sexta-feira, 4 de abril de 2008

Parte 17 - Cuide dela, entendeu?

Siih roeu as unhas, preocupada. Estava tudo bem: as escolas continuaram funcionando, os hospitais também. Tudo em seus conformes.
- Chame Maria - disse.
Mas Ophelia estava quieta demais. De acordo com as lendas que contavam, Ophelia era impaciente. Será que amadurecera nos anos? Provavelmente.
- Onde Maria está? - perguntou Alicia.
A dor de cabeça veio. De novo?
- Não interessa - Siih murmurou - procure-a e traga-a aqui.
Alicia consentiu e saiu correndo, procurando Maria que provavelmente estava nas Campinas. Neste instante, Lefi chegou preocupado com a irmã:
- O que está fazendo, irmã? Deveria estar descansa-- céus, está com febre!
Siih estava tonta, e não conseguia se apoiar. Mas seu ar ainda assim era aristocrático e se recusava a descansar.
- Estou bem - repetia - estou bem.
Lefi não se convencia:
- LIBBY! LIBBY! Para que mandou Alicia procurar Maria? Hmpf! LIBBY! - ah que coisa, cadê os criados, eles não trabalham? Amparou a irmã que quase desmaiava.
Um glomb passou (eu contei a história dos glombs, não contei?) todo atarefado.
- Seu Glomb! - chamou Lefi com rispidez. O Glomb em questão se chamava Dahes, que na língua Glombiana (que se trata basicamente de "Rere" e "Baba" e "Dade") significa algo como "filho da desgraça". O nome foi dado pelo pai, pois a mãe morrera no parto e eles pertenciam a uma família extraordinariamente cruel. O pai cuidou de Dahes, e quando o pequeno Glomb fez sete anos, foi separado do pai e vendido para a corte real. Era jovem, tinha apenas vinte anos de existência. Mas se tornara um ser amargo e triste, e odiava servir a Rainha.
- Quié???? - disse ele com a vozinha amarga e irritada.
Lefi fechou a cara. Detestava os Glombos, costumavam ser chatos e perversos.
- Quero que cuide da Vossa Majestade, minha irmã, Imperatriz das Terras Encantadas, desde as Colinas Prateadas no norte até as Florestas da Depressão ao sul, a chamada Siih, filha de Kathy e Louie. Quero que cuide dela como cuida da sua mãe.
O Glomb fez pouco daquela longa fala e somente perguntou:
- Por que tenho que cuidar dela? Eu somente cuido para que a comida que a Vossa Majestade come, não esteja envenenada. Também cuido para que as roupas de baixo da Vossa Majestade estejam limpas, cuido para que a Vossa Majestade nunca precise reclamar do chão empoeirado e...
- Pouco me importa de quais são suas obrigações, meu caro - interrompeu Lefi - eu a levarei para seu quarto e você deve preparar a água e o chá. Enquanto estiver no caminho para a água e o chá, peça a algum dos seus semelhantes ou você mesmo chame a Libby ou Alicia.
O Glomb fechou a cara.
- Sim, senhor.
Lefi levou a Siih para o quarto, que já estava meio tonta e nada falou a respeito do Glomb.
- Irmã, você ficará bem - murmurou Lefi a deitando na cama. Logo chegou o Glomb, o chamado Dahes, com uma bandeja de prata: uma taça de cristal com água, uma xícara de porcelana com chá.
- Eu chamei Libby - disse friamente - ela está vindo.
- Ótimo - disse Lefi - trabalhou muito bem.
Libby chegou, ofegante:
- Oh, cheguei! - suspirou - Vossa Majestade tinha me mandado...
- Isso não interessa - disse Lefi - você e Alicia vão trabalhar dobrado, já que Siih não está em condições de cuidar do país, nestas condições. Vocês terão que trabalhar para mim, enquanto ela está doente...
- Como assim? - suspirou Libby - ela não está em condições de governar?
- Sim, e eu assumirei o lugar dela - disse Lefi - eu sou o segundo, depois dela...
- Mas ela não disse nada a respeito! - protestou Libby.
- Eu sou o Príncipe Regente - disse Lefi - enquanto Siih não mandar, quem manda sou eu. Entendeu?
Libby se empertigou toda, furiosa.
Nesse instante, Alicia chegou ofegante:
- Majestade, Maria está aí e-- cadê a Majestade? Ooh...
- Eu mesmo conversarei com a Maria - disse Lefi - por favor, cuidem da Vossa Majestade.
- Bem, eu vou fazer meus afazeres... - murmurou o Glomb com seu sotaque arrastado.
- Não vai não - repreendeu Lefi - vai ficar cuidando da minha irmã.
- Mas, senhor, me perdoe - pediu o Glomb, fazendo uma reverência - tenho meus afazeres... e odiaria faltar com eles...
- Pois o livro dos seus afazeres - afirmou Lefi - fique aqui.
O Glomb espumou de raiva e se sentou no banco, ao lado da cama, onde Siih repousava confusa e febril.
- Você tirará a roupa dela e colocará uma outra - disse Lefi - colocará lençóis sobre ela, trocará os travesseiros sempre. Deixe a janela entreaberta, pois ela precisa de ar. Se certifique de que ela receba toda a comida necessária e vele o seu sono. Não a deixe se cansar muito. Se tiver delírios ou dor de cabeça, mande servir chá. Enfim, cuide dela.
- Não é melhor uma... uma serva fada fazer isso? - disse Libby. Ela assim como a grande maioria das fadas não gostava de Glombs e duvidava que um deles pudesse cuidar da Rainha.
- Sim, seria e de fato temos muitos - disse Lefi - mas as criadas são incompetentes e preciso de vocês. Tem que ser um Glomb mesmo.
- Hmpf - fez Alicia.
As duas deram as costas, dando uma última olhada para a Rainha que agora dormia. Lefi bateu a porta atrás de si, descontente por não poder cuidar da irmã e ter que deixar um Glomb cuidando dela. Mas ela não odiava os Glombs nem os maltratava, então quem sabe seria uma boa.
É, talvez.

