domingo, 29 de junho de 2008

Parte 43 - Lar Doce Lar

Cavalos alados são realmente um excelente transporte. Eles são tranquilos, lindos, aguentam muito peso e se cansam pouco. Somente são caros de manter, mas fora isso são magnifícos. E era num grupo formado de oito cavalos sustentando uma bela carruagem toda branca e azul, se confundindo com o céu, que Raveneh, Johnny, Bia, Rafitcha, Tatiih e Amai e Kitsune viajavam. Sim, Amai e Kitsune decidiram se mudar para Campinas mesmo que Istypid nem existisse mais e que Amai nem tivesse completado seus estudos.
- Finalmente... - Raveneh sorriu - eles vão ter uma surpresa e tanto!
- Sim, querida - respondeu Johnny - eles vão amar a May.
- Ela não é linda? - Raveneh dizia, levantando o bebê para olhá-la nos olhos. Os olhos da garotinha eram azuis, idênticos aos da mãe. E os fios de cabelo eram castanhos, bem escuros. E ela sorria!
- Sim, ela é linda - concordou Rafitcha que mais tentava dormir do que conversava. Ela, assim como todos os outros, estava tentando tirando o atraso de sono. Bia ficava de olhos fechados, sempre impassível. Kitsune dormia a sono solto, Amai se aconchegando no colo da tia e Tatiih dormia com a cabeça encostada no ombro de Rafitcha. Esta acordava e dormia a todo instante: é muito chato tentar dormir numa altura tão alta, entre as nuvens, quando na verdade você pode ver tudo lá embaixo. Era simplesmente lindo, mas arrepiante.
- Johnny... - começou Raveneh encostada no banco, se aconchegando ao Johnny, o bebê entre os dois.
- Sim? - Johnny fez, pousando os lábios sobre os cabelos dourados de Raveneh. Esta só admirava a menininha enquanto falava:
- Como vamos criá-la? Quais são as regras? Será que ela vai gostar da vida dela?
- São perguntas demais, Raveneh - disse Johnny - a criaremos da melhor forma que pudermos. Mas já temos o que não se deve fazer, certo?
Raveneh ergueu o olhar para Johnny, um sorriso torto se formando nos lábios:
- Eu sei que a minha mãe foi a pior mãe do mundo, mas não precisa ficar falando isso na frente de Maytsuri, ok?
- Claro, querida - riu Johnny - você é tão linda.
Ela só pôde sorrir. Ela achava a mesma coisa de Johnny, mas não tinha palavras para descrever o que sentia. Era mais tímida, corava a cada elogio que recebia. E Johnny adorava essa inocência toda, amava cada sorriso sem graça que a amada dava, se sentia agraciado a cada vez que conseguia fazer Raveneh rir. Era uma sensação tão boa, tão confortável, essa plenitude quase anormal... Johnny se perguntava quando aquilo tudo se acabaria de vez e se sentia torturado só de imaginar ser privado de Raveneh...
- May vai ser tão bonita - murmurou Raveneh - independência e doçura. Você acha que combina?
- Claro - Johnny concordou - isso combina tanto com você!
Raveneh novamente só corou.
A viagem prosseguiu sem mais detalhes, chegando ao destino de noite. Mas não vamos descrever a viagem toda.

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Siih lavava o rosto repetidas vezes, se admirando no espelho a todo minuto. Era uma coisa idiota para se fazer, ainda mais se tratando de uma Rainha que tinha muitas obrigações a fazer. Mas Siih se permitiu ser uma Rainha desnaturada por alguns minutos.
- Siih? Alicia já conseguiu evacuar! - contou Lefi - e Libby já contatou as caçadoras de demônio, estão todas a caminho!
- Excelente - disse Siih, encarando o espelho. Seu rosto molhado demonstrava urgência e aflição escondida - excelente. A evacuação... quantas pessoas precisam ser abrigadas?
- Quarenta e nove pessoas! - Lefi respondeu, olhando para uns papéis - sendo que dezesseis são crianças de até dez anos de idade.
- Se preocupe com essas crianças primeiro - Siih secou o rosto e ajeitou a pequena tiara de brilhantes - mande os órfãos para o Abrigo Sant'Antonië, os que estiverem com pais, mães, avós... mande-os para os Abrigos Segundo e Terceiro, entendeu? Da melhor forma que puder! As Musas?
- Miih, Loveh, Sunny e Elyon já estão aí - Lefi disse de prontidão - quer que eu as chame?
- As mande para o meu escritório pessoal - Siih decidiu - vou indo.
Siih saiu por uma entrada do seu quarto que se ligava diretamente para o escritório pessoal, assim esperaria as Musas na poltrona real, feita de veludo e ouro. Mordia os lábios apreensiva, sua expressão extremamente preocupada. Precisava matar Ophelia.

- Olá, Majestade - Loveh fez uma reverência educada e se acomodou em uma das cadeiras postas por Lefi - quais são as novidades?
- Como se você já não soubesse - riu Miih - boa tarde, Majestade.
- Boa tarde, Miih, Loveh, Sunny e Elyon - Siih engoliu em seco - a notícia... já devem saber... Ophelia agiu.
- Oh imaginei que você ia relacionar o incidente de Farey Ma com a Ophelia - disse Elyon - demônios agindo assim, um ataque tão brutal? Isso não acontecia há quatrocentos anos atrás, desde o genocídio que vocês fizeram! E só porque não teve mais ataques de demônios, afirmaram que eles haviam sido extintos e demônios passaram a virar lenda! Que tipo de governo faz uma coisa dessa?
- Sinto muito - alfinetou Siih friamente - mas eu só sou a Rainha faz dois anos e meio - seus olhos se estreitaram de forma vil - eu não tenho culpa do que meus antepassados fizeram. Entendeu?
- Entendi, Majestade - Elyon bufou indignada. Na hora que ela suspirava, a porta se abriu e uma Alice totalmente suja e ofegante.
- Alice! - exclamou Loveh surpresa - o que houve?
- Ah - Alice ofegava impaciente - Ah. Um... ah, um maldito... demônio ¬¬
- Um demônio? - Siih indagou pasma - você lutou com mais um servo de Ophelia? Ophelia mandou lutar com VOCÊ?
- Acho que era um desses rebeldes deslumbrados - Alice se deixou cair sobre uma poltrona, curando uma ferida aberta na perna - sabe, esses demônios que fingem obedecer à Ophelia. Ela não é idiota de lutar comigo agora.
- Precisa de alguma coisa? - perguntou Siih preocupada - sei lá, banho? Cuidados?
- Um banho seria ótimo - Alice sorriu - poderia arranjar isso para mim?
- Oh, claro, claro! - repetia Siih às voltas. Atrás da mesa, ela procurou uma caixinha dourada. Ao achar a caixinha, abriu-a e pegou um punhado de pó branco que havia (não, não é cocaína ¬¬). A mão branca por causa do pó, fez uma expressão séria ao atirar o pó no ar. Mas o pó não caiu no olho de ninguém, somente ficou ali suspenso, flutuando. E no meio de toda aquela poeira branca, o rosto de Lefi apreensivo.
- Lefi? - Siih engoliu em seco. Não era muito experiente nessa magia, era tão mais prático utilizar as outras maneiras como um telefone bem estranho - Lefi.
- O que foi, irmã? - o rosto de Lefi estava mais pálido que o normal por causa da poeira que o envolvia.
- Mande preparar um banho para Alice. Agora - Siih disse somente, ao que Lefi concordou.
A poeira desceu, e a porta se abriu novamente. Catherine e Louise estavam ofegantes, mas não estavam sujas. Somente Catherine que estava meio molhada, mas como poderia ser de outro jeito se a Catherine que vivia entre os mares?
- Estão atrasadas - observou Miih secamente - sentem-se e vamos começar.
- Por que Alice está toda suja? - perguntou Catherine, admirando a ferida na perna que se fechava.
- Porque lutei com um maldito demônio que me fez lutar mais do que o normal - Alice respondeu rispidamente - agora vamos começar?
- Certo... é que... - Siih engoliu em seco, fechou os olhos contrita, ficou em uma posição bem ereta, os nós dos dedos ficaram brancos - como sabem, Ophelia precisa ser contida. Eu queria saber se vocês... bem, se poderíamos fazer uma armadilha para Ophelia e matá-la de uma vez.
- Como assim? - perguntou Loveh. Claro, o que Siih dissera foi muito óbvio e Loveh era inteligente o suficiente para entender o que a Rainha quis falar. Mas ela queria mais detalhes.
- Uma armadilha. Espioná-la primeiramente, é claro - Siih começou a detalhar - espionar Ophelia, descobrir seus hábitos, seus planos. Assim podemos criar uma armadilha com maior facilidade. Talvez seduzir Ophelia a entrar em uma região onde os poderes são contidos, ou enfraquecer Ophelia, seja lá o que for. Uma armadilha simples, rápida, eficiente. Não uma luta que demore dias... somente um golpe traiçoeiro.
- Eu odeio golpes traiçoeiros - sentenciou Elyon.
- Sequestrar a mãe dela foi um golpe traiçoeiro - observou Loveh, evidentemente remoendo as lembranças da última luta.
- Bem, o que poderíamos ter feito? - lembrou Miih - ela estava destruindo o Reino inteiro! Ela conseguiu matar Olga!
- Temos que vingar a morte de Olga - disse Elyon, fechando a cara - agora... eu não me importo de aplicar golpes como matá-la enquanto dorme... se isso significar a morte definitiva dela...
- Então você vai se sacrificar por causa dela? - Loveh disse, suas sobrancelhas se franzindo. Loveh nunca foi uma pessoa má... na verdade, era o tipo de pessoa muito pacífica, sempre solucionando conflitos à base do diálogo.
- O que temos a perder? - Louise perguntou, o rosto quente virado para Siih - o que temos a perder se fizermos isso contra Ophelia?
- As suas vidas - admitiu Siih - e se fracassarem, eu perderei a minha vida também - seus olhos se abaixaram, e o sentimento que podia ser traduzido por aquele olhar, pela voz tremida seria... remorso? - eu dou tudo o que vocês quiserem. Tudo... o que eu quero é a morte de Ophelia. Só isso me importa...
- Então você aceitaria ser a isca? - perguntou Alice, erguendo a sobrancelha direita - para atrair Ophelia?
- Sim - Siih engoliu em seco, a voz falhou - ela destruiu uma vila... ela... ela é uma assassina! Isso não pode ficar assim!
- Está sendo passional demais, Majestade - lembrou Elyon - isso não é bom. E bem, julgar alguém por ser assassino... bem, nós também não somos os melhores exemplos...
- Fale por você, Elyon - cutucou Loveh incomodada, o que fez Elyon revirar os olhos e rir, zombeteira.
Siih mordeu o lábio inferior, se controlando. Elyon estava certa, estava agindo de forma passional demais. Se aproximou da janela, vendo o céu todo azul da tarde, as nuvens sendo queimadas pelo sol. O outono começaria logo, logo. Suspirou pensativamente.
- Bem... - Louise murmurou - eu aceito aplicar um plano na surdina contra Ophelia. - levantou a mão esquerda, o sorriso iluminando seu rosto moreno.
- Eu também - Loveh admitiu, dando um longo suspiro de conformismo - é o jeito...
- Yo - Miih fez, erguendo a mão esquerda. A franja negra sobre os olhos e a sua expressão séria lhe davam um ar sombrio, bastante adequado a uma Musa das Trevas.
As outras Musas também ergueram suas mãos, simultaneamente. Siih só pôde sorrir, aliviada. Ah!, elas haviam aceitado a proposta maluca! E agora, agora o que faremos? Claro, antes de começar a decidir por um plano especifíco, a porta se abriu e apareceu uma Libby meio desorientada:
- Desculpe-me interromper, Majestade - começou timidamente - o banho da senhorita Alice está pronto.
- Oh obrigada! - Alice sorriu. Levantou-se, dando um último olhar ao grupo das Musas e Majestade e fechou a porta atrás de si, deixando uma Majestade perdida entre estratégias e lendas.

