quarta-feira, 14 de maio de 2008

Parte 29 - Promessa, Volta à Rotina, Preparativos.

- Tenta andar um pouco - disse Nath - SEM APOIAR NO PÉ TORCIDO!
- Tá bom, tá bom! - resmungou Umrae, se levantando, usando aquela camisola enorme e branca, típica de gente que tá em hospital.
Anda, sem apoiar muito. Nath fica fazendo "humrum" com a cabeça, ou seja, nada a reclamar do modo como Umrae está andando.
- Está bom - Nath disse - já pode voltar aos seus afazeres. Mas nada de pegar peso por uns dois dias, e tente ao máximo evitar acrobacias envolvendo seus pés, está bem? Está dispensada.
- Já passou três dias e meio? - Umrae fez, quase surpresa.
- Você se recuperou mais rápido que imaginei - Nath disse, olhando para alguns papéis - agora vá, estou ocupada.
Sim, Nath estaria muito ocupada: a sua equipe de enfermeiros é composta de apenas dez pessoas e é muito difícil coordenar dez pessoas. Mas estas só costumam trabalhar em guerras, porque Nath dá conta sozinha quando está tudo em paz. Ou quase.

Era madrugada, o sol quase raiando, aquela sensação de que parece tudo um sonho: se você é do tipo que dorme de noite, e um dia resolveu ficar na rua, olhando o céu de madrugada, vai ter essa sensação. É como se você soubesse naquele exato momento que é apenas mais um em todo o universo, mas ao mesmo tempo você pode se sentir como se todos os seus problemas pudessem ser resolvidos no dia que vai nascer. Eu, como narradora, acho que ver o nascer do dia é uma experiência fabulosa e dá uma bela injeção de ânimo. Bem, a sensação é melhor depois de uma madrugada de festas ou algo igualmente divertido. Porque ver o dia nascer, pois varou a noite estudando não é algo tão belo assim...

Umrae estava tomando banho em sua casa, usando água recém-fervida, provavelmente através da magia de algumas fadas que viviam por lá. Lavou-se, colocou a calça marrom, ajustando as botas pretas. A blusa branca, uma outra blusa de frio por cima. Amarra os cabelos em um coque alto, para evitar que o cabelo fique na frente dos olhos. E recomeçou a trabalhar, produzindo mais e mais venenos.
Na casa ao lado da sua, Ly e Doceh já acordaram e tomavam café da manhã, tensos.
Na outra casa, ao lado esquerdo, Kibii estava em pé e colocava venenos em flechas, sem nem tomar o café da manhã.
Na casa em frente a de Kibii, Fer acordava e fazia alongamentos, enquanto programava a sua rotina.
Na casa ao lado a de Fer, em frente a de Umrae, vivia Maria cuidando do seu filho e de Claudia, a professora de dança. E ao lado, a pensão que Rafitcha cuidava.
Era onde ficavam as pessoas que chegaram recentemente: Yohana, Alex, Thá, Lynda (chamada de Malygna pelos demais), Vinicius. Todos começaram a acordar, mesmo ainda sendo escuro. Mas era uma situação tensa que todos achavam que podiam não acordar nunca mais, sentiam medo de dormirem e quando acordarem, verem que alguém morreu ou qualquer coisa do tipo. Sentiam medo do que veriam ao acordar.

Então naturalmente as pessoas ficaram muito mais apegadas entre si: Doceh odiava quando Ly não estava por perto, Maria temia a cada vez que tinha que ir trabalhar e deixar o filho em casa, sendo cuidado pela Claudia, Nath tinha medo a cada vez que alguém entrava naquela enfermaria: e se esta pessoa nunca mais saísse da enfermaria viva?
E todos temiam por Raveneh, e os que foram com ela.

