te segura, Arthur! - gritou Raveneh.
E deu um violento chute na porta, onde chacoalhou vidro para tudo que é canto. E os dois entraram correndo no quarto.
- PEGUEM A MENINA E O GAROTO! - o mais grandão dos nortistas falou apontando freneticamente.
- Cadê papai? - perguntou Arthur de novo.
- Não sei! - respondeu Raveneh. Estavam num quarto completamente vazio, sem uma mobília sequer. Lamentou por alguns instantes, até ver uma porta aberta. E da porta dava-se para ver uma escada.
- Isso aí é uma saída de emergência. - disse Arthur.
- Estamos numa emergência, não é? - Raveneh disse. E os dois desceram a escada apressados.
Não foram muito longes: Raveneh sentiu um par de mãos enormes e fortes a apertarem nos ombros.
- Você vai onde, mocinha? - sussurrou uma voz ríspida, em um forte sotaque. O hálito do homem fedia!
Raveneh mordeu o lábio inferior, e tentou se desvencilhar, mas não conseguiu se libertar. Será que Arthur conseguira escapar? Será?
Colocaram um saco negro na sua cabeça, a impedindo de ver o que se desenrolava lá fora. Só podia escutar, e pôr em ação seus instintos de fada. Precisava ver como escapar. Na hora não daria... Mas depois? O que fariam com ela? Meu Deus, Raveneh sabia que tinha que escapar rápido! E Arthur podia a detestar e tudo o mais, mas ela sentia que aquele menino precisava dela. As Campinas dependiam dela, de suas ações.
Sentiu um par de mãos a carregando.
- SOLTEM-ME! - berrou Raveneh desesperada.
- O que faço com ela, chefe? - perguntou um homem. Outra voz, tão áspera quanto a primeira, respondeu:
- Jofre, você não sabe o que fazer com uma pirralha se esgoelando? Faça o que quiser com ela! Essa aí é uma empregada, não precisamos dela viva. Ela não vale chantagem.
- Sim, chefe.
E o homem riu, fazendo Raveneh gelar e não gritar mais.

N/A:Err... a partir de agora, a história vai tomar um rumo meio... sangrento. Portanto, antes a historinha era livre para crianças e adultos. A partir de agora, eu não me responzabilizo pelos enjôos que você tiver com cenas sangrentas (não que as minhas cenas sejam pedaços de filmes como Jogos Mortais, mas alguém meio sensível e com uma imaginação ultra-fértil pode acabar se chocando x.x)...

Beijos =*

Parte 32 - Ameaça a todos!

- Arthur? - perguntou Raveneh assustada.
- Vossa Alteza. E você não me engana, Catherine - sussurrou Arthur fechando a porta.
Como já era noite, estava muito escuro. Somente uma vela fraca iluminava o aposento, criando sombras no rosto do menino, fazendo-o ficar assustador. Raveneh disfarçou ainda mais a carta escondida sob as suas vestes de algodão, assustada.
- Catherine, você pode enganar os empregados, meu pai... - sibilou o Rei - mas não a mim!
Porque a voz lhe era tão familiar? Raveneh, sentada na cama, encolheu-se.
- Era só isso que eu queria lhe falar - murmurou Arthur impassivel - estou de olho em você.
Raveneh respirava muito depressa. Tinha que esconder seus sinais de nervosismo, senão Arthur perceberia que realmente estava certo! E depois porque ter medo de um menino de dez anos de idade? Quer dizer, nove anos... Raveneh tinha poderes, não tinha? Então porque a menina não os usava no menino...
Diabos! O menino parecia que tinha uma resistência à mágicas...
- Durma bem, Catherine Black - sibilou Arthur com seu olhar frio - vai ser importante pra você.
- Espere! - gritou Raveneh. O menino parou e virou-se de novo para Raveneh.
- O que foi, Catherine? - indagou Arthur.
- "Vai ser importante pra você"? Como assim? Err... Vossa Alteza...?
- Você vai descobrir - respondeu Arthur com um sorriso frio.
Raveneh ficou muito assustada depois disso.

--------------------------

- O que faremos, Karl? - perguntou o Rei - não basta esse povo das Campinas, ainda tem a maldita nação do Norte!
- E a nação do Norte é mais perigosa, Vossa Majestade - disse o Karl - eles querem os domínios de tudo.
- EU que tenho que dominar isso! - o Rei atirou um dardo contra um mapa pregado na parede. Caiu certeiro na região próxima as Campinas.
Karl suspirou:
- Vossa Majestade, não adianta exaltar-se...
- CALA A BOCA! - gritou o Rei - eu tenho que proteger Arthur até ele ter idade para governar. Mas não sei se suportarei mais uns cinco ou seis anos...
- Vossa Majestade... - tentou Karl.
- Eu falei para calar a boca - o Rei disse com rispidez - o jeito é casar o menino.
- CASAR? - exclamou o Karl pasmo. Ele podia ter cara de mau e tal, uma voz cruel e até ter uma personalidade cruel. Mas até ele achava muito absurda, sem contar insana, a idéia de casar um menino de nove, quase dez anos.
- A lei deste país só permite casar depois de quatorze anos - o Rei disse - mas eu posso mudar...
- Você não vai casar uma criança, Vossa Majestade! - exasperou-se Karl.
- Posso casar com alguém das Campinas - o Rei continuou sem ligar para o que Karl dizia - significará uma união. Isso, vamos nos unir e...
- Vossa Majestade.
- E as Campinas ajudam para deter esta nação do Norte e...
- Vossa Majestade.
- Perfeito, perfeito! - o Rei já estava batendo palmas pela idéia "brilhante" que tivera.
- Vossa Majestade, você não vai casar Arthur. E quem é governante das Campinas é a Maria. Você acha que ela vai deixar você casar com alguém de lá para "unir"? Você invade as Campinas, depois pede um casamento? Eles vão te fuzilar!
- Você acha mesmo, Karl? - perguntou o Rei inseguro.
- Eu acho a idéia estúpida. Você desrespeitou o Tratado, violou a Terra das Fadas. Depois quer um casamento? Você está brincando!
Karl engoliu em seco. O Rei se levantou, e ficou de frente para o mapa de toda aquela região.
- Você me ajudou com essa idéia de invadir.
- Claro, eu sirvo ao senhor - Karl disse - mas essa idéia foi tão absurda que tive que alertar a Vossa Majestade!
- Mas ela parecia tão boa... - disse o Rei frustrado.
- Se Arthur tivesse quatorze anos ou mais, e se não tivesse violado o Tratado, até que dava! - observou Karl - mas nessas circunstâncias, é impossível. O melhor é pedir desculpas as Campinas e pedir apoio. O nosso exército é eficiente, maravilhoso. Mas quando se tem as Campinas como aliadas, Majestade...
O Rei concordou com um resmungo.
Precisava que as Fadas e o povo das Campinas o apoiassem. Mas como iria fazer isso?

Parte 31 - Arthur, O Príncipe Escondido

Quando Raveneh se curvou em agradecimento, admirou-se ao ver o salão vazio. Todo um espetáculo somente para o Rei? Não...
Raveneh se levantou, com um leve sorriso. Viu ao lado do Rei, um garoto moreno. Tinha um sorriso muito bonito, e estava vestido de forma muito simples, simplesmente com uma camisa branca e calças azul-marinho, tudo de algodão puro. E o garoto estava descalço, com seus olhos negros. Uma expressão que Raveneh, não sabia porque, lhe parecia muito familiar.
- Agora confio em ti, Catherine - disse o Rei com uma voz grave - quero que conheças o Arthur.
Raveneh ficou muito surpresa. Nunca ouvira falar desse menino chamado Arthur!
- Pode descer, Catherine - convidou o Rei com um leve sorriso - venhas jantar conosco.
- Obrigada, Vossa Majestade - agradeceu Raveneh descendo do palco, e sentando-se à mesa. Arthur a fitava com um olhar muito estranho, como se suspeitasse de algo, fazendo Raveneh sentir um calafrio correndo pela espinha.
- Arthur é o meu filho adotivo, Catherine - contou o Rei - ele tem nove anos. Quase dez.
"O mesmo tempo desde a Primeira Guerra" lembrou Raveneh para si mesma.
- Como você veio ser empregada? - perguntou Arthur.
Por que aquele menino parecia tão familiar? Aquela expressão, aquela voz, aquele jeito de comer...!
- Eu era uma baderneira e fui levada pra cá para ser banida - respondeu Raveneh observando o prato sendo enchido de carne, legumes, massa pelos empregados - disse que sabia dançar e a Vossa Majestade achou interessante me contratar.
- Você confia nela, pai? - indaga o menino solenemente.
Raveneh quis fugir ao ouvir a pergunta. Porque o menino parecia que sabia do segredo dela?
- Sim, Arthur - respondeu o Rei. Se ele se sentiu acuado pela pergunta, não demonstrou.
- Quem é a sua mãe, Arthur? - indagou Raveneh engolindo em seco.
- Me abandonou - respondeu Arthur fitando o prato cheio de tomate, arroz e carne.
O jantar seguiu sem mais delongas e perguntas, com Raveneh sentindo-se muito incomodada com o olhar vigilante do garoto. Parecia-lhe que o garoto tinha alguma coisa de mágico...
Ao subir para o seu quarto, escutou o Rei de novo conversando com alguém. Com o menino.
- Essa menina não me cheira bem - comentou Arthur.
- Porque? - perguntou o Rei com um tom muito curioso.
- Não sei. - Arthur respondeu - Eu não sei. Pai, sei lá, parece que eu consigo... sei lá, adivinhar o que as pessoas pensam...
- Ler as mentes de outras pessoas? - indagou o Rei horrorizado.
E claro, Raveneh deixou cair a cesta de roupas sujas que levava, muito surpresa. Só faltava essa!
- Não exatamente - corrigiu o menino - é... farejar sentimentos, sei lá! Só sei que Catherine não me parece confiável... Ela guarda um segredo!
- Bobagem! - retrucou o Rei - fez os exercícios do Dom Bonaparte?
- Sim, eu fiz - Arthur disse com uma voz mais conformada - pai... porque mamãe me abandonou?
- Bem... - o Rei emudeceu. Como iria explicar para um menino de dez anos as verdadeiras razões de a mãe não cuidar dele como deveria cuidar?
Raveneh sentiu que era uma intrusa. Sim, era uma espiã, e tinha como dever espiar tudo o que o Rei falava. Mas esse assunto parecia-lhe tão particular, tão íntimo que Raveneh saiu de perto. O Rei não era aquela monstruosidade que era contada nas Campinas. Tinha um filho a quem criava, talvez tivera uma mulher que deixara lembranças belas e também algumas ruins... O Rei era, na verdade, uma criatura solitária que tinha como única alegria o Arthur. Como podia enfrentar um homem desses?
Sentou-se na sua pequena e fina cama pensando em como deveria agir. As Campinas levaram a melhor na primeira batalha. Fora fácil demais. E tinha algo muito suspeito nisso... O Rei, pelo que sabia, não costumava subestimar as habilidades das Campinas. Aliás, de acordo com algumas histórias contadas por Tia Rê, uma sábia mulher, o Rei até viveu durante umas semanas nas Campinas e viu de perto toda o encanto que o povo das Campinas tinha. E isso foi há muito tempo.
"Johnny" começou a escrever.
"Sinto saudades das Campinas. E o castelo me parece ainda mais assustador... Me pergunto sempre porque o Rei está atacando as Campinas... Quais são os motivos? Porque tanto ódio? Eu preciso de razões decentes para... Céus, se me descobrirem, não sei o que poderão fazer comigo...!"
Raveneh respirou fundo. Continuou a carta.
"Eu conheci o pequeno Arthur, Johnny. Ele é o filho adotivo do Rei... Contei somente isso na carta para ser lida para todos. Parece-me que está sendo bem cuidado, mas sofre por não ter uma mãe. E ele é esperto, Johnny. Ele não confia em mim, eu pude pressentir. Não sei porque, mas tenho a impressão que este menino tem poderes, mas não sabe deles. Ou sabe e finge que desconhece seus poderes. Johnny, não conte este detalhe de Arthur desconfiar de mim para Maria ou qualquer uma das pessoas que vivem com você, nas Campinas. É um detalhe que não quero revelar no momento, e preciso ter certeza quanto aos motivos dele para isso."
Escutou passos. Tinha que finalizar a carta rapidamente!
"Tenho que me despedir aqui, o dever me espera!
Carinhosamente...
... da R."
Dobrou a carta rapidamente, escreveu um "Pessoal - Para Johnny" muito rápido e escondeu a carta sob as vestes.
A porta se abriu. Era o pequeno Arthur.