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- OH MY GOD! - uma mulher de cabelos loiros exclamava, feliz - voltaram! vivos! inteiros! e nasceeeu!
- Maria! - gritava Raveneh dando gritinhos esganiçados, abraçando a Maria, olhando em volta - está vazio! Nem uma luz sequer! O que houve?
- Evacuação da área! - gemeu Maria contorcendo a face em uma careta - venham! Rafitcha, Umrae, Tatiih! Wow, vocês...?
- Err-- - Amai sorriu timidamente, seus cabelos ruivos enrolados em um rabo-de-cavalo - eu me chamo Amai...
- E eu, Kitsune - Kitsune se apresentou, prática - eu sou a tia de Amai e moravámos em Istypid. Ajudamos Rafitcha a se recuperar de...
- Se recuperar? - Maria perguntou preocupada - o que aconteceu com você, Rafitcha?
- É uma longa história - sussurrou Johnny constrangido - vamos entrar no abrigo logo?
- Oh sim, sim - Maria dizia - malas, malas...
Todas as malas foram encantadas de modo que ninguém teve que pegar no pesado. O soldado que comandara os cavalos alados fez uma reverência e se retirou dali, se mandando para o quartel-general. Maria andou pelas Campinas, sendo acompanhada pelo grupo. Sim, as Campinas vazias era estranho: as casas ainda existiam ali, mas estavam vazias: nenhuma luz, nenhuma vida. Chegou até o meu, onde fica a "praça" das Campinas (na verdade uma área grande onde pessoas faziam piquenique). No canto direito, uma árvore pequena. Aproximou-se, e retirou a árvore, abrindo um buraco na terra: uma escada que se dirigia ao abrigo.
- Wow - admirou-se Raveneh que foi a primeira a descer as escadas, o bebê dormindo no colo - é aqui que vivem durante guerras? Que... que fabuloso!
Maria chegou ao fim da escadaria, e assim que Johnny desceu (ele foi o último da fila), Maria fechou a porta com um gesto apenas de mão.
- R-Raveneh? - exclamou alguém.
- Eles chegaram! - exclamou outro alguém.
Logo se formou um grupo em volta de Raveneh, admirando o bebê principalmente. Umrae, Kibii, Fer, Ly, Doceh não conseguiam se conter de tanta felicidade:
- Que linda menininha! - suspirava Fer - puxou seus olhos, Raveneh *-*
- Qual o nome que decidiram? - perguntou Umrae.
- Maytsuri - respondeu Raveneh - Maytsuri. Não é lindo?
- Difícil de rimar - Kibii observou, mas calou-se ao receber um olhar fuzilante de Umrae - é lindo!
Felizmente Raveneh não escutou o "difícil de rimar" que Kibii dissera: não é muito educado dizer coisas como essas a uma mãe que acabou de nomear seu filho.
- Raveneh... - Umrae estreitou os olhos, observando um arranhão na bochecha esquerda - o que houve exatamente?
Raveneh baixou o olhar, se controlando para não chorar. Com certeza, os apuros que passara em Istypid lhe valeriam pesadelos para a vida inteira. Umrae engoliu em seco:
- O que Jorge fez com você, Raveneh? Ouvi algo que ele tentou prejudicar Raveneh. O que exatamente ele fez?
- Nada de mais - Bia se intrometeu (sim, ela estava calada todo o tempo) - só tentou afogar Rafinha e conseguiu que todo mundo fosse condenado à morte. Acho que estou me esquecendo de algo...
- Claro - Raveneh sorriu - você esqueceu do dia que tentou me levar, e você teve que matar aqueles soldados?
- Oh sim! - Bia deu um sorriso cínico - nada de mais, Umrae.
Umrae deu um olhar irônico, aquele sorriso torto:
- Amanhã vocês me contam o que realmente aconteceu e a gente põe vocês a par das novidades aqui - murmurou - mas acho que devem comer algo agora.
- Com certeza! - concordou Rafitcha - wow, ainda nem apresentamos! Amai, Kitsune!
- Prazer - sussurrou Kibii, um sorriso bem pequeno, quase nada - vocês são as moças que ajudaram Rafitcha, não é?
- Ah - Amai sorriu - sim. E você é...?
- Kibii - apresentou-se. Seus cabelos negros estavam amarrados em um coque prático, deixando o rosto oval a mostra.
- Umrae - Umrae disse, se apresentando a Amai e Kitsune - muito prazer.
Kitsune sorriu, Amai idem.

Logo se ajeitaram: não foram feitos relatos a respeito da "temporada" que Raveneh passara em Istypid e todos compreenderam que tudo o que eles queriam era uma longa e confortável noite de sono. Não houve cerimônias, beijinhos, nada do tipo. Felizmente Maytsuri repousava serena, e Raveneh pôde dormir.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Parte 42 - Que fique bem... e as Opções Um, Dois e Três.

As horas se arrastaram, Raveneh e Catherine torturavam hora por hora o Jorge, Crazy matava todos no prédio. E o fogo se apagava lentamente, a cidade arrasada. Pela janela do escritório que fora de Jorge, podia-se ver a praça com muros derrubados, chão repleto de corpos, sangue e destruição, e entre a fumaça e o fogo quase sumindo, podia-se ver crianças chorando, mulheres gritando por seus entes queridos. Catherine mordeu o lábio inferior, encarando Jorge:
- É, acho que está na hora.
- Maldita... - Jorge havia levado chutes a noite inteira, tendo ficado inconsciente várias vezes durante a madrugada, ao passo que Catherine permaneceu acordada, muito preocupada em pertubá-lo.
- Bom dia, Raveneh - Crazy disse, voltando para o escritório - ele ainda está vivo?
- Sim... - Catherine respondeu - eu tive umas idéias boas. Poderia me arranjar um barril? Eu não podia sair daqui, estava esperando você.
- Sim o_o
Crazy saiu, voltando rapidamente com um barril desses que guarda cerveja e coisas assim. Catherine sorriu, se ajoelhando diante de um Jorge desamparado, os lábios vermelhos e um corte na sobrancelha direita, ainda sangrando.
- Vem cá, meu irmão... - Catherine estava com uma voz tão doce, tão meiga que Jorge sentia estranho em ouvir aquelas palavras e acabar por acreditar nelas, por não ter outras palavras.
Catherine conseguiu levantar Jorge e meter ele dentro do barril, de modo que Jorge ficou só com os braços e pernas fora do barril. Estava preso.
- Venha - Catherine sorria, conduzindo o irmão dentro do barril cuidadosamente, indicando se havia um degrau a mais ou a menos, cuidando para que o irmão não tropeçasse. Crazy, curioso, a seguia.

A praça estava imunda, os rastros perturbadores. Mas o palanque permanecia inexplicavelmente, aquele palanque onde morreria estava ali, firme. Subiu as escadas, conduzindo Jorge.
- Senhoras e senhores! - gritou.
Imediatamente surgiu uma multidão não sei de que lugar, todos curiosos, intrigados. Catherine viu em volta, percebendo que não havia muita coisa a se fazer... Crazy estava atrás dela, seu olhar oscilando entre curiosidade e compreensão, além de ansiedade.
- Arranje-me um verdadeiro estojo de facas bem afiadas - sussurrou para Crazy - facas, punhais, lanças, tudo que ferir.
Crazy compreendeu o que Catherine queria fazer imediatamente, engoliu em seco. Localizou um soldado qualquer, pediu seu armamento que todo soldado tinha: um conjunto de punhais para o caso de perder a espada, já que Crazy conseguira perder seu conjunto de facas durante a batalha.
- Pronto - disse Crazy.
Catherine sorriu mais uma vez, acariciando cada punhal, tão prateado... era uma arma linda demais para ser usada em um ser tão baixo como Jorge, mas não tinha muitas condições de escolher cuidadosamente, estava agindo pelos impulsos, estava quase delirando...


- Raveneh! - gritou Johnny.
O grupo foi também curioso o bastante para ir até a praça, e conseguiu ver Raveneh em cima do palanque, acima de todos os outros, aquele sorriso maléfico, e alguém dentro de um barril.
- Oh céus! - Rafitcha exclamou surpreendida - que vingança!
Bia olhou para o céu, ficando mais azul a cada minuto que se passava, o sol ainda nem nascera direito.

Facas. Facas eram metidas a torto e a direito no barril, e Catherine só se preocupava em não colocar na cabeça para não morrer de imediato. Mas colocava facas em toda a extensão, como quem apunhala uma árvore só por apunhalar. As pessoas que presenciavam aquele momento de ódio e revolta olhavavam horrorizadas, as bocas abertas de nojo e medo, imaginavam a dor de quem estava ali dentro. Imaginavam a dor, tremiam só de pensar em ter facas afiadas a um centímetro da sua pele, se não menos. Quando finalmente Catherine terminou, percebeu que no norte, a rua era reta... mas à esquerda, a praça fazia uma ladeira descendo até a rua...
- Isso - sibilava, a voz quase doce - isso, meu irmão, é o fim. Conhece-o?
- A-Argh... - Jorge ofegava, tentando desviar de cada faca mirada para si mesmo - eu vou conseguir escapar... Eu tenho pernas e braços!
- Que bom que você me fez lembrar deles! - Catherine sussurrou - mas cortar seus braços e pernas é tão cruel, tão sangrento... Odeio sangue, sabia?
- Imagina se gostasse - retrucou Jorge sarcasticamente. Percebeu que acima dele, havia três facas apontando para a sua cabeça, a dez centímetros de roçar no couro cabeludo.
Catherine levantou um frasco minuscúlo, um líquido laranja se sacudindo dentro dele.

- Mas é um dos venenos de Umrae! - exclamou Tatiih surpresa - ela conseguiu surrupiar de mim! O.O'
- Achei que tinha dado a ela... - comentou Johnny pasmo. A situação chegara a tal ponto que Raveneh simplesmente roubou venenos sob a responsabilidade de Tatiih?
- Não...

- Esse veneno foi feito por uma amiga muito estimada, querida minha - Catherine contava despreocupadamente, mergulhando um dardo que achara no chão no veneno. Mergulhar dardos em veneno é somente uma maneira muito rústica e simples de se fazer dardos envenenados, e obviamente especialistas como Umrae e Kibii sabem fazer melhor que isso. Mas nem Raveneh ou Catherine sabiam a melhor maneira de se envenenar dardos, de modo que ela usou a saída mais comum - o nome dela é Umrae... esse veneno vai ser sua tortura... e sua cura, tá? Espero que fique bem, meu irmão... eu realmente espero isso...
Jorge sentiu uma das mãos ser furada por algo afiado, uma agulha? Sentiu algo sair dessa coisa pontiaguda, algum líquido se estranhando nas suas veias, se misturando ao seu sangue. Gelou, tremendo... aquilo era gelado...

Um chute fez cair o barril, ele já não podia se mover devido ao frio e todo o esforço em evitar as facas foi inútil: as afiadas facas fizeram o seu trabalho de perfurar cada parte do corpo de Jorge, estraçalhando seu corpo por completo. Espero que fique bem, meu irmão... foi tudo o que pôde ouvir antes de ficar tonto com o veneno, pois depois só pôde sentir. As palavras foram ditas pela irmã que odiava, pela irmã que renegava, pela irmã que humilhou. Mas a voz, o tom, o jeito... tudo lembrava Catherine. Podia sentir seus cabelos negros esvoaçando lentamente, podia ver seu sorriso luminoso, podia lembrar das noites que compartilhavam segredos e falavam da vida dos outros. Eram cruéis, maldosos. Que fique bem... era um desejo de Catherine, a irmã que morrera jovem devido a um aborto mal-feito, não de Raveneh que só desejava a sua dor.

Fechou os olhos, tentando suportar a dor sem gritar, o que não conseguiu. Quando chegou no final da ladeira e o barril trombou numa pedra, ele se abriu revelando um homem morto e completamente estraçalhado.
- Oh céus... - Raveneh viu aquele barril descer. Para ela, aquele barril era como se tudo de ruim estivesse se esvaindo... foi ela que viu, não a Catherine - oh céus...
- Raveneh! - gritou alguém. Sim, Johnny conseguiu atravessar a multidão curiosa e apavorada para subir ao palanque quase desesperado - Raveneh!
- Johnny... - Raveneh quase vomitou, mas controlou as ânsias de vômito.
Se agarrou a Johnny como uma criança desamparada. Era mulher, casada, mãe! Mas se sentia tão frágil, era tão arrasador realizar uma vingança, machucar os outros lhe custava tanto...
- Você está bem? - perguntava Johnny exasperado - fizeram algo de ruim com você? Raveneh!
- Estou bem... - mas Raveneh não tinha convicção do que dizia - argh!
O barril havia chegado ao fim da ladeira e aberto, mostrando Jorge morto. De fato, era uma visão para embrulhar o estômago de qualquer um - e eu, a narradora, não descreverei porque se imaginar a cena, não comerei mais durante hoje e isso é muito ruim, certo?
- Me tire daqui - Raveneh falava com mais firmeza, estava mais determinada - me tire daqui, me leve de volta pra casa, Johnny, quero ir embora, cadê May?
- Está com Rafitcha, ela está bem embora chorando feito doida - Johnny tentava acalmá-la, mas sem muito sucesso.
Ela ofegava. Tentava não olhar para atrás de si, não queria ver o corpo do seu meio-irmão, não queria ver que tinha mais um assassinato nas mãos.

Ela desceu, deixando toda uma população surpresa, admirada e indignada - indignada com a morte, indignada com a indiferença, quem sabia realmente da história?
- Por favor, tirem isso da minha frente - ordenou Crazy - eu não quero vomitar toda vez que passar por aqui.
Ele olhou para o povo que passara a olha-lo, observa-lo, analisa-lo. Se sentiu incomodado.
- Chispem daqui! - gritou - vão embora!
Ele deu as costas, tentando arranjar as últimas coisas para considerar o reino oficialmente tomado por Grillindor.

