- Chegamos - disse Raven pousando em uma cidade estranha.
Raveneh olhou em volta: a cidade não mudara em nada. As casas continuavam cinzentas e sem graça, com as mulheres na porta trabalhando e
fofocando, as crianças sujas brincando no chão de terra, os homens ausentes.
- Foi aqui que você viveu, Raveneh? - perguntou Johnny pasmo.
De fato o ambiente era desanimador: o céu sem graça, o chão de terra, o ar de desgraça e de coisas comuns em todo o canto. Bia, Rafitcha e Tatiih
saltaram e todas tiveram a mesma reação: mas que país feeeeeeeio!!!
- De qualquer modo - disse Rafitcha - onde vamos ficar? Eu definitivamente não quero ficar em uma dessas casas sem graça. Não tem uma taverna
ou algo assim?
- Com certeza... - murmurou Raveneh - pedirei uma carruagem ^^
O grupo se despediu de Raven com grande solenidade e muitas lágrimas, porque podiam nunca mais se encontrarem: a situação é de grande tensão.
- Adeus - murmurou Raveneh - adeus.
Quando a enorme carruagem com os cavalos alados deram as costas, o grupo de Raveneh se virou.
- Ninguém reparou na carruagem alada? - indagou Raveneh intrigada: magia era proibida ali, praticamente um tabu. Tipo ser gay no Iraque.
- Tem magia de invisibilidade - respondeu Johnny - não se preocupe. Veja, uma carruagem ali.
Logo o grupo estava dentro de uma carruagem marrom e comum (uma carruagem-táxi, por assim dizer), indo para o bairro de Otipim.
- Essa cidade é dividida em vários bairros, mas existem os mais importantes, os médios e os mais distantes e estes são os piores. Eu morava em um
médio, pois apesar de meu pai ser um "subversivo", minha mãe recebeu uma boa herança do meu avô e assim pode garantir uma casa boa... E bem,
meu pai sempre trazia algum dinheiro das viagens dele...
- E esse bairro, Otipim - continuou - era onde eu morava. É perto do Fórum, o suficiente pra ir a pé e a pensão em que vamos ficar é uma de bom
gosto e fica perto de uma lanchonete decente... é um bom lugar, tem verde.
- Menos mal - murmurou Rafitcha. O lugar lhe desagradava bastante...
Rafitcha descansou a cabeça no ombro de Johnny, cansada. Estava com seis meses de gravidez, quase sete. Estava cansada. E ainda ia ser julgada
por assassinato. Ai, quantos problemas!
- Sinto muito - o cocheiro (você sabe o que é um cocheiro, certo? Um ser que controla a carruagem, geralmente sempre impecável) disse - a Guarda
Real mandou parar a carruagem.
- Porque? - indagou Rafitcha surpresa.
- Não sei... - fez o cocheiro - mas pedem por "Raveneh" x.x'
Silêncio.
- Deixe que eu resolvo - disse Raveneh por fim.
- Raveneh, mas o que vai fa-- - fez Johnny, pondo o braço na frente, a impedindo de prosseguir.
- Eu tenho que ir, querido - Raveneh sussurrou - não vão fazer nada comigo, não se preocupe. Eu conheço as leis deste país... e depois tenho
proteção...
- Mas...
- Eu vou com você, pelo menos - Rafitcha disse - eu estudei praticamente a minha vida toda para atuar na área jurídica por determinação de
família... não quero fazer esses estudos irem por água abaixo... eu irei como sua advogada.
- E eu como o seu marido e pai do seu filho - afirmou Johnny.
Tatiih e Bia não ficaram pra trás:
- Eu que vou cuidar da parte doméstica ù_ú - disse Tatiih.
- E eu sou a que vai proteger todos vocês em caso de guerra! - protestou Bia.
No final das contas, todos acabaram indo juntos. Desceram da carruagem, o cocheiro impássivel. Raveneh percebeu que seu olhar era de medo.
A Guarda Real nada é mais que a... guarda real do governo o_o
Afinal o país é composto por três famílias reais, unidas em laços de matrimônio. E a Guarda Real é formada pelos soldados de famílias nobres ou
protegidos dessas, que se vestem com roupas caras e portam finas espadas. A Guarda Real é mais refinada que os "Dark Milk", que é somente
rebeldes aliados ao governo. Enquanto a ordem chamada Dark Milk ("leite negro" em inglês) mata gente "subversiva" na calada da noite, a Guarda
Real prende e ameaçam pessoas no calor do dia. São ordens diferentes aliadas ao mesmo governo com diferentes pessoas e a finalidade uma só:
perseguir, torturar, matar e sumir com todo o rastro de existência das pessoas que discordam do regime político e de como as regras funcionam. Em
suma, ditadura.
Enfim, havia a Guarda Real que estava ali em frente a carruagem, e uns três seres destoantes:
Um homem moreno que todos, menos Bia, reconheceram como Jorge, meio-irmão de Raveneh.
Um rapaz jovem e moreno, usando um manto azul muito escuro.
Uma jovenzinha loira de cabeça baixa.
- Qual o problema, Jorge? - perguntou Raveneh - eu vim para o julgamento, como quis. O que quer agora?
- Nada, só lhe avisar das regras - disse Jorge - fizemos uma gentileza permitir que gente com sangue impuro entre em nossas terras...
- Ok, deixe-me ir. Estou grávida e fiz uma viagem de dois dias - interrompeu Raveneh severamente - as regras posso saber depois.