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- Você quer simplesmente destruir tudo? - perguntou Lala - o que vai fazer?
Ophelia sorriu.
- Quando eu era uma criança, eu queria - disse depois de hesitar - eu queria simplesmente destruir tudo. Mas agora não tenho mais idade para essas coisas infantis... e devo dizer que a idéia de poder me fascina. As Musas sempre puderam ter o poder para tomar as colônias para si, mas são tolas e não o fazem. Elas não tem ambição... já eu...
Deixou a frase no ar, vaga. Mas Lala sabia muito bem o que ela queria dizer. As colônias dominadas por fadas ocupam mais da metade dos territórios conhecidos naquela época: o mundo é redondo (com certeza você aprendeu isso na aula de geografia). No meio, onde a linha (que nós chamamos de Equador, mas naquela época e mundo, simplesmente chamava de "Linha da Metade") ficava, era a chamada "Área Média". N0rmalmente as florestas onde se nevava no inverno ficavam aí, e os elfos moravam nelas. No sul moravam os povos tropicais, pois era mais quente. E no norte, o gelo eterno. As fadas eram como os humanos: vivem em tudo que é canto. E assim como os humanos controlam praticamente todo o nosso mundo, as fadas controlam quase todo o mundo.
Seres cruéis e dominadores ú.ù
Mas dominar as colônias das fadas era dominar o mundo *w*
Voltando ao assunto... Ophelia sorria.
- Mas agora - continuou - agora tenho outros planos. Claro que as Musas vão querer me impedir. Ou não. Mas aquela tola rainha vai querer lutar. Tola. Ela não sabe que os mais fortes dominam os fracos? - riu.
Lala não gostou:
- A Rainha Siih não é fraca, muito pelo contrário.
Ophelia ergueu o olhar, risonha.
- Trabalhou para ela? - perguntou - oh, sim, pela sua expressão... Ela é uma boa chefe? Espero que sim. E bem, deixe-me ver...
Fechou os olhos, sem sorrir. Lala não sabia bem o porquê desse silêncio todo e a sua expressão serena e concentrada ao mesmo tempo, mas aguardou. Reparou que alguma coisa varreu a floresta em que estavam, como um vento forte. Mas não sentiu os cabelos "voarem", nem as plantas se curvaram para trás. Era somente um frio, um frio que corria gelidamente.
Ophelia abriu os olhos:
- Sabe o engraçado? A energia dela é tão pequena! - riu.
Lala arregalou os olhos. Fadas podiam sentir a energia de outras fadas, naturalmente. É muito comum e nada que mereça espanto. O que é espantoso é que Ophelia tenha conseguido achar e medir a energia da Rainha de uma distância tão longa!
- A energia dela está menor do que a normal - murmurou Ophelia - pois está doente. Mas pude perceber que a energia dela é muito pouca, considerando seu nobre sangue. Será que ela costuma suprimir? Engraçado, não consigo saber... uma fada da estirpe dela não devia estar tão pequena assim. Muito estranho, não acha? Qual sua opinião a respeito dela?
Lala hesitou antes de responder, com a voz surpresa:
- Eu... eu não consigo sentir a energia de alguma fada de uma distância tão longa...
- Fraca - zombou Ophelia com escárnio - não consegue isso? Venha, eu te ensinarei a enxergar mais longe (:
Lala e Ophelia se sentaram no chão, uma de frente para outra, se olhando nos olhos.
- A energia de uma fada é a medida do seu poder - começou Ophelia séria - se fechar os olhos, até mesmo você pode perceber a energia das fadas que moram em Cherllaux, uma vila pequena que fica perto daqui. Você foi treinada para a guerra, não foi?
