Siih saiu do lago, e secou-se rapidamente com as toalhas brancas e felpudas que estavam diante do lago. Sabia perfeitamente o que tinha que fazer... estava tão óbvio, tão na cara, que se julgou burra, pois a idéia lhe passou pela cabeça, mas a descartara.
Saiu da 'Sala do Repouso', e foi para o seu quarto normal, onde escolheu um bonito vestido azul-marinho. Era bastante simples, vazio de bordados. Mas tinha um tecido sedoso, e era extremamente confortável e belo.
Penteou os cabelos cuidadosamente, deixando-os soltos.
Olhou-se no espelho.
Sorriu.
Tocou o sininho, e logo veio a Vê correndo.
- Deseja algo, Vossa Majestade? - indagou.
- Eu quero uma maquete do Reino de Heppaceneoh - disse Siih - para agora!
- Uma o quê? - indagou Vê surpresa.
- Uma maquete do Reino de Heppaceneoh! - respondeu Siih calma - pegue a do Museu Leste. E eu quero agora, está me entendendo?
- Mas... - gaguejou Vê - eu não posso roubar um artigo no mu...
- Não quero saber! - sussurrou Siih - pode roubar, dou permissão para tal coisa. Mas eu exijo a maquete.
Vê tremia descontrolada.
- Está bem, Vossa Majestade - disse Vê vencida e saiu, exasperada, do quarto.
Você não precisava ser tão dura com ela, disse uma voz na cabeça de Siih, ela é só uma garota. Aliás, quase da mesma idade que a sua.
Siih suspirou impaciente, olhando para a tarde que se arrastava.
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- Raveneh! - chamou Rafitcha - que tal morangos?
- Ahh!! - exclamou Raveneh - que bom!
Havia um grande grupo de garotas na cozinha do navio, que riam, divertidas e alegres.
- Eu preciso treinar minha mira - suspirou Fer.
- Digo o mesmo - concordou Kibii.
- Ah, tem árvores por toda a volta - observou Rafitcha - Doceh, você gostaria de morangos?
- Oh, sim, obrigada! - respondeu Doceh - eu preciso aumentar meu estoque de chocolates venenosos. Só sobram uns quatro que mal matam uma pessoa.
- Vocês são muito estranhas - comentou Raveneh, distraída.
- Ora, ora! - riu Tatiih - por que diz isso, Raveneh?
Raveneh respirou fundo e respondeu:
- Vocês falam de "matar" como se fosse algo tão... - suspirou - ...natural!
- Morte é uma coisa natural - disse Fer - e nós sempre temos uns invasores que bem merecem uma ida para o outro lado.
- Isso aí! - riu Kibii - mas fique tranquila, minha doce Raveneh! Nós não matamos cruelmente e sem necessidade.
- Sim... - suspirou Raveneh com um sorriso.
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- Eis a maquete! - disse uma Vê completamente ofegante.
- Obrigada, Vê - agradeceu Siih - já não era tempo.
Vê saiu da sala rapidamente, enquanto Siih penetrava na Sala do Repouso com a maquete nas mãos.
Era uma maquete absolutamente perfeita, Siih reparou. O castelo, os bonequinhos, as casas enfileiradas como o Rei gostava.
A maquete era perfeita para o seu plano.
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- Hey! - chamou Johnny - Raven, cadê Raveneh?
- Eu a vi por andando por lá junto com Rafitcha - respondeu Raven enquanto selecionava alguns peixes para o jantar.
- Obrigado, Raven! - agradeceu Johnny.
- Não tem de quê! - sorriu Ravenh.
Johnny disparou pelo corredor. As palavras de Gika ainda ecoavam na sua cabeça.
Raveneh tivera pesadelos, e agora Johnny sabia os motivos deles. Diabos, pensou, não me admira que tenha tantos pesadelos tendo uma moça maluca dentro de si que mata a mãe e deixa a irmã morrer sem ajuda!
"Diga que ela tem uma dupla personalidade e que manifestou muitas vezes." Johnny se lembrou das palavras de Gika "Mas não diga nada sobre o que a outra fez. Nada."
Escutou as vozes de Rafitcha e Raveneh.
- Achei! - exclamou.
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Siih sorriu. Deixara a passagem aberta, em caso de perigo.
- Agora... - disse Siih para a maquete - torne-se viva!
- Sim! - disse uma voz ruidosa, que ecoou por todo o aposento.
A maquete dobrou, então, de tamanho, e imediatamente os bonequinhos ganharam vida, outros bonequinhos surgiram com a feição dos nortistas e a maquete assumiu o aspecto atual do reino: queimado, destruído, arrasado.
- Que os nortistas apareçam luminosos, sem exceção - disse Siih em um tom baixo - que sua luz seja avermelhada.
Imediatamente metade dos bonequinhos se iluminaram vermelhos.
- Que os nativos do Reino de Heppaceneoh se iluminem azulados.
A outra metade dos bonequinhos assumiram uma tonalidade azul.
- Agora... - murmurou SIih - que tudo o que eu faça com esses bonecos... aconteça na vida real, em Heppaceneoh.
E riu.
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- Raveneh? - indagou Johnny.
- Estou aqui - respondeu Raveneh.
- Hey, quer morangos? - ofereceu Rafitcha ao mesmo tempo que Raveneh respondia.
- Err... - disse Johnny - quero uns três. Raveneh, preciso falar com você. Agora.
- Ok... - disse Raveneh intrigada.
Rafitcha pegou um pote e colocou oito morangos dentro, dando-o para Johnny.