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- Majestade! - ofegou Lefi exasperado, sendo seguido por uma Libby frenética e uma Alicia ofegante - irmã... desculpe, estamos tão atrasados... mas...
- Desembucha, Lefi! O que houve? - Siih gritou, energética.
- Umacidadefoidestruídapelosdemônios! - Lefi deu a notícia de forma desenfreada - saldocentoeummortos!
- Fale devagar! - embora Siih tivesse entendido perfeitamente, ela queria ouvir pela segunda vez. Só para garantir que não havia se enganado...
- Demônios - Lefi tentou mais devagar, de forma bem pausada - demônios... cento e uma pessoas morreram... só vinte sobreviveram...
- Mas é o cenário de quatrocentos anos atrás! - Siih exclamou alterada - demônios foram destruídos completamente...
- Essa era a "verdade" que diziam para todos, não era? - lembrou Lefi, o que fez Siih andar de um lado para outro.
Libby tentava não chorar, seu nariz ficando muito vermelho com o esforço.
- Alicia, mande recolher os sobreviventes! - Siih agiu - Libby, mande uma tropa de vinte e quatro caçadoras de demônios à região! Diga que pagamos o dobro do oferecido normalmente! Há vagas para todas!
- S-Sim, senhora - Libby tremia.
- Por que treme tanto, criatura? - perguntou Siih quase pulando de tanto ódio, nervosismo - e não gagueja!
- M-Minha família morava nessa cidade! - Libby desabafou - foram todos mortos...
- Os sobreviventes já foram contabilizados? - perguntou Siih se virando para Lefi - já sabem quem são?
- Informações retiradas agorinha! - Lefi prontificou mostrando um papel repleto de rabiscos - infelizmente, nenhum é da família de Libby.
Libby controlava as lágrimas, mas não tinha muito jeito.
- Libby, vá trabalhar - Siih odiava dar ordens assim, mas não podia fazer muita coisa - sinto muito pela sua família, mas por favor, então me ajude... me ajude a vingar os que mataram a sua família!
- Sim, Majestade! - Libby conseguiu se controlar, engolindo todas as lágrimas de uma vez.
- Alicia, aproveite e mande evacuar TODA a região, entendeu? - Siih continuou tentando raciocinar de forma clara - agora vão!
- E eu? - perguntou Lefi intrigado.
- Você... - Siih andava de um lado para outro, procurando uma saída - isso é coisa de Ophelia, tenho certeza que é... Lefi, meu irmão... procure as Musas! Mande-as virem para cá, imediatamente! Para ajudar, a Sunny deve estar na cozinha experimentando aqueles bolos que ela tanto gosta...
- Sim, irmã! - Lefi disse e saiu do quarto.

O quarto era lindo, todo branco de detalhes dourados. Siih estava linda como convém a uma rainha naquele dia e em todos os outros, usando um delicado vestido azul-turquesa. Mas não estava preocupada com detalhes como a beleza do tecido que envolvia seu corpo nem na quantidade de diamantes que adornava a sua pequena tiara (na realeza das fadas, a coroa oficial não precisa ser usada o tempo todo). Só se preocupava com Ophelia. Se fechasse os olhos, podia se lembrar das lendas a respeito de Ophelia que sua mãe ou seu pai lhe contavam... Podia se lembrar das músicas que seu pai lhe ensinara, podia se lembrar da voz adocicada atribuida a voz de Ophelia.
Nas lendas, Ophelia era uma garota malvada, perversa, uma criança que nascera para fazer o mal. Agora que crescera, achara que Ophelia tinha se arrependido e todas as maldades eram simplesmente manipulações da mãe, então Ophelia não seria a grande culpada. Mas agora... mas agora tinha ordenado uma invasão à uma vila, acabado com famílias inteiras. Em busca do quê? Da coroa? Do seu cargo? Dos seus poderes? Se era a coroa, cargo, poderes... ela não se incomodava, ela cedia de boa vontade. Às vezes odiava ser Rainha.
Fez o que nenhuma Rainha deve fazer em momentos de crise: chorou.

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- Lala... - começou Ophelia calmamente, se sentando em uma pedra atrás da amiga - Lala.
- O que é? - os cabelos laranja ricocheteavam com o vento, batiam desenfreados no rosto, mas Lala não se incomodava. Só fitava as ruínas da vila, os demônios saciados, dormindo, preguiçosos.
- Eu... - Ophelia nem sabia o que dizer. Falar que era tudo uma ação a favor do Novo Mundo? Falar que o governo já fez pior? Só pioraria tudo - me perdoe.
- Pelo?
A pergunta de Lala soou irônica aos ouvidos de Ophelia, mesmo que isso não fosse intenção de Lala. Ambas as amigas olharam a vila lá embaixo, refletindo sobre a fumaça subindo aos céus e sobre os corpos mutilados estirados no chão.
- É isso que você faz, Ophelia? - perguntou Lala - destruição? Você disse que o Novo Mundo seria melhor para as pessoas... eu acreditei em você. Não sabia que envolvia isso, mas na verdade...
- Lala?
- Na verdade, como fui burra! Eu fui idiota, devia ter percebido! - gritou Lala - eu estava sendo escrava de quem? Não de uma fada qualquer, maníaca! Mas da Musa das Musas, a Musa que dormiu durante duzentos anos por causa de encantos! A Musa que derrota mil hirikis sem esforço algum! A Musa que apavora todo o reino, a Musa que conseguiu causar a maior guerra que já assolou o mundo mágico! A Musa que quer ser Rainha! É claro que ela pode, os mais fortes dominam, não é mesmo?
Ophelia não se defendeu. Só fitava a vila, só admirava cada barraco queimado, só observava cada demônio que dormia. Ouvia o que Lala falava, mas não lhe interessava se defender. "Musa". "A mais poderosa". "A mais temida". "A que mata mil hirikis em um golpe". "Musa".
- Olha como o mundo é grande, Ophelia... olha, as casas, colinas, o céu... tudo isso pode ser seu, só seu!
A empolgação era contagiante, Ophelia sorriu apontando para um balão cor-de-rosa que subia aos céus:
- Isso também pode ser meu, mamãe?
- Claro... tudo pode ser seu... tudo É seu... basta você ser a maior Rainha de todas as pessoas... basta você ser a mais poderosa...

O mundo era grande demais. Havia gente poderosa demais. E na verdade, tudo o que queria era o balão cor-de-rosa, mas confrontada com o poder de ter um mundo para si mesma... o que você escolheria? Um balão cor-de-rosa que cobiçou somente por alguns instantes ou o mundo inteiro? A escolha parece tão óbvia...
- Venha, Lala - Ophelia disse, se levantando de repente. Mas Lala permaneceu parada.
- Não vem? - perguntou Ophelia intrigada.
- Não - Lala respondeu - eu não vou mais com você.
Ophelia bufou, revirou os olhos. Ok, já tivera a sua cota de depressão e reflexão sobre a infância durante o dia. Odiava quando ficava pensando nas vidas perdidas em uma guerra tão tola.
- Ora essa, a firombeta está nervosa - ironizou, a voz ficando bem baixa e sibilante - deixe-me lembrar, minha querida: você pode ser a minha amiga, mas pelo que me lembro, você não ganhou alforria, ok?
Lala se virou, surpresa. Ah, é... engoliu em seco.
- Portanto - Ophelia baixou ainda mais a voz - você ainda é a minha escrava e eu sou a sua dona, entendeu? Trate de levantar daí e me acompanhar.
Lala respirou fundo, refletindo sobre as opções possíveis. Opção Um: aceitar e ir logo com Ophelia (chance de ficar viva: 98%). Opção Dois: bater pé e dizer que vai ficar (chance de ficar viva: 40% a 60% variando de acordo com o nível de estresse de Ophelia). Opção Três: se matar (chance de ficar viva: 0%, por razões óbvias). E se ameaçasse se matar? Não, chantagem nunca funcionava com Ophelia.
- E se eu quiser ficar mesmo assim? - perguntou timidamente, ao que Ophelia sorriu de lado e ergueu somente a sobrancelha direita:
- Sabe, tem uma região onde morei por algum tempo em que escravos foragidos e capturados em seguida recebem o seguinte castigo: ficam acorrentados no pescoço com uma pesada corrente de ferro durante seis meses e durante todos os dias, comem somente uma refeição por dia e esta é basicamente uma mistura feita de água, farinha e restos do almoço do patrão. Que tal ser acorrentada no pescoço feito um cachorrinho e comer farinha com maçã todo dia?
Lala engoliu em seco. A Opção Dois definitivamente estava descartada, e a Opção Três parecia muito atraente.
- Vou com você - suspirou, decidindo pela Opção Um, afinal das contas.
- Boa menina - foi tudo o que Ophelia disse. Mas ela não estava sorrindo.

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- Vocês voltarão como? - perguntou Crazy, olhando para uma Raveneh febril, mas sorridente amamentando um bebê.
- Não sei - respondeu Johnny - mas voltaremos logo... esse país é tão triste para Raveneh.
- Sim - concordou Rafitcha. Ela estava sentada em uma cadeira, ao lado de Raveneh e parecia muito cansada.
Todos suspiraram. Raveneh se aconchegou junto ao Johnny, o sorriso meio tonto, a pele queimando. Johnny tentava pensar no que poderia fazer para fazer Raveneh melhorar, preocupado. Só pensava em voltar pra casa, em voltar para aquela casa que os dois dividiam, em arrumar decentemente o quarto do bebê, em festejar que todos voltaram vivos e ilesos. Ou quase, porque Raveneh sofrera feridas demais que não se cicatrizariam tão rápido. Fora a maior prova de fogo que Raveneh passara: desafiara toda a questão de dupla personalidade e conseguira sentir coisas que nunca sentira nada, combateu todo o passado, fez por enterrar toda a história que a perturbava com terríveis pesadelos durante a noite.

Johnny acordara várias vezes com os gemidos apavorados de Raveneh, e pusera a sua cabeça no colo, acariciando seus fios dourados, cantarolando baixinho. Várias vezes ele a acordou, com um chá calmante ao lado especialmente para ela. Várias vezes ela acordou gritando, o suor frio e ele a tranquilizou, beijando sua testa carinhosamente. Eram tantas noites angustiantes, tantas noites que Johnny quis a morte para quem machucou tanto a esposa. Sabia que seus pesadelos tinham relação com a morte do pai e da irmã. Ambos lembravam sangue. Ambos lembravam alguma coisa que se perdera na infância, que nem Johnny nem Raveneh conseguiam definir.
- Maytsuri vai ser uma linda menininha - Raveneh disse, com tranquilidade.
Mesmo estando terrivelmente febril, Raveneh aparentava estar serena. Estava bastante calma, na verdade, nem um pouco estressada. Sua respiração era pausada, seus traços concentrados em alimentar May.
- Precisamos voltar - Bia escovava seus cabelos diante de um espelho quebrado - mas como chamaremos Raven?
- Podem pegar alguns cavalos nossos - ofereceu Crazy encostado na porta - ou posso pedir para que os soldados do Mundo das Fadas voltem com vocês.
- Essa segunda opção é boa! - exclamou Tatiih - o que acham?
- Excelente - concordou Rafitcha - se formos com um exercito, teremos proteção elevado a não-sei-quantos e iremos bem rápido, já que tem pressa de chegar ao destino...
- Eles vieram em cavalos alados - acrescentou Crazy - quem sabe?
- Perfeito! - exclamou Johnny - Bia? Raveneh?
- Por mim, tudo bem - Bia respondeu, sem interromper o que fazia.
- E você, Raveneh? - foi a pergunta quase tímida de Rafitcha, observando o olhar distraído de Raveneh. Esta ergueu os olhos, piscou-os levemente e murmurou:
- Está bem... por mim, tudo bem - foi a resposta dita de forma vaga, vazia, desinteressada. Raveneh queria muito voltar para Campinas, mas estava tão tonta que não tinha condições de avaliar o melhor transporte para voltar.
E então Crazy deu um sorriso acolhedor, e se retirou para fazer seus afazeres, incluindo arranjar uma carona sete pessoas mais um bebê.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Parte 41 - Realmente... expectativa assassina.

- Pelas Virgens de Madalena! - gritou Lala - tem uns seres matando todo mundo lá embaixo! O que você fez, Ophelia?
- Criei o caos - disse Ophelia - eu não te disse que faria isso?
Lala mordeu o lábio inferior. Foi uma coisa tão de repente... nem vira Ophelia se mexendo, dando ordens ou algo assim. Somente estavam ali, em cima de uma montanha, lá embaixo uma cidade enorme, repleta de pessoas infelizes ou não. E do nada, essa cidade se viu cercada de demônios de quatro, seis metros de altura, gananciosos, dentes pontiagudos, aquela fúria quase assassina. Uma cidade que não via demônios há centenas de anos se via agora aniquilada por eles, um cenário que era muito comum até os demônios serem combatidos pelo governo.
- Vai matar inocentes? - gritou Lala tentando se recompor - céus, inocentes, Ophelia!
- Isso é uma guerra - Ophelia disse mordendo o lábio inferior - gosto disso tanto quanto você. Mas não posso simplesmente invadir o castelo sem dar uma amostra do que posso fazer...
- Como conseguiu mandar os demônios atacarem sem dizer uma palavra? - perguntou Lala apavorada.
- Você não entenderia, é fraca demais para entender - Ophelia finalizou a conversa.
Lala engoliu em seco, tentando desfazer aquele nó na garganta. Podia sentir o desespero, podia ouvir os gritos, podia ver os demônios urgindo. Era uma guerra, uma guerra insana...
- Te odeio, Ophelia.
Ophelia não respondeu, os olhos se fechando e seu rosto se contorcendo como se sentisse dor. Sabia que um dia Lala a odiaria... sabia que um dia seria necessário Lala lhe odiar, sabia que para ser a Rainha do Novo Mundo, precisaria sacrificar a sua piedade... odiava o fato de que a melhor amiga lhe odiava, odiava ainda mais quando lembrava que vidas estavam sendo perdidas por sua culpa...

