Raveneh estava perdida no meio de um corredor no palácio.
Onde estou?, perguntava-se, como eu vim parar aqui? De fato, Raveneh não conseguia se lembrar do ocorrido na sala de tortura. Sabia somente que sentira muita dor, que sofrera demais. Só. Não sabia o porquê da dor, não sabia como fora embora. As lembranças pareciam evaporar-se.
O corredor estava imundo, o chão sujo de sangue seco. Ela lembrava de alguém gritando para parar, lembrava também de vozes maldosas e do choro... Conseguia sentir agora o cheiro podre, mas não conseguia voltar ao momento em que ficara presa na câmara escura com outros empregados. Estranhamente, ela não lembrava de nada que lhe ocorrera nos últimos três dias.
Fechou os olhos, tremendo de frio. Devia ser noite, pois o corredor estava muito escuro.
Andou, andou, andou sem sentir o cansaço, sem o fôlego lhe faltar. Estava muda, apática, e tudo o que queria era que o inferno acabasse ali. Mas o inferno só acabaria quando pudesse sentir o abraço de Johnny, os cuidados que Rafitcha lhe dispensava, as conversas distraídas das Campinas. Os corredores estavam vazios, um fato estranho. Mas os nortistas não se preocuparam, de fato, em proteger o castelo. Somente um ou outro guarda, em geral, tapados. Nas Campinas, Raveneh aprendia a odiar o Rei e a ironizar suas ordens. Pensava que o Rei era o pior, e tinha uma péssima impressão dele. Mas percebeu que o Rei não era o monstro que pintavam, apesar do seu autoritarismo. Bem, Raveneh agora sabia o que era realmente alguém cruel.
Perguntou-se onde o Rei estaria a essa hora. Estaria trancafiado com os nortistas? Fugira? Recebeu abrigo?
Raveneh conseguiu sair para fora do castelo, não se deixando ser vista por ninguém.
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- Lefi, quero que me entregue os jornais da semana - disse Siih.
Era uma mulher alta, bem jovem de cabelos negros e lisos. Tinha um sorriso radiante, mas naquele momento não sorria.
- Sim, Siih. - disse Lefi.
Lefi era, de certo modo, parecido com a irmã. Moreno, tinha olhos azuis bem bonitos. E assim como a irmã, o sorriso era contagiante. Porém as semelhanças paravam por aí: ela era impaciente, ele era todo calmo, ela era ambiciosa, ele não fazia questão de muitas coisas, ela era exigente, ele era mais tranquilo em relação aos outros. Mas não pense que a Siih era o tipo de pessoa histérica que fica dando chilique a cada meia hora: sua educação não lhe permitiria tal absurdo.
- Campinas não se mexem contra os nortistas; Nortistas conquistaram a Faixa Leste do Reino; Rei está desaparecido, etc, etc, etc!
Siih passou as mãos pelos cabelos, nervosa. Sua mãe morrera lhe deixando esse enorme problema. Que ótimo!, pensou com ironia. Queria poder se enlutar por mais tempo, pois ainda se sentia arrasada. Mas a situação atual não lhe permitira.
- O que Maria pretende fazer com esses nortistas? - perguntou Siih tentando ficar calma.
- Ela não pretende fazer nada, Siih - respondeu Lefi sentando-se diante dela - os nortistas a afetaram de outra forma, Siih.
- Que forma? As fadas sabem disso? - indaga Siih.
- Sabem.
- Que mal eu fiz em viajar durante meses ao Oriente! - cospe Siih irritada - agora não sei das novidades, nada!
- Maria ficou preocupada pois havia uma espiã no castelo do Rei - disse Lefi apressadamente - e ela desapareceu após os ataques dos nortistas.
- Coitada! - exclamou Siih - quem é esta espiã?
- Raveneh é o nome dela - contou Lefi - ela é uma imigrante.
- Imaginava. Mande uma assembléia de fadas agora, daqui a três horas - Siih disse - o Rei está foragido, o filho adotivo dele também e Raveneh, das Campinas, também.
- Sim, Siih - Lefi disse - mais alguma coisa?
- Você acha que eu devia ir a Assembléia de roupa preta ou roxa?
- Meu Deus, Siih! Não sei, não entendo desse papo. Vá de roxo, sei lá.
- Ok, então eu vou de preto - murmurou Siih pensativa.
- Então porque pediu a minha opinião se não ia seguir-la mesmo?
- Porque o contrário que você sugerir tá ótimo, meu irmão - respondeu Siih com um sorriso - eu ouço você em tudo, pois é inteligente. Mas em roupas... você é um desastre.
Lefi sorriu ao ouvir isso.
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