Parte 30 - Raveneh desconfiada

Raveneh estava admirada. Pela primeira vez entrara no quarto do Rei, e era algo que ela nunca imaginaria. Era enorme (estou falando: ENOOOORME!!!). Cama de casal, pra quê Raveneh não sabia: o Rei não era casado e nem tinha fama de mulherengo. Mas ele dormia sozinho naquela cama de casal enorme, cheia de almofadas com tecidos muito finos, provavelmente das Arábias. Uma janela que dava para se ver todo a cidade mergulhada em feiras e gente rindo (o Rei podia ser uma pedra no sapato para o povo das Campinas, mas era um bom Rei e seu povo estava muito feliz com a vida que levavam). E mais adianta, podia-se ver as Campinas (Raveneh quase chorou de saudades quando viu a floresta que cercava as Campinas), e uma nuvem meio arroxeada com a sombra de um castelo pontudo. Raveneh aprendera com os empregados que aquela nuvem meio roxa meio rosa era o Reino das Fadas, e aquele castelo que despontava no horizonte era onde morava a Rainha das Fadas, e onde ocorria as Assembléias. A última vez que o Rei fora em uma, foi há nove anos, quando a Primeira Guerra terminou. Dez anos desde a última guerra se iniciou (é que a guerra durou um ano e meio...).
Havia também o guarda-roupas imenso, cheio de roupas finas e chiques, roupas que o Rei usara há muito tempo quando ainda frequentava festas e dava bailes. O Rei vivia sozinho agora, sempre mergulhado nos próprios problemas, na própria dor. O dossel da cama, os criado-mudos, a escrivaninha, cadeira, os tapetes, tudo inspirava luxo e conforto, riqueza e imponência. E Raveneh estava ali, pela primeira vez na vida, dobrando as roupas do Rei. E não era nada muito complicado: o Rei deixara a vida de festas e agora só usava calças e camisas de algodão, não raro, brancas. O máximo de luxo que se permitia era as capas de seda. E talvez os sapatos elaborados e sempre pretos ou marrons. Raveneh dobrou a última camisa de algodão, e passou a organizar tudo no guarda-roupas por cores. Branco com branco, preto com preto, vermelho com vermelho. Terminou com o guarda-roupas, e estava polindo os cremes que o Rei usava quando este entrou no quarto impetuosamente, com uma cara muito nervosa.
- Vossa Majestade? - exclamou Raveneh assustada - desculpe-me, eu...
- Ah, é, quem tem que se desculpar sou eu - murmurou o Rei confuso - tem que trabalhar, é...
- Estou no último frasco já, eu posso ir - Raveneh falou, colocando o cabelo atrás da orelha.
- Catherine.
O Rei pronunciara seu nome com ternura, como Raveneh nunca ouvira antes. Raveneh parou, de cabeça baixa. Fora instruída por Maria que não olhasse o Rei nos olhos. O chão era de madeira, sempre limpo.
- Catherine - continuou o Rei - hoje a senhorita vai dançar.
Raveneh engoliu em seco, e continuou olhando pra baixo quando perguntou em uma voz muito frágil:
- Para quem, Vossa Majestade?
- Para alguém muito especial para mim, Catherine - respondeu o Rei - mas a senhorita deverá saber guardar segredos. Sabe?
Raveneh que estava com as mãos entrelaçadas nas costas e cruzou os dedos:
- Sei. Guardarei segredo a respeito desta pessoa.
- Pois bem - respondeu o Rei já saindo do quarto - a música será típica da região. Use suas melhores roupas e saiba dançar decentemente. Não tolerarei danças prosmícuas.
Raveneh rapidamente conteve o riso.
Para quem ela dançaria?

--------------------------

Na sala de jantar mais íntima onde quase ninguém entrava, havia um palco com cortinas vermelhas. E Raveneh estava atrás das cortinas, coberta até os pés de seda branca do Oriente. E claro, toda ansiosa esperando, roendo as unhas, as cortinas se abrirem. Estava muito escuro, e esperava de costas que as cortinas se abrirem e a música começar a tocar, e assim Raveneh começar a dançar: seu maior dom, desde que nascera. Não era a toa que fora a dançarina preferida no barzinho onde dançava lá na terra natal.
Ouviu passos. Levantou-se (estava sentada no chão, entediada) e ficou de postos. Uma voz masculina soou então pelo palco:
- E com vocês, Catherine Black, dançarina!
Raveneh perguntou-se se haveria, na verdade, uma festa que o Rei estava dando e ela era a atração principal. Mas descartou na idéia: a idéia do Rei ser uma pessoa festeira não era possível na sua cabecinha.
As cortinas se abriram, fazendo Raveneh sentir frio. E lenta música começar.
Quando uma pessoa tem algo que goste muito de fazer, então ela fica concentrada só nisso e dane-se o mundo. Era assim com Raveneh quando ela dançava. Ela amava dançar mais do que tudo, e portanto era a dançarina principal das Campinas onde divertia as pessoas cantando e dançando músicas divertidas. De modo que ela moveu a cintura para a direita, depois para a esquerda, e girou a cabeça bem de leve.
Neste momento Raveneh esqueceu de tudo.
Os braços, as pernas, a cintura, tudo pulsava delicadamente. Uma dança é algo muito divertido de se descrever, portanto não exija muito de mim, uma pobre narradora, perfeição absoluta dos fatos u_u
Estava muito escuro, somente com a iluminação das velas. E Raveneh se deliciou com a possibilidade de criar um jogo de sombras. Ela estava com um leque desses chineses na mão e ela o usava o tempo todo. Na verdade o Rei tinha deixado todo tipo de coisa que ela podia usar, leque, fitas, bolas, etc, etc, etc. E Raveneh usava tudo. Enquanto girava pelo palco, movendo a cabeça e as pernas, parecendo que estava flutuando no palco, trocou o leque por duas fitas de cetim (na verdade, era um bastão. Quero dizer, a fita era dividida em duas partes: um bastãozinho de madeira por onde você segurava e junto uma fita enorme que é o que fazia as artes).
Raveneh jogou as fitas para o alto e as pegou de novo com rapidez e suavidade, enquanto com um sorriso, saltitava pelo palco feliz. A música sempre mudava de velocidade, por ordem do Rei que queria testar a habilidade, e Raveneh atendia sempre. Quando a música ficava lenta, Raveneh dançava bem suave, movendo cada parte do seu corpo como folhas ao vento. Quando a música acelerava, Raveneh rodopiava velozmente pelo palco sacudindo as fitas com vigor.
Raveneh já não estava mais pensando. Sua mente era o seu corpo, que estava muito ocupado em se libertar e se mostrar para o mundo.

Parte 29 - É GUERRA!!!!! (e um pouquinho de amor... rsrs)

Tal como avisado por Raveneh, o exército do Rei avançou pelas Campinas. As Campinas estavam desertas, mas os soldados não se abalaram. Avançaram para a floresta, onde foram recebidos com flechas venenosas da Kibii. Um urro, dois urros de revolta. E IÁÁÁÁÁÁHHH!!!!
- Mais flechas! Mais facas! Mais espadas! Mais canhões! Mais fuzis! Mais tudo! - berrava Lych na frente, mirando com uma metralhadora (é, eles tinham uma espécie de metralhadora. Mas tinham armas de fogo xDD)
- Mais doces? - perguntou Doceh atrás de Lych com um sorriso malicioso. Lych respirou fundo.
- Mais doces!!!
E dá-lhe brigadeiros que faziam buracos em qualquer coisa: até em ferro!
Era Kibii disparando flechas cuidadosamente sempre mirando partes frágeis do corpo humano como o pé, crânio ou aquele lugar que os homens prezam tanto. Era Fer se jogando nos homens e cortando as gargantas do soldado ou jogando punhais. Era a Capitã Biih dentro do navio e berrando sempre: "FOGO!" e dá-lhe canhões enormes, de chumbo mágico, em cima dos soldados que não tinham outra escolha a não ser fugir. E era Lych gritando, se esgoelando todo para dar ordens.
Era um exército inteiro: só porque eu, a narradora, menciono somente Fer ou Kibii, não quer dizer que só elas participam da guerra. Tinha muita gente cujo nome não é citado na história que participou. Metade do exército estava com metralhadoras. A outra metade estava escondida do outro lado da floresta e cercava o exército do Rei com as espadas afiadissimas. E todo mundo sabia golpes de karatê, kung-fu, essas lutas marciais.
- IÁÁÁRR!!!!!!! - berrou Lych. E o exército avançou.
Foi um massacre: o Rei estava duvidando da capacidade do povo das Campinas e mandara soldados medíocres que acabaram sendo derrotados rapidamente. Era um monte de sangue na terra. E claro, nesses momentos de nervosismo, tem que ter chuva. De modo que uma chuva forte, tipo tempestade, cai.
Nath, que estava no quarto-hospital e instruia algumas pessoas (porque ninguém volta saudável de guerra, afinal), ao ver a chuva pela janela, se apavorou. Ia ser trabalho em dobro! Além de tratar um monte de gente com flechas na barriga ou balas de chumbo enfiadas no pé, fazendo as pessoas ficarem aleijadas pro resto da vida, ia ter que tratar de resfriado e gripe! Nath suspirou. Pra quê diabos queria mesmo ser enfermeira? Desafiara seus pais e até fora deserdada, fugira de casa, tudo para ter o direito de ser enfermeira! E agora estava se arrependendo! "Eu podia ter sido uma filhinha de papai, não tinha problema" pensara com raiva "e mandava os outros irem lavar a bagunça u_ú" Mas agora a decisão já estava feita, e se orgulharia de ser enfermeira quando todos a agradeceriam pelo trabalho. Lealdade às Campinas forever!
Escutou um urro. Um urro, dois urros, três urros. Quando se dava três urros, significava que a batalha havia sido terminada. Nath mandou todos os seus "colegas" que a ajudariam no trabalho ficarem de prontidão com as malinhas de pronto-socorro. E não demorou muito, veio uma horda de feridos sendo enfiados no quarto. Foi um estardalhaço tamanho, gritos agonizantes, muito sangue pingando, os enfermeiros instalando todo mundo, colocando bandagens. e Maria muito preocupada com os ferimentos: perder soldados nunca é uma coisa boa.
E durante a tarde, podia se sentir a tristeza e alegria.
Alegria porque as Campinas venceram o exército do Rei.
Tristeza pelas vidas perdidas que lutaram bravamente até o último instante.
Durante a tarde, fizeram um pequeno velório pelas pessoas que haviam sido mortos na guerra, e os corpos foram enterrados na floresta. Lych estava sentado em uma das pedras, na praia, longe da floresta. Não gostava de velórios.
- Hey, querido! - chamou uma voz feminina e bastante agradável - admirando o mar?
- Doceh - Lych sorriu - sim, admirando o mar.
- Eu não me machuquei hoje, viu? - riu Doceh.
- Sim, você foi excelente em lançar doces malignos - falou Lych com um sorriso - eu fui bom general?
- O melhor de todos - elogiou Doceh abraçando o marido e beijando a sua bochecha.
- Lembra de quando nós nos conhecemos? - perguntou Lych olhando com ternura o mar azul e calmo, quase sem ondas.
Doceh riu.
- Claro - respondeu - aqui, nesta pedra, em frente a este mar. Faz quanto tempo mesmo?
- Nove anos - Lych lembrou com um sorriso - nove anos que nós estamos juntos. E sete que trocamos alianças.
Doceh e Lych admiraram suas mãos esquerdas, onde tinha uma aliança de ouro e somente uma inscrição muito fina: "Eu te amo". Sete anos desde que se casaram, nove anos que estavam juntos. Doceh lembrou do dia que conheceu Lych, que estava meio maltrapilho por causa de guerra recém-acabada. Lych estava ferido no dia, e Doceh era adolescente e era também uma enfermeira na época, e o ajudou. Dois anos depois, se casaram. Nove anos. Nossa, faz tanto tempo assim?
- Eu te amo - murmurou Doceh.
- Eu também te amo, Doceh - sussurrou Lych com um sorriso.
E o casal ficou ali, observando o mar tranqüilo. Estariam juntos nos próximos nove anos. E nos próximos, próximos...

