segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Parte 61 - Já parou de se perturbar?

Siih olhava o reino de Heppaceneoh com um misto de ansiedade e nervosismo. Pensava no que aconteceria quando o Rei fosse punido, coisa que aconteceria, com toda a certeza. Suspirou.
Tenho que fazer algo, pensou. Senão Heppaceneoh deixará de existir, e os nortistas não iriam se contentar com um pequeno reino. As Campinas possuiam atrativos, pois tinham uma bela faixa repletas de bonitas e preciosas árvores, que nunca deixavam de dar frutos, além de todos os encantos mágicos que permitem a neve mais fofa no inverno e o sol mais generoso no verão. Houve muitas tentativas de invasão, mas não houve nenhuma bem-sucedida. O máximo foi quando alguns povos antigos invadiram até a floresta e tomaram tudo, mas logo morreram de alguma maldição misteriosa.
- Puuf! - resmungou Siih - o que posso fazer por aquele reino? E se eles tomarem as Campinas? Significa que as fadas também estão sendo ameaçadas!
Sacudiu a cabeça, tentando uma idéia tola qualquer.
- Eu poderia amaldiçoar o castelo! - disse - ah, tolice! E o que farei depois?
Andou mais alguns passos.
Droga.
Um, dois, o que posso fazer? Três, quatro, e se eu mandar as fadas para lá?

Oh sim, eu posso!

- Droga. Para que serve os poderes se não sei usar-los? - perguntou-se.

Para que o mundo rodar em volta de ti
Se você não quer assim?


- Posso amaldiçoar o castelo... - pensa Siih ansiosa - mas uma boa maldição, que dure um dia ou dois...
Siih olha para o espelho.

Sei que tudo é reflexo seu
Sei que tudo é maldição sua
Sei que tudo é seu, seu, seu...


O espelho a encara de volta, inquietante.
Refletiu seu rosto ansioso, seus cabelos desalinhados, seu longo vestido preto e simples, com bordados brancos em forma de flores que se entrelaçavam suaves. Siih mordeu o lábio inferior.

Sei que a morte não é tão bem-vinda assim...
Sei que a morte foi bem má com você...
Sei que você chora todas as noites...
Se perguntando o porquê

De tanto azar...


- Eu podia simplesmente expulsar todos eles com a força do pensamento - refletiu Siih.
Só que lembrou de algumas frases em um livro que lera antes de dormir: "quando um poder é utilizado de forma intensa, prejudica o autor do feitiço por inteiro..."

A morte veio e te assombrou
E o destino vem assombrar
De novo
A morte veio, e te perturbou

E você se perturba todo dia


- Com coisas pequenas, Siih - pensa.
Andou até a descomunal parede, onde um quadro pintado por seu pai imperava soberano. Usando um pouco de força, levantou o quadro, que revelou um círculo na branca parede.
- Furinkitte... - sussurrou.
O círculo aumentou de tamanho, compreendendo todo o corpo de Siih e desapareceu, deixando no lugar um buraco na parede.
Logo se revelou um imenso corredor, que dava para uma sala enorme, toda azul. O chão, frio, era de mármore e no meio um lago, cuja água parecia espelho. Em volta, pedras azuis e redondas decoravam serenes.
A iluminação era algo fantástico, dando um ar bastante místico para a sala. Siih a chamava de "Sala de Repouso", onde fazia suas reflexões mais importantes. Foi um presente de aniversário secreto, dado pelo pai, quando Siih tinha apenas quatro anos de idade e vivia embirrada, com ciúmes de Lefi, apenas um bebê na época. Na época, seu pai lhe dizera que apesar de a mãe dar todos os cuidados para o bebê, ainda a amavam demais e que ela seria a Rainha. E como toda grande rainha, devia ter uma sala secreta onde pudesse se refugiar dos problemas.
- Papai... - sussurrou Siih.
Tirou a roupa calmamente. A sala era repleta de espelhos, e francamente, não aguentava mais se ver de preto. Entrou na lagoa.

