Terminada a Assembléia, Siih se retirou para o seu quarto.
- Vê, por favor, faça aquele chá seu para mim? - pediu.
- Sim, Vossa Majestade! - respondeu Vê sorrindo.
- Gika, por favor, a acompanhe :) - disse Siih - eu pretendo ficar sozinha.
- Sim, Vossa Majestade - concordou Gika curvando-se diante de Siih.
- Vamos, Gika - disse Vê.
Gika sorriu, e as duas saíram do aposento, enquanto Siih se recolhia pensativa.
De novo a sensação de fracasso, a sensação de algo estava em cima dela... a sensação infalível: "você é uma fracassada cheia de poder. Como pode uma coisa dessas?"
- Olá. Você está bastante pensativa, irmã - disse Lefi.
- Lefi! Eu dei ordens para não entrar ninguém - disse Siih - como conseguiu barrar as fadas?
- Eu tenho meus truques para burlar suas regras, Siih - riu Lefi - ou você acha que é a única que consegue atravessar as fadas sem elas perceberem?
- Tolo! - riu Siih.
- Bem, já pensou em como vai expulsar os nortistas? - indagou Lefi - eles já estão quase nos portões das Campinas... e como você diz, os nortistas são cruéis demais para o povo das Campinas.
- Sim... - disse Siih tristemente - eu não sei o que fazer. Os nortistas são cruéis demais. Eu podia manipular as mentes deles, não?
- Pode... - concordou Lefi - mas não deve. Eu estive estudando esses dias, e bastante a respeito das magias.
- E...?
- É bem longo. - disse Lefi - eu estudei bastante, sabe. E descobri bastante coisas inteiras.
- Como...?
Lefi começou a sussurrar, quase em um cântico:
- Há muitos anos atrás, quando as primeiras fadas começaram a criar uma vida... - seu tom era baixo, misterioso - uma vida em sociedade... Sempre tinha aquela mais poderosa...
Há muitos anos, quando o tempo era remoto
As fadas se uniram para viver juntas
Mas sempre uma mais poderosa se sobressaía
E esta passava sempre a governar
Foi assim por muitos anos
E é assim até hoje
De vez em quando, nasce alguém
Cujo poder é incontestável
Cujo poder esmaga
Cujo poder é perigoso
E de tal virtude surprema...
Houve um silêncio.
- Uau. Então eu sou uma dessas fadas com um poder que esmaga? - perguntou Siih.
- Mais ou menos - disse Lefi - você é o que pode se chamar de "fada alta" - ao olhar intrigado de Siih, respondeu - fadas altas é um termo utilizado entre magos, quando nasce uma fada com grandes poderes como os seus. Normalmente nascem de famílias que são conhecidas pela magia, e os poderes se manifestam desde os dois, três anos. É um caso bastante raro, e o Mago Compy estudou sobre as "fadas altas". Foi o maior estudo sobre esse tipo de fada já conhecido. Ele calcula que em dez anos, somente três "fadas altas" aparecem, em média. Elas vivem manifestando seus poderes, e é bastante provável que só se dêem conta dos seus poderes quando está na adolescência. Antes de morrer no ano passado, ele diz que nessa década não existe nenhuma "fada alta" que ele conheça.
- Mas e eu? - disse Siih.
- Ele não sabia que você era uma das "fadas altas" - observou Lefi - diz ele que as 'fadas altas' tem grandes poderes de manipulação, conseguem lançar maldições ou proteções em larga escala, envolvendo um país inteiro, por exemplo. Também são capazes de forçar os espirítos naturais a obedecer-la.
Siih emitiu um murmúrio de assombro.
- E por que não tem ninguém que ele conheça? - indagou Siih.
- Ele diz também que as fadas altas tem baixa expectativa de vida - diz Lefi - Mago Compy disse que os poderes são tão devastadores que um corpo frágil de menina pode não conseguir aguentar. E para realizar as magias, utiliza-se muito esforço físico, e se desgasta demais. Diz ele que das 'fadas altas' já conhecidas, a que viveu mais tempo morreu aos 28 anos de idade.
- Quê? Hey, eu não quero morrer jovem! - exclamou Siih pasma - prefiro... prefiro ser uma fada 'baixa' ou...
