domingo, 1 de junho de 2008

Parte 34 - Um passo para a dor.

Raveneh ofegava.
Seus lábios entreabertos buscando ar, seus olhos turvados, sua pele molhada de suor. Mas estava feliz. Feliz.
Parto de uma fada é extremamente difícil pois não se pode usar poderes mágicos para parir, e como todo mundo sabe, as fadas costumam ser preguiçosas e gostam de usar a magia para tudo, até pra limpar o nariz. Felizmente Raveneh não era preguiçosa e como teve uma educação que reprimia toda a sua magia, então quase não usava poderes.
Hoje em dia não há problema nenhum em parto sem dor: existem tudo para que isso aconteça. Mas naquela época, um parto sem dor não era um parto. A dor era essencial para criar um vínculo entre a mãe e o bebê, a dor era importante para que ensinasse a mãe tudo o que ela precisaria para criar seu filho, a dor era indispensável para que a mãe acumulasse paciência ao longo da vida. A dor era vista como um aprendizado. E Raveneh passara na prova. E fora recompensada com a vista de uma linda menininha a quem batizou de Maytsuri.
- Raveneh - alguém chamava - venha tomar banho.
Ela se levantou, meio tonta. A dor estava sendo esquecida aos poucos, sendo devorada pelo alívio e felicidade. Seus cabelos loiros jogados para a frente, desarrumados e seu vestido sujo. Mas Johnny a viu bela como sempre, com seu ar de princesa e seu sorriso inocente.
- Johnny... - murmurou.
Johnny a abraçou, a conduzindo até uma portinha que dava em uma sala onde havia uma banheira enorme. Quase tropeçou nos próprios pés. Johnny colocou Raveneh na banheira, jogando água em cima. Raveneh tremeu de frio, a água fria invaddo a banheira sem cuidado nenhum.
- Vamos lá - Johnny disse - acorde!
Raveneh abriu os olhos, podendo focar o rosto de Johnny. Sorriu, depois da água fria a invadir a banheira, estava melhor, nem tão tonta:
- Como está Maytsuri?
- Está linda, sendo mimada por Kitsune e Tatiih - respondeu Johnny lavando os cabelos de Raveneh, os lindos cabelos sedosos, macios e dourados.
- Que bom - Raveneh fechou os olhos - veja, a água está saindo suja.
Johnny não sorriu, mas ficou feliz. Estava feliz por Raveneh estar bem.

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- O quêêê??? - Jorge gritava irado.
- Sinto muito - Crazy disse - mas o bebê simplesmente sumiu.
O médico concordava, o frio na espinha:
- Sim. Quando voltei, todos meus assistentes haviam sumidos com meu bebê. Só havia Raveneh...
Jorge ficou muito, mas MUITO furioso. Seu rosto assumiu a cor de um tomate bem maduro, seus olhos se estreitaram até as pupilas não serem vistas, mordeu o lábio inferior até sair sangue de tanta raiva. Malditos...
O que havia acontecido era o seguinte: depois de Raveneh ter sido lavada e disposta, ela amamentou a filha enquanto discutiam sobre ir embora dali. Porém para a surpresa de todos, Raveneh se recusou a sair naquela hora. Ela queria se vingar de Jorge, e aparentemente ela já tinha todo um plano formado. Portanto ela entregou o bebê, disse para seus amigos fugirem que ela se viraria para sair dali. Raveneh estava tão decidida que Johnny não quis persuadir. De modo que todos aceitaram os pedidos de Raveneh e se retiraram dali, deixando uma Raveneh sozinha e firme, com aqueles olhos
azuis e penetrantes. Logicamente Jorge não gostou quando soube que o bebê fora levado também, e assim pensou bastante, decidindo que ia castigar os amigos de Raveneh: iria adiantar a execução para o dia seguinte. E iriam torturar bastante a Raveneh antes disso. Ah, eles iriam ver! Ah, como eles iriam ver o que fizeram! Raveneh ia ter uma morte indolor, um enforcamento de nada! Mas agora ia ser castigada, mandar todos os
soldados brutos que puder, chicota-la, perfura-la, fazer com que Raveneh implorasse o perdão, ah mas Raveneh iria implorar! Jorge se sentia muito mau, se sentia o poderoso, o próprio deus que manda e desmanda. Ele adorava esse poder de machucar as pessoas o quanto pudesse machucar.