Parte 28 - As cartas chegam, Fer relembra seu passado

A pomba branca chega com um gordo envelope de manhã. A distância entre o castelo e as Campinas não é muito grande nem para as pessoas que vão caminhar, imagine para um pássaro.
- Três cartas! - grita Maria - uma contando o que escutara e duas pessoais! Johnny, cadê você?
Johnny que comia morangos distraidamente recebe a sua carta, sendo observados por olhares maliciosos.
- Uma carta pessoal para Johnny! - cochicha Tatiih rindo disfarçadamente.
- Eles pensam que enganam todo mundo - ri Rafitcha.
- Ah, mas o amor é lindo!... - sussurra Umrae docemente.
Raven e Maria escutam os comentários e riem.
Johnny sem escutar nada, sorri ao ler a primeira linha escrita por Raveneh. Ficou contente. Pelo menos Raveneh estava bem...
- Hey, Johnny! - disse uma voz feminina ao seu lado.
- Olá, Fer - cumprimentou Johnny escondendo rapidamente a carta.
- Cartas pessoais, Johnny? - indagou Fer com um sorriso malicioso - vai responder-la?
- Err... - Johnny hesitava - eu... eu vou responder sim. Porque?
- Todos estão comentando, sabe - murmurou Fer descontraida limpando uma faca muito afiada.
- Comentando o quê? - Johnny estava muito pouco a vontade com aquela conversa.
- O porquê de uma carta de Raveneh somente para você - explicou Fer rindo. Quanta ingenuidade tamanha em um rapaz que era mais velho! Onde Fer nascera e vivera, não tinha isso. Os ingênuos e inocentes eram passados pra trás facilmente, e os mais espertos eram quem mandavam na situação.
- Ahãm... Eu e Raveneh somos somente amigos - desconversou Johnny mordendo o lábio inferior.
- Tá, eu finjo que acredito - riu Fer - bem, vou treinar um pouco. A gente entra em guerra amanhã ;x
- hmmm... ok - Johnny murmurou, contendo o alívio de Fer sair de perto dele. Não queria intrusos lendo a carta de Raveneh atrás dele.

--------------------------

Fer afiava seus punhais com todo o cuidado. No dia seguinte entraria em guerra, e ansiava lançar os seus afiados punhais nos soldados: seria a primeira guerra que participaria, já que tinha somente quatro anos na Primeira Guerra. Mas se lembrava de Joe contando as façanhas na guerra, uma mulher muito chorona e suplicante lamentando a perda do marido e dois filhos na guerra, o avançado treinamento que recebera.
Fer nascera em uma cidade-estado parecida com Esparta - aliás esta cidade-estado foi a inspiração para Esparta. Todas as crianças que nasciam com algum problema como ser aleijado, corcunda ou qualquer coisa assim eram mortas no mesmo instante. Somente cegos, mudos e surdos eram poupados da terrível morte no abismo. Ao nascer, Fer fora abandonada em um orfanato. Descobriu quem eram seus pais (anos mais tarde) e soube que seu pai era um respeitavel senhor que tivera um caso com uma criada, sua empregada. O pai estava muito doente, e a mãe não resistira ao parto. Logo depois de abandonar a filha no orfanato, morreu. E foi sepultada como indigente, em uma vala comum. E Fer vivera no orfanato a vida toda. E até os seus cinco anos, aprendia a ser serva. Mas um dia vira dois meninos lutando entre si, e pediu uma espada de madeira (era assim que as crianças aprendiam a lutar). E o professor, desacreditando do sucesso daquela menininha de cinco anos, deu uma. Não é que Fer entrou no estádio e desafiou os dois garotos? O professor já estava escandalizado. "Ela vai ser massacrada!" pensara. Mas os meninos, de sete anos, aceitaram o desafio. Em poucos golpes, Fer derrotara os dois meninos. E o professor ficou pasmo. Uma menininha de cinco anos vence dois garotos de sete anos! E ele a adotou. E pagou todo o seu intensivo treinamento para ser uma guerreira. Fer passou dos cinco aos treze anos como filha adotiva de Luck, o nome do professor. Era uma casa bonita, e Fer gostava muito dela. Tinha um quarto próprio e nunca Luck deixara alguém machucar-la seriamente, somente em campo de batalha quando estava lutando. Lembrava das conversas na sala de jantar onde todos conversavam. Tinha a Mary, Karla, Joe... Ah, Joe! Joe era um velho amigo de Luck, amigo mesmo como nunca se vira na vida. Ele estava lutando quando Luck adotara Fer, mas logo depois voltaram. Joe era como um segundo pai para Fer, já que Luck era o primeiro pai que tivera na vida. E tinha a Mary como mãe e Karla como uma irmã. Oito, nove anos vivendo em um ambiente familiar, onde Fer se sentia da família. Mas quando faltavam poucos meses para completar quatorze, acabou perdendo tudo. Um ataque inimigo de outra cidade-estado invadiu a casa.
Fer chorou ao relembrar a triste noite em que a sua vida mudara pra sempre.
Era escuro, lua escondida sob as nuvens, um ar meio pesado e estranho. Fer brigara por um motivo besta qualquer com Luck, coisa de adolescente que vive brigando. E fora pra cama emburrada. Depois de poucas horas, acordou com um barulho. E rapidamente sentiu cheiro de queimado. Rapidamente se levantou, e sem nem pensar duas vezes, trocou de roupas. Quem quer que seja, não ia ser raptada ou assaltada de camisola! Pegou uma espada, avançou pelos corredores. Viu na porta e tremeu de medo. Dez ou onze homens seminus, expressões raivosas, cabeças raspadas, e tatuagens agressivas (não, não tem nada a ver com o Rei do reino principal da história, tá?). Olhos maus, dentes amarelados e podres, isso se tiver dente! E as unhas sujas e enormes, um arranhão com essas unhas não seria nada desprezivel. Logo sentiu que estavam Luck e Joe atrás de si. Eles também haviam acordados com o barulho.
- Luck, pega lá a minha faca... - pede Joe num cochicho, no idioma que somente o povo daquela cidade-estado usava. Naquele pedaço de terra, tinha um idioma em comum como o inglês hoje em dia, que quase todo mundo entende metade. E eles costumavam se falar neste idioma. Mas Joe falou em outro idioma, uma língua tão antiga quanto andar pra frente.
Luck corre até seu quarto, pega duas facas: uma pra ele, outra pra Joe. Volta.
- Fer, você sabe lançar punhais, não sabe? - pergunta Joe sibilante, no idioma local que Fer entendia muito bem.
- Sei - Fer responde com um sorriso maldoso e mira uma faca.
Fer tem o mesmo talento que aquele cara, o tal atirador de facas, um negócio assim. Aquele que joga facas num grande círculo, onde no meio sempre tem uma moça bonita cheia de curvas. De modo que Fer mirou e atirou um punhal, que acabou bem no meio de um traseiro de um homem forte. O homem berrou de dor, e todos mais riam da faca enfiada no traseiro do que ajudava o colega. E bem na hora que o homem acabou por morrer, que sacaram que era alguém jogando faca neles, Luck acionou o alarme: puxou a corda que fazia bater o sino, o que acordou a cidade inteira. Deu três badaladas: sinal de guerra. Todos se levantaram e se armaram. E não eram pouca gente que morava na casa e sabia lutar: aquela casa foi feita especialmente para homens que vinham de outros lugares e iam na cidade-estado somente para aprender a lutar.
Foi a maior batalha sangrenta. Lutar para Fer era coisa de diversão, mas percebeu que fora treinada para lutar em situações como esta: sangue e mortes. Pensou na Mary que estava grávida, e apavorou-se. Correu até o quarto de Mary, fazendo-a ir por um caminho oculto para se esconder rapidamente. Um alçapão onde as crianças, mulheres que não lutavam e idosos se esconderam. Fer lutou até o último instante, até desmaiar com um golpe.
Acordou horas depois. Os homens invasores acabaram indo embora, tamanha foi a resposta violenta que receberam. Mas houve muitas mortes, inclusive com Joe e Luck.
- Luck? - choramingou Fer ao ver o homem que acreditara nela e lhe dera uma família decente - Luck?
Sacudiu o amigo de Luck, Joe. Nenhum dos mexiam. Mary ajoelhou-se em frente aos dois corpos, examinou-os.
- Fer... - murmurou Mary com os olhos lacrimosos - eles estão...
- Oh, meu Deus - gritou Fer. Chorou. Nunca chorou tanto.
Não quis lutar durante duas semanas inteiras, de tão arrasada que estava. Só chorava copiosamente, relembrava momentos divertidos. Nunca Fer sentira dor igual. Nem quando ficou em coma por quatro dias, em decorrência de uma fratura enquanto caçava. Ou quando apanhara sem saber porquê enquanto ia fazer a feira. Nunca soube o motivo de quatros meninos enormes baterem nela, quando ela tinha sete anos. Ela conseguiu revidar, mas apanhou um bocado.
Fer se despediu de Mary e Karla, dizendo que ia caminhar por aí, achar um destino. Foi numa dessas estradas que encontrou as Campinas.
E encontrou de novo uma família que a acolheu.