- Isso aí - afirmou Rafitcha - durante a viagem tive a oportunidade, felizmente, de conhecer a legislação deste país. Portanto, não precisamos dessa
recepção grosseira. Dêem-nos licença, por favor.
- E você é... - perguntou Jorge sem se alterar.
- Rafaela Likara - disse Rafitcha.
- Rafaela? - murmurou Tatiih surpresa - pensei que se chamava Rafitcha!
- São apelidos ;D - sussurrou Rafitcha que logo voltou. Com aquele ar imponente que aparentemente todo estudante de direito ganha ao se formar,
completou: - eu sou a advogada de Raveneh. Eu que vou inocentá-la da afirmação absurda e mesmo que ela seja criminosa, ela vai sair impune de
qualquer jeito.
- Aaaah - zombou Jorge - se julga tão boa para competir comigo no tribunal? Veremos! - e comprimiu um último riso.
- Oh sim, claro - disse Rafitcha sem se alterar, somente dando um discreto sorriso - veremos. Mas, de acordo com o artigo D, páragrafo 4, vocês
devem liberar a passagem para a ré em questão.
Jorge gelou. Era visível que Rafitcha devorara todo a legislação durante os dois dias de viagem: ela praticamente não dormira, estudava os termos de
herança. Mal comeu, pois se aprofundava em condições para crimes hediondos e se indignou com as passagens que permitia torturas protegidas pelo
governo. E ela relembrava todas as anotações, todas as aulas que tinha desde pequena, todos os melhores estudos para ser a melhor advogada da
família Likara.
Ser advogada é muito³ difícil. Pergunte a um como é que é e verá que tenho razão.
Jorge mordeu o lábio inferior.
- Vamos. Deixemos.
E a Guarda Real se dispersou. A mocinha loira se virou rapidamente seguindo Jorge, mas o rapaz com o manto azul-escuro demorou a se virar: seus
olhos eram acolhedores, Raveneh percebeu. Estranho... tinha algo diferente dele...
O jovem sorriu e deu as costas.
- Bem, vamos - murmurou Raveneh - entremos na carruagem.
Todos acabaram por entrar e ficaram calados até o final da viagem.
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Nas Campinas, a situação era preocupante. Maria passou a gerenciar tudo como se tivesse uma guerra, embora ainda nem começara. Ophelia nem se
recuperara completamente...
... mas ao que tudo indicava, as Campinas iriam ser arruinadas.
- Ly, você olhou se nossas espadas estão bem afiadas? - Maria dizia para todo o lado - Umrae, você já terminou o primeiro lote de veneno mortal? E
precisamos de soníferos! Kibii, como andas a sua mira com as flechas? Ela tem que ser perfeita! Aliás, como está o estado das suas flechas? Fer, que
absurdo!, olha como estão os seus punhais! Ah, não, precisa de novos... =3
Era uma loucura.
Ly passava o dia na sua cabana fabricando novas armas e afiando os punhais, Kibii passava horas treinando a mira e mal comia ou dormia, Umrae não
descansava somente fabricando mais e mais venenos e colocando todos em ampolas e etiquetando tudo, Fer não aguentava mais cortar ramos com
espadas e treinar acrobacias, Doceh estava fatigada de tanto confeitar seus doces e envenená-los... enfim, era tudo tão fatigante, tão apressado,
tão...
... de qualquer forma, estavam todos cansados. E Maria trabalhava feito uma louca, traçando mil planos de estratégias. E ninguém sabia, mas uma
coisa a atormentava dia e noite: a preocupação com um garoto, pois este estava longe... Alan...
Mas ninguém sabia disso...
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- Como está seu machucado? - perguntou Ophelia.
- Está bem - respondeu Lala. Não sabia porquê, não conseguia ter ódio daquela garota. Ela havia lhe perfurado toda, rompido o seu abdomên e ainda
por cima lhe tirara a sua liberdade. Como podia não ter raiva de alguém assim?
Mas ainda assim a face era de uma boneca e Ophelia demonstrara-se preocupada com ela...
O diabo mora nos detalhes, Lala... o ditado martelava na sua mente.
Estavam em volta da fogueira, perto de Cherllaux.
- Porque destruiu tantas coisas na capital? - Lala perguntou, por impulso. Ao ver o olhar intrigado da "mestra", se arrependeu. Mas Ophelia somente
murmurou:
- Não sei. Acho que só pra chamar atenção.
- Diz a lenda que você matou muita gente - disse Lala, mais para si mesma do que para a Ophelia.
Ophelia ergueu o olhar.
- De fato - disse - de fato sujei minhas mãos com sangue de gente inocente... e não posso fazer nada para mudar isso. Mas eu não fui a única a
matar naquela situação... não mesmo. Eu fui a culpada, mas não sou a única. Peixe?
- Oh, não sinto fome =X
- Você que sabe - Ophelia olhou para o peixe que assava na fogueira - está com raiva de mim?
- Eu? Mas--
- Por ter acordado de supetão, te desafiar para uma luta, te perfurar toda e quase matá-la e logo depois fazer de você a minha escrava... me odeia
por causa disso?
- Eu tento - respondeu Lala com acidez.
Ophelia sorriu.
Seu sorriso foi a coisa mais assustadora, terrível e apavorante que Lala viu: desde o momento em que nasceu até quando morreu, muitos e muitos
anos morreu. Um sorriso belo, mas ainda assim cínico. Um sorriso de uma louca psicopata e ao mesmo tempo doce.
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