Naquele momento, Ophelia se odiou.

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- Uia! - gritou Zidaly - vieram aliados?
- Sim! - disse um homem alto, de cabelos quase ralos e finos - somos do Mundo das Fadas e viemos ajudar Grillindor.
- A Rainha não brinca em serviço - Zidaly riu como um vencedor sorri - podem se espalhar por aí.
- Sim!
Zidaly viu tudo à sua volta, se perguntando onde estava Crazy. No Fórum, provavelmente pensou ele sempre quer todas as honras... os assassinatos mais importantes...
- Segunda-oficial! - disse um soldado energicamente - preciso fazer um pedido!
- O que foi, homem? - perguntou Zidaly do alto do seu cavalo - desembucha!
- Achei um grupo de forasteiros encantados! - disse o soldado - uma caçadora de demônios, uns humanos de Campinas... eles são forasteiros e procuram abrigo como amigos de Grillindor!
- Deve ser os amiguinhos de Crazy - Zidaly sussurrou em um tom baixo - tragam-no!
- Está bem! - disse o soldado e logo depois sumiu de vez na multidão.

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- Estou indecisa - admitiu Raveneh por fim ao ver Jorge tentando chutar a porta - eu realmente estou indecisa. Mas...
Ela suspirou. Não era da sua personalidade desejar a vingança, não era boa em imaginar castigos terríveis. Tudo isso era coisa de Catherine, e acabou engolindo o orgulho e se permitir ser Catherine. O sorriso aflitivo e fingido deu lugar a um outro sorriso, este verdadeiramente terrível.
- Acho que eu tive uma idéia - Catherine disse.
Não é necessário dizer que Jorge gelou quando ouviu a mudança no tom de voz: a medida que a voz de Raveneh era sempre doce, terna e calma, a de Catherine sempre era fria, controlada, cruel. Mesmo quando Catherine dizia palavras de bondade, o tom de voz não mudava.
- Maldita... - Jorge mordeu o lábio inferior e chutou a porta com mais força, desta vez estava realmente com medo.
Catherine abriu o sorriso, andando calmamente. Cada passo era uma tortura para os ouvidos de Jorge, cada centímetro a menos entre ele e a meia-irmã era um verdadeiro convite ao inferno.
- Será que você sente dor se eu atingir aqui? - perguntou Catherine em um sussurro, muito próximo ao ouvido de Jorge, a pergunta sendo acompanhada por uma dor aguda, alguma coisa perfurara seu abdomên. Se virou, e constatou, com surpresa e pavor, que o que perfurara sem abdomên foi o dedo indicador de Catherine: sim, ela tivera força o suficiente para rasgar a pele de Jorge, fazendo ele sentir dor, sem usar uma faca ou qualquer coisa. Ela só queria machucá-lo bastante, mas seus sentidos estavam confusos...

Catherine se afastou, a mão manchada de sangue. Os sentidos embaralhados, a visão turvada. Nunca uma vingança levara tanto tempo, tanto trabalho... porque se sentia tão tonta? É... falta de comida e bebida. Não comera nada faz quanto tempo? Pouco antes do julgamento, comera um pedaço de pão. Desde o julgamento não sabia o que era comer, rejeitara todos os pratos lhe entregue na prisão. Devia ser isso, com certeza... se apoiou na mesa, focalizando o Jorge. Ele havia desabado no chão, de joelhos, pasmo. O ferimento não fora tão grande, mas a arma utilizada fora suficiente para paralisar o meio-irmão de pavor.
Escutou passos.
- Deve ser Crazy - sussurrou.
Catherine não estava com medo, só tentava se recompor. Pegou o tecido da cortina que estava largado no chão, limpando as mãos, enquanto alguém chutava a porta do lado de fora. Chutou Jorge como quem chuta uma lata de refrigerante, ficando ao lado da porta. Estava totalmente despreocupada, e definitivamente não estava com pressa.
BAM.
O terceiro chute foi mais forte, a porta veio abaixo. Atrás da poeira que subiu na queda da porta de madeira, Crazy apareceu. Não ficou surpreso ao constatar que Raveneh o esperava pacientemente.
- Boa noite, Raveneh - cumprimentou Crazy sorridente - veio finalizar a vingança? Então porque Jorge está vivo?
- Estou um pouco fraca - admitiu Catherine com um suspiro - e não consigo ter idéias boas.
- Ah - Crazy compreendeu imediatamente - bem, acho que não precisarei matá-lo, então.
- Oh claro que não - Catherine sorriu forçadamente - ele vai estar morto de qualquer maneira.
Crazy sorriu, e resolveu sair do quarto. Ele não era um homem vingativo ou que se preocupava em torturar as pessoas. O seu trabalho era matar as pessoas mais importantes do governo de Istypid. Se um homem já seria morto por uma garota, ótimo, menos trabalho para ele. Deu adeus com a mão e saiu em caça da próxima vítima.
A noite se tornava mais escura. As horas passavam despreocupadamente. Até Catherine simplesmente se decidir...

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- Você me parece útil, mulher com espada - começou Zidaly olhando de cima para baixo para a garota de roupas negras, a espada de prata embainhada nas costas, sua expressão séria - gostaria de lutar conosco durante algumas horas? Sabe, já estamos no final da tomada dessa cidade ^^
- Não, obrigada - respondeu Bia com frieza - embora muitos desses homens que estão sendo mortos sejam verdadeiros demônios, ainda prefiro os fisicamente demônios.
- Uma resposta inteligente - Zidaly disse, também com frieza - para dizer que odeia guerras entre humanos. Não é?
- Absolutamente, senhorita - Bia concordou - a raça de humanos é uma raça desinteressante e fraca.
Zidaly riu. Revirou os olhos com um sorriso torto, e disse para um soldado qualquer:
- Proteja todas essas pessoas, entendeu? - continuou - eles são amigos de Crazy.
- Sim, senhora! - gritou o soldado, fazendo uma retinência.
O grupo se viu seguindo um soldado, entraram num lugar estranho: uma casa que mais parecia um galpão abandonado. Por todo o lado, havia armaduras cinzentas, por todo o lado homens guinchavam da dor. Aparentemente era um hospital improvisado para acolher feridos na guerra, e eles eram poucos, em comparação com os humanos.
- Oh céus! - gemeu Rafitcha olhando para o bebê e para os homens - isso aqui é um hospital?
- Sim - disse o soldado - é uma área protegida, podem ficar aí...
- Oh sim - Bia acabou por suspirar. Realmente queria saber onde estava Raveneh.
Fincou a espada no chão, e se sentou, apoiando as costas na espada. Fechou os olhos.
- O que está fazendo, Bia? - perguntou Tatiih quase escandalizada.
- Descansando, ora essa - respondeu ainda de olhos fechados - deviam fazer isso também. Estão todos muito cansados...
- Mas e Raveneh? - perguntou Johnny escandalizado com a tranquilidade de Bia.
- Ela vai ficar bem - afirmou Bia tão categoricamente que ninguém conseguiu contradizer.
E todos suspiraram, torcendo para que Raveneh ficasse bem...

domingo, 22 de junho de 2008

Parte 40 - Incertezas do Quase.

- Invadiram Istypid! - gritou Lefi irrompendo pela porta enquanto Siih meditava calmamente, canalizando todas as energias calmamente (e o chakra também, mas não se deve brincar com isso ;D).
- Ist-o-quê? - perguntou Siih também muito calma, tranquila como se Lefi contasse que estavam distribuindo balas de menta no castelo.
- Istupid! Não, Estypid! Não não, Estúpidy! Não droga - Lefi parou por um instante até sua carinha ficar feliz de novo e exclamar: - Istypid! Isso aí! Pois é, invadiram Istypid!
- Istypid... - Siih repetiu fechando os olhos tentando lembrar onde foi que viu esse nome. Reabriu-os - ah claro, é o principal reino da Terra Seca. Quem invadiu?
- Grillindor - respondeu Lefi de prontidão.
- Ah - Siih fechou os olhos de novo e os "reabriu novamente" (ai que pleonasmo feio) - é a única terra mágica da Terra Seca, não é? Pois então...
- Sim?
- Mande cento e setenta soldados da Tropa Vermelha... - disse Siih.
- Para ajudarem Istypid?
- ... para ajudarem Grillindor :)
- Sim, Majestade!
- E quero os cento e setenta soldados vivos quando voltarem! ù.ú
- Sim, Majestade!
- E me traga um chá de cogumelos da Andalásia! Com as balas de menta!
- Sim, Majestade!
- Não esquece dos biscoitos de trigo!
- Sim, Majestade!

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- Haha.
O seu sorriso era maligno. Perverso. Endiabrado. Pavoroso. Cara, que sorriso assustador!
Na verdade, era só um sorriso inocente de Raveneh que tentava dar uma de Catherine (sem sucesso, porque vocês sabem, meus queridos fãs de Catherine, ela é simplesmente "inimitável" e nem mesmo Raveneh pode ser igual a ela *-*), mas Jorge estava tão apavorado que sentiria medo até mesmo se a Raveneh desse uma de Poliana e passar a achar o lado bom de todas as coisas, distribuindo balas. Mas para Raveneh um Jorge medroso não tinha graça nenhuma, iria se humilhar fácil demais. Claro, um jogo dado com muita facilidade não é tão gratificante. Resolveu jogar um pouquinho, um joguinho só para levantar a moral de Jorge, só para fazer ele se sentir o poderoso. E assim se sentir saciada quando ele realmente se apavorar. Não tinha pressa nenhuma, a vingança é um prato que se come frio.
- Ora Jorge - murmurou Raveneh - você não devia estar - apontou para a janela - lá?
- Nem moooorrrto - gemeu Jorge. Realmente estava parecendo um fracote e Raveneh odiou esse Jorge ainda mais do que já odiava.
- Morto você não conseguiria mesmo - Raveneh riu - mortos não brigam.
- Grrr - Jorge detestou a piadinha - pra quê veio aqui?
- Ora - exclamou Raveneh - pensei que você fosse mais inteligente, meu querido irmão. ;D
- Eu sou inteligente - Jorge rosnou mais para si mesmo do que para Raveneh - eu sou inteligente. Veio tentar me matar?
- Ooooh! Descobriu que tem cinco dedos em cada mão também? - zombou Raveneh, ao que Jorge deu a língua de uma forma muito grosseira, também fazendo um gesto muito feio. Hmpf.
Raveneh sorriu. Estava fácil demais... o que tinha acontecido. Antes não conseguia dar um chute direito, agora conseguira até derreter uma maçaneta de ferro? Sim, seus poderes estavam aumentando ou a experiência estava aumentando? Sim, Catherine acabara se fundindo um pouco à Raveneh... esse desejo de vingança, essa sensação de superioridade, essa aversão absurda à voz de Jorge, essa fúria que queria ser extravasada... era tudo característica de Catherine. Mas quem as sentia era Raveneh...
- Você só vai me matar no dia que os porcos criarem asas! - riu Jorge, ao que Raveneh retrucou:
- Eu tenho a sensação de que porcos criaram asas em algum lugar por aqui - riu - faça suas preces, maldito.
Jorge não viu, mas Raveneh se servira dos seus poderes para aumentar seus reflexos, destreza e força, e assim se moveu tão rapidamente para trás de Jorge que num piscar de olhos, ele não a viu parada na porta. Mas o que acontecera para ela se mover foi um passo, um passo só que ele deu, preparando seu punho para acertar um soco, visando o olho esquerdo de Raveneh. Mas ela percebera.
- Cadê? Maldita, cadê você? - gritou.
- Estou aqui - disse ela.
- Maldita... - Jorge se virou.
Mas ela sorria diabolicamente, do jeitinho que Catherine fazia, do jeitinho que ele tinha medo. Arrancara as cortinas escuras de uma vez, com todo aquele tecido em suas mãos, com aquele sorriso muito, mas muito maligno.
- Vadia... - ele disse, mas já estava com medo e recuou.
- Eu não vou me contentar com uma morte rápida - disse Raveneh sombriamente - sabe disso, né?
- Vagabunda... - continuou, recuando.
Quando ele chegou à porta, foi derrubado por uma certa garota de cabelos loiros, o tecido escuro em torno do seu pescoço (de Jorge, não dela).
- Nem pense em fugir, mocinho! - gritava Raveneh enquanto apertava o tecido - eu já te falei que isso é impossível!
- Sua vadia! Me--cofarrrghh-me-cofsolte-aarrrgh ;_;
Ter um tecido pesado (assim era o tecido da cortina dele) enrolado com força em volta do pescoço não é legal. Mas como Jorge é nosso vilão, isso é o mínimo que pode acontecer para não ficar impune e não, não, Raveneh não vai se contentar em matar Jorge estrangulado. Ela quer muito mais... vingar tudo o que sofrera desde que nascera, todas as torturas que sentira quando vivia presa, sufocada por uma mãe maluca e irmãos mais malucos ainda que apoiavam sorridentes o seu sofrimento.
- Morra, desgraçado - Raveneh rosnava, tentando pôr o dobro da força nas suas mãos, sentindo que Jorge quase desistia de viver. O "quase" é muito importante. O "quase" delimitaria o quanto Jorge iria sofrer, o quanto Raveneh sofreria por machucar tanto uma pessoa, a que horas Crazy chegaria, tudo, tudo depende do "quase".