Parte 27 - Raveneh escuta segredos

Já se passara uma semana desde que Raveneh estava trabalhando como uma escrava. Já estava se arrependendo: não descobrira nada e odiava
escrever a mesma coisa todos os dias "sem novidades. Estou trabalhando duro aqui sendo escrava do Rei".
Em compensação os servos do Rei tinham boa índole. A cozinheira adorou ter uma ajudante para fazer os fartos banquetes que o Rei preparava.
E Raveneh também adorava inventar pratos maravilhosos como macarronada com temperos especiais que só existiam no jardim real. Mas odiava
ajudar os faxineiros a lavar quartos e banheiros, e também tinha que respirar fundo e contar até dez quando a mandavam levar algo para o Rei
de tanta raiva que sentia dele.
- Raveneh querida - gritou a cozinheira que se chamava Kelly e era muito simpática e gorda - terminou o café da manhã? Precisamos levar isto
a Vossa Majestade!
- "Vossa Majestade", "Vossa Majestade", "Vossa Majestade" - disse Raveneh irritada para si mesma de modo que ninguém a escutou - porque
todos são tão cegos a respeito da "Vossa Majestade"??
E resmungando colocou alguns pedaços de mamão e entregou a bandeja para Kelly.
Kelly saiu balançando seu enorme traseiro, deixando uma Raveneh irritada sozinha. Não é pra menos: Raveneh estava ficando de saco cheio daquela
estúpida missão! Se aturasse mais uma semana, ia acabar desistindo e voltava pra casa. Respirou fundo.
Mas um grito a distraiu. Era um grito apavorada e feminino, um grito agudo. Logo depois viu Kelly invadir a cozinha com uma expressão
apavorada.
- Céus, Kelly, que diabos aconteceu? - pergunta Raveneh com uma voz muito assustada.
- Vossa Majestade... - diz Kelly ofegante - eu... céus, ele mandou eu sair do quarto... Fiquei tão assustada com a expressão dele que deixei
cair a bandeja... Vossa Majestade tinha uma cara tão estranha... E... meu Deus, Maria Santa Mãe de Deus, rezai por mim...
E Kelly começou a rezar ofegante. Estava assustada demais com o que vira, e Raveneh estava bastante curiosa para saber o que Kelly vira.
- Kelly, o que você viu? - pergunta Raveneh sacudindo a cozinheira nos ombros.
Kelly revira os olhos e sussurra:
- Ele... Olhos maus - Kelly começa a chorar - olhos maus e vermelhos! Ele é assassino!
Raveneh largou uma Kelly que soluçava.
Um assassino de olhos maus e vermelhos no quarto do Rei? E o Rei tratou mal a cozinheira, coisa que nunca fazia!!
- Você já o viu, Kelly? Quando? - indaga Raveneh em uma voz muito calma.
- Sim - responde Kelly cabisbaixa, enxugando as lágrimas - faz dez anos que o vi... Quando teve a Primeira Guerra... Quando ele apareceu,
houve o pior tormento sobre o reino...
Kelly estava com a voz bastante fraca, mas Raveneh rapidamente se levantou e saiu da cozinha, indo direto para o quarto do Rei.
Porta fechada.
Encostou o ouvido na porta, tentando escutar qualquer coisa. Nada. Ativou seus dons mágicos... Ahhh... agora sim! Escutava tudo!
- Realmente acha que vamos ter uma guerra? - pergunta uma voz masculina, que Raveneh identifica como voz do Rei.
- Sim - responde uma outra voz. Raveneh imaginava qualquer coisa, mas nunca conseguiria imaginar aquela voz. Era uma voz baixa, sibilante, cruel, fria. Era uma voz de alguém muito mau. E a voz não somente falava, sibilava como uma cobra, o tipo de voz que fazia arrepiar até o Drácula de Transilvânia.
E Raveneh podia sentir que o Rei sentia a mesma coisa que ela em relação ao tom da voz. Muito medo.
- E eu vou liderar o exército - continua a voz fria - eu lidero e avanço pelas Campinas. Tentarei um ataque surpresa.
- Errr... - fala o Rei trêmulo - as fadas protegem as Campinas...
- E as trevas protegem seu Reino - finaliza a voz.
"Mentira" pensa Raveneh irritada "As trevas e a luz sempre estiveram com as Campinas! Sempre!"
E o Rei também pensava do mesmo modo.
- As trevas protegem as Campinas também - fala o Rei um pouco mais decidido - inclusive as fadas das trevas. Elas me odeiam.
- Mentira - replica a segunda voz gélida - quem?
- Aquela Renegada - responde o Rei. Raveneh gela. O Rei conhecia a Renegada? E... Oh, céus! - ela já disse que me odeia. Ela tem vergonha de mim...
- Besteira dela - a segunda voz sibila maldosamente - o que ela pode fazer contra você?
- Muitas coisas, Karl - responde o Rei - ela protege Raveneh o tempo todo. E diz que se eu tentar algo contra as Campinas, ela vai fazer o jogo virar. E de Rei, me tornarei escravo da garota...
Raveneh tomba levemente no chão chocada. A Renegada protegia Raveneh? Pensou na tentativa de sequestro, que todos dizeram que foi a primeira vez que alguém consegue escapar a um sequestro em muito tempo... Só pode ser a proteção que Renegada lhe conferia! E mal imaginava que Renegada fosse uma fada das trevas... Quer dizer, não era exatamente um segredo... mas ela não sabia disso... pensava que era uma menina que achara por acaso na estrada. Epa, será que foi por acaso? Ou será que a Renegada estava ali de propósito, esperando Raveneh?
- Hmpf - resmunga Karl, o nome do dono da voz cruel - atacarei amanhã, antes do amanhecer. O exército avançarão pela floresta e tomarão o navio.
"Tenta!" ri Raveneh pra si mesma. A hipótese de um soldado do Rei tomar o navio da Capitã Biih era algo tão impossivel como inventarem o elixir da imortalidade E sanidade. E todo mundo sabe que isso é impossivel: se alguém quiser se manter imortal, vai ter que aturar um bocado de demência. Ou você tem uma mente sã e é mortal, ou você é imortal e fica o resto da vida cheio de doenças e pereba.
- Faça como achar melhor - fala o Rei bastante exausto. Raveneh escuta passos, e corre para seu quarto. Claro com todo o silêncio para Karl não perceber que alguém estava escutando a voz. Como o quarto era muito escuro, mesmo de manhã, Raveneh acendeu uma vela. E começou a escrever uma longa carta narrando tudo o que escutara. Tudo. E depois de terminar a carta, dobrar-la e selar-la magicamente, pensou se não devia escrever algo pessoal. Pegou outro pergaminho (não tinha papel ofício na época), e começou a rabiscar "Estou bem e morrendo de saudades e mandando beijos para todos, inclusive Rafitcha, Maria, Capitã Biih, Tatiih, Umrae, Fer, Lych, Doceh, Nath e por aí vai" apressadamente. Dobrou, e no verso escreveu somente um "Pessoal - Para todos lerem". Hesitou. Estava faltando alguém. Mais um pergaminho e mais calma.
"Johnny" começou
"Estou morrendo de saudades das Campinas, dos morangos que você dava para mim, das nossas conversas" nisso Raveneh mordeu o lábio inferior, mas decidiu continuar.
"Estou bem, fique tranquilo. O Rei não me reconheceu, e estou fazendo deliciosos pratos na cozinha. Mas devo admitir que isso aqui é meio chato... Sempre tenho vontade de jogar tudo para o alto e voltar para as Campinas - ô vidinha que os empregados levam só pra servir a 'Vossa Majestade'!"
Raveneh escutou berros a chamando.
"Devo terminar aqui, pois tenho importantes afazeres. Só... Bem, você é muito especial na minha vida.
Beijos
Da R."
Dobrou a carta rapidamente e escreveu um "Pessoal - para Johnny" no verso.
Juntou as três cartas, colocou dentro de um envelope e escreveu somente um "R". Foi até a janela, viu uma pomba branca. E com um certo brilho dourado... Entregou o envelope à pomba, que seguiu direto para as Campinas sempre batendo as suas fortes asas.
Raveneh sorriu olhando a pequena faixa brilhante e verde. As Campinas. E atrás via-se a floresta, e depois o mar. E o sol brilhando fracamente.

Parte 26 - Rei e Catherine

Tudo bem que Raveneh merecia ser castiga pela confusão provocada, mas os feirantes estavam furiosos demais. Arrastaram-na
durante todo o caminho até o castelo, onde Raveneh tentava fugir toda hora (ou melhor: fingir que tentava fugir).
Chegaram ao castelo com estrondo, e os soldados quase desmaiaram com o mau cheiro dos feirantes raivosos que invadiram a sala do
trono.
- O QUE É ESSE POVO AQUI NO MEU CASTELO? - berrou o Rei indignado com aquela festa da uva de feirantes fedidos.
- Vossa Majestade - adianta-se a senhora que vendia bolos - esta menina pirralha, atrevida, mal-criada - aponta Raveneh de
forma ameaçadora - causou uma confusão tremenda que deu prejuízo! Ela simplesmente resolveu jogar bolos e tomates na nossa cara! E xingava!
- Saiam todos - ordenou o Rei irritado. Odiava invasões de gente raivosa. Se alguém podia dar chilique, era o Rei. E só - deixem a menina.
Todos obedeceram, deixando somente Raveneh ajoelhada no chão frio, de mármore. Ela tinha um pequeno corte num dos cantos da boca,
que sangrava.
- Quem é a senhorita, como veio aqui, o que pretende da vida e porque, diabos, causou esta confusão? - indagou o Rei de costas para a menina.
- Catherine Black - respondeu Raveneh lembrando de toda a mentira que teria que contar - sou forasteira, vim pela estrada. E...
- E...?
- E não sei o que quero da vida, e causei a confusão porque queria me divertir...
- Que modo errado de divertimento - repreendeu o Rei duramente - dar prejuizo em gente inocente. Já sabe que vai ser banida, não é?
- NÃO! - berrou Raveneh tentando usar todos os seus talentos de atriz dramática - eu faço QUALQUER coisa, mas banida não... Por favor...
- O que a senhorita faz? - perguntou o Rei divertido. Ele ria de pena das pessoas que suplicavam para não serem banidas.
- Eu danço - respondeu Raveneh - e eu preciso de trabalho. Lavo prato, lavo tudo. Mas o que mais faço bem é dançar.
- Dançar?
- Sim, dançar - confirma Raveneh mordendo o lábio inferior - é o que fazia na minha terra natal...
- E saiu de lá porque? - perguntou o Rei ríspido.
- Porque meus pais morreram e eu não aguentava mais aquele povo irritante.
- Compreendo. Bem... darei lhe uma chance. Você vai trabalhar para mim, não importe em quê. Se eu mandar a senhorita preparar comida, você
prepara. Se eu mandar a senhorita dançar pra alguém muito especial, a senhorita dança. Tudo bem?
- Alguém muito especial? - sussurra Raveneh para si mesma. Mas concorda com a proposta do Rei.
Afinal Rafitcha estava certa: ela conseguiria enganar o Rei.

Parte 25 - Bolo na cara do feirante

- Muiiiiiiiiiiiiito cuidado, hein, Raveneh? - recomenda Rafitcha roendo as unhas.
- Não esqueça de mandar cartas - avisa Maria trançando os cabelos de Raveneh do jeito mais organizado como o povo da cidade costuma
fazer - o pássaro é uma pomba branca. Ou uma coruja branca. Essas aves fazem rodízio...
- Maria, posso colocar cartas pessoais? - indaga Raveneh encarando o mar azul, o céu azul. Ainda não amanhecera direito.
- Pode, querida - Maria diz - sele a carta e coloque no verso para quem é. E eu entrego, sem ler-la, prometo.
Raveneh ri. E logo se pôs a repetir todas as ordens passadas por Maria: o que devia fazer, o que devia falar, como devia agir. Esse negócio
todo. Estava todo mundo nervoso com a missão que Raveneh recebera.

--------------------------

- Boa sorte! - deseja Rafitcha na floresta.
- Vá por esta trilha, vai direto ao Reino - recomenda Maria - e... boa sorte!
Raveneh é abraçada pelas amigas e segue adiante. Toda hora sentia vontade de voltar, sentia medo, mas também algo sussurrava para ela
continuar o seu caminho. E ela continuava.
Caminhou durante duas, três horas. Finalmente chegara ao Reino propriamente dito (as Campinas eram bem grandes). Era a primeira vez que
se via no coração do Reino desde que entrara nas Campinas. E logo teve os sentidos invadidos por milhares de cheiros, imagens, sensações.
Um forte cheiro de peixe, suor das pessoas que andavam por aí. Mas continuou, mesmo tendo trabalho para afastar um homem que só
queria oferecer laranjas e limões. Pensava em como iria parar no Reino em frente ao Rei. Achava que o Rei iria estranhar uma menina
nova que queria emprego assim, de repente. O necessário seria uma confusão...
Isso não era problema. Era especialista em arranjar confusões onde morava antes de vir ao Reino.
Simplesmente passou por uma das barracas onde se vendiam tomates. Viu adiante uma barraca onde havia bolos deliciosamente confeitados.
Raveneh simplesmente foi até a barraca dos bolos, pegou um bolo na cara da vendedora e atirou o bolo na cara do vendedor da barraca de
tomates. E começou a gritar. E atirava frutas. E as pessoas corriam prum lado e pro outro, tentando se safar dos bolos e maçãs voadores.
E Raveneh no meio jogando mais lenha na fogueira, xingando palavrões que fariam Dercy Gonçalves corar e jogando mais frutas.
- HEY!
- SAFADA! Toma esse tomate!
- Não fui eu que jogou esse pepino não, senhora!
- Não basta ser mal-educado, tem que ser mentiroso! Dá-lhe este abacaxi!
- Hmmm... esse bolo é delicioso *o*
- Cadê os soldados pra resolver isso?
- Quem é aquela menina no meio xingando????
- É a vadia que começou a confusão!
- 'bora levar a menina prum rei! é ban, na certa!!
- Isso aí!
E logo Raveneh se viu cercada por um bando de gente imunda e ansiosa por levar-la ao Rei como uma ordinariazinha que adorava confusões. Era
tudo o que Raveneh queria.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Parte 24 - A despedida de Johnny

Uma hora da manhã, o mar negro refletindo a lua negra e redonda. Não tinha mais velas acesas, e todos já estavam dormindo. Todos menos
Raveneh, que estava no quarto admirando o céu estrelado e o mar refletindo as estrelas. Estava bastante ansiosa pela missão que assumiria
no dia seguinte, e não sabia como agiria diante do Rei. Só o vira uma vez, quando chegara ao Reino e francamente tivera uma impressão
meio estranha dele. Um homem careca, coberto de tatuagens e um ar bastante autoritário e arrogante. Mas Raveneh podia ver sentimentos
bastante humanos através dos seus olhos. Raveneh sentia a personalidade do Rei. E perguntava a si mesma se daria certo na sua
espionagem. Se disfarçar entre os servos da Vossa Majestade, acentuando o sotaque estrangeiro o tempo todo e se controlando para não
deixar hábitos que só existem nas Campinas aparecerem. Como as roupas. Iria com as roupas que Tatiih trouxera, das feiras, porque as roupas
feitas nas Campinas tinham um jeito particular, a assinatura impressa no modo de tecer, bordar, costurar...
Os penteados que Raveneh teria que fazer também serão diferentes. Não poderia mais somente trançar o cabelo com fitas coloridas no meio da
trança, porque somente as pessoas que viviam nas Campinas trançavam os cabelos assim. E agora teria que usar maquiagem, coisa que sempre
fora ignorada quando vivia naquela terra boa e confortavel de viver. O seu modo de falar teria que sofrer algumas mudanças. E a parte mais
difícil de todas: negar tudo. Se Umrae ou Fer aparecessem de repente, ela tinha que fingir que não as conheciam. E se o Rei desconfiasse?
Como Raveneh estava insegura!
- Raveneh? - perguntou timidamente uma voz masculina.
Raveneh se sobressaltou.
- Johnny! É o segundo susto que você me dá! - sussurra Raveneh fingindo irritação.
Johnny ri. E o seu sorriso é iluminado pelo luar.
- Amanhã você vai partir ao amanhecer, não é? - pergunta com um ar triste.
- Sim - responde Raveneh evitando olhar no rosto de Johnny. Céus, porque sentia que suas bochechas estavam queimando tanto?