- Você pode abdicar dos seus poderes - disse Lefi - os poderes, originalmente, pertencem aos espirítos da natureza. De vez em quando, eles cedem os poderes deles para uma fada... Mas se a fada preferir assim, os espirítos aceitarão os poderes de volta. Você podia fazer isso, Siih.
- Primeiro vou expulsar os nortistas - disse Siih convicta - depois abdicarei dos meus poderes. Prefiro ser uma Rainha velha e sem poderes do que uma morta, jovem e com poderes u_u"
- Compreende-se - Lefi sorriu - já sabe o que fará contra os nortistas?
- Sei... - disse Siih - por favor, dá para me informar de tudo que as 'fadas altas' poderiam fazer?
Lefi sorriu.
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Johnny estava no Reino das Fadas, mais especificamente na Rua Fuji onde se compra deliciosos morangos com chocolates.
- Eu gostaria de uma cesta com esses, por favor - pediu Johnny para o vendedor.
- Sim! - disse o vendedor - aguarde um momento, por favor.
- Está bem.
Johnny olhou para o céu, pensativo. O que a Gika queria com ele, a aquela hora? Era pôr-d0-sol, a Rainha devia estar descansando naturalmente... devia ser hora de folga da Gika. Será algo relativo a consulta de Raveneh? Uma informação?
- Seu pacote, senhor - disse o vendedor.
- Obrigado! - exclamou Johnny. Deu algumas moedas de ouro e disse - o pagamento.
Saiu pela rua imerso em pensamentos, e não demorou muito até chegar ao Sobrado do Sol, onde morava a Gika. Ficava ao lado do Palácio, com apenas uma rua separando as duas casas. Tocou a campainha.
- Johnny...? - Vê atendeu a porta - Gika disse que você viria no nosso momento de folga!
- O-obrigado... - Johnny deu um riso constrangido.
- Vê! - Gika exclamou - obrigada por atender-lo!
- Sim! - disse Vê - tenho que arrumar o quarto, poderão ficar bem na sala.
- Obrigada! - disse Gika.
Vê subiu as escadas, enquanto Johnny e Gika se dirigiam a sala. Johnny reparou que Gika não estava trajada habitualment, com toda a formalidade que seu trabalho exigia. Gika amarrara seus cabelos em um charmoso coque, e usava um bonito vestido branco com detalhes em azul. E estava descalça.
- Sente-se - pediu Gika - gostaria de um chá?
- Oh, sim - respondeu Johnny - bem, o que queria falar?
- É sobre Raveneh.
Bem que pensei!, disse Johnny para si.
- Sim, foi o que você pensou - disse Gika séria.
Ela pode ler os pensamentos alheios??, chocou-se Johnny.
- Nem sempre, Johnny - disse Gika - leite ou açúcar?
Nem sempre, é? Ok, então, prefiro leite u_u, disse mentalmente.
- Eu odeio ler pensamentos alheios, Johnny - disse Gika - mas já que prefere leite...
Gika acrescentou leite ao chá, e serviu a xícara juntamente com um prato repleto de biscoitos aparentemente deliciosos.
- É sobre a consulta de ontem - disse Gika por fim - quem apareceu foi a Catherine. E ela me contou muitas coisas.
- Sobre...? - indagou Johnny bebendo o chá.
- A morte da irmã, do pai e da mãe. Foram três mortes traumáticas, decisivos episódios para a vida de Raveneh - contou Gika - curiosamente Raveneh não lembra direito de nenhuma delas... somente em pesadelos.
- Mas... como foram essas mortes? - indagou Johnny, temendo a resposta.
- A irmã morreu quando tentava realizar um aborto, e Raveneh a viu morrer e não ajudou - contou Gika - o pai foi morto pela Dark Milk, a guarda militar do regime. E a mãe morreu, pois Raveneh extrapolou na dose do remédio que tinha que dar...
Johnny ficava cada vez mais surpreso, e seu cérebro começava a dar nós. Raveneh é uma assassina?, pensava, deixou a irmã morrer, aumentou a dose do remédio da mãe... ela matou a própria mãe?
- R-Raveneh viu a irmã morrer? Um aborto? - gaguejava Johnny.
- Sim - disse Gika em um tom triste - mas quem fez isso foi a Catherine. Por isso Raveneh não se lembra nem de como Catherine, a irmã, morreu nem como a mãe morreu. Mas se lembra um pouco do pai, pois não ela quem causou... E... eu tenho medo. A Catherine tem valores morais deturpados, Johnny. Tenho medo que ela faça mal aos outros...