Raveneh estava na prisão, recolhida. Já recebera a notícia de que morreria no dia seguinte. E podia sentir a ansiedade de alguns soldados em relação à tortura. Abraçou as próprias pernas, tremendo de frio. Existem as pessoas que quando estão completamente ferradas, param e pensam em uma saída objetiva. Existem aquelas que se conformam e não fazem mais nada para sair do aperto. Há pessoas que enlouquecem quando se vêem presas em uma situação sem saída e passam a criar um mundo próprio, feito a Sílvia daquela novela das oito "Duas Caras". E tem pessoas que entregam tudo a Deus e acreditam que vão sair de qualquer jeito, imaginam que Deus vai resolver. Raveneh era o tipo que imaginava uma saída objetiva, e se entregava a Catherine. Confiava em Catherine como confiava em si mesma ou em Johnny, se sentia mais tranquila agora já que não tinha mais uma vida para cuidar, e podia usar seus poderes de forma mais adequada. Bastava se integrar com Catherine perfeitamente e assim as duas agirem como uma só.

Sorriu.

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- Oo-Yo - cantarolava Ophelia - la-la-laaaa-rilalá...
Lala ria. Estavam comendo mamão e banana, uma variação decente das maçãs, eternas maçãs.
- Vai dar tudo certo, né? - Lala sorriu - você será a Rainha, eu serei a Princesa... e seremos as novas estrelas deste Novo Mundo...
- Você já não é mais minha escrava - Ophelia abraçou Lala por trás - você é a minha melhor amiga, sabia disso?
Lala sorriu, concordando com a cabeça. Fechou os olhos, se sentindo realmente feliz. Você também se sentiria muito feliz caso seu melhor amigo falasse que você é o melhor amigo dele, não é? É bom ter um sentimento por alguém e essa pessoa ter o mesmo sentimento por você. E amizade é uma coisa muito bonita, belissíma: são raras as pessoas que conseguem ser amigos leais e verdadeiros, e mais raras ainda as pessoas que acabam por ter esses amigos.
Ophelia e Lala eram dessas amigas sortudas e raras.

- Ora ora - disse uma voz rasgante - que coisa mais bonitinha que é ver vocês duas.
Se viraram. Só viram primeiro os seus tentáculos. Obviamente criaturas que possuem tentáculos são do mar, mas esta era da terra: seus tentáculos pareciam raízes enormes de árvores, com a única diferença que eles eram moles enquanto raízes de árvores costumam ser duras. Eram grandes, moles, espessos, amarelados. Eram numerosos, sustentando o corpo. Da cintura pra cima, o corpo era escultural: a cor amarelada, os seios de tamanho médios, perfeitamente redondos e duros (como se tivesse feito cirurgia de silicone o_o"), os braços bem torneados, o rosto bonito. Ela sorria, seus cabelos soltos e encaracolados, de um tom vivo, se mesclando entre laranja e marrom.
- Linda a relação fraternal de vocês - disse ela de novo - vejo que você é a Ophelia.
Seus olhos eram vazios literalmente: eram brancos, sem nenhuma pupila. Mas ainda assim tinha aquela expressão irônica, zombateira.
- Sou - admitiu Ophelia - quem é você?
- Perdoe-me - o demônio disse - eu sou Jirä, uma Hiriki. Eu sou um dos independentes que só aceitam se submeter a alguém depois de provar a força deste alguém. Eu queria ver com meus próprios olhos a força da Ophelia, a Musa Adormecida. Lendas não são suficientes.
- Então quer lutar comigo? - perguntou Ophelia, ficando de pé, protegendo Lala com o corpo.
- Exatamente - Jirä respondeu - quem é esta fracote atrás de você? Deixe-me treinar com ela, a carne dela parece deliciosa... depois matarei você...
- Hey! - Lala gritou se interpondo entre Ophelia e Jirä - não ouse dizer que vai matar Ophelia! Ela é mais poderosa que vocês todos juntos!
Jirä sorriu com aquele ar tão sarcástico, tão irônico que seria possível até gostar dela se você não fosse Lala.
- Lala, não seja estúpida, por favor - Ophelia murmurou - fique atrás de mim... eu resolvo isso. Não quero que você morra.
- Ophelia...
Ela estava com aquele ar tão sereno. Lala engoliu em seco e aceitou ficar em um canto, enquanto via o demônio que tinha o triplo do tamanho de Ophelia. Realmente nunca tinha visto Ophelia lutar a sério...