Luar estranho, todo sonhador
E o mais estranho, eu não sinto mais dor
Partirei em breve, deixarei seus braços
E eu sonho, perdida, não sabendo mais o que faço


- Me manda cartas? - pediu Johnny também evitando olhar Raveneh, preferindo encarar o mar refletindo as brilhantes estrelas.
- Claro - Raveneh exclamou - eu não vou deixar de enviar cartas para o garoto que contrabandeia morangos e os dá para mim!
Johnny dá um sorriso, agora se fixando em qualquer ponto do céu. Qualquer coisa para Raveneh não percebesse que ele estava com o
rosto estava de um cor semelhante ao um tomate. Mas isso é meio difícil de perceber quando a única luz que tem é luar.

Mas, oh, eu não sinto mais dor
E ela acabou no instante que você me deu esta flor
Amanhã deixarei seus braços e ficarei distante
Mas serei sempre nas cartas sua amante


- Bem... - Raveneh disse em um tom meio inseguro - eu vou estar bem. Eu prometo.
- Tentarei mandar alguns morangos pra comer na hora - afirma Johnny - senão o Rei desconfia de suas origens.
- É... - Raveneh faz rapidamente uma cara de dúvida - eu pensei que espiões mantinham suas atividades em segredo. No entanto quase
todos aqui estão sabendo que eu vou embora amanhã. E se tiver espião entre nós?
- Pouco provável - respondeu Johnny - e de qualquer modo, se alguém abrir a boca sobre isso para alguém que não é como a gente, vai
sofrer a maldição.
- Maldição?
- Sim. Quando se tem coisas como essas, as fadas jogam uma espécie de mágica sobre um grupo muito grande de pessoas. Nesse caso sobre
todas as pessoas que sabem que você é espiã. E quem ousar contar, vai sofrer a maior dor que existe. Dependendo do grau da traição, o
traidor pode sofrer por uns dias e depois ser banido eternamente ou então sofrer por anos a fio, até a morte. Como se fosse uma assombração.
- Então se alguém contar para o Rei...
- ...vai sofrer por anos a fio até a morte. Bem, é isso que afirma o "Bittencourt", livro sagrado das fadas onde tem mágicas... Quem contar
para o Rei vai acabar sendo expulso do Reino, e tendo dores agonizantes, e alucinações piradas o tempo todo na estrada. E toda vez que tiver
um alívio do sofrimento, só vai poder falar algumas frases desconexas para voltar ao sofrimento. De acordo com o livro, "berrarás mil vezes por
minuto de tanta dor que sente, tentarás rasgar as tripas, mas não conseguirás. Desejarás a morte como um vagabundo. Porém não poderás
morrer durante um ano depois da tua traição. Depois deste ano passado, terás mais tempo de alívio. Mas neste tempo preferirás ter vícios como
bebida e mulheres e cairás em tentação. E a partir deste ano, tentarás morrer de todas as formas. Depois da morte, quem sabe conseguirás
descansar a mente insana. Mas uma vez louco e traidor, sempre louco e traidor"
Raveneh ficou de boca aberta.
- E é claro, se for traidora, será "ter vícios como bebida e homens" - complementou Johnny com um sorriso.
- Você conhece bastante o livro - comenta Raveneh distraída. Suas bochechas continuavam queimando e tinha que pensar bastante antes de
dizer qualquer coisa, pois sentia que ia dizer uma besteira toda hora.
- Sim - concorda Johnny - eu estudei Magia com as fadas e bruxas durante muito tempo. Mas eu não tenho talento pra mágicas... Fui um
dos piores alunos, só fazia matar aula e...
Johnny ia dizer "e flertar as fadinhas talentosas", mas sentiu que não ia pegar bem pro seu lado.
Raveneh somente sorri. Finalmente respira fundo, e consegue encarar Johnny nos olhos.

Oh diga que gosta de mim
E as coisas ficarão melhores assim
Acredite no que acabo de dizer
Eu prometo que não esquecerei você


- Eu vou dormir, Johnny - diz em um tom meio tristinho.
- Boa noite, Raveneh - sorri Johnny tomando coragem e abraçando a amiga.
- Boa noite, Johnny - responde Raveneh, de olhos fechados, abraçando Johnny mais forte do que nunca.
- Boa sorte amanhã - fala Johnny se afastando, pondo a mãe na face de Raveneh, com um olhar muito sonhador.
- Obrigada, Johnny - agradece Raveneh sorrindo. Estava prestes a chorar.

As dores acabam no instante em que me abraça forte
E suas palavras acabam por afugentar meu medo de morte
A lua me encara serena, como se partilhasse comigo um segredo
Eu sinto coisas tão estranhas, mas tão belas, mas tenho medo


- Você está com os olhos molhados - comenta Johnny com um sorriso triste.
- Oh sim, eu quase choro - admite Raveneh - céus, eu estou com tanto medo disso! E se o Rei descobrir?
- Você não vai deixar ele descobrir - discorda Johnny somente segurando os braços da amiga, olhando fundo nos seus olhos.
- E se eu fracassar, Johnny? - indaga Raveneh, já deixando as lágrimas escorrendo pelas bochechas.
- Aí você vem para cá e termino o que você não conseguiu terminar de fazer - responde Johnny a abraçando de novo.

Sonhos irreais que me atormentam e me deixam angustiada
Sempre sonhos estranhos, de eu mesma uma garota apaixonada
Oh sim, tudo o que eu sei fazer é tentar rimar
"Ar" com "Mar", "Paixão" com "Desilusão", "Amor" com "Dor"


Raveneh fica em silêncio, admirando o mar atrás de Johnny. Tenta se controlar no choro, fica com medo de acordar alguém com os
soluços.
- Johnny... - Raveneh diz muito, mas muito tímida.
- Sim, Raveneh? - Johnny fala seu nome com ternura, como sempre falou.
- Se eu estiver correndo o risco de morrer... - começa Raveneh, enxugando as lágrimas - você... você me salvaria?

Está uma noite tão linda, porque não me abraça?
Faça eu me sentir uma doce e meiga criança
E, por favor, sinta comigo o perfume da liberdade
Suave perfume que nos alimenta com a mais inocente verdade


Johnny fecha os olhos, mas não precisa pensar um segundo antes de responder:
- Claro que eu salvaria.
Um sorriso ilumina a face de Raveneh.
- Raveneh, você não é do tipo frágil. É mais provável que você que tenha que me salvar das garras do Rei malvado.
- Céus - Raveneh ri - isso ia fugir daquela coisa de príncipe salvar princesa aprisionada na torre de um castelo e guardada por um
dragão...
- Sim, claro - Johnny concorda - muito mais dinâmico. E mais atual e verdadeiro. Afinal quem manda mais? Homem ou mulher?
Raveneh ergue a sobrancelha direita risonha, encarando o rosto de Johnny.
- Veja Lych e Doceh - continua Johnny - quem manda mais? Doceh! Lych nunca diz não à ela!
Raveneh ri.
- Mas a gente não é assim - Raveneh murmura.
- Mas poderíamos ser - fala Johnny mordendo o lábio inferior - não que eu goste de ser mandado por mulher...

Somente três doces palavras: "Eu amo você"
Suficientes para formar a mais perfeita vida que eu quiser ter


- Bem, eu tenho que dormir - sussurra Raveneh com tristeza - de verdade.
- Tudo bem - Johnny beija a bochecha molhada de lágrimas da amiga (uma amiga mais íntima...) - boa noite, boa sorte e...
- E...?
- E cuidado pra não ser aprisionada por nenhum dragão na torre mais alta.
Os dois riem.
Raveneh se despede de Johnny que sai do quarto silencioso como um gato. E já na cama, fita a lua. A lua lhe parecia muito suave,
mas tinha um ar misterioso como se soubesse de segredos inimagináveis.
Dorme tranqüila, como nunca havia dormido antes.

Parte 23 - Cabelo preto e histórias do navio

De manhãzinha, Tatiih pintava o cabelo de Raveneh, numa sala com janelas que davam vista para o esplêndido mar azul.
- Raveneh de cabelo preto! - riu Johnny (que estranhamente não estava comendo morangos O.o).
- Rsrs - ri Raveneh - vou aproveitar e cortar o cabelo. Tatiih é excelente nisso =}
- Siiiiiim - murmura Tatiih massageando o couro cabeludo da amiga - cortarei, e o cabelo ficará um pouquinho só abaixo do ombro...
- Eu quero ser espiã também! - exclama Rafitcha - pinta, corta cabelo, muda visual de graça!
Raveneh sorriu.
E a conversa prossegue tranqüila, com Tatiih pintando, e depois cortando os cabelos de Raveneh.

--------------------------

Era noite, com todos enfiados no navio. Fer afiando seus punhais, Kibii manuseando as flechas, Doceh fabricando mil doces muitos
malignos, Nath cuidava de um ferimento de Lych que fora caçar javalis com Fer, mas aí uma javali avançou contra o pobre rapaz
e ele caiu de costas, bateu com a cabeça, ralou todo. Agora Nath cuidava dele sob os olhares ciumentos e assassinos da Doceh.
As velas tremulavam, e as crianças faziam animais na parede (aquele joguinho de sombra que todo mundo faz quando falta luz em
casa hoje em dia). Rafitcha conversava com Umrae e Tatiih, e Renegada escrevia em algo. Maria conversava com a Capitã Biih sobre
algo muito importante na guerra. Raveneh olhava todo o cenário admirada. Não estava na sala, mas sim no corredor. Já podia ver a sala,
mas quem estava na sala não podia ver-la já que estava oculta graças as sombras. De modo que Raveneh ainda não fizera a aparição
oficial com o seu novo cabelo.
- BOO!!! - grita uma voz masculina.
Raveneh grita de susto. Vira-se, depara-se com Johnny com a sua cesta de morangos e cabelos negros e rebeldes.
- Merda, Johnny! - reclama Raveneh - precisava fazer um susto desses?
Johnny sorri maliciosamente.
- Morangos? - oferece um morango.
- Agora você quer me bajular? - disse Raveneh sarcástica.
- Certeza? Você pode ser apaixonada por batatas, mas não resiste a um morango, sabe... - e Johnny pôs o morango na boca com um
olhar divertido.
- Tá, eu aceito - Raveneh fala com a voz risonha - vamos pra sala... esse corredor é muito sinistro.
- Esse navio é sinistro, Raveneh - diz Johnny com uma cara muito séria, como se fosse um sábio falando de destinos, sabedoria, escolhas,
essas coisas que sábio adora falar - tem um bocado de histórias estranhas por causa deste navio.
- Tipo?
Os dois se sentam encostados a um canto da parede comendo morangos.
- Tipo que o rum que a Capitã Biih bebe não é rum, mas sim Coca-Cola - afirma Johnny.
- Que diabos é Coca-Cola? - estranha Raveneh.
- Uma bebida que todo mundo só vai conhecer daqui a muiiiiiiiito tempo - responde Johnny - Coca-Cola, dizem, é a bebida mais idolatrada
pelo mundo inteiro. Ou será, se as videntes adivinharam certo.
- Bah - desdenha Raveneh com um sorriso - vidente nunca acerta. Do que Coca-Cola é feito? Duvido que esta bebida exista, pra começar.
- Você que sabe - riu Johnny - quer mais histórias?
- Claro! - Raveneh endireita-se.
- Dizem que se você for por este corredor até o final, vai perceber uma porta à direita sempre trancada. Dizem que esta porta guarda um
bocado de esqueletos! - Johnny conta em uma voz baixa e grave.
- Credo! Esqueletos de quem?
- Soldados que lutaram na Primeira Guerra. Gente que era condenada e morria aqui, e jogavam o corpo lá... E não pára aí: dizem ainda que
estes esqueletos criam vida de vez em quando e rugem, berram, lamentam por não poderem sair da sala.
Raveneh faz uma cara enojada.
Johnny ri e come mais um morango. Encara o corredor. Será somente uma lenda?
Ou seria uma das verdades sobre o navio que era como um filho para a Capitã Biih?

