quarta-feira, 26 de março de 2008

Parte 14 - Desafio

TRAGÉDIA NO SHOW DE YOHANA!
FELIZMENTE SEM MORTES!


Yohana se retirou ao quarto em que ficara nas Campinas. Se sentia perdida já que Rafitcha e Tatiih tinham partido. Estava com saudades do seu porco de estimação e queria férias. Havia despedido a última empresária há pouco tempo, e estava cansada.
Será que Vê já buscara informações a respeito?
Fechou os olhos, despreocupada. Só queria ter Pinkê ao seu lado, mas não sentia um pingo de vontade de voltar ao palco.

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- Já liberou o dinheiro? - indagou Siih, apressada, lendo os jornais, tudo de uma vez.
- Sim, mais de 200 mil - afirmou Libby, correndo junto com ela.
Os consertos custavam rios de dinheiro, mas não era isso que Siih se preocupava. Era com a volta de Ophelia: ouvira a lenda várias vezes quando era pequena, da boca do seu pai. A lenda acontecera quando nem mesmo sua bisavó estava viva, e a história passara de geração a geração. Os avós do seu pai haviam visto de tudo e inclusive perderam todos os três filhos na guerra entre Ophelia e as outras Musas. Somente duas meninas sobreviveram. Uma delas gerou o pai de Siih, a outra morreu solteirona.
Ophelia, a Musa Adormecida. Tinha que ter um modo de matar a Ophelia: afinal era o tipo de Fada Alta que vivia durante décadas a fio sem se preocupar com envelhecimento. De velhice, nenhuma Musa morre.
Somente as Musas poderiam matar a Ophelia. Porém na antiga batalha, os humanos prometeram não pedir mais a ajuda dela.
Não vou pedir a ajuda delas
- O que vai fazer a respeito de Ophelia?
- Não sei.
- Vai pedir ajuda às Musas?
- Não.
Os jornalistas estavam plantados na porta, ansiosos por uma entrevista. Não demonstrou surpresa. Siih não se incomodou, e continuou com a sua expressão inexpressiva como se nada a afetasse, mas por dentro estava intrigada: como faria para parar Ophelia.
Eu realmente não quero pedir a ajuda daquelas Musas
- Então como vai vencer Ophelia? - indagou Libby, erguendo o rosto, surpresa.
- Não sei.
O que vou fazer? O que farei? Tem um monstro em forma de criança destruindo o reino que minha família lutou para construir.
E ela está destruindo!

- Se eu ainda tivesse os meus poderes - murmurou, quase em um cochicho.
- Disse algo, Majestade? - Libby perguntou.
- Nada, meu doce... nada.
Libby ficou ainda mais surpresa: Siih nunca tratava a alguém de forma carinhosa, somente seu meio-irmão a quem ela amava mais do que tudo. Mas as assistentes? Ela tratava com frieza, e não era exatamente a chefe mais caridosa do mundo: chegava a ser exigente e fazer seus servos enlouquecerem de tanto trabalho. Siih parou de repente:
- Libby.
- Sim, Majestade? - Libby se ajeitou.
- Quero que você chame Lefi rapidamente, que você mande Alicia fazer alguma coisa para eu comer, que você traga o relatório 4014 das três testemunhas e que mande oito especialistas para verificarem os danos da Ophelia.
- De novo? - supreendeu-se Libby - mas---
- Já foi?
Libby engoliu em seco, praticamente ressentida. Fez uma breve reverência e saiu de perto, indo cumprir os afazeres.
Siih saiu apressada, ignorando as reverências que faziam quando passavam por ela. Precisava arranjar o problema da Ophelia, antes que todos os outros. O país estava estarrecido com a notícia de que a Musa havia acordado: tentara abafar a notícia, mas não deu jeito: nenhum jornal quis ser subornado para ocultar o fato de que a Musa havia acordado. Lefi passara as horas tentando subornar os jornais com ofertas altíssimas, mas nem uma oferta de 80 milhões seduziu algum diretor. A idéia de que a tiragem dos jornais se superaria era melhor.
E ao mesmo tempo tinha que continuar reinando e governando como sempre fizera: não podia admitir a idéia que uma Musazinha qualquer causasse prejuízos ao país inteiro.
Como era complicado ser rainha.

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Ophelia se deitou sobre a grama, completamente nua: como podia ser outra coisa, já que não tinha roupas e nem se lembrava de como produzir uma roupa, ainda mais com magia.
Seus cabelos castanhos caiam sobre o rosto, seus olhos fitavam o céu, desinteressados. Fechou os olhos, calma, serena. Não queria muitas coisas, aliás nem sabia direito o que queria. As suas lembranças eram vagas demais, alguma coisa relacionada as outras Musas. E quando se lembrou das Musas, um sentimento de ódio e culpa penetrou calmamente no seu coração. Ódio por elas terem lhe feito sofrer tanto, por terem assassinado a sua mãe. Culpa por permitir que a mãe e a irmã sejam feitas de reféns.
Se desligou do mundo.