- Obrigada, irmã. - agradeceu Johnny.
- De nada!
Johnny e Raveneh saíram da cozinha, ele um tanto apressado e ansioso, ela confusa, mas tranquila.
- O que será que ele queria com ela? - perguntou Fer.
- Não sei - disse Kibii - mas dissem que ela está fazendo terapia.
- Terapia? - surpreendeu-se Umrae - mas porquê?
- Traumas que adquiriu no castelo - disse Tatiih - é a resposta mais óbvia, não?
- É, pode ser - concordou Kibii - se eu passasse pelo que Raveneh passou, eu ia fazer terapia também!
- Concordo! - comentou Fer - mas Raveneh está tão doce, tão calma! Não dá pra pensar que ela estaria fazendo terapia!
- É... - disse Umrae - mas sempre acho que os bonzinhos demais são os mais perigosos...
- O que está insinuando, Umrae? - indagou Doceh - que Raveneh é uma, sei lá, assassina a sangue frio?
- Não... - respondeu Umrae - somente acho suspeito as ações de Raveneh. Não importa, a doçura dela não me convence de que não há algo mais.
- Hmmm... - disse Fer - mas isso é pra todos, não? Enfim, eu voto que Raveneh não faz mal a ninguém. Certo, garotas?
- Certo! - as garotas bradiram em resposta.
- Weee!! Tem mais morangos ou você deu tudo para Johnny, Rafitcha? - perguntou Tatiih sorridente.
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Todo o castelo começou a tremer.
A água do pequeno lago de Siih começou a borbulhar, e os pertences começaram a cair dentro dos domínios reais.
No corredor, Vê caiu no primeiro tremor, ao que foi socorrida por Gika.
- Vê! - Gika exclamou - o que houve?
- Estamos tendo terremoto! - disse Vê se levantando.
- Não seja boba! - Gika disse - nós moramos nas nuvens, não existem terremotos!
- Ah tá! - zombou Vê - então é um vulcão que explodiu?
- Não...! - disse Gika - é... mágico. Não é natural!
- Legal! - ironizou Vê - realmente o chão não se racha, só treme. Mas é desconfortável!
- É... - Gika disse pensativa, e quase caiu se não tivesse se segurado em uma estante.
- Hey, vocês duas! - gritou Lefi, que vinha pelo corredor - vocês viram a Siih?
- Siih? - indagou Gika - wow..
- É o nome íntimo da Vossa Majestade - disse Vê - e-ela - segurou-se em uma estante - ela está no quarto.
- Fazendo o quê? - indagou Lefi que não se segurava em nada, e também não caía.
- E-ela estava estranha - gaguejou Vê - pediu uma maquete de Heppaceneoh, aí eu saí... E-ela estava tão estranha.
- Como assim estranha? - Gika perguntou, intrigada.
- Ah, não sei explicar! - disse Vê - o olhar dela estava estranho, não sei! Só sei dizer que a Vossa Majestade estava muito esquisita!
- Siih! - exclamou Lefi - que diabos está fazendo?
Entrou pelo quarto correndo, tão rápido que trombou em Vê e a coitada caiu no chão de novo.
Mais um tremor.
Lefi viu a pintura revirada e a porta aberta.
- A Sala do Repouso? - indagou para si - mas há tempos que Siih não a usa! Meu Deus, só pode ser algo ruim...
Mal entrou, deparou-se com uma cena, no mínimo, estranha.
Siih estava diante do lago, com a maquete viva do Reino de Heppaceneoh, e sorria de um modo bastante sinistro.
- Olá, Lefi - disse Siih - pretende assistir o começo da Era das Fadas?
- Eu... - Lefi começou a dizer, mas logo calou-se. Que diabos era aquela maquete, e que diabos Siih falava de "Era das Fadas"? - do que está falando?
- Estive pensando... - disse Siih - Arthur demorará mais uns sete anos até poder governar Heppaceneoh. Durante esses anos, quem governará aquele reino?
- Permaneceria como território das fadas - disse Lefi - mas o que quer dizer com isso, Siih? E... Veronica G. tinha razão... você está tão estranha! - concluiu aterrorizado.
Siih sorriu, debaixo dos cabelos desalinhados. Não se podia ver seu olhar, pos estava escuro, mas Lefi podia ver uma luminosidade branca e forte que vinha dos olhos, como se fossem faróis.
- Correto, meu caro irmão - disse Siih. A voz dela também estava diferente: mais rouca, mais sensual.
- Pare com isso... - disse Lefi - o que está fazendo?
Correu até o lago, e já ia mergulhar, quando foi empurrado por mãos invisíveis e jogado no outro extremo da sala, longe de Siih.
- Veja. Não interfira - disse Siih pondo as mãos sobre a maquete, que iluminava.
- O que vai fazer? - indagou Lefi, machucado com o empurrão - você que me afastou, S-Siih...?
- Não posso deixar que me atrapalhem, meu querido irmão - disse Siih indiferente - sinto muito... Mas não permitirei que ninguém se aproxime até terminar o que devo fazer. Não se preocupe... não matarei inocentes.
- M-Meu Deus!... - gaguejou Lefi - o poder subiu a cabeça... PARE! - e tentou correr ao encontro da irmã mais uma vez, mas logo se deparou com uma barreira invisível, que não lhe permitia ir adiante.
Siih olhou para Lefi, e disse, com um sincero sorriso:
- Vejamos... os que carregam mortes nas costas... iluminem desde Heppaceneoh até as Campinas!
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