- Raveneh está linda com aquele cabelo novo! - comenta Umrae com um sorriso - foi você quem fez, Tatiih?
- Oh, yeah - respondeu Tatiih - pintei e cortei. Ficou um show, não?
- Absolutamente! - concorda Rafitcha - e ela está com Johnny...
Tatiih faz uma cara muito maliciosa e murmura:
- Sim... Raveneh e Johnny estão grudados demais.
Todas riem. E mudam o rumo da conversa.

Parte 22 - Aceitando ser espiã de identidade falsa (redundância de propósito xD)

- ESPIÃ, Maria? - Raveneh estava assustada.
Maria somente sorriu e assentiu. Rafitcha mordeu o lábio inferior, com uma cara preocupada:
- Maria, você não bateu a cabeça e perdeu... sei lá, aposto que Nath deve ter um remédio ou... - falou Rafitcha.
- Para com isso, Rafitcha - Maria estava entusiasmada - o que acha, Raveneh?
- Hmmm... não sei - Raveneh estava no quarto onde dormia no navio - eu vou ter que fazer o quê exatamente?
- Espionar o rei e passar as informações pra cá - respondeu Maria.
- E como Raveneh vai passar informações pra cá? - perguntou Rafitcha sentada na cama.
- Com mágica, tudo se resolve - Maria afirmou - você escreverá uma carta todos os dias, e terá um pássaro na sua janela. Você entregará
a carta pro pássaro e ele virá pra cá.
- Ele não vai confiar em mim, Maria - Raveneh apontou - eu sou das Campinas, tá na minha cara. E ele já deve saber meu nome, veio até
tentar me sequestrar!
- Quem disse que ele vai saber quem é você? - Maria comentou - você é bem loirinha. Rafitcha, se prepare para uma Raveneh de cabelo
preto!
Rafitcha riu.
- Eu tenho umas tintas especiais pra cabelo, e eu o pinto de preto. E você usa algumas vestes que Tatiih trouxe, vestes da cidade mesmo.
- E qual será meu nome? - indagou Raveneh se olhando no espelho e se imaginando de cabelo preto.
- Você escolhe - falou Maria sorrindo - um nome bonito e fácil de pronunciar, claro.
Raveneh já estava começando a se divertir com aquela história de espionagem. Elaborou mil maneiras de passar o Rei pra trás.
- Eu serei Catherine - decidiu-se Raveneh - Catherine Black, dançarina, precisando desesperadamente de dinheiro.
- Dançará para o Rei? - riu Rafitcha com a imagem mental de Raveneh de cabelo preto dançando sensualmente (com fantasia de odalisca)
em frente ao Rei, cuja coroa vive torta na sua careca.
- Sim - Raveneh respondeu - ou por acaso a nobre Vossa Majestade é tarado e eu não sei? Olha lá, hein? Sou moça decente! u_ú
As três riram.
- Relaxa - Maria comentou - você sabe se cuidar!
- Você é uma fadinha ou um rato? - perguntou Rafitcha entre risos.
- É, sou uma fadinha - Raveneh baixou os olhos - mas eu nunca uso meus poderes...
- Usa sim - Rafitcha contrariou - fadinhas como você têm poderes diferentes e especiais.
- Aham - Maria concordou se levantando - bem, eu tenho que ir falar com a Capitã sobre algumas coisas, sabe. Depois de amanhã você parte,
tudo bem?
- Tudo bem - Raveneh disse com um sorriso meio tristinho (não era a melhor idéia de todas abandonar esse navio maravilhoso e tal).
Maria saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.
- Bem, Raveneh, você usa seus poderes sim - retomou Rafitcha - você os usa sem pensar no que está fazendo.
- Tem certeza? Nem sei quais são os meus poderes direito!
- Absoluta - Rafitcha sentou-se ao lado de Raveneh, olhando-a nos olhos - veja bem. Você é uma fadinha muito talentosa. Eu nunca vi
alguém encantar tanto as pessoas. Você é doce, meiga, simpática, uma menina encantadora. Tem dom para falar com animais - nessa
Raveneh corou. Essa coisa de falar com animais já deu muitos problemas quando criança - é capaz de arrancar informações de qualquer
um somente pedindo um "por favor"! Ninguém sabe dizer não a você! Raveneh, você é uma perfeita fadinha.
Todo o discurso de Rafitcha pra animar Raveneh acabou servindo.
Quando a noite caiu e Raveneh arrumava suas coisas, estava se sentindo muito animada. No dia seguinte pintaria o cabelo de preto, e
partiria na outra noisa. Só não ia se esquecer de se despedir de seus amigos, como Johnny, Renegada, Nath.
Dormiu tranqüila, tendo a sensação de que daria tudo certo!
Mas mal sabia que na verdade iria ser um looooooongo caminho para o final feliz. E não seria um caminho nada fácil!

Parte 21 - Uma idéia para vencer a guerra

A Renegada mordia o lábio inferior. A proteção que tinha sobre Raveneh havia funcionado perfeitamente bem: Raveneh não fora sequestrada, e
ela estava bem sem grande sequelas.
- Renegada! - gritou Raveneh com um sorriso - você vem comigo?
- Sim, eu vou - respondeu Renegada sorrindo de volta.
As duas arrumaram os últimos pertences e seguiram com o povo indo para o navio, onde Capitã Biih dava ordens.

--------------------------

Assembléia de fadas. De novo Maria estava no meio delas, contando sobre a retirada das pessoas para o navio da Capitã, e sobre a guerra
que (de acordo com a Maria) fora provocada pelo Rei.
- Você tem certeza que quer uma guerra, Maria Jhujhu? - indagou uma fada vestida de azul.
- Ninguém quer uma guerra - fala Maria - mas o Rei está quebrando o Tra...
Uma fada interrompeu-a:
- Basta! São inocentes que poderão morrer nesta guerra! Vai se iniciar, seja com você ou com o Rei - as fadas engolem em seco.
Outra fada se manifesta:
- Mas não é inteligente ficar esperando os soldados do rei na floresta. Porque não mandam um espião?
Todos se silenciam. Não era uma idéia boba e podia funcionar. Aliás qualquer pessoa que saiba um pouco de História sabe perfeitamente
que a espionagem ajudou a definir o futuro de várias nações, inclusive na 2ª Guerra Mundial (sim, aquela com Hitler, Holocausto e seis
milhões de judeus mortos) e na Guerra Fria, quando "comunista comia criancinha". Mas o tempo em que se passa a nossa história
é antes que essas guerras todas. Quando Maria escutou aquele papo de mandar espião, essa história que aprendemos nas escolas ainda
não havia acontecido. Bom, vamos voltar à história. Maria gostou da idéia, e logo começou a cogitar de quem poderia ser um espião em
potencial.
- Nath? - Maria perguntou pra si - não, ela tem talento de curandeira, vamos precisar dela. Lych? Não, ele vai comandar o exército...
A fada que sugerira a idéia a interrompeu (pra facilitar, digamos que ela era a fada do rosto redondo, já que infelizmente eu não sei o
nome dela. Meu trabalho aqui é contar a história, não inventar):
- Faça uma lista de quem NÃO pode.
Maria obedeceu, e logo conjurou (se você não sabe o que é conjurar, eu explico: é... bem, é... errr... Deixa pra lá, digamos que é como
se você fizesse surgir alguma coisa magicamente *-*) papel e tinta pra escrever (não tinha caneta esferográfica na época).
Resmungava nomes enquanto fazia colunas. Aí ficou assim:

[ Quem NÃO pode ser enviado(a) como espião/espiã (e o motivo também):

Lych - ele vai comandar o exército na guerra.
Nath - ela vai ser a enfermeira!
Doceh - vai lutar com seus doces malignos.
Fer - ela é assassina nata, vai lutar na guerra.
Kibii - RÁ! E quem vai ser a nossa arteira?
Capitã Biih - ela não sai do navio nem que inventem a internet (se criarem a internet, aí que não sai mesmo, ela vai ficar dentro do navio
conectado ao mundo inteiro. Isto é, SE a internet for inventada, hipótese pouco provável)
Renegada - está sob suspeitas.
Menina dos Feijões - err... porque ela não pode mesmo? Ah, sim, ela vai ajudar Capitã Biih no navio =P ]

De repente veio uma idéia. E Maria exclamou:
- HEY! Como não pensei nisso antes?

Parte 20 - Raveneh quase é sequestrada

Uma manhã de inverno, e o Rei numa tentativa desastrada de raptar Raveneh, errou.
Raveneh acordou angustiada. Havia tido um sonho muito estranho, na verdade mais um pesadelo. Todos ainda dormiam.
Quando já começava a se tranquilizar e tudo o mais, sentiu uma mão apertando a sua boca. Esperneou, tentando tirar a tal mão que a
impedia de gritar.
- Fique quieta - sibilou uma voz rouca.
Raveneh não obedeceu. Continuou esperneando. Nunca sentira tanto medo, e já estava sendo arrastada. Chutou pra tudo que é lado, e
felizmente um dos seus chutes atingiu Rafitcha que dormia ao lado.
Rafitcha acordou sobressaltada.
- Meu Deus! - berrou.
Com o berro, as pessoas foram acordando e vendo Raveneh sendo arrastada.
Raveneh esperneou ainda mais, e a pessoa que a arrastava bateu. Um, dois tapas. Mas um golpe na cabeça e desmaiou.

--------------------------

Tudo ia e voltava...
O rosto de Tatiih apareceu. E o rosto de Nath, uma menina boa.
- Meu Deus, você está bem? - perguntou uma voz trêmula, com certeza a voz de Rafitcha. Ou seria a voz de Umrae?
Raveneh tentou se levantar, mas veio uma dor de cabeça angustiante. Gemeu de dor.
Percebera que havia todo um círculo de pessoas ao seu redor, e todos a encaravam preocupados.
- O que aconteceu? - perguntou Raveneh calmamente, tentando respirar. Maldita dor de cabeça!
Nath passou algum creme na sua cabeça e respondeu muito calma:
- Você quase foi sequestrada.
E continuou passando o creme. O creme era algo que fazia diminuir a dor, porque dentro de quinze minutos, Raveneh não sentia mais
tanta dor, só se alguém tocasse no ferimento.
- Olhe pra mim - mandou Nath - qual seu nome? Estamos em que estação?
- Raveneh, estamos em inverno - respondeu Raveneh sem saber o porquê.
- Qual a cor dos meus olhos? - perguntou Nath de novo.
Raveneh encarou os olhos muito verdes de Nath e respondeu:
- Verdes.
- Ótimo! E onde estamos? Fale nomes de seus amigos...
- Nas Campinas Verdes, e... você, Rafitcha, Johnny, Renegada, Tatiih, Umrae, Fer, Lych, Doceh...
- O que tomamos ontem?
- Chocolate quente! Pra que isso, Nath?
- Pra saber se o ferimento na sua cabeça não causou perda de memória. Pra isso que pergunto, pra ver se você se lembra das coisas direito.
Raveneh levantou as sobrancelhas.
E via todo o povo da cabana organizando as coisas. Iriam se mandar pra dentro do navio.
A tentativa de sequestro de Raveneh fora a gota d'água.

