Era manhã, na hora em que as pessoas costumavam se reunir e comer macios pães. No navio da Capitã Biih, as pessoas se reuniram em um dos salões perto da cozinha. E Raveneh tomou coragem e tomou um chá Gümbble de Maçã, uma receita muito antiga utilizada como revigorante e alta probabilidade de viciar (é como um remédio para emagrecer que um comprimido nunca basta o_o') . Conseguiu andar normalmente, e se sentiu animada para realizar algum passeio. Logo, estavam os dois sentados na "varanda" do navio, comendo pães quentes (Nath deixara ela andar livremente pelo navio) e tomando sucos frescos.
E como Johnny previra, ela não lembrava do beijo.
- Como está o menino? - perguntou Raveneh - eu não o vi...
- Sendo estupidamente arrogante e mimado - respondeu Johnny - mas eu quero saber de você! Como está?
- Estou bem! - riu Raveneh - eu pretendo sair daquele quarto de hospital!... O cheiro não lhe dá náuseas?
- Não - respondeu Johnny frio.
- O que houve, Johnny? - indagou Raveneh em um tom meigo - você nem me olha mais nos olhos! O que houve?
- Você costuma ter pesadelos, Raveneh? - devolveu Johnny.
Raveneh ficou em silêncio.
- Você anda tendo desde que eu te achei quase morta, Raveneh - continuou Johnny - eu quero te ajudar, mas...
- Não fala mais nada - disse Raveneh.
Johnny receou que fosse a Catherine, mas felizmente, os receios se mostraram infundados. Raveneh levantou um naco de pão e ofereceu a Johnny. Ele aceitou e comeu, sorrindo tristemente.
- Eu te amo, Johnny - declarou Raveneh com um sorriso - não interessa o que aconteça comigo. Não vão ser os meus fantasmas que nos perturbarão...
Johnny não conseguiu responder a afirmativa tão doce de Raveneh.
- Raveneh - começou Johnny mordendo o lábio inferior - quem era Catherine?
O rosto de Raveneh logo assumiu uma expressão sombria. Engoliu em seco.
- Minha irmã - respondeu friamente - a estúpida, a queridinha da Catherine - a voz ficou ainda mais fria.
- Tem certeza que não quer falar disso comigo? - indagou Johnny - ultimamente você fala muito dela durante a madrugada.
Raveneh ergueu o rosto, intrigada.
- Falo? Meu Deus... - murmurou, com assombro na voz. Evitou olhar para Johnny, preferindo fitar as árvores.
- Você tem muitos pesadelos durante a noite, Raveneh - disse Johnny - e eu não sei mais o que fazer. - Johnny preferiu falar logo tudo de uma vez antes que mudasse de idéia - não quer um médico? No Reino das Fadas tem...
- Não. Eu não estou doente - afirmou Raveneh categórica.
- Mas...
- Nem mas nem menos - disse Raveneh - não vou a um médico.
- Um psiquiatra...
Oooops :0
- PSIQUIATRA??? - Raveneh se chocou - eu não sou louca!
Johnny calou-se, e disse muito baixinho para si: "não, não é. Somente tem dupla personalidade".
Porém a frase, dita em tom de ironia, foi ouvida por Raveneh, que claro, se sentiu ofendida e exigiu explicações.
- Raveneh, por favor, não faça drama... - disse Johnny.
- Não fala nada, Johnny! - gritava Raveneh a plenos pulmões - cale-se! Acha que estou louca? Dispárá! Dispárá! Tüello, tüello, tüello! - gritava em um tom carregado de sotaque - hü? I nõ toü loká! Nõ! Nõ, nõ...! Tüello! - finalizou. Johnny não entendia patavinas do que Raveneh falava, e supôs que fosse o idioma que ela aprendera na terra dela. E pela sua expressão, ser um "tüello" não era exatamente um elogio.
Raveneh continuou falando, gesticulando muito.
- Raveneh... - começou Johnny com uma voz calma.
- Tüello! O que achas? Que soy tüella? Sabe o que quero, Johnny? Que você vá para o hajäab!
- Ra - ve - neh - disse Johnny ainda muito calmo.
Mas Raveneh não parava. Gesticulava, olhava para Johnny de forma agressiva. "Essa não é nem a a Raveneh nem a Catherine... Oh, céus, ela tem uma terceira?"
- Ya ya yaya!!!! Nõ crediballe iin tì! Nõ! Oooh, puedoo, puedo! Nõ loká... Nõ... - insistia Raveneh já aos prantos.
Johnny havia se cansado daquela coisa.