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Crazy limpava a espada pela segunda vez, no segundo escritório. No primeiro havia um homem gorducho de rosto oval e cor-de-rosa, foi fácil demais. O segundo era um magrelo e ele bem que tentara se defender, sem muito sucesso, pois Crazy cortara a sua cabeça friamente. Respirou fundo, olhando para a noite estrelada através da janela. Um, dois mortos. Havia umas vinte pessoas que se trancaram nesse Fórum... nesse corredor, dez quartos. E no outro andar... uma a uma, pessoas iriam ser mortas até não restar uma única pessoa viva. Havia reinos que preferiam aprisionar em vez de matar. Tolos, essas pessoas podiam ressurgir e conspirar. Como confiar em pessoas que não se devia confiar?
- Boa noite, Jeremias - disse ele para o cadáver sem cabeça, pois esta havia parado junto ao armário.
Saiu, deixando somente rastros de destruição. O próximo quarto seria o de um cara muito alto, imponente e que fora um juiz facilmente corruptível.

Ele sabia lutar com uma espada, visto que andava sempre armado. Seria mais difícil matá-lo, mas nada que demorasse mais que dez minutos.

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- Maldito - Raveneh apertou o tecido, mas viu que Jorge estava morrendo já. Desistiu. Sofreu tão pouco.
Frouxou o tecido, ao que Jorge somente teve tempo de ofegar antes de levar um chute nas costelas.
- Sabe, você vai ser morto de qualquer maneira - murmurou Raveneh - você prefere morrer nas mãos de um cara que está matando porque faz parte do trabalho dele ou por minha causa.
- Prefiro morrer por causa da pátria, obviamente - rosnou Jorge, cuspindo nos pés de Raveneh. Ela sorriu:
- Que bom - disse - sabe, não tem mais nada que satisfaz um adversário quando vê que seu inimigo não tem os desejos atendidos.
- E se eu desejar morrer? - Jorge desafiou.
- Irá sofrer antes de morrer - Raveneh deu mais um chute no meio das pernas - sofrer muito.
aaaarrghh...
- Ouviu isso? - disse Raveneh - é alguém morrendo! Talvez... talvez seja um amiguinho seu, meu irmão.
- Maldita... maldita - Jorge cuspia a todo chute que levava, tentando se levantar e se defender - maldita, mamãe odiaria você se te visse fazendo isso...
Raveneh riu, uma risada que soou diabólica aos ouvidos de Jorge:
- Mas, meu irmão! - ria - mamãe sempre me odiou!
- Te odeio também! - Jorge continuou - sua maldita, eu também te odeio!
- O sentimento é recíproco, querido - Raveneh murmurou deixando Jorge se apoiar nos joelhos, reclamando da dor. Ela havia fechado a porta, trancado de vez. Era só ela e ele.
Ele se levantou, tonto. Sangrava por várias partes do corpo, sua cabeça muito confusa, os olhos tentando focá-la direito. Ela somente sorria e se

sentou na mesa, esperando Jorge se recuperar. Sofrer mil vezes, era o que ela queria.
- Raveneh... - rosnava Jorge se apoiando na porta, tentando abrir.
- Não dá - disse Raveneh - eu tranquei e estou com a chave... terá que derrubar a porta, primeiramente. E nesse estado, você não consegue nem segurar um copo d'água... sinto muito.
- O que vai fazer comigo? - perguntou Jorge, se recompondo friamente.
- Não decidi ainda - Raveneh disse com sinceridade - sabe, eu tive várias idéias! Cortar suas mãos, furar seus olhos, dar veneno paralisante e te jogar no rio, castrar você, botar você dentro de um barril cheio de facas dentro, váaaarias idéias. Mas não sei qual é a mais cruel e definitiva para você, sabe... talvez eu deva misturar tudo, já imaginou?
- Maldita... - Jorge disse - acho que não vai conseguir nada.
- Bem, eu vou ser muito mais cruel do que nas mãos do seu ex-empregado traidor - afirmou Raveneh - ele pretende fazer mortes rápidas, sabe. Não tem interesse em torturar antes, ao contrário de mim. Eu quero ver você morto, Jorge. Mais do que isso, quero vê-lo sofrendo!
Jorge mordeu o lábio inferior. Reparou que Raveneh estava completamente calma, controlada e fria. A vingança é um prato que se come frio, e Raveneh não tinha pressa nenhuma em executar a sua morte, pois a queria lenta e dolorosa o suficiente. Ela queria que envolvesse sangue.
Ela suspirou, cansada.
Ele suspirou, medroso.

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- Droga... - murmurou Bia - vamos ter que voltar.
- Por quê? - perguntou Rafitcha olhando para o céu, cujas estrelas foram ofuscadas pela fumaça e confusão.
- Eles começaram a incendiar casas por aí - disse Bia se esgueirando por uma ruela muito pequena e estreita - teremos que voltar, sem dúvida.
- Eu quero achar Crazy - disse Kitsune seguindo Bia - ele é um traidor que nos conhece. Ele é de Grillindor e sabe bem quem somos!
- Sim... - Rafitcha concordou cansada. Tentar fugir da morte com um bebê recém-nascido nos braços não é brincadeira, e Rafitcha se sentia ainda mais aflita porque tinha que cuidar de si mesma, do bebê e se preocupar com Raveneh.
- Cadê Johnny? É perigoso para ele subir nos telhados... - disse Amai - AI!
Um homem passara de rompante, um homem meio branco, de cabelos quase brancos e olhos cor-de-mel, maus. Parecia um troglodita albino... Amai fora suspensa no ar pelos braços do troglodita, e fechava os olhos tentando escapar da situação.
- Solte-a! - disse uma voz.
- Solte-a! - gritou Bia ao mesmo tempo.
Se viraram para ver de quem era a voz. Um soldado franzino, pequeno, olhos redondos e lábios desenhados. Cílios negros enormes, mechas negras molhadas que eram afastadas dos olhos o tempo todo, os braços fragéis e uma expressão de sinceridade e bravura no olhar.
- Solte-a! - disse o rapaz novamente, empunhando a espada.
- Você não é páreo para ele... - sussurrou Bia quase para si do que para o rapaz. Talvez fosse verdade: era até covardia comparar o homenzarrão que aprisionara Amai em seus braços com o fragil soldado que ali empunhava uma espada para salvar uma mulher.
- O que vai fazer? - gritou o homem - como vai proteger sua amada.
- Oh céus... - dizia Rafitcha se vendo sem saída, sendo seguida por Tatiih - Bia...
- Não se preocupe - murmurou Bia dando um passo a frente, porém a espada aindas guardada - não se preocupe.
- Você não parece uma civil - disse o soldado em um tom baixo de voz, de modo que Bia teve até alguma dificuldade para ouvi-lo. Mas logo sorriu e respondeu a dúvida não dita em voz alta:
- Sim... eu sou uma caçadora de demônios - admitiu Bia - sou Bia, filha de Lorëna e aprendiz de Lïa.
- Já ouvi falar sobre a sua mestre - disse o soldado - uma caçadora lendária, devo dizer... bem, vamos lá então.
- Sim - Bia pôs a mão atrás de si, aquele sorriso quase maligno, aquela pose de guerreira, aquela personagem que encarnava a cada vez que se via diante de um demônio - é hoje o dia que ele vai ser mandado para o inferno.
O homem não riu mais, até afrouxou os braços fazendo Amai cair no chão com estrondo. Ele havia percebido, de algum modo, conseguira perceber aquele espiríto de guerreira de Bia. Conseguira perceber as mortes que ela trazia nas costas, o medo que acompanhava cada visita dela, as súplicas imploradas de cada demônio. De algum modo, mesmo sendo um pobre ser humano comum, sem alguma habilidade, ele conseguiu ver além de uma mulher aparentemente fria: uma arma de matar.
- AMAI! - gritou Kitsune, correndo para onde Amai estava caída - se machucou??
- Tia... - Amai tentava dizer, mas ofegava: aparentemente fora com muita sorte que não quebrara a perna na queda.
- Ah, minha querida... - Kitsune dizia a todo momento, tentando pegar a sobrinha no colo - vem, vem...
Amai só sorriu, ao se sentir consolada pela tia.
O soldado sorriu.
- Pela direita - disse Bia com aquele olhar assassino e gélido - vá pela direita. Eu te dou cobertura...
- Sim! - o homem compreendeu as instruções imediatamente.

Foi um movimento tão veloz que ninguém pode ver direito: Rafitcha piscou os olhos várias vezes, Tatiih tentou ver mas só enxergou um borrão, Kitsune ficou paralisada com a sobrinha boquiaberta: o homem foi pela direita, segurando a espada com a mão esquerda, tentando cortar uma das pernas dos homens. Um pulo, um olhar frio. Bia saltou quando estava muito próximo, ficando atrás do oponente. E eis que ele tenta se defender do golpe mortal na perna, Bia perfura a espada em sua garganta, rasgando todo o corpo, deixando gravada no rosto do troglodita loiro o pavor antes da morte.
- Meu Deus - murmurou Rafitcha - oh céus... ela é uma arma de matar...
Ver corpos mutilados não é uma coisa legal, só para gente sádica. E ninguém ali gostava muito de sangue, e realmente Tatiih, Rafitcha e Amai que eram as mais doces ali se sentiram um bocado nauseadas. Kitsune controlou a ânsia de vômito com eficiência, Bia sequer piscou. Ela devia estar acostumada com isso...
- Obrigado - disse o soldado se levantando depois que caíra por causa do golpe que dera - obrigado, senhorita.
- Não tem de quê - Bia disse. A sua máscara de frieza permanecia ali, sempre gélida.
- Eu não sei como lhe agradecer - o soldado falou, fazendo uma breve reverência - posso lhe ajudar com algo?
- Err - Bia começou, ao que Kitsune interrompeu:
- Pode! - engoliu em seco - peço-lhe que abrigue sete pessoas e um bebê.
- Sete? Mas eu só vejo você, essa... vejo cinco! Cadê as outras duas, então? - perguntou o soldado intrigado.
- Ela foi buscar a vingança, ele se abrigou no telhado de uma casa - respondeu Amai se levantando timidamente.
- Ele? - o soldado imediatamente fez uma expressão de compreensão - aaah. Posso falar com a Zidaly... busquem-no e achem-na.
Foi tudo o que ele disse, antes de ele partir em retirada. Bia não falou nada, mas Rafitcha começou a raciocinar, tentando se lembrar do percurso.
- Tatiih! - disse freneticamente - procure Johnny e traga-o agora!
Tatiih mal deu conseguiu ouvir a sentença toda, antes de Rafitcha dizer um "já foi?" com rispidez.

Rafitcha mordeu o lábio inferior, vendo Tatiih se afastar, saltando sobre os muros. Os cabelos alaranjados estavam soltos, e caiam o tempo todo em cima dos olhos. Tatiih mirou o próximo muro com os agudos olhos verdes, pegou o cabelo e tentou prendê-lo desajeitadamente. Um telhado alto, lembrava-se. Viu um vulto nele, era o Johnny, podia distingui-lo de longe. Sorriu... mais um telhado plano, chegaria a Johnny facilmente. Firmou o pé, logo outro, lembrou-se de ter a maior leveza possível. Um, dois saltos rápidos, precisos, ágeis.
- Tatiih? - exclamou Johnny surpreso.
- Vamos? - disse Tatiih - acharemos um abrigo.
Johnny sorriu, tentando se decidir entre ficar e ir. Mas decidiu ir, raciocinando que Raveneh provavelmente acharia primeiro os outros do que ele... talvez ela esteja protegida também...
- Vamos - respondeu Johnny.
Tatiih também sorriu, e logo foi seguida por Johnny, de volta para o lugar onde as meninas estavam.

sábado, 14 de junho de 2008

Parte 39 - E para o deleite de vocês... senhores e senhoras, reapresento-lhes o maior covarde, bundão e maricas de todos os tempos!! *-*