Oh sim, e você se perturba todo dia
Se recolhe em seu quarto e chora por dentro
E pensa e fala e grita e chora
E pensa e fala e grita e chora


Siih mergulhou no pequeno lago, cujo chão era inclinado. Portanto havia a parte rasa, onde Siih podia se sentar e a água batia na altura dos ombros, e a parte funda onde Siih ficava submersa mesmo se ficasse em pé.
Chegou na parte funda, boiando. Siih sempre soubera nadar, e conseguia ficar até quinze minutos respirando debaixo d'água direto.
Esse lugar é mágico, pensou Siih, poderia realizar minhas mágicas aqui... depois abdicarei dos meus poderes.
Subiu até a borda, observando as pedras azuis e redondas.
- É isso! - exclamou para si.

E quando chora, você não pensa.
Mas quando pensa, já não chora.
Arranjou a solução?
E ela será a minha maldição?


- Lembro perfeitamente do que papai dizia - riu Siih - a água realmente faz refrescar as idéias!
Nadou mais um pouco, sorrindo.
- As pedras possuem propriedades mágicas - disse Siih.
Como em flashes de memória, relembrou uma cena de sua infância:

- Siih - disse seu pai - são vinte e cinco pedras ao todo. Todas azuis, mas de tons diferentes. Percebe?
- Sim, papai! - disse uma Siih feliz, admirando boquiaberta todo o lago. Seu pai sorriu e continuou:
- Todas elas têm algo de mágico - disse o pai, calmo - quando você for a Rainha disto tudo, vai pecisar dessas pedras.
- Mas, papai! - exclamou Siih sacudindo os braços - eu só quero um lugar pra eu nadá!
- Eu sei, querida - riu o pai - mas no futuro, terá algo mais do que somente um lago pra se nadar. Veja, bem, minha querida... são vinte e quatro pedras. Não se esqueça do que vou falar, está bem? Sempre, sempre lembre disso, pois pode salvar você, seu reino ou as pessoas ao seu redor.
- Estou ouvindo, sim, papai! - riu Siih - e vou lembrá sempre, sim!
- Das vinte e cinco, oito são feitas para atacar - continuou o pai, já sério - oito feitas para se defender e mais oito para te ajudarem nos seus feitiços.
- Como assim? - Siih indagou, curiosa.
- Quando você precisar atacar algo, as oito pedras mais escuras, com o tom semelhante ao céu durante a noite, lhe ajudarão - respondeu o pai - elas aumentarão os seus poderes. Quando estiverem te atacando e você não souber o que fazer, utilize as oito pedras que ficam lado a lado com as pedras de ataque. Seu tom de azul é turquesa, como o céu quando anoitece. E tem as oito pedras para absorver. Elas são claras como o céu durante um belo dia, e foram feitas para te ajudarem a não se desgastar muito quando realizar algum ataque.
- São vinte e cinco pedras, papai - observou Siih inocente - esqueceu daquela grandona. Que engraçado... ela não é azul!
- Sim, ela é a Pedra Branca - disse o pai - é a pedra que você deve priorizar. Mas só saberá sua utilidade quando puder... quando estiver preparada.


- Agora estou preparada, não é, papai? - sussurrou Siih. Estava diante da Pedra Branca, que era a maior de todas. Redonda, límpida, e com várias cores. Por que é chamada de Pedra Branca?, perguntou-se, Tem todas as cores!
Siih observou a pedra atentamente.

Vai, vai, vai, que o mundo precisa de você
Vai, vai, vai, que você precisa selar a maldição
Vai, que já se perturbou o suficiente
Vai, que já pensou o bastante


Siih riu. A solução lhe parecia clara como água.
Tudo o que pensara antes e descartara, com medo de que o corpo não aguentasse, estava valendo agora. Aquelas pedras que seu pai lhe dera iriam ajudar-la demais, e realizar tudo o que sonhara ultimamente.
As pedras aguentariam o que ela mesma poderia não aguentar.

Oh sim, e quem disse que você sabe?
Oh sim, se acha melhor que todos!
Oh sim, e quem disse que você é melhor?

O mundo precisa de você
Mas você não precisa dele
São mil destinos que se entrelaçavam
Mas você não tem nada com isso, tem?

Já escolheu o que fazer
Não importa o que queremos
Já escolheu o melhor, tenho certeza
Já parou de se perturbar?

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