Lala respondeu com um "sim", sem hesitar ou abrir os olhos.
- Então você aprendeu como localizar, identificar e medir a energia de uma fada. Melhor, me poupa o trabalho de ensinar. Tente sentir a minha energia.
Ophelia encostou a sua palma da mão levemente na ombro direito de Lala, se deixando emitir um pouco mais de energia. Quando se fecha os olhos, fica tudo escuro, como se você estivesse se mergulhando nas trevas. Mas no meio das trevas, Lala podia visualizar alguma coisa que seria Ophelia com certeza. E em volta do seu corpo, alguma energia. Não podia definir a cor, talvez lilás? rosa? verde? azul? não importava. Só podia sentir a energia, fraca, correndo por volta de Ophelia. Parecia uma aura.
- Como você me avaliaria? - indagou Ophelia, sua voz parecendo distante - sem abrir os olhos.
Lala cerrou os olhos, tentando avaliar. Nunca foi boa nisso, mas conseguiu algo muito distante da realidade:
- Eu diria que você é fraca.
Não havia aberto os olhos, mas sabia que Ophelia sorria.
- Qualquer um diria isso - disse depois de suspirar por um longo instante - mas eu suprimo a minha energia, assim os outros não me percebem e as fadas mais atentas acham que sou uma fada insignificante. É uma habilidade extraordinária e pouquissimas fadas conseguem desenvolvê-la. Tente perceber a própria energia. Ignore as outras... perceba somente a sua. Consegue?
Lala respirou fundo, ignorando a energia de Ophelia. Podia sentir as árvores ao redor, como se fossem sombras. Podia sentir a grama, as flores, o céu, a fogueira quente. Podia saber perfeitamente qual era o atalho perfeitamente para Cherllaux, somente sentindo os cheiros, as sensações. Tentou isolar tudo isso, ignorar aquilo tudo. Concentrar em si mesma. Esquecer de tudo e de todos e só lembrar de si mesma.
Pode sentir o poder correndo pelas suas veias. Era mínimo, pequeno, mísero. Mas isso não importava... podia sentir o próprio poder e saber seus limites. Talvez seja por isso que nunca se via as grandes fadas esgotarem seus limites. Talvez.
Abriu os olhos.
- Para identificar e medir alguém, esqueça-se de tudo. Se ficar tentando prestar atenção em todos ao mesmo todo, não conseguirá medir a energia de ninguém - dizia Ophelia - esqueça-se de tudo, mesmo que esteja em uma guerra. Não se esqueça disso.
Lala acenou com a cabeça, se sentindo cansada. Sim, de repente, toda aquela história de "medir energia" lhe dera uma tremenda dor de cabeça. Deitou-se na terra, fechando os olhos. Provavelmente depois de algum treino, todo aquele cansaço e aquela dor de cabeça sumiriam ou ela se acostumariam...
Provavelmente.



E no próximo capítulo...

- Você vai simplesmente invadir o castelo das fadas e destruir tudo para depois reconstruir?
Ophelia parou, hesitante. Dava para ver que ela morria de vontade de fazer isso, mas respirou fundo e somente disse pacientemente:
- O que sabe sobre os demônios, Lala?
- Err.... eles aindam existem? - Lala estranhou - não foram todos mortos?
- E as fábulas ainda existem - suspirou Ophelia impaciente - vou lhe contar uma verdade e nunca, jamais se esqueça disso: os demônios nunca foram mortos.

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