- Grillandos! - gritava Crazy montado a cavalo. E infelizmente a Zidaly também estava montada no mesmo cavalo, atrás dele - Grillandos! Hoje vai ser a vitória, a revanche! Vamos retomar a NOSSA terra! Vingar nossos pais, nossos avós! Vamos vingar quem morreu e quem foi banido! Vamos vingar a nossa terra!
- HUHUU!!! - gritava os soldados.
- Então vamos!
O que se seguiu foi uma confusão generalizada: soldados se confrontaram (Jorge denunciou a traição de Crazy, jurou que ele ia morrer decapitado e mandou a tropa ficar de prontidão. Em um espaço de menos de dez minutos), sangue se derramou de ambos os lados. Crazy somente sorriu. Havia matado uns cinco oponentes em um espaço de três minutos. Bundões.
Lutava com maestria como se não fizesse outra coisa da vida, coisa que fazia Zidaly ainda mais apaixonada.
- Ah meu herói! - ela gritava esganiçada - meu herói!
- Não devia estar na luta também em seu cavalo, senhorita? - Crazy se irritava com aquela "donzela" atrás.
- He-He - Zidaly resmungou.
Quando viu mais um adversário cair do cavalo, tomou o seu cavalo e a espada do adversário.
- Quem disse que eu sou incompetente mesmo? - riu.
- A espada inimiga é desprezível - riu Crazy - melhor pegar de um dos nossos mortos.
- Como você é deprimente, Crazy! - Zidaly gritou e sumiu no meio, provavelmente defendendo-se e procurando uma espada boa.
Zidaly era uma completa vagabunda e péssima em missões de espionagem para onde só era mandada porque subornava os oficiais com dinheiro e corpo. Mas quando se estava em uma luta, uma batalha como era, Zidaly era uma das melhores, quase igual a Crazy. Foi em cima dessa habilidade que ela construiu a fama no início, como a melhor mulher para lutar.
- Maldita Istypid! - gritou Crazy - que morram!
- Mulheres e crianças? - perguntou um soldado caminhando para a cidade.
- Protejam as mulheres e crianças - ordenou Crazy - e não toquem nelas! Quem ousar machucar uma donzela ou criança vai morrer nas minhas mãos! Mas quanto aos homens... matem-nos!
- Sim! - gritou o soldado. Aparentemente era um comandante subordinado de Crazy, pois foi seguida por uma tropa que seguiu ferozmente para a cidade.
E Zidaly estava no meio dessa tropa, como Segundo Oficial.
No meio da cidade, as pessoas se atropelando, apavoradas e as casas sendo trancadas (embora seja burrice em uma guerra se trancar na casa: todo mundo sabe que em guerras, uma das coisas que mais se faz é queimar casa), Zidaly gritou:
- Mulheres e crianças! Mulheres e crianças, fiquem fora de casa! - avançava com o cavalo em cima de um homem desprotegido - quem estiver dentro de suas casas vai morrer! Aviso dado! Podem começar, soldados!
- E quem estiver fora vai morrer também! - gritou uma mulher que estava pendurada na janela. A sua voz ecoou e conseguiu sobressair entre outros gritos - está dizendo um absurdo!
- Queimem a casa dela - Zidaly disse em uma voz baixa e fria.
Apesar de toda a sua vulgaridade, Zidaly podia ser a mulher mais intimidante quando quisesse. E foi naquele momento, quando mandou incendiar a primeira casa com uma mulher e uma criança dentro. A criança escapou, mas a mulher morreu queimada, gritando freneticamente, reduzida a cinzas.
Você pode pensar que isso tudo é uma barbaridade tamanha. Que não se paga violência com mais violência. Que pensava outra coisa a respeito de Crazy. Que achava que Zidaly era somente uma mulher estúpida, não cruel. Mas ninguém tem tempo de pensar em idealismo no meio da guerra. Em uma guerra, você pensa em sobreviver. O resto que se arranje. Zidaly podia ser uma mulher cruel quando mandou incendiar uma casa com gente dentro. Crazy podia ser perverso quando mandou soldados matarem todos os homens inimigos que encontrarem. Tão perversos como Jorge, mas é assim que a vida é. Se for para analisar a maldade do humano só pelo que faz, então sinto muito, terá que classificar todos de Campinas como malvados: Raveneh matou a própria mãe e não socorreu a irmã, os seus amigos mais ainda, sendo veteranos de batalha. Todos eles serão classificados como cruéis? A raça humana é uma coisa estranha, onde tudo tem que ser analisado. Talvez a crueldade não seja uma característica sempre marcante... somente em situações extremas como uma guerra.

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- Vão matar todos os homens que encontrarem - disse Bia - e queimar as casas.
- Mas como queimarão? - Raveneh estava meio tonta com a gritaria - não estava chovendo?
- A chuva parou - disse Rafitcha - temos que sair daqui. Vamos!
- Pela porta ou janela? - indagou Johnny - vão pela porta!
- Como assim? - gritou Raveneh indignada - você vem com a gente!
- Ele não pode - lembrou Bia - vão matar todos os homens e não acho que vão saber que Johnny não mora por aqui... só se Crazy estivesse aqui.
- Ai que raiva - resmungou Raveneh - vá pela janela, Johnny e fique no telhado!
- Ai céus - Johnny subiu pela janela com destreza, alcançando o telhado da casa vizinha. Visualizou as casas queimadas, as crianças gritando, as mulheres tentando proteger seus filhos.
Amargou a sensação de desemparo, de solidão. E se uma daquelas mulheres que choravam fosse Raveneh? E se uma daquelas crianças procurando o pai fosse Maytsuri? E se... não queria mais se perder no "e se...". Aquilo já estava ficando desesperador demais.

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- Está havendo uma guerra na Terra Seca - disse Ophelia olhando fixamente para algum lugar de repente como se escutasse algo.
- A Terra Seca é absurdamente longe daqui! - surpreendeu-se Lala - como consegue saber que há uma guerra?
- Não acredito que você não sabe! - indignou-se Ophelia - olhe... fogo e fumaça está subindo aos céus...
- É tão longe! Mal consigo enxergar! - reclamou Lala - só você consegue!
- Não tem jeito, continua um fracasso ¬¬
Lala ficou embirrada, ao que Ophelia ignorou, se levantou e seguiu para a frente. Estavam em cima de um vale.
- Lala, daqui você consegue ver - disse - venha!
Lala continuou embirrada.
- Você me chamou de fracasso. Não vou.
Ophelia bufou impaciente.
- E o que você é? Um sucesso de pessoa que não é. Agora venha ou vou ter que te arrancar daí?
Lala se levantou resmugando muito, até ficar ao lado de Ophelia. Nunca tinha percebido em como estava em um vale tão alto. Aliás nem vale, era uma montanha! Por isso o frio absurdo que estava sentindo... essas viagens com Ophelia estavam fazendo Lala perder a noção de localização, tamanha era a facilidade de Ophelia em alcançar os cumes das montanhas.
- Por todas as Virgens de Madalena! - exclamou Lala - como isso é ALTO!
Era realmente muito alto, tipo pareciam que estavam no topo de um arranha-céu de Nova York. Lá embaixo, podiam ver todo os reinos: o Mundo das Fadas lá longe, uma nuvem arroxeada... as Campinas, Heppaceneoh, os reinos ao lado, as florestas, estradas, tudo! E lá longe, muito longe, se podia ver a Terra Seca. Realmente como Ophelia havia dito, havia fumaça.
- Uma guerra... - Lala murmurou - realmente tem cara de uma guerra. Mas porquê?
- Ou uma tentativa da Liga Seca acabar com Grillindor ou o Grillindor está retomando a sua terra - sugeriu Ophelia - qual você acha mais provável?
- A segunda opção - Lala respondeu refletindo seriamente sobre o assunto - Grillindor sempre quis... sempre se preparou para esse momento.
- E quem está ganhando? Feche os olhos e sinta - Ophelia perguntou, ficando atrás de Lala.
Lala fechou os olhos, tentando ignorar a própria energia. Ignorou a de Ophelia que irradiava perto de ti, ignorou todas as outras. Tentou se concentrar em uma terra árida, uma terra que ardia sob as estrelas, uma terra onde a vingança era alimentada. Doía. Ah, sentiu a dor de um soldado ferido... aparentemente foi apunhalado no peito, o sangue jorrou.
- Dói! - gritava Lala - dói!
- Não abra os olhos! - ordenou Ophelia - quem está ganhando?
- Dói! - Lala continuou - dói! Um soldado foi apunhalado... Uma mulher...
- Obviamente está sentindo a energia dos mágicos - Ophelia continuou sussurrando - continue.
- Dói... - Lala mordeu o lábio inferior tentando ignorar a dor - dói demais. Um grito de vitória... Grillindor está ganhando.
- Boa menina - Ophelia sorriu - pode abrir os olhos.
Lala abriu, se sentindo imensamente aliviada, pois agora a dor lhe parecia apenas uma lembrança muito, muito distante.
- Por que doía tanto, Ophelia? - perguntou ainda tremendo - por que a dor?
- Porque ao fazer isso - Ophelia disse - você sente como se fosse um deles. É assim que fadas sabem como está a situação longe... e às vezes existe dor.
- Por que você não sentiu dor? - Lala insistiu - eu sou iniciante... é isso?
- Garota esperta - Ophelia beijou a testa da aprendiz e amiga.
Lala não pôde sorrir pois ainda sentia medo daquela terra que ardia tanto. O fogo iluminava a escuridão, e Lala ainda podia sentir aquela agonia de pessoas que não sabiam mais se iriam sobreviver.

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- Eu tenho que matar Jorge - decidiu Raveneh no meio do caminho - segurem May.
- Sua louca! - exclamou Bia - você não vai a lugar nenhum! Primeiro vamos garantir que a gente viva.
- Mas eles vão matar o Jorge - rosnou Raveneh - e quem tem que matá-lo sou eu!
- Você pirou? - gritou Rafitcha se interpondo na frente de Raveneh, impedindo que ela passasse - ou você e Catherine se juntaram de uma vez? ora essa, você não era tão psicopata! Como você vai se garantir?
- Não é psicopatia - Raveneh continuou a rosnar - é vingança. Eu quero matá-lo e vou matá-lo!
- Ótimo! - exclamou Tatiih sempre buscando a paz - quando a gente encontrar o povo de Grillindor, a gente pede esse favor, ok? Agora vamos procurar abrigo seguro...
Raveneh não deu ouvidos à Tatiih. Se desfez de Maytsuri que mais uma vez não entendeu o porquê de se separar da mãe, entregando o bebê nas mãos de Amai de uma forma que Amai não teve como recusar, e sumiu na escuridão.
- Aquela louca! - gritou Bia - mil vezes louca! Uma tremenda de cabeça-dura!
- Não dá pra dizer que ela está errada - disse Amai acolhendo a menininha nos braços carinhosamente - ela quer isso há muito tempo. E agora é a oportunidade ideal.
- Sim, eu entendo... - Rafitcha disse - mas tenho medo por Raveneh. Da última vez que ela tentou, foi presa. E depois... isso não é comum em Raveneh! Quem deseja vingar é a Catherine...
- Agora Raveneh também quer... - murmurou Bia - aquela louca está querendo duas vezes...
As meninas engoliram em seco, com medo. Não medo do que aconteceria com elas, mas sim medo de que Raveneh fizesse alguma besteira enorme e nunca mais se recuperasse.

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- Como está indo aí, segunda-oficial? - gritou Crazy, marchando de volta à cidade. Estava no meio da praça circular, onde soldados morriam e seus cavalos eram feridos com ódio injustamente.
- Bem, comandante! - gritou Zidaly, sua voz se sobressaindo sobre os gritos - as mulheres e crianças estão ficando na rua e aparentemente, estão sobrevivendo.
- Ótimo! - gritou Crazy - temos que acabar com a cidade inteira hoje! Mande seus soldados continuarem na área leste, enquanto os meus ficam na área sul.
- Ok! - Zidaly concordou, se voltando para o próprio exército, não sem antes apunhalar um dos inimigos no lado esquerdo do peito, o sangue jorrando como água.
Crazy engoliu em seco, mas não de medo ou apreensão: guerra era seu habitat natural. Engolia em seco porque era a hora mais legal de uma batalha, a hora que iria para onde os bundões riquinhos se refugiam e mata todos eles, assim destruindo o governo do país. A tomada decisiva de um país.
Deu mais algumas ordens, levantando a espada para o céu várias vezes e outras vezes matando inimigos, até finalmente seguir ao Fórum, um prédio alto, resistente e repleto de luxos.

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- Raveneh! - gritou Johnny sob as estrelas - o que faz aqui?
Raveneh sorriu, suas pernas subindo no telhado íngreme como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Seus cabelos loiros começavam a secar, sua enorme camisa branca também. Seus olhos sempre inocentes piscavam docemente.
- Raveneh! Cadê Maytsuri? - gritou Johnny novamente sem entender. O que Raveneh estava fazendo ali? E as outras?
- Não se preocupe com o nosso bebê - murmurou Raveneh - ela está bem, com as meninas. Só estou aqui porque é um belo atalho para o Fórum :)
- Não seja louca! - Johnny disse - para quê?
- Adivinha - Raveneh sorriu, ficando na frente de Johnny, face a face, os narizes quase colados - adivinha, meu amor.
- Raveneh... - odiava quando Raveneh fazia isso, ficando com o rosto tão próximo que era impossível ficar com raiva da esposa. Ela sorria, e ele achava seu sorriso tão encantador que quase esqueceu o que estava acontecendo. Podia se perder eternamente nos dois olhos da cor do céu...
- Eu já volto, meu amor... - Raveneh disse, encostando seus lábios nos deles, de forma tão suave que Johnny mal sentia. Aquele leve beijo que se tem que lutar para manter a lembrança - eu já volto.
- Raveneh...!
Exclamara tarde: mal piscou os olhos, Raveneh já estava no outro lado do telhado, saltando como uma pena sobre cada muro, não se intimidando pela multidão chorosa e enfurecida na praça. Pois logo ali estava o Fórum e o motivo da sua tragédia.