- RAVENEH!! - gritou. A sorte é que estavam sozinhos na varanda, de modo que ninguém os ouviu.
Raveneh se calou rapidamente, olhando Johnny com surpresa e tristeza.
- Raveneh - disse Johnny muito controlado - eu não sou um dos seus irmãos, ou sua mãe ou seu pai. Eu não sou da sua terra. De modo que não sei para onde voce me mandou ou do quê você me xingou.
Ela baixou a cabeça de forma triste e pensativa. Ficaram em silêncio, não podendo articular nenhuma palavra. Johnny queria tomar-la pelos lábios, assim como fizera na madrugada anterior, mas tinha medo que Catherine assumisse o comando do corpo de Raveneh. E Raveneh, esta mal se lembrava do beijo. Para ela, o Johnny perto dela e que a beijasse existia somente em sonhos.
- Tolo, babaca, estúpido - disse Raveneh finalmente, muito séria.
- Quê? - fez Johnny que se distraíra.
- Foi do que eu o chamei. "Tüello" (N/A: se pronuncia: duêlho") significa tolo, no sentido literal.
- E "dispará?"
- Não é "dispará". É dispárá. Fala-se bem rápido. Significa "idiota" literalmente... Mas na minha terra, é uma ofensa muito grave. - Raveneh olhou para o chão, com as bochechas coradas - desculpe-me. E também desculpe por ter mandado você para o hakäab.
- O que significa essa palavra? - indagou Johnny.
- Inferno ou aquilo, dependendo da região - respondeu Raveneh envergonhada - na minha região, significa "inferno".
Johnny riu fracamente.
- Desculpo-lhe, Raveneh - disse - como não a perdoaria?
Johnny, de fato, estava aliviado porque não era uma terceira personalidade se manifestando. Era somente Raveneh na TPM :)
- Eu... - confidenciou Raveneh - acho que estou louca. É triste, mas...
Mordeu o lábio inferior e continuou, arriscando um olhar para Johnny:
- Está bem. Lleje mì in duectorè - sorriu quando Johnny olhou de forma confusa - leve-me ao médico.
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- Ok - disse Lala - iniciaremos outra vez. E hoje pretendo arrancar alguma verdade, seja útil ou não.
Desta vez, Maria não acompanhara o evento. Dissera que tinha que cuidar de assuntos das Campinas. De modo que somente estavam Lala e seus dois "criminosos". Lala mordeu o lábio inferior antes de começar.
- Quero que me digam com toda a sinceridade - disse Lala - como vocês se conheceram.
- Eu realmente preciso dizer? - indagou Renegada, impaciente.
- Sim, senhorita Mycil Renegada - confirmou Lala - precisa dizer toda a verdade. A Rainha a considerou suspeita, portanto a lei não lhe confere o direito do silêncio.
- Isso é um absurdo! - protestou Renegada - tenho posses, posso pagar um advogado!
- Mas aqui não é uma democracia, Mycil! - disse Lala - o Reino das Fadas é uma monarquia, e tal como, a rainha é a chefe suprema! Ela está acima da lei!
- Claro! Está tão acima da lei que pode pisotear-la! - ironizou Renegada - exijo um advogado!
- Duvido que você receberá tal benefício quando descobrirem tudo sobre você, Mycil - riu o Rei.
- Digo o mesmo de você, Majestade de Heppaceneoh! - devolveu Renegada, e impaciente calou-se.
- Bem, precisamos dizer, querida - disse o Rei - não sei quanto a você, mas direi a verdade.
- Vá em frente, meu querido. Faça o que você quiser! - cuspiu a outra.
Lala somente observava a discussão, se divertindo e ao mesmo tempo, odiando. Mas ela ganhava 20 moedas de ouro por horas. Um dia de trabalho era suficiente para viver bem o resto da vida. Afinal, um saco com três pães custava somente uma moeda de bronze. Uma boa casa no bairro Vaìfence, sempre valorizado, custava vinte e duas moedas de ouro... e a média de dinheiro ganho no Reino era de quinze moedas de ouro por semana. Enfim, pra este dinheirama todo, qualquer coisa menos corrupção (que naquele reino era punido com cadeias que te deixam homens confinados durante setente e sete noites e dias sem sair uma única vez).
- Como se conheceram? - repetiu Lala.
- Numa reunião internacional... - respondeu o Rei.
- Na Conferência do Norte - complementou Renegada.
- Sim, ela era do Norte - disse o Rei - e eu daqui, do centro...
- Quer a verdade, querida Lala? - disse Renegada - terá. Mas fique sentada...
O Rei sorriu.
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