Parte 19 - A Chegada de Tatiih

Passou-se dias, semanas. A lua ficou crescente, cheia, minguante e nova várias vezes. O outono passou-se, e o inverno apareceu. E
começava a nevar nas campinas. E as Campinas Verdes ficaram brancas, com a neve mais pura que se podia imaginar.
E claro, gente que sabia costurar como Umrae teve trabalho dobrado: não era nada fácil fazer roupas quentes para um bando de gente.
E no primeiro dia de neve, chegou uma garota. Moça já, cabelos alaranjados, olhos verdes.
Rafitcha recepcionou a forasteira como sempre fazia.
- Olá - disse - qual seu nome?
- Tatiih - respondeu a garota - eu... Eu não sabia que as campinas tinham tanta gente!
- Muita gente pensa isso - Rafitcha comentou com um sorriso meigo - sinta-se bem vinda!
- Obrigada - respondeu Tatiih com seus alegres olhos verdes.
Tatiih ficou imediatamente amiga de todos: era simpática, alegre e ajudava Umrae a fazer as roupas quentes. Enquanto Fer tirava a lã
das ovelhas, Tatiih e Umrae teciam e costuravam.
E em questão de dias, todos já tinham suas vestes.
Hoje já fazia uma semana de neve. E todos estavam na grande cabana: uma enorme cabana que era usada somente no inverno. De madeira,
onde cabia todo mundo. Chão de madeira, fogo aceso dia e noite. Uma entrada quente para tomar banho na fonte borbulhante perto dali.
E todos dormiam sob o céu de madeira, recolhidos em sacos de dormir.
- Quem deseja chocolate quente? - perguntou Nath com um sorriso, estendendo xícaras.
- Eu!!! - todos responderam ao mesmo tempo.
Os chocolates quentes foram distribuídos para todos.
- Olá, Umrae, como vão as armas? - perguntou Lych sentando-se ao lado de Umrae, Fer, Raveneh, Rafitcha.
- Bem - respondeu Umrae - está preparado pra ser general?
- Perfeitamente - respondeu Lych com um sorriso - sabe que eu adoro guerras.
Umrae riu.
Uma mulher morena chegou com duas xícaras de chocolate quente. Entregou uma pra Lych.
- Obrigada, querida - agradeceu Lych - senta aqui com a gente.
- Claro - e sentou-se no chão - Maria só fica falando de guerra, e até agora isso não acontece - resmungou.
- É verdade - concordou Fer - estou louquinha para enfiar meus punhais naqueles soldadinhos do Rei...
- Credo, Fer - Rafitcha fez uma cara de nojo - pra quê matar? Não gosto muito de guerras...
- Se tiver guerra, onde a gente fica? - indagou Raveneh tomando goles do seu chocolate quente.
- No navio da Capitã Biih - respondeu Doceh - o povo vai ficar lá. E gente importante como Lych vai ficar na floresta *O*
Todos riram; Doceh e Lych eram casados.
- Quem é Capitã Biih? - perguntou Raveneh.
- A viciada em navios, piratas e afins - Rafitcha respondeu com um sorriso - muito simpática, mas não é lá muito legal contrariar-la.
- A lista de quem vai ficar na floresta lutando é grande - comentou Fer - Lych, eu, Maria, Kibii, Capitã Biih...
- Capitã Biih não vai ficar na floresta! - corrigiu Doceh - ela já disse que não arreda pé no navio dela nem se pagassem!
- Querida, você vai ficar em casa, né? - Lych perguntou com um sorriso zombeteiro.
- Não, eu vou lutar! - retrucou Doceh - e ai de você se me impedir!
- Céus, querida, luta não, fica em casa cuidando...
- Não.
- Querida, meu amor, luz da minha vida...
- Não adianta me bajular. Eu vou entrar na guerra e ninguém vai me impedir ù_ú
- Eu não dou o conforto que você precisa??
- Sim, dá todo o conforto e até mais - Doceh levantou o queixo - mas eu vou lutar.
- Você não tem armas nem especialidade! - mentiu Lych.
- Quem disse? - Doceh com um gesto, mostrou um bolinho branco com uma cereja no meio - porque você acha que meu nome é Doceh?
Eu lutei na Primeira Guerra... E com isso - atirou o bolinho na parede.
O que houve quando o bolinho atingiu a parede fez o grupo de amigos se pelar todo de medo.
Quando o bolinho atingiu, a parede queimou. E o bolinho caía, queimando cada pedaço de parede. E o final era simplesmente aquele
pedaço de parede se corroendo, deixando um buraco imenso.
- Eu sou Doceh, a Musa dos Doces Malignos - Doceh disse - e imagine o estrago que brigadeiros podem fazer em uma pessoa...
O grupo se calou, engolindo em seco e encarando o buraco pequeno na parede.

Parte 18 - Contando sobre as impiedosas Terras de Gelo

Liz era a fada do fogo que falara a respeito do sangue na audiência. Ela analisava o vidrinho repleto de sangue com um olhar
curioso. Fez vários movimentos com as mãos, mexeu com as gotículas, e fez tudo que alguém imaginasse.
No final das contas revelou para toda a audiência seu veredicto:
- Ela alterou as propriedades do seu sangue. Mas não o suficiente para esconder a linhagem real.
As fadas todas se calaram.
A Renegada era uma princesa. Só não se sabia de qual reino. Mas isso não seria difícil de se descobrir...

--------------------------

- Por que Maria acha que estamos entrando em guerra? - perguntou Raveneh descascando batatas.
- Porque parece que estamos entrando em guerra - respondeu Rafitcha também descascando batatas.
- O Rei baniu Rafitcha e desrespeitou o Tratado deste jeito - comentou Johnny.
- Nem me lembre isso - Rafitcha pediu. Mas Raveneh ficou curiosa.
- Como assim, banida??
- Ok - começou Rafitcha - madrugada, o sol quase raiando. Acordei sentindo algo estranho. De repente, vi uma cobra.
Era uma cobra enorme, aquela cor meio gelo, sabe? E tinha olhos vermelhos. Gritei. A cobra veio até a mim, e me arrastou.
E tinha asas a maldita. E voou. E eu suspensa por aquela coisa nos ares. Eu apaguei. E quando eu acordei, estava num lugar estranho.
Tudo azul, congelado. Terras de Gelo. Nunca senti tanto frio na minha vida - Rafitcha engoliu em seco - as pessoas tinham
um ar deprimente, triste. E as pessoas que não saíam dali morriam de tanto frio e desgosto. E a dor que você sentia... A dor era
algo que fazia você ter crises. Tudo gelo, deserto. Nada de água, comida, de amigos. Era uma terra de rejeitados, Raveneh.
E o gelo era como se fosse espelho, e eu via a mim como uma moça suja, morrendo de frio, desesperada. Reparei que havia algo
diferente em mim... eu percebi que quando se é banida, certas caracteristicas em você surgem e outras morrem. Vai ser difícil
você servir ao Rei como antes. Agora você tem raiva. E nada é mais venenoso à personalidade humana do que raiva. As pessoas dizem
que o meu olhar mudara. Passou a ter ódio, reserva. Não é nada fácil ser banida, Raveneh. A primeira coisa que você quer fazer
quando se é banida é morrer. Viver pra quê? Voltar para o Reino pra quê? Você foi expulsa de lá, não é bem-vinda! Então porque
insistir?
Raveneh engoliu em seco, e Rafitcha continuou:
- Eu fui inocente. A dor que eu sinto, somente inocentes sentem. A dor que eu, Maria, Amore... todas sentimos. A raiva que
surge no olhar. Ganhei também a Marca do Rejeitado - Rafitcha despiu o ombro, mostrando a tatuagem azul e preta. Era de uma
cobra que se delineava por todo o ombro, azul e preto. E seus olhos eram vermelhos, um olhar mau, cruel. Raveneh sentiu um
arrepio nas espinhas. Rafitcha cobriu novamente o ombro e recomeçou: - eu consegui voltar. Foi difícil, mas eu consegui voltar.
Quando o gelo começava a sumir, e aparecia uma floresta, eu nunca fiquei tão feliz. Um dia, e eu já estava de volta. Nunca me
senti tão querida...
Rafitcha sorriu.
- É nessas horas que os amigos dão a maior prova da amizade, Raveneh - completou Rafitcha com um sorriso misterioso, a la Mona
Lisa.
Raveneh nunca escutara tanta certeza assim na voz de uma pessoa.

Parte 17 - Colheita de Batatas

Dizer que vai pegar sangue de uma pessoa é uma coisa.
Conseguir pegar esse sangue é ooooutra coisa.
E Maria não teve muita sorte nos seus primeiros dias de tentativa.
Mas felizmente a oportunidade perfeita apareceu na semana da colheita de batatas. Só precisava pensar e agir!

--------------------------

- Olha só, Renegada! - exclamou Raveneh - que batatas suculentas! Perfeitas!
Estavam Renegada, Raveneh, Rafitcha e Johnny. E todos riam com a admiração de Raveneh. Parecia uma criança rindo e pulando
por aí, toda contente.
- Eu prefiro morangos - Johnny comentou - mil vezes morangos do que batatas!
- Pois eu AMO, sou APAIXONADA por batatas! - retrucou Raveneh rindo - principalmente batatas fritas!
- Que troço é esse? - perguntou Rafitcha.
Raveneh fez uma cara espantada.
- Como assim, vocês NÃO SABEM O QUE SÃO BATATAS FRITAS?????? - perguntou com os olhos bem arregalados.
- Mmmmm... não - disseram Rafitcha e Johnny ao mesmo tempo.
- Oh, My Gooood!!! - Raveneh suspirou - pois eu farei batatas fritas e eu prometo que vocês vão amar! Promessa de fadinha *O*
- Wow, vou ter o maior prazer de experimentar - ri Johnny - qualquer coisa que seja cozinhada por Raveneh é algo delicioso.
Raveneh sorri. Sorri até demais pra alguém que recebe um elogio.
- Ok - Rafitcha fez uma cara risonha - hey, olha Maria aí!!! - disse. De fato Maria vinha toda imponente, como sempre.
E junto com Maria, vinha um rapaz de rosto redondo e vestes caras.

--------------------------

- Maria, você precisa pegar sangue da Renegada? - Raven exclamou surpreso.
- Exato. E eu preciso que você me ajude nisso - Maria confirmou, encarando Raveneh, Renegada, Rafitcha e Johnny de longe. Se
sentia feliz em ver como Raveneh fez tanta amizade com Rafitcha e Johnny. Os três não se desgrudavam mais.
- Meu Deus, e como você pretende fazer isso? - interrogou Raven. Maria deu um riso sarcástico.
- Com você, é claro - respondeu - você precisa ir lá e tentar cortar Renegada. Aí eu dou meu jeito.
- E como vou cortar Renegada? - Raven já estava pasmo - e fazer-la sangrar?
Maria sorriu.
- Núbo, não me importa como. Só me importa que você consiga.
Raven baixou a cabeça. Nunca conseguia dizer "não" para a sua melhor amiga. Principalmente quando ela lhe chamava de "núbo".
Diabos, lá vai eu tentar fazer uma menina esquisita sangrar, pensou amargurado.
Cortar com uma faca não ia adiantar, Raven analisou. Era preciso a Renegada levar um belo tombo! Se levasse o grupo até a margem
do rio, cheia de pedras, poderia conseguir.
- Hey, vocês aí! - chamou Raven.
- Olá, Raven - cumprimentou Raveneh sorrindo - colhendo batatas também?
- Oh, não, eu vou pescar - respondeu Raven - querem ir comigo?
Raven podia não ser mágico, mas se tinha um talento era persuadir as pessoas. Podia ser político ou advogado. Sempre conseguia
convencer as pessoas de tudo, inclusive chamar povo pra passear num rio em dia de colheita.
- Não, obrigada - respondeu Raveneh - me desculpe, mas estou muito empolgada com essa coisa de batata aqui, sabe.
- Que pena - falou Raven - Rafitcha? Johnny? Renegada?
Todos negaram.
- Então vou ter que ir sozinho? - Raven fez uma cara de cachorrinho pidão - que pena, hoje o rio tá bom. E nem por quinze
minutinhos lá no rio?
Os quatros pararam, mas depois de cinco minutos, Raven conseguiu levar os quatros para a margem do rio.
Mal chegou, conseguiu provocar um tombo em Renegada. Havia se posicionado bem atrás, e naquela coisa de "anda logo!", a
acabou empurrando a garota bem quando passava em um trecho traiçoeiro. A Renegada caiu, e ficou gemendo, segurando a
perna direita. Havia se esfolado toda.
E um corte se abriu, deixando derramar sangue.
- Meu Deus, Renegada! - exclamou Raveneh parando tudo, e se sentando entre as pedras para ajudar a amiga.
- Pano, pano pra estancar o sangue! - pediu Johnny - chame alguém!!
- Que diabos aconteceu? - Maria indagou.
Maria apareceu magicamente.
- Que diabos você tá fazendo aqui? - perguntou Johnny intrigado.
- Eu vinha tomar banho de rio, ué - respondeu Maria - meu Deus, a Renegada caiu?
- Não, criatura, eu 'tou tomando banho, não vê? - retrucou Renegada - claro que eu caí aqui!
- Sua toalha, Maria - falou Rafitcha - perfeito! A toalha, rápido!
Maria se ajoelhou diante da Renegada, e entre a toalha, colocou um vidrinho debaixo da perna da garota. E o sangue escorria
pela perna e pingava no vidrinho.
A Renegada nunca sentiu tanto medo na vida.
Era somente um corte, mas sangue para as fadas é algo precioso, que nunca deve ser desperdiçado.