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Jorge tremia feito vara verde. Tremia de covardia, de medo, de apreensão. Tremia porque não queria morrer, tremia porque tinha medo do inferno, tremia por tudo e todos. E pior, não só tremia como suava. E frio. Para ver o estado do homem.
De fato parecia que só naquele momento estava começando a se dar conta do que fizera, do que fora. Sim, os verbos no passado porque não tinha muita esperança de viver. E nem deveria, afinal dois seres muito perigosos estavam a caminho.
- Aimeudeusaiminhasantaaimeusantinhoaimeudeusdocéu - exclamava sem parar, não tendo fôlego para fazer algo mais do que rezar. Olhava o tumulto por uma fresta da cortina, tinha medo daquela mulher que berrava, céus não era uma mulherzinha muito bonita que vivia ao lado de Crazy? Traidora, até havia cogitado pagar um drinque para ela... traidora! E Crazy era outro traidor, podia vê-lo berrando. Cruz credo, olha como ele mata os homens! Imagina se Crazy quisesse matá-lo, ai céus, como é que ia ser? Ai céus, tremeu mais um pouco.
- Vadia Raveneh! Ou Catherine! - cuspia como se quisesse jogar na pobre coitada todos os dramas da sua sórdida vida.
Havia trancado a porta mais de mil vezes, havia checado cada entrada do quarto (como se tivesse mais outra, além da porta ou janela), preocupou-se com a posição da mesa, das cadeiras, verificou todas as "armas" que tinha (maldição desde quando uma pena serve de arma? O.o), pensou no que poderia fazer depois: lutar até a morte? abandonar o país? virar hippie? arrumar uma coroa rica e dar um belo golpe digno de Ferraço nela? aicéusoquefazer?

Não sentia amor nenhuma pela esposa nem pelos filhos (ele tem? acho que sim =o), nem sentia interesse em como saber como estavam as outras pessoas. Os riquinhos que tanto adoravam o Jorge fugiram todos com o rabo entre as pernas, espertos e malvados, isso sim!, é de fato, todos que lhe davam dinheiro sumiram. aiai. Queria se ver com escapatória, mas o medo lhe paralisava e não deixava a abrir a porta (covarde). Não queria ver se o corredor estava vazio ou não (bundão). Não sabia decidir se pediria clemência quando fosse morrer ou agiria como um verdadeiro guerreiro e morrendo friamente em nome da pátria (maricas).
BLAM.
- Boa noite, Jorge.
Era uma voz feminina, e facilmente reconhecível e odiada. Virou-se. Ai céus, a menina chegou de novo. Que indecência era aquela, sem uma saia ou calças, só a camisa branca que mal tapava a bunda? Mas não teve muito tempo de meditar sobre a falta de moralidade nas vestes da meia-irmã, porque aí só teve uma preocupação: como escapar à Raveneh?

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Extra 02 - Um casamento novo, um casamento renovando...

Esse capítulo é um extra. Não tem ligação direta na história rolando. Provavelmente aconteceu logo depois do fim da primeira temporada. É somente um presente para o dia de hoje :D


Raveneh sorriu como nunca sorrira na vida. Estava bela como nunca estava antes. Tão doce, tão meiga, tão dourada!
Se levantou, ajeitando o enorme, detalhado, bordado e caro vestido. Todo branco, corpete repleto de bordados que desenhavam flores douradas sobre o fino branco, a saia, ah!, a saia! Enorme, rodada, toda lisa, sem estampa, o branco da cor de algodão, a cor da pureza. Colocou o xale, um xale de um tecido finissímo, uma bela seda azul que caía bem nessa quente noite de verão. Tão lindo, tão delicado.
- Está linda, Raveneh! - confirmou Rafitcha - está tão linda!
Raveneh rodopiou contente. Estava no seu quarto, rodeada por mulheres das Campinas, todas vestidas na maior elegância. Até mesmo Fer que não usava saia, resolvera usar um lindo vestido todo azul-marinho.
- Obrigada, gente! - exclamou Raveneh contente - ah, estou tão nervosa!
- Não tem porquê esse nervosismo - disse Umrae sorrindo, linda, com seu trabalhado vestido em vários tons de mel e amarelo - vai dar tudo certo, Raveneh! Johnny está até mais nervoso que você! - terminou quase em um sussurro, que fez todas rirem com aqueles seus risos de "menininha", um riso que só menina sabe fazer, um riso escondido, disfarçado, quase malicioso.
- Ah você acha, Umrae? - Raveneh continuava aflita - ah, não quero que nada dê errado...
Suspirou.
Todas as meninas a acalmaram, Tatiih cuidando do seu cabelo para ele não sair do lugar e ela sempre gesticulando, sonhadora, a coisa mais linda!

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A cerimônia foi a coisa mais linda do mundo. De fato, não há uma religião que determine como será o casamento nas Campinas, de modo que resolveram festejar de uma maneira única e simples: registrar o casamento no cartório, fazer os votos e depois uma grande festa que rolaria a madrugada inteira. E de fato, a festa foi enorme: cerejas e morangos e batatas a vontade, muita mimatta, sucos e outras bebidas. Houve músicas, competições de dança que Ly e Doceh ganharam várias. Umrae contou vários casos engraçados que acontecera durante a viagem do antigo lar dela para cá, Raveneh recebia mil presentes a todo momento, Johnny corava a todo momento que alguém se virava e dizia: "é hoje, hein!"
Fer resolvera, depois de muita discussão e persuasão, fazer uma demonstração de punhais, o típico "atirador de facas" no circo. E ela realmente usou uma pessoa de verdade (essa pessoa foi a Rafitcha que praticamente foi obrigada a ser a pessoa) como mira, e pobre Rafitcha, tentava se acalmar dizendo para si mesma que Fer era excelente em mirar e atirar punhais. Porém nenhum punhal atingiu Rafitcha, embora tivesse um que tenha atingido ao lado de uma das orelhas.
- Ah estou tão cansada! - exclamou Raveneh depois da festa, tirando o xale.
Uma nova casa... uma cabana de madeira, bonita até. Cortinas de seda azul, móveis de madeira escura, a coberta sobre a cama de belo pano vermelho.
- Vermelho, Johnny? - perguntou Raveneh intimidada pela coberta vermelha. Sim, ela ainda não havia visto a nova casa já que é tradição das Campinas um homem decorar a casa toda (geralmente ajudado por outras pessoas) e a noiva só ver quando termina a festa.
- Sim, vermelho - disse Johnny, a abraçando por trás - é a cor da paixão, sabia?
- Oh sim - Raveneh sorriu - é uma cor linda, embora seja tão... tão sexy.
Johnny desabotoou os botões de trás do corpete de Raveneh, que sorria, beijando seu pescoço.
Estavam tão felizes, parecia que tudo tinha se resolvido! Até a noite parecia sorrir...

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- Ly! - bufava Doceh com impaciência e fúria ao chegar à casa, os sapatos na mão - eu não gostei! Aliás, eu detestei! Não tinha nada com que fazer aquilo! Hmpf, odiei, odiei, odiei!
- Mas o que eu fiz, querida? - murmurava Ly meio tonto com os impropérios de Doceh.
- O que você fez? O que você fez? - rosnava Doceh furiosamente - e ainda pergunta, o depravado!
Emburrou. Estava maravilhosa metida no seu vestido todo azul-celeste, os bordados prateados. Sentou-se no sofá, o rosto se contorcendo de raiva, bateu os pés no chão de forma rápida e frenética. Ly conhecia quando Doceh ficava irada com alguma coisa, e não era incomum que ele não soubesse do que se tratava.
- Querida... - Ly começou, se sentando no sofá diante ao dela - querida...
- Você me magoou! - gritava Doceh - você me ofendeu, você realmente me machucou!
- Querida... - Ly sabia que quando Doceh começava a gritar, ia ficar muito mais complicado.
Doceh não gritou nem nada agora. Mas alguma xícara que estava na mesa, na cozinha, se quebrou. E ela estava no meio da mesa, e de uma hora pra outra, foi como se alguém tivesse batido com a xícara. Os cacos se esparramaram sobre a mesa. Agora ferrou, pensou Ly. Só havia duas coisas em relação ao casamento que deixavam Doceh furiosa assim: mentiras e traição.
- Me perdoe... - começou Ly embora sequer soubesse do problema, mas sabia que era bom pedir perdão logo - me perdoe mil vezes, querida...
- Perdoar? - gritou Doceh - você não sabe o que eu senti você dançando com aquela mulher!
- Que mulher? - Ly perguntou - eu não lembro de mulher nenhuma!
- Como não? A Yitah! - Doceh continuou gritando - ela era convidada de não sei o quê, e você dançou com ela!
- Ah, a Yitah?
Yitah era uma convidada qualquer que apareceu na festa. Muito bonita, Ly se lembrava. Bonito vestido, belissímo corpo.
- Sim! Aquela vagabunda! - cuspia Doceh - ela ficava dando em cima de você, descaradamente! Até sussurrou coisas em seu ouvido! Posso saber que coisas são essas?
Ly puxou a memória para lembrar, sim de fato a Yitah ficara ao lado dele o tempo todo. Nem se dera conta disso, mas isso realmente acontecera. Quais eram as palavras que ela sussurrara mesmo? "Hoje", "casa", "minha". Não lembrava mais.
- Nem lembro - admitiu Ly.
- Desculpa esfarrapada! - Doceh resmungou, quebrando mais uma xícara lá na cozinha furiosamente.
- Ok, ok! - Ly gritou, ficando de pé - "Hoje", "casa" e "minha"! Não lembro mais que isso!
- Ah mas ela é uma... - Doceh ficou de pé, batendo com os pés no chão - ah mas...
- Doceh...
- Eu vou matar aquela vagabunda...
- Doceh...
- ...que fica dando em cima do marido dos outros...
- Querida...
- ...ah mas vou torcer o pescocinho dela...
- Querida! Me escute!
Doceh parou de resmungar, olhando diretamente nos olhos do marido, tremendo de ódio. Sim, sim uma mulher com ciúmes é capaz de tudo e Doceh já estava se preparando para pegar uma faca, melhor ainda!, um brigadeiro bem venenoso e oferecê-lo para a Yitah que estava hospedada na pensão de Rafitcha. Veria ela se corroer toda, implorando perdão, chorando horrores, ahahaha! como ela era má.
- Doceh?
- Oi - disse friamente.
- Doceh, você é a única mulher do mundo para mim - começou Ly - eu nunca olharia para Yiita...
- Mas... você estava interessado nela na festa.
- Não, não estava - Ly sorriu - como eu me interessara, se tinha você?
- Ly... - Doceh controlou as lágrimas - eu...
- Eu te amo, querida, ok? - Ly abriu o sorriso - eu realmente te amo... mesmo quando te odiei, eu te amei também... Estamos juntos há quanto tempo?
- Nem sei mais - Doceh abraçou o marido carinhosamente, a fúria se extinguindo aos poucos - não sei mais...
- Yitah não é ninguém comparada a você - continuou Ly - jamais aceitarei que você se sinta humilhada por alguém tão vulgar como aquela mulher.
- Oh Ly!...
- Eu te amo =*


N.A.: Ok. Fim do extra. Um capítulo sem graça, meloso e etc. Mas foi o melhor que arranjei para vocês, em pleno dia dos Namorados no Brasil, 12/06/2008. Feliz dia dos Namorados para todo mundo! Namorados, casados, divorciados, encalhados!! ;D

terça-feira, 10 de junho de 2008

Parte 38 - Fuga Desesperada, Encontro Feliz, Abrigo Vazio e Reflexão sobre Idealismo.

- Merda! - xingava Raveneh - que droga! Não consigo destrancar...
Ela sentira medo ao ver a flecha de fogo brilhando no céu. Vira que ela caíra em algum lugar longe, mas escutava gritos. Droga, tinha que aproveitar a confusão e dar no pé. Mas como? Bem, aqueceu as próprias mãos quase a ponto de se tornar tão quente quanto o núcleo da terra. E aproximou as mãos, quentes, da maçaneta. Sorriu... com o calor, a maçaneta, o ferro, tudo que trancava se derretera *-*
O metal quente nas suas mãos era uma sensação tão boa, tão confortante.

Se sentiu mais poderosa do que qualquer pessoa.

