segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Parte 66 - Trauma.

Os dias se passaram lentamente. De domingo até terça-feira, de noite.
Todas as noites, Raveneh sofria com os pesadelos. E durante todas as noites, Raveneh acordava inesperadamente e abraçava ao Johnny, revivendo memórias de sua triste infância.
Todas as noites, Renegada riscava a parede silenciosa. Não conversava com Ruronna, tinha muita pouca vontade. Só fazia reviver suas lembranças.
E durante todas as noites, Siih sorria festejando a saída dos nortistas. Acabara-se um inferno em sua vida. Agora só faltava o julgamento do Rei e de Renegada, e anexar Heppaceneoh como território das fadas.
Chegou a véspera.
Terça-feira. O sol descia lentamente, o céu se tingindo de laranja e rosa.
Raveneh estava parada na janela, pensativa.
- Raveneh. - chamou Johnny.
- Johnny! - exclamou Raveneh.
- Por que está tão pensativa? - indagou Johnny também admirando o crespúculo ao lado de Raveneh.
- O julgamento de Renegada - disse Raveneh - estou preocupada com ela.
Johnny sorriu.
- Sim. Você é uma das melhores amigas dela. Mas ela sairá inocente, tenho certeza.
- E poderá tomar Arthur para criar - sorriu Raveneh - já imaginou? Aquele menino tão mimado, não sai do quarto pra nada!
Os dois riram, mas logo ficaram sérios novamente. Raveneh respirou fundo.
- Johnny... o que estava dizendo a respeito de duplas personalidades? - perguntou - eu não entendi muito bem.
O estômago de Johnny deu cambalhotas desconfortáveis, para logo depois afundar triste.
- É o que você tem - disse - Gika que diagnosticou. Você, de vez em quando, fica totalmente estranha. Age diferente, fala diferente. Não é você mesma. Gika disse que era outra personalidade e esta personalidade guarda a maior parte das suas lembranças. Raveneh, você se lembra de algo na infância?
- Estúpida! Tola! Idiota! Não vê que sua irmã vai comer?
- Muito pouco - respondeu Raveneh.
- Você se lembra de fatos felizes? - Johnny perguntou.
- Eu sou melhor que você! Eu sou mais bonita, sou mais simpática, tenho mais gente que gosta de mim do que de você! Otária, pensa que é gente...
- Eu sou boa! Sim, eu sou boa menina! - gritou Raveneh chorando.
- Idiota. - deu um tapa sonoro na bochecha esquerda da irmã - idiota... sua bastarda, você pensa que é quem? Saia do meu caminho.

- Não muito. - disse a menina com tristeza. Olhando para o céu que ficava mais escuro a medida que os minutos se arrastavam, disse: - eu sou bastarda. Por isso nunca fui tratada com consideração naquela casa.
- B-bastarda? - gaguejou Johnny.
- Anos atrás, meus pais já eram casados e já tinham os oito filhos. - suspirou - eram humanos absolutamente normais. Minha mãe sempre foi o tipo de pessoa dominadora, fanática, possessiva. Ela era louca. Já meu pai não, mas ele se irritava facilmente. De modo que era briga direto. Um dia, meu pai cansou daquilo tudo e foi embora. Conheceu uma fada, e a namorou. Ela engravidou. Porém, ela era meio frágil e morreu durante o parto. Ela que é a minha mãe biológica. Meu pai, perdido, acabou me levando de volta pra casa. Minha mãe só faltou matar.
- Quer dizer que você não é filha de sangue da sua "mãe"? - indagou Johnny pasmo.
- Sim. - disse Raveneh com tristeza - eu tenho esse sangue de fada por causa da minha mãe biológica. Meu pai dizia que ela era muito bonita, e que amava muito a mim. Fazia vários planos quando estava grávida, e disse que eu era extremamente parecida com ela. Acho que mamãe tem ódio de mim por causa disso. Ela acha que sou muito parecida com a filha de verdade dela, a Catherine.
- E por que você a chama de "mamãe"? - Johnny estava surpreso. Nunca imaginaria que Raveneh era adotada.
Raveneh mordeu o lábio inferior.
- Eu sou a sua mãe. Está me ouvindo? Eu sou a sua mãe, não aquela fada vagabunda com quem seu pai foi pra cama na primeira noite!
- Mas mães são boas! Você é boa com Catherine! A senhora Monty é boa com Selene! Você é má! Você não é minha mãe!
- Ouça-me. Eu SOU a sua mãe. E se você não me chamar disso durante toda a vida, eu volto e bato em você, está me entendendo? Bato mesmo, e vou te deixar toda machucada!
Raveneh chorou. Ela só tinha seis anos na época.

- Não consigo chamar-la de outra forma - disse Raveneh - e-eu não consigo.
Johnny observou os olhos de Raveneh se molharem suavemente.
Ele queria que as pessoas cruéis nunca tivessem filhos. Como seria se Raveneh não tivesse uma mãe e uma irmã a atormentarem? Tantos traumas que poderiam ser evitados, se simplesmente tivessem ensinado o que era o amor.
Não se admira que Raveneh tivesse que criar um escudo, nem que fosse uma personalidade cópia da irmã. Raveneh odiava a irmã, mas queria a todo custo ser amada pela mãe... Não é pra tanto que criou Catherine...
Raveneh chorou.

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- Amanhã! - murmurou Siih - e já estou de pé!
Lefi sorriu.
- Como ver os nortistas longe de Heppaceneoh me faz bem! - riu Siih.
- E como fez para ajudar os habitantes de lá? - indagou Lefi.
- Mandei voluntários para ajudar-los... - disse Siih - eles estão se estruturando novamente.
- Que bom.
A noite estava confortável.

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