E o céu ficou ainda mais claro.
- Bom dia, Umrae - disse Kibii, entrando na casa sem nem sequer bater na porta. Umrae não respondeu, de tão concentrada que estava em adicionar corretamente as pitadas de algum pó que fazia espirrar em um líquido meio roxo.
- Bom dia, Umrae? - repetiu Kibii, tentando não atrapalhar - eu trouxe café da manhã.
Umrae terminou a última pitada, e se virou para Kibii com aquele sorriso aberto:
- Nath me liberou.
- Estou vendo.
Kibii colocou a cesta em cima da mesa, mostrando o conteúdo deliciosamente organizado:
- Fiquei preocupada em você ficar sem comida, do jeito que é, trabalhando tanto... - Kibii murmurou - já chamei Fer para vir aqui, tomar café da manhã com a gente. O café está quentinho (ao que Umrae murmurou algo do tipo "mas eu nem gosto de café", que Kibii ignorou e só apontou uma garrafa de chá), o pão também e também peguei algumas frutas como morangos e mamão. Você gosta de mamão, né?
- Sim, gosto - Umrae se sentiu muito confortável ao ver a preocupação da amiga. Seu pé já nem doía mais, embora estivesse bem cansada.
- Bom dia! - Fer entrou, quase aos gritos, quase pulando de tanto contentamento - recebeu muitas visitas?
- Quase nada, só umas de Kibi - respondeu Umrae, fechando a cara.
- Bem, isso não é só nossa culpa - Fer se desculpou - Maria está obrigando a gente a trabalhar hoje. Até Ly está reclamando do fardo... mas hoje vamos escapar um pouco, Maria vai ter uma reunião especial com as fadas lá. Você acredita que corre por aí que as Musas vão ajudar a gente?
- Sério? - Umrae ficou espantada. Conhecia bem as lendas sobre as Musas, e nunca acreditara realmente que as Musas iriam ajudar as fadas, que tanto desprezavam.
- Sim... E Maria como Governante das Campinas tem que ir lá para as Campinas ficar na lista das terras protegidas *o* - aparentemente Fer sabia de tudo - as Musas são de dar medo...
- Mas a Rainha Siih nunca quis que as Musas ajudassem por questão de orgulho... - Kibii observou, intrigada.
- Ela caiu doente, e seu irmão assumiu o poder - Fer disse - e ele pediu a ajuda, e depois ele enfrenta a irmã por ter feito isso sem o consentimento dela.
- É, ela não vai poder fazer muita coisa... - Umrae ponderou - bem, vamos comer algo!
- Sim. Café, Umrae? - perguntou Fer.
- Odeio café - Umrae fechou a cara novamente - por favor, o chá.
- Nham. Que estranho - Kibii disse mais para si mesma do que para as amigas - o irmão desafiar a própria irmã, esta mais poderosa...

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- QUÊ?
- Er... é isso aí. Me desculpe, mas tenho que sair...
- Não vai sair pra lugar nenhum, mocinho!
Neste instante, a porta se fechou e não abriu mais, por um passe de mágica. Siih estava furiosa, seus cabelos caindo em cima dos ombros, o vestido branco e azul, a coberta em cima do corpo, a temperatura do corpo de Siih se alterando o tempo todo. A Rainha tinha uma saúde bastante frágil, devido aos seus imensos poderes. Mesmo que tenha se livrado da maior parte, ainda assim era comum sentir dores e tontura de vez em quando.
- Como é que você convoca as Musas - Siih se exaspera - se aproveita do MEU poder para convocá-las e ainda pede a ajuda delas?
- Mas a situação estava grave! - Lefi tentou argumentar - nós não podemos vencer Ophelia, não sozinhos.
- Prometemos a elas não pedir mais a ajuda! - gritou Siih - e... droga, não quero sacrificar a vida de tanta gente...
As lágrimas rolaram pela face, desenfreadamente, a ponto que Dahes se sentiu na obrigação de interferir e oferecer um lenço. Siih sorriu desajeitadamente.
- Sinto muito, irmã - Lefi murmurou triste - eu me odeio tanto por ter quebrado a promessa, e me odeio por te fazer chorar. Mas não teve saída... ou era as Musas ou era a ruína. Você sentiu, não sentiu? Até eu senti alguns demônios se movimentando...
Siih odiava admitir a verdade, sentia a garganta dando um nó e aquela sensação de que estava perdendo. Sempre ganhara, sempre fora a mais poderosa e a mais prudente. Mas dessa vez Lefi fora mais sensato e resolvera abrir mão do próprio orgulho para pedir ajuda a gente infinitivamente mais poderosa. Siih sorriu e abriu os braços, pedindo um abraço. Lefi a abraçou, contente pela irmã compreender a situação em que estavam.
Mas na hora que sentiu o corpo da irmã, sentiu algo estranho. Siih estava calma, mas a energia estava assustadoramente grande como se a irmã estivesse em uma guerra. Só que Lefi não queria sair dali, pois mesmo que a energia estivesse em um nível assustador, era confortável ficar ali, recebendo toda aquela coisa que não conseguia definir. Oops, recebendo? Sim, recebendo: era como se abrisse buracos imaginários no corpo de Lefi, e ficassem colocando coisas estranhas dentro do corpo de Lefi, no coração, pulmões, estômago, esôfago, músculos, ossos. Cada órgão, cada osso, cada músculo, cada veia do corpo de Lefi recebia alguma coisa, e a sensação de conforto e poder só aumentava drasticamente, a ponto de ele ficar quase eufórico e se sentir capaz de combater Ophelia de igual pra igual. Sorriu.
Mas logo, logo doía. O corpo doía. Os tais buracos imaginários agora se fechavam e isso doía demais, como se todos os órgãos estivessem sendo revirados e rearrumados. Era incômodo, nauseante, ele queria ir embora.
- Não agora - era a voz de Siih, parecia um eco, algo muito longe.
Lefi escutou e quase chorou de tanta dor. Dahes via tudo aquilo sem compreender, sem entender a expressão chorosa de Lefi e a face serena de Siih. Não entendia porque Lefi sofria tanto só porque estava abraçado com a irmã. Dahes não conseguia sentir a assustadora energia, pois esta capacidade fora retirada dos Glombs durante os anos de escravidão. De modo que não entendia nada, só sabia que era algo assustador e muito poderoso.
- Dói, irmã - Lefi murmurou, quase gaguejando.
Siih não falou nada, somente apertou o abraço e a dor se multiplicando.
- D-dói... - uma única lágrima muito tímida rolou pela face, fazendo Lefi se desesperar. O que era aquilo?
- Vai ficar tudo bem - a voz de Siih parecia estranha, sofrida.
Os órgãos se reviraram mais uma vez, Lefi sentiu o incômodo. Engoliu em seco, contendo as ânsias de vômito e a dor parou quando Siih afrouxou o abraço.
- Irmã! - gritou Lefi ao ver que a irmã quase desmaiava - você está bem?
Siih estava tonta, os olhos quase fechando e a pele pálida.
- Querido... - Siih sorriu muito timidamente - não se aflija por tão pouco... agora você está bem.
- O quê?
- Eu cedi um quinto dos meus poderes a você - explicou Siih tentando falar sem desmaiar - agora você pode realmente tomar conta de tudo... agora, as coisas mudaram.
- Mas você ficou sem um quinto dos seus poderes - Lefi não entendia.
- Não me fez muita falta - admitiu Siih exausta - relaxa, não vou morrer. Estou melhor, poderei ir a reunião de hoje.
- Mas...
- Eu vou. Nada vai me fazer mudar de idéia - Siih sorriu - me deixe aqui, acordarei logo.
- Para quê me cedeu um quinto? - era a pergunta que não queria calar.
- Você vai entender - disse Siih ajustando o travesseiro, fechando os olhos, a sua expressão sempre serena.