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- O que está acontecendo? - gritou Jorge - soldados, a postos!
Vendo a gritaria, as pessoas tentando sair dali correndo. Até mesmo Bia sentia medo, não sabendo do que se trata. Sinos tocaram em badaladas nervosas e várias flechas de fogo subiram aos céus.
- Crazy! - gritou Jorge - convoque o exército! Estamos sendo invadidos! Crazy, cadê você??
Viu que não havia mais um homem de olhos penetrantes. Oh céus... oh céus!
- Ah-Ah - compreendeu Bia - você foi traído, Jorge. Legal, né?
Jorge mordeu o lábio inferior, furioso. Maldito... Crazy era justamente o cara que alcançou o cargo mais alto do exército em dois meses, através de uma série de bajulações, subornos e assassinatos! E ainda fizera todo o exército o idolatrar perdidamente! O traidor... vestiu uma capa, esqueceu das execuções, correu até a base militar da cidade com tanta rapidez e destreza que foi admirável não ter esbarrado em ninguém nem pisoteado pela multidão.
- Vamos fugir! - gritou Bia - é agora!
- Sim! - Rafitcha concordou - protejam May!
Obviamente já deram um apelido à pequena garotinha.
- Está com todas as flechas, Kitsune? - perguntou Johnny se pondo na frente de Rafitcha, começando uma formação que fazia com que Rafitcha ficasse no meio.
De modo que Johnny e Bia ficavam lado a lado, na frente de Rafitcha. Kitsune e Amai ficavam uma a cada lado de Rafitcha, protegendo Maytsuri pelos cantos. E atrás de Rafitcha, Tatiih podia proteger com seus milhares de dardos envenenados dados por Umrae.
- Sim! - gritou Kitsune - onde você acha que Raveneh deve estar?
A balbúrdia era grande.
Logo se viram cercados: algum exército realmente havia invadido, e soldados entravam de prontidão por todos os cantos. Casas estavam se queimando. E lá longe, o Fórum ardia.
- E Jorge? - lembrou Rafitcha preocupada.
- Deixe Jorge pra depois - disse Johnny - nossa prioridade agora é achar Raveneh!
Os amigos se apoiaram na hora de escapar, pois tradicionalmente desceriam do palanque e seguiriam pela praça. Mas obviamente, devido ao tumulto, não poderiam fazer isso. Mas não tinha outro jeito, pois não havia ponte entre o palanque da execução. Mas na praça, em sua volta, havia várias casas com muros de espessura grossa e telhados retos. Perfeito.
Bia não teve dificuldade em atravessar a multidão, simplesmente deslizando pelo chão como um fantasma e subir aos muros com delicadeza, como se fosse um gato. Estendeu a mão para ajudar Rafitcha, o bebê estando com Tatiih. Rafitcha subiu, Maytsuri passou às mãos de Rafitcha enquanto Bia ajudava os outros a subir, sendo que a última a subir foi Kitsune que se preocupava demais com a sobrinha.
É difícil se equilibrar em um muro, e é ainda mais difícil não olhar para baixo. Mas todos conseguiram, e a toda vez que alguém quase caía, era segurado com rapidez. Começou os primeiros pingos de chuva.
- Maldição! - gritou Tatiih - tinha que começar a chover?
- Esse é um grande momento! - disse Rafitcha - e todos os grandes momentos tem chuva!

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Raveneh resolveu subir as escadas, procurando as escadas. Se surpreendeu de como os corredores estavam vazios: não devia ter soldados para conterem a sua fuga? Percebeu que era guerra, e por isso todos os soldados haviam se retirado. Bem, assim era melhor. Subiu, cara que lugar alto, subiu mais uma escadaria. Uma porta no final. Ótimo.
Não teve dificuldade em concentrar a força em um dos seus pés e chutar a porta com toda a força: todo mundo sabe que quando você supera o primeiro obstáculo, o segundo pode ser vencido facilmente simplesmente porque você adquire mais experiência e confiança. Era uma espécie de varanda, com o parapeito. Se subisse no parapeito, podia alcançar o telhado que tinha forma de "V" de cabeça pra baixo. Você pode imaginar. A chuva estava fraca.
Não se intimidou nem um pouco em subir o parapeito, e a roupa nem pesada: só usava um camisolão enorme e branco e a roupa de baixo. Nada de calças, botas ou capas. Era um luxo que agora não se podia ter. Alcançou o telhado com as mãos, procurando firmeza para se apoiar.
Achou um buraco, esses buracos que sempre tem em telhados. Era um buraco pequeno, mas suficiente para se apoiar. Com um dos cones que apoiava o telhado no parapeito, um cone irregular repleto de ondulações, conseguiu subir no telhado. E foi escalando, pouco a pouco, o cabelo ficando colado ao rosto, o frio aumentando e a expectativa cada vez mais tensa. Quando chegou ao topo, procurou os amigos.
Não estavam no palanque, conseguiram escapar? foi a sua dúvida. Mas ao dirigir o olhar para um dos muros, achou-os. Sorriu, claro que conseguiram escapar! Acaso estavam lidando com seus amigos!
Reparou que do outro lado da casa onde estivera presa, havia outra casa enorme com um telhado plano e janelas abertas. Devia ser um templo, provavelmente, pela bandeira exibida no telhado, uma bandeira toda branca com o desenho de uma estranha flor em tons de vermelho e azul. Se lembrava vagamente desse símbolo. Não importava... se era o que pensava ser, então dentro havia fogueira e alimentos. Seria útil e tinha que proteger Maytsuri.
Desceu pelo telhado procurando sempre manter os amigos, caminhando de forma meio bamba, em vista. Quando chegou ao primeiro muro, eles estavam logo ali, só mais umas passadas.
- Raveneh! - gritou um deles - Raveneh!

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O grupo nunca esteve tão feliz! Claro, você deve ter pensado: ai que coisa mais fácil, acharam logo de cara! Mas aí eu digo: que coisa, tudo tem que sempre difícil? Uma facilidade no meio do caminho é sempre boa! E havia soldados lutando... podia-se ouvir os berros.
- Venha - disse Raveneh - venha!
Rafitcha foi a primeira, sendo apoiada por Raveneh no telhado. Logo veio Bia que ajudou todo o resto a subir. E assim todos ficaram no telhado, engatinhando até o topo. Rafitcha estava realmente em dificuldades porque tinha que segurar o bebê, mas Raveneh foi inteligente e logo solucionou o problema. Ela foi sozinha até o telhado plano da casa ao lado, onde havia a bandeira. Pegou a bandeira, rasgando-a e fez uma espécie de mochila com ele, e subiu até o telhado novamente (você deve imaginar como essa aventura cansou a nossa querida heroína!), onde colocou Maytsuri nas costas tal como as índias seguram seus filhos quando vão trabalhar. A bandeira estava molhada, mas o bebê já estava molhado de qualquer jeito mesmo e bebês mestiços tem bem mais imunidade corporal. Ainda bem.
A chuva engrossou.
- Venham! - gritou Raveneh - para dentro daquela janela!
Raveneh foi a primeira porque estava com o bebê, e a última foi a Bia porque tinha os reflexos mais rápidos e assim podia auxiliar os outros a descerem para o telhado plano depois para a janela.

- Wow - murmurou Rafitcha - o que é isso, um templo?
- Exatamente - Amai respondeu - um templo.
Era uma sala enorme e quadrada. De um lado, uma porta imensa de madeira, com detalhes em relevo, retratando alguma história. No chão, vários tapetes coloridos estendidos em cima do chão feito de madeira clara, alguma madeira que tinha um cheiro delicioso. E na frente, ora, na frente era um espetáculo: uma lareira acesa, a fumaça escapando pela chaminé (obviamente as chaminés não são retas senão em caso de chuva, não poderia fazer uma faísca sequer). E na frente, um tapete branco estendido, com sete incensos acesos emanando um leve aroma de verbena (você já sentiu o aroma de incenso de verbena? Pois é), e entre os incensos, um pote de cristal com água e uma estranha flor toda branca, com pétalas lindamente desenhadas e no centro, um desenho dourado começava.
- O krishinnä - disse Kitsune - a flor do perdão. É um templo mentiroso...
- Templo mentiroso? - perguntou Tatiih não entendendo nada.
Claro, somente Kitsune e Amai entendiam alguma coisa dali. Nem mesmo Raveneh conhecia muita coisa a respeito da religião da sua terra natal, pois não tivera uma criação religiosa e sequer conhecia as histórias.
- Templos mentirosos - começou Amai - são os templos que mentem sobre a religião. Quando os mágicos foram expulsos, suas religiões foram embora também. Todas as religiões foram proibidas, exceto uma, a oficial, de comuns. Seu nome era murritana (se fala 'muritan'), e seu símbolo é a flor vermelha e azul. Não sei bem a história que cerca essa flor, mas sei que é um flor rara de achar e usada para fazer chás alucinogénos. Porém havia outra religião, cujo nome se perdeu, que era dos mágicos e comuns também.
- Quando houve a opressão... - continuou Kitsune sabiamente - essa religião sem nome resolveu se fundir com a religião murritana, criando os chamados templos mentirosos: por fora, parece um templo murritana. Aliás todos os sinais são dessa religião, exceto pelas flores. Essa flor é dita como "a flor do perdão". Não sei muita coisa, mas um templo que tem essa flor em vez da outra vermelha e azul... é um templo mentiroso, oculto.
- Ah - Tatiih disse por fim - acho que entendi. Isso significa que esse templo é amigável. Legal.
- Wow - Raveneh concordou - May, May, meu bebê, meu bebê... como estão?
- Estamos bem, querida - disse Johnny abraçando Raveneh por trás - e como está você?
- Estou viva - murmurou Raveneh - é o que importa.
- Não fizeram nada de ruim com você? - perguntou Rafitcha preocupada - fiquei me sentindo tão culpada... eu fiquei aterrorizada só de imaginar no que você estaria passando...
- Está tudo bem comigo - murmurou Raveneh - quem foi executada foi uma cópia que criei de si mesma. Ela que sofreu toda a tortura antes de morrer...
- Você criou uma cópia sua? - surpreendeu-se Bia - mas é uma magia extremamente poderosa e difícil de fazer.
- Eu consegui fazer - Raveneh sorriu - não sei se fiz com perfeição. Mas estou aqui inteira...
- Você tem as lembranças da sua cópia? - perguntou Bia intrigada.
- Não.
- Então fez quase perfeito - disse Bia - se você se lembrasse das sensações e tivesse todas as lembranças que a sua cópia teve, aí seria um processo perfeito. Mas acho que você não quer realmente ter essas sensações, né?
- Não mesmo! - Raveneh disse friamente - eu acabei recebendo algumas sensações que a minha cópia passou, mas de forma bem fraca, sabe... eu não quero mais sentir a dor que foi ter a corda enlaçada no pescoço.
- Vamos estar bem aqui - Johnny sorriu, a boca encostada na orelha de Raveneh, um abraço tão forte de dois namorados que não se encontravam há muito tempo - vamos estar bem.
- Sim... sim - Raveneh tentou conter as lágrimas, mas como conseguiria quando ao mesmo tempo estava imensamente aliviada por ter conseguido encontrar os amigos e enormemente apreensiva pela batalha que se desenrolava lá fora.
- O templo está vazio - observou Rafitcha - isso é estranho, não?
- Nem tanto - disse Kitsune - as pessoas evitam vir para templos, mesmo em tempo de guerra. Elas tem medo da repressão e até mesmo a oficial, a murritana, é evitada por medo. Templos não são mais lugares de paz e acolhimento.
- De qualquer modo - disse Tatiih - temos que procurar algo seco para embalar Maytsuri! Ela é um bebê, não pode ficar molhada assim!
- Sim sim! Oh que mãe desnaturada eu sou... - riu Raveneh se aproximando da lareira acesa, desembrulhando o bebê.
A menininha sorria, sorria contente. Olhava para o céu com dois brilhos azuis no olhar, sorria. Ela não tinha cara de joelho como muito bebê *-*
- Achei algo aqui - disse Amai - parece um dos tapetes limpos.
Trouxe um manto branco. Provavelmente era um dos tapetes que ainda iam ser postos no chão.
Raveneh embalou a filha (minha filha!), a acariciando e dando o seio para ela mamar. É uma coisa muito fofa um bebê mamar, pelo menos eu acho. Dá vontade de ficar 'guti-guti mamãe que bonitxinha mamando!' embora isso seja uma atitude idiota. Mas que dá vontade, dá. Bebês dão vontade de morder.
- Vamos pensar no que fazer agora - disse Bia - Kitsune, Amai, o que está havendo?
- Provavelmente é Grillindor agindo - disse Kitsune - as pessoas que vivem naquele reino são descendentes são os banidos daqui... e sempre prometeram retomar tudo... deve ser o começo dessa operação, dessa vingança.
- Bem-feito - disse Raveneh friamente - quero que todas essas pessoas morram, sintam na pele o que fizeram anos a fio.
Rafitcha assumiu um olhar vago, somente pensando nas vidas inocentes perdidas. Crianças que sequer conhecem a história da opressão, crianças manipuladas para odiarem mágicos, crianças bastardas machucadas como Raveneh, mulheres grávidas, pessoas perdendo a vida de forma trágica. Como podia a raça humana ser tão bárbara.

- Viver nas Campinas? Deixar de ser advogada? Então pra quê eu paguei seus estudos, Rafaela?
- Mas, pai... Campinas é um lugar de paz! Eu sempre quis viver lá! Eu quero deixar esse fórum, essa burocracia, essas pessoas culpadas inocentadas e os inocentes que são culpados! Como posso defender pessoas que na verdade são culpadas!
- Então pra quê você estudou Direito?
- Essa não era a minha visão do futuro - Rafitcha quase chorou - eu não quero ser uma dessas advogadas que defendem qualquer coisa por dinheiro!
- Está sendo idealista, minha filha. O mundo não é assim.
- Isso já não me importa mais - Rafitcha deu as costas e completou friamente - porque as Campinas é assim e é pra lá que eu vou.
Só escutou a fungada da mãe e o suspiro do pai.


Agora está tudo bem entre eu e meus pais... pensava Rafitcha. Meu pai até se tornou mais sonhador depois... e eu pude seguir com a minha filosofia de vida... mas realmente ele tinha razão: eu estava sendo idealista demais, eu sou sonhadora demais... Eu achava que podia parar com as injustiças, com a exploração... Mas como posso parar uma guerra que nada tem a ver comigo? Conteve as lágrimas.