Eram duas guerreiras frente a frente, lutando não por vidas ou por um ideal... mas simplesmente por lutar.

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Passou-se um dia. O sol desceu, a lua subiu, o sol subiu de novo. Mais um dia ansioso, nervoso. Ophelia havia conversado com uns demônios, Lala como sempre estava atrás. O povo das Campinas como sempre treinando arduamente para lutar com demônios, e no Mundo das Fadas, Siih havia dado o Projeto Evacuação se iniciar. De modo que durante esse dia que se passara, havia uma balbúrdia, todos correndo de um lado pra outro, na maior bagunça, tentando um abrigo: havia os abrigos mágicos, construídos pelas feiticeiras da água há tanto tempo, antes de existirem as Musas e toda a zona. Eram abrigos protegidos por uma magia tão antiga e poderosa que nem mesmo Ophelia poderia destrui-los. De modo que esses abrigos foram abertos pela primeira vez em duzentos anos. Siih tentava se concentrar, em uma sala que ela construíra há um ano, toda grande, branca, um lago no meio. De certa forma era parecida com a sala onde ela manipulara as ações dos nortistas há dois anos... porém dois meses depois, ela destruíra a sala. E em Istypid, todos amarguravam ter aceitado a decisão de Raveneh em ficar. Sentiam medo.
- É hoje. - lamentou Kitsune.
- Sim... é hoje - concordou Rafitcha.
- Não pode ser - Johnny estava arrasado.

E já estava na hora.
A execução seria numa praça. Era uma praça circular, no meio um palanque onde ocorriam as execuções. A praça era chamada de Círculo de Sangue, devido a todas as execuções e linchamentos ocorrerem ali. Era um chão marcado de sangue, era um lugar repleto de recordações macabras lembrando inocentes mortos e corpos se arrastando. Várias pessoas circulavam por aí, algumas por pura curiosidade, a maioria por pura vontade de ver sangue. O grupo de amigos (nossos heróis, devo dizer xD) estava ali, as lágrimas se derramando sem parar, os rostos ocultos por véus e o bebê sendo embalado e protegido firmemente.
Raveneh subiu. As mãos atadas, o rosto decidido, os olhos vazios, os cabelos dourados se mexendo com o vento. Atrás, havia um Jorge maldoso feliz com as feridas da tortura: as marcas dos chicotes e de ferro quente. Raveneh aguentara tudo sem dar um gemido de dor, talvez somente comprimindo os lábios para aguentar. Mas Raveneh não tinha uma lembrança muito boa do que acontecera e nem lembrava das dores que lhe infligiram... talvez a tortura tinha sido pesada demais.
- Finalmente verei você morta - sussurrou Jorge - terei o prazer de dar a corda para se enforcar.
Raveneh não ligou. O sol matutino lhe dourava ainda mais os cabelos e lhe dava um semblante mais tranquilo. Rafitcha engoliu em seco, Amai preferiu fechar os olhos, Johnny soluçou.
Raveneh dera um passo para a frente.
Jorge pôs a corda em volta do pescoço de Raveneh que aceitou sem se revoltar. Fechou os olhos.
Me proteja, Catherine.
- Vamos - Jorge riu.
BLAM!
Raveneh deu um passo para a frente, o chão sumiu. E tudo o que Bia viu, a única com coragem de ver a cena, foi o corpo suspenso de Raveneh, os olhos fechados e aquela expressão eterna de serenidade.
Até os olhos de Bia verteram lágrimas, embora soubesse que tinha alguma coisa errada, alguma coisa que não batia com aquilo tudo.

N.A.: NÃO me matem, please T__T

Um comentário:

. L disse...

Só não te mato pq eu sei que a super Raveneh não morreu. u.u
Lá lá lááá lá, sou vidente? *-*