Lefi se levantou e deixou o braço, deixando somente uma ordem: de que não perturbassem a Vossa Majestade. Ele se sentia estranho, como se tivesse algo que precisasse falar e não conseguia saber o que era. Era um bocado estranho, como se o coração vivesse em um aperto estranho. Começou a odiar esse sentimento.

Foi arrumar as coisas para a reunião.

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- Pronto.
Rafitcha sorriu.
- Treinamos a madrugada inteira - disse Rafitcha - mas acho que dá pra enfrentar aquele babuíno idiota!
- Acha? - Raveneh havia se cansado a noite inteira e seus hormônios estavam em ebulição, praticamente. Então qualquer "acho" soava irritante.
- Sim, "acho" - Rafitcha repetiu - agora durma durante uma hora, e depois tome banho para irmos ao julgamento. Raveneh, você vai estar livre nem que seja a última coisa que eu consiga na vida.
- E se você perder o julgamento? - Raveneh ponderou - Jorge é sujo!
- Mesmo se eu perder o julgamento - Rafitcha disse - eu prometo pra você, Raveneh. Mesmo se eu perder este julgamento, você vai criar seu filho nas Campinas. É a minha promessa.
Raveneh sorriu ao ouvir as palavras carregadas de tanta convicção.

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O homem fumava.
- Você acha que dá certo hoje? - disse em uma voz rasgante.
- Não, não hoje - Crazy murmurou - amanhã é melhor, as pessoas estão mais despreocupadas.
- Qual a diferença? - o homem perguntou - preocupado com aquele pessoal das Campinas? São inúteis!
- Não, não são - Crazy disse - e eles não podem morrer, eles estão sob a proteção do Mundo das Fadas.
- HA - o homem riu - o Mundo das Fadas está perto do seu fim, com esta Ophelia por aí.
- Não exagere - Crazy sorriu - Siih é poderosa o suficiente. E aquele grupo precisa ficar vivo. Mas não precisa se preocupar com eles... faça tudo, deixe que eu me arranjo com eles.
- Eu ainda não compreendo o que eles tem a ver com o nosso plano, Crazy - disse o homem - eles são somente uns seres mágicos que vieram para um julgamento de uma qualquer.
- Sim, sim.
Crazy sorriu:
- Bem, está na minha hora. Amanhã, na hora planejada. Não falhe ou o chefe vai pedir nossas cabeças a prêmio.
- Sim... comandante Crazy. Amanhã, na hora planejada. Não falhe também.
- Com certeza.
Crazy se afastou com um olhar bastante sinistro.

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