- Mas... - Johnny não conseguia formular uma frase decente.
- Catherine me disse - Gika interrompeu - que só quer o bem de Raveneh. Por isso ninguém que faça bem a Raveneh será prejudicado... a irmã maltratou a Raveneh, Catherine assumiu a defesa e quando percebeu que a irmã estava prestes a morrer, somente a observou. Quando a mãe estava fraca e doente, Catherine tomou posse e vingou todas as humilhações que a Raveneh tivera por causa da mãe. Quando os nortistas machucaram Raveneh, pela primeira vez em muito tempo, Catherine surgiu e conseguiu sair dali. Ela é o escudo de Raveneh - Gika hesitou antes de continuar - e sabe, eu... Catherine não é uma pessoa má, mesmo com seus valores morais deturpados. Ela sabe o que é certo e o que é correto, mas por ela não ser uma pessoa de verdade, ser somente metade de uma menina, ela pensa que as leis não se aplicam a ela. Sabe que as pessoas iriam se chocar caso soubessem que ela provocou a morte da própria mãe... mas ela não se preocupa com os outros. Preocupa-se somente com Raveneh. Se Raveneh estiver bem, Catherine não vai agir.
- É o que você diz... - disse Johnny pensativo - não tem uma forma de destruir Catherine?
- Catherine não é uma personalidade que prejudica a Raveneh - Gika disse - Catherine é a personalidade cópia da irmã, uma forma de Raveneh se sobressair perante as humilhações da mãe. Era como se Raveneh, quando se sentisse triste ou com raiva, se olhasse no espelho e visse Catherine, a irmã. E a segunda personalidade é também um poderoso escudo... Raveneh aprendeu sobre as coisas básicas: não matar, não roubar, não prejudicar os outros... Mas quando a mãe ou a irmã lhe humilhavam, esta se questionava: 'os valores eram realmente certos?'. Mas quem tinha na cabeça que os valores estavam errados, talvez, era a Catherine. O assassinato da mãe foi uma resposta contra os 16 anos de humilhação. Dá pra entender, Johnny?
Johnny não conseguia falar nada. Estava olhando sua xícara com metade do chá, já frio. Estava chocado. Absurdamente chocado.
- E-e-eu... eu não sei o que pensar - disse Johnny - Catherine, Raveneh, tudo está sendo meio demais para mim... E-eu... - mordeu o lábio inferior - Gika, me diga... não tem uma forma de Catherine não aparecer mais? Sei lá, destruindo, unindo as duas...
- Catherine pode ser destruída, mas eu não acho bom - disse Gika roendo as unhas.
- Por que?
- Porque Raveneh pode continuar com os pesadelos e com a impressão de que faltam pedaços de sua vida - respondeu Gika - podemos unir as duas, mas não sabemos quem prevalecerá: Raveneh ou Catherine. Só existe uma opção...
- Qual? - indagou Johnny ansioso para pôr um ponto final naquela história.
- Raveneh saber que existe a Catherine - disse Gika - e conversar com ela.
- Tipo... ela conversar com ela mesma? - Johnny pensa um pouco - e assim Raveneh e Catherine podem chegar a um consenso. Mas... como iríamos forçar isso?
- Conte para Raveneh - disse Gika - diga que ela tem uma dupla personalidade e que manifestou muitas vezes. Mas não diga nada sobre o que a outra fez. Nada. Somente diga que ela tem outra, diga que se chama Catherine e que as duas precisam chegar em um acordo. Raveneh tem poderes mágicos, e pode forçar um encontro consigo mesma.
- Está bem - disse Johnny - está tarde, preciso ir. Tentarei isso.
- Obrigada, Johnny - Gika disse.
- Hey! - exclamou Johnny - quanto vai ser o julgamento de Renegada?
- Na próxima quarta-feira - respondeu Gika - por quê?
- Acho que Raveneh deseja estar lá - respondeu Johnny com um sorriso triste - ela gosta demais de Renegada, foi sua primeira amiga depois que partiu da antiga casa dela.
- Compreendo. Bem, já está anoitecendo - comentou Gika - e preciso ir para o castelo. Vossa Majestade se utiliza dos meus serviços durante este período.
- Adeus, Gika - despediu-se Johnny.
- Adeus, Johnny.
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