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Lala tinha cabelos lisos e laranja, e era bem viva. Normalmente estaria na capital, mas se entediou e resolveu viver como uma andarilha, quem sabe ajudando as pessoas no decorrer do caminho. Em troca de recompensas, é claro.
Havia pescado um peixe qualquer, comia com gosto. Comeu o último pedaço, jogou os restos para debaixo da terra.
- Repouse bem, peixinho.
A floresta era estranha: não conseguia definir se era dia ou noite. O céu era meio alaranjado, meio rosado e as nuvens eram quase imperceptíveis. Lala mordeu o lábio inferior: queria sair logo daquela floresta, era tudo muito estranho. Arrumou a trouxa: não estava muito longe da capital e diziam que era nessa sinistra floresta onde Ophelia se escondeu. Do outro lado havia a pequena vila de Cherllaux: ouviu dizer que a irmã de uma julgada, Renegada, tinha se mudado pra lá depois de ter visto a irmã assassinar o ex-amante e se matar de forma trágica.
As nuvens se amontoavam devagar e o céu assumia um aspecto cinzento. Sentiu as primeiras gotas, gélidas como se fossem alfinetes.
Pôs o manto, ajeitou o capuz ocultando perfeitamente seus cabelos alaranjados, agora longos. Estava perto de algum rio e alguma cachoeira, mas ainda assim conseguia escutar um arfar de respiração. Quem seria?
Em vez de seguir em frente, andou para a esquerda, seguindo o ruído da respiração. Depois de tanto andar, já imaginando que era só imaginação, a fina chuva molhando o manto, encontrou.
Ela estava deitada no chão, nua, de olhos fechados. Não reparava na chuva. Não reparava no céu, na grama, em nada. Seus cabelos castanhos estavam desarrumados, sua respiração pausada.
A menina era linda, e tinha algo de infantil no jeito em que respirava. Abriu a sua mochila e retirou um manto negro, jogando sobre o corpo.
A garota se remexeu, seus olhos tremeram. Logo suas pálpebras se levantaram, dando a ver suas íris castanhas.
Em um segundo, Lala se viu presa na parede, com algo a prendendo na garganta, os pés suspensos, as íris castanhas a fitando:
- Quem é você?
Quando conseguiu abrir os olhos, reparou que a) estava suspensa no chão. Tipo, seus pés estavam uns 5 metros de distância no chão. As árvores eram realmente altas. B) a menina estava onde sempre estivera. Seu braço que se esticou e alcançava e apertava Lala na árvore. Era um braço. Que se esticava. Reparou que a medida que o braço esticava, a cor variava: a cor pálida da pele até alcançar um negro com afiadas garras. C) E aquilo doía.
- Quem é você?
Lala tentou se desvencilhar, queria fugir. Fugir pra onde não importa, mas estava na cara que aquela menina era doida e perigosa: podia esticar membros!
Provavelmente nem mesmo a Rainha podia fazer isso, como essa podia?
- Quem é você?
A voz saia ameaçadora e doce. Como podia ser, ela não sabia. Mas Lala achava que a voz da garota era ao mesmo tempo um pesadelo e uma música aos ouvidos. Era atormentador aquela sensação de bondade e violência ao mesmo tempo.
- L-Lala - tremeu Lala, sem saber o que fazer.
A garota afrouxou as garras para o alívio de Lala: porém não soltou, o que deixou Lala mais preocupada ainda. Será que a garota era do tipo que brincava com suas presas antes de... matar?
- O que faz? - indagou a garota, quase como um sussurro venenoso.
- Planejo lutas e guerras - Lala respondeu devagar - e luto...
A garota achou interessa, aparentemente: ela sorriu. Deixou Lala cair de 5 metros, fazendo o braço voltar a forma original.
- Oh, você luta - murmurou a garota - que grosseria a minha, estou falando com uma guerreira, certo?
Reparou que estava nua, o manto havia caído quando se levantara bruscamente e esticara o braço. Mas sem nenhum pudor, deu as costas e pegou o manto no chão e se cobriu, amarrando, formando assim uma capa.
Sorriu mais ainda e disse:
- Me chamo Ophelia e perdoe-me pela má recepção. Bem, eu tenho uma idéia... você é uma fada?
- Sim... uma fada absolutamente normal... - respondeu Lala sem saber o que falar.
- Perfeito - Ophelia sorriu - eu a desafio para uma luta. Se você ganhar, deixarei você ir embora ilesa e terá a minha proteção em qualquer terra. Se você perder, servirá a mim para sempre.
Lala ouvira vagamente sobre a louca e sabia que o nome dela era Ophelia. Mas a queda, a fina chuva, a floresta estranha, tudo contribuiu para ela não relacionar a Ophelia-que-destruiu-tudo com esta Ophelia-que-desafiava-para-uma-luta.
E Lala lutava bem: conseguia pôr muitos homens a pedirem perdão por terem lutado. Consequência de vir de uma família que treinava para a guerra.
O orgulho falou mais alto, Lala assentiu.
- Está bem - disse por fim.
Ophelia sorriu.
- É assim que se faz - murmurou.



E no próximo capítulo...

Reparou que Ophelia não portava armas. Com certeza pensou ela já é uma arma com aquelas mãos.
- Bela katana - reparou Ophelia - forjada pelos orientais? Uma boa e linda espada, com certeza... mas não é forte o suficiente para mim... - mas a última frase não foi dita em voz alta.
Sorriu.
Lala não viu mais nada depois disso. Só viu o sorriso e um borrão marrom. Pulou para trás sem hesitar, tentando fugir do tal borrão marrom que a perseguia ferozmente. Corria para trás, tentando cortar o borrão com a sua "boa e linda espada", mas sem sucesso. Até conseguir subir em uma árvore, e o borrão simplesmente parou.
- Deu para perceber que você consegue fugir bem. Não é uma idiota - elogiou Ophelia, mostrando os seus dentes, em um charmoso sorriso.

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