Parte 16 - Assembléia de Fadas

- O que houve, Maria? - indagou Capitã. Ela conhecia um atalho para o mar, atalho curtinho e tinha um belo navio
cheio de salas enoooormes e canhões onde podia atirar de uma longa distância pela floresta. Ela amava este navio
mais do que tudo.
- Estou farejando guerra, Capitã - respondeu Maria - e isso me preocupa. Muito.
- A qualquer hora, estou pronta para isto - disse a Capitã seriamente - eu lutei na Primeira Guerra, e nunca
fraquejarei.
- Eu agradeço, Capitã. Seu navio dá para quantas pessoas?
- Oh, muitas! Mais de cem pessoas e ainda é rápido, sabe! - a Capitã disse com orgulho na voz - nunca terá outro
navio semelhante ao meu!
- Não duvido - Maria comentou - Capitã... você acha que demora quanto tempo pra botar todo mundo dentro do navio?
- Menos que uma hora. Basta todo mundo formar uma fila e ir entrando, se espalhando pelo navio.
- Terei uma reunião com as fadas daqui a três horas - Maria respirou fundo - quando eu voltar, vou te falar qual vai
ser o plano. Precisamos das pessoas dentro daquele seu navio protegido. Senão vai ter sangue sujando essas campinas.
E eu não vou gostar disto.

----------------

Maria roía as unhas de tão nervosa que estava. Estava dentro de um salão todo branco, aspecto de nuvem. Tinha a
impressão que iria cair a qualquer instante das nuvens e cair no profundo mar abaixo de si. Uma a uma, as fadas
foram chegando. Não existe fada feia. Todas elas eram lindas, com olhos doces, expressões de ternura e cabelos
sedosos e bem-cuidados.
Uma fada negra, vestida de amarelo, estava sentada no banco mais alto. Era a Princesa das Fadas da Luz. Com um
encantamento feito com um mover somente dos dedos, silenciou todas as fadas presentes ali.
- Senhoras e senhoritas - disse numa voz grave - Maria Jhujhu, chefe das Campinas Verdes, pediu uma audiência a
respeito do encantamento feito sobre as Campinas Verdes há dez anos. Maria Jhujhu, gostaria de falar?
Maria Jhujhu se empertigou e disse em voz solene:
- Sim, claro - respirou fundo - eu... o Rei Mo está desrespeitando o Tratado. Começou banindo Rafitcha...
As fadas ficaram muito mais interessadas no que Maria tinha a dizer. Quando se tratava de Tratado, Rei e coisas
fora de lei, as coisas ficam muito mais interessantes, obviamente.
- E eu desconfio daquela forasteira que chegou essas semanas - completou Maria.
- Raveneh? - perguntou a fada negra, que presidia a audiência.
- Oh, não. Esta é um amor de pessoa, canta que é uma maravilha! Estou falando da amiga dela, Renegada. Ela não
me parece muito confiavel.
- Ela tem um passado oculto - comentou uma fada vestida de azul-claro com óculos de meia-lua - ela escondeu o seu
passado para ninguém ver. Ela mente a respeito de quem é.
Um múrmurio percorreu todo o salão.
Quando você é mágica, e não quer que ninguém descubra quem você é, pode se utilizar de uma mágica meio complicada:
esconder seu passado todo. Aí se alguém quiser ver como é a sua vida antes, vai encontrar somente nuvens negras escondendo
vultos. Mas ao passo que é prático, também é muito suspeito alguém querendo esconder de onde veio e quem é, de fato.
E a Renegada ocultou seu passado.
Uma fada com vestes vermelhas e laranjas - uma fada do fogo - moveu as mãos, e disse:
- Ela é suspeita. O sangue dela é algo para se suspeitar.
Fadas do fogo sabem mexer com sangue. Elas sabem mexer com o sangue e descobrir quem foram nossos pais, de quem
a gente descende, se temos doenças de sangue, essas coisas. Que nem a gente quando tira sangue do nosso corpo, e a gente
descobre se os nossos pais são quem a gente pensa que são ou somos adotivos.
Mas continua a história...
- Ela ocultou o passado dela de uma forma meio estranha, eu diria mal-feito - continuou a fada - mas tenho que pegar sangue
dela. Maria, você acha que consegue?
Maria Jhujhu só fez concordar.

Parte 15 - Cotidiano simples nas Campinas

Passara-se duas semanas desde o confronto entre Renegada e o Rei. Duas semanas absolutamente normais e tranquilas e
felizes. O Rei resolvendo os problemas de seus súditos como banir um garoto pivete que roubou as laranjas na feira ou
se tal camponesa podia vender alface e tomate em paz.
E nas campinas todo mundo fazia algo: Maria vigiava tudo, Kibii atirava flechas e conseguia bichos para comida, Fer
conseguiu permissão (de novo) para treinar com as suas armas, Umrae guardava as armas, Rafitcha colhia frutos, Johnny roubava
os morangos escondido, a menina dos feijões lavava roupas no rio junto com algumas pessoas, um garoto chamado Dan
metido a escritor continuava escrevendo suas histórias e Raveneh cozinhava - sempre fora boa cozinheira.
E todo mundo ia seguindo feliz.
- Estou sem saber o que fazer pro jantar de hoje - confessou Raveneh para Rafitcha, Johnny e Fer sentados em frente
à cabana de Umrae, como sempre. Era divertido ver o povo pedindo armas à Umrae, e ela recusando tudo enquanto
tecia pacientemente tecidos - alguém precisava fazer roupa. E Umrae fazia isso enquanto vigiava as armas.
- Faz frango - sugeriu Fer - eu cato uma galinha, e pelo todinha pra você. E comemos frango *O*
Raveneh fez uma cara qualquer de desagrado.
- Faz feijoada - Johnny disse encarando o sol de olhos fechados.
- A menina dos feijões não vai comer - Rafitcha comentou. Estava lavando laranjas e maçãs.
- Por que não? - Raveneh indagou.
- Porque ela é vidrada em feijões - suspirou Johnny - o pior é que perto dela os feijões são vivos. Aí a gente nunca
come feijão por causa dela... Mas eu amo feijão T_T
- Posso fazer salada - Raveneh falou num profundo suspiro - será que tem alface e tomate o suficiente?
- Tem sim, Lych fez a feira ontem - respondeu Rafitcha - e você pode colocar alguns pedaços de laranja.
- Laranja com alface e tomate, Rafin? - Fer fez uma cara de nojo.
- Olha quem fala - alfineta Rafitcha - a Miss Assassina Sangrenta Imortal. Você devia sentir nojo de matar bicho todo dia.
Fer fecha a cara. Ser uma assassina não é fácil, ainda mais pra uma pobre menina de quatorze anos de idade.
- Mas laranja com carne é legal - comentou Raveneh - será que o povo gosta?
- Você que sabe - Johnny suspirou - mas morangos são mais gostosos.
- Aham - concordou Raveneh - farei uma salada. E carne pra quem gosta, com pedaços de laranja. A plantação de
batatas vai poder ser colhida...?
- Semana que vem, se possivel.
Raveneh sorriu em agradecimento.

Parte 14 - Confronto entre Renegada e Rei

- Vossa Majestade, a garota de ontem retornou - disse o servo curvando-se, quase batendo o nariz no chão.
- Mande-a entrar - disse o Rei, visivelmente não gostando nem um pouco disso. Se a garota ficasse indo todos
os dias ali, os outros poderiam desconfiar e aí o plano iria por água abaixo!
- Sim, Vossa Majestade - disse o servo, retirando-se silenciosamente.
Entrou no aposento a Renegada. Ela estava com um olhar frio, quase cruel.
- Rei - disse a Renegada - eu quero que você solte-o.
O Rei riu. Uma gargalhada fria.
- Tola menina! - riu - quem você pensa que é? Me dê um motivo pra soltar-lo!
A Renegada fechou os olhos, e respirou fundo. Não sabia o que fazer, mas...
- Porque é crueldade? Porque eu tenho poderes? Porque...
- Ele está perfeitamente bem, Kycci - o Rei gritou exasperado - está saudavel e é um garoto inteligente!
- Você é um rei bobo, Calvin - murmurou a Renegada surpresa pelo nome que o Rei a havia chamado - muito bobo.
- Eu me preocupo com o garoto, Renegada. Embora você pense que não.
- Eu o terei de volta, Vossa Majestade - a Renegada falou com um tom cruel - e você não impedirá isto.
- Você vai quebrar o Tratado deste jeito, Renegada. E aí vai ter uma guerra que você não vai gostar.
- Você já está quebrando o Tratado! - gritou a Renegada com lágrimas de ódio correndo pela face - você está
ameaçou a Raveneh... E você quebrou o Tratado ao banir Rafitcha...
- Então o nome da nova garota é Raveneh?
- Quê? Oh, céus! Não, não é... - Renegada estava apavorada. Temia o mal que o Rei poderia causar à Raveneh,
somente sabendo seu nome.
- Está mentindo pra mim? - o Rei era impiedoso.
A Renegada chorou.
- Você não poderá causar mal à ela - suspirou a garota por fim. O Rei somente sorriu, um sorriso de escárnio e
zombaria.
- O que fará pra impedir, minha doce menina?
- Ela está sob minha proteção - levantou o queixo - graças ao Tratado, você não terá nem a maldição e nem a
proteção de fadas como eu. Mas Raveneh não é você. E ela nem sequer se envolveu com a Primeira Guerra. De
modo que ela não se submete ao Tratado.
- Proteção de uma fada das trevas? - o Rei deu um sorriso amarelo. Renegada havia sido muito mais esperta
do que ele imaginava.
Fadas das trevas costumam ser más, perversas e tudo o mais. Mas também podem ser boas. Assim como todo mundo.
Mas se você for um protegido de uma fada das trevas, você tirou então a sorte grande. Desde os tempos mais remotos,
as Fadas das Trevas e Escuridão são implacaveis e impiedosas. Seus protegidos não precisam de medalhas ou anéis ou
qualquer dessas coisas parecendo amuletos. A proteção está no sangue, e o único modo de quebrar a proteção é
a protetora retirar ou o protegido tentar o suícidio. Um protegido nunca consegue morrer na primeira vez que tenta
acabar com a própria vida, mas se a proteção não for renovada, morre na segunda vez que tentar.
- Sim, de uma fada das trevas - respondeu Renegada - assim como o garoto está protegido. Mais uma tentativa de
acabar com a Raveneh, e você está ferrado, meu caro.
- Você não pode fazer isso. Ir contra logo a mim? Mas está tudo indo tão bem... - o Rei tinha uma voz trêmula.
A Renegada explodiu. E como!
- E NINGUÉM TRANCAFIA O PRÓPRIO FILHO E DIZ QUE ESTÁ TUDO BEM! - berrou.
Quando uma fada das trevas fica muito, mas MUITO fula da vida, é comum tudo tremer. De modo que o trono tremeu, os quadros
pendurados nas paredes tremeram, as estátuas tremeram e quase caíram, os servos no castelo precisaram se segurar em
algo para não caírem, e o próprio Rei segurou a sua coroa de ouro cravejada de diamantes, rubis, esmeraldas e safiras.
- Céus... - a Renegada fechou os olhos, passando as mãos pelos cabelos - não me provoque. Não me subestime. Não.
Ouse. Atacar. Raveneh. Qual parte de "não me provoque" você não entendeu?
O Rei estava mudo. Ficou pálido, mal podendo mover a boca de tão assustado que estava.
- Eu vou indo embora, Vossa Majestade - a Renegada disse por fim, suspirando - você entendeu, né? Você já me fez
sofrer o bastante. Agora sou eu quem dito as regras do jogo. E as regras do jogo dizem pra você ficar bem quietinho
e não machucar ninguém. Entendeu?
O Rei, de olhos deeeeeeste tamanho (O______O) concordou com a cabeça. A Renegada já estava na porta e diz com um sorriso
sarcástico:
- E a sua coroa tá caindo demais pra direita, sabe.
O Rei só fez ajeitar a coroa sobre a careca.