Maria estava impecável, com o cabelo loiro liso caindo charmosamente nos ombros. Mas a sua expressão estava séria, e ela estava caminhando para onde Raveneh estava, sentada no banco de madeira em frente a casa de Rafitcha.
- E ela veio e disse: sua estúpida, o chocolate é meu! - riu Tatiih - como se eu pudesse saber daquilo!
- Coitada da mulher, Tatiih! - comentou Raveneh, mal percebendo a sombra da Maria à sua frente.
- Raveneh - murmurou Maria.
- Sim...? - fez Raveneh desligada, sem perceber que Maria estava séria.
- Recebi um documento - disse Maria - venha comigo.
Raveneh mordeu o lábio inferior, preocupada. A lembrança da visita de Jorge veio como uma avalanche: seria isso? Levantou-se com dificuldade, segurando a barriga.
- Fale.
- É um documento pedindo a sua extradição - disse Maria entregando um papel preto - vão lhe julgar pela morte da sua mãe.
As mãos tremiam, a boca se mexia sem emitir um som. Parecia tudo tão irreal? Então Jorge realmente a culpara? Realmente...
- Eu... Eu vou ter que ir embora? - mesmo tremendo de ódio ou medo, não sabia, conseguiu falar. Seus dentes batiam um contra o outro.
Maria sorriu levemente, com o olhar bondoso.
- Não, Raveneh - disse - o pedido foi negado. Até você ter o bebê... até tê-lo... não vão poder fazer nada. A não ser que você queira...
- Jamais! - exclamou Raveneh como se fosse traição Maria ter levantado a hipótese. Mas se aliviou. Durante os próximos três meses... nada de voltar para o reino. Uma sensação preencheu seu peito com alívio e felicidade.
- Obrigada por me informar isso, Maria - Raveneh fez uma reverência profunda, mas do que a necessária.
Maria fez uma reverência simples de resposta e deu as costas para chamar Raven e aprontar os cavalos alados. Raveneh ficou olhando os papéis com um estranho sentimento, como se as coisas nunca mais voltassem ao normal.
E ela não sabia o quanto esse sentimento era verdadeiro, porque naquele instante...
... naquele instante, a vida de todas as pessoas começou a mudar.
E para pior.
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O ódio e a mágoa se estranhou no coração e na mente, a cegando de razão. Bondade? Ela nunca experimentara o que era a bondade.
Ela colocou os pés no chão. Cara, doía tanto! Era frio, será que era inverno? Os cheiros que lhe eram trazidos pelo vento diziam que não, que era o fim do verão...
Fechou os olhos, cerrando os dentes. Estava friofriofriiiio! Como podia aguentar? Hesitou antes de ficar em pé em definitivo.
Seus lábios tremiam com a memória de tempos atrás. Quanto tempo se passou desde que dormiu? Lembrava-se bem da face que a fez dormir, lembrava-se de muitas coisas. Deu um passo. Tudo, tudo, tudo doía. Cada célula do seu corpo protestava, cada fio de cabelo se contorcia horrorizado, seus dentes reclamavam, a sua pele ardia de frio.
Doía.
- Argh.
Lembrava também dos poderes que corriam pelas suas veias. Era incômodo, era como se tivesse um bicho dentro. Antes era delicioso ter aquelas coisas dentro do corpo, aquele poder monstruoso, manipular quase tudo. Mas agora se incomodava, parecia uma doença. Os joelhos fraquejaram, mas não caiu. Olhou para a sua mão direita. Como era mesmo? Um gesto tão simples...
Sorriu. Os poderes agora pareciam mais agrádaveis, suas mãos belos instrumentos, seu cansaço? que cansaço? Agora podia até voar...
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- Cheguei - Louise sussurrou.
- Ela já acordou, recobrou a consciência - afirmou Miih.
Agora estavam as sete reunidas: Miih, Loveh, Sunny, Alice, Louise. E entre Louise e Alice, Catherine e Elyon haviam chegado.
- E então, o que faremos? - indagou Louise. Sua pele era amorenada, digamos da cor de café com leite (sem querer ser preconceituosa, vejam bem!). Seus olhos eram verdes e redondos, os cabelos pretos e crespos presos em um rabo-de-cavalo, com o seu vestido laranja e amarelo.
- Como assim, o que faremos? - questionou Elyon - ficaremos na nossa! O que ela pode fazer contra a gente?
- Ela é simplesmente mais poderosa que todas nós juntas! - lembrou Catherine - e nós sabemos do que ela é capaz de fazer.
- Mais poderosas que todas nós juntas? - Elyon zombou - jamais! Uma de nós jamais a derrotaria, mas nós sete? Ah-ram!
- Ela vai estar movida com o ódio - lembrou Loveh - e vai destruir todo o reino que as Fadas demoraram séculos para erguer.
- E isso não é bom? - sussurrou Louise. Louise odiava os humanos, sabe-se lá porquê.
- Não. Não é bom - queixou-se Catherine - eu realmente não estou muito afim de ajudar os humanos, mas não quero tudo destruído... Quando ela destruir tudo, somente nós restaremos.
- Ela não vai destruir tudo - Alice disse - ela não é uma deusa ou algo do tipo.
- E nós somos o quê? - ironizou Sunny. Na verdade eram somente fadas extraordinariamente poderosas, com poderes quase divinos. Como elas nasceram há muitos e muitos anos e tinham poderes absurdos, muitas tribos passaram a adorá-las como deusas, conferindo a cada um atributo. Porém elas mesmas sabiam que eram fadas praticamente imortais, que tinham poderes que ninguém imaginava. Não tinha ninguém superior a elas.
Exceto uma, que acabara de acordar. E esta é vingativa, cruel e está com raiva.
- Nós prometemos não ajudar os humanos - lembrou Miih.
- Os humanos prometeram não pedir mais ajuda - corrigiu Loveh impaciente.
- Que seja. Na hora que ela começar a destruir tudo... - murmurou Miih.
- A gente age - completou Sunny, mesmo a idéia não lhe agradando muito.
- Que seja - murmurou Elyon aliviada. Não gostava da idéia de ajudar os humanos nem quando realmente ajudara, anos atrás.
As sete garotas se separaram novamente, cada uma voltando para o seu lar.
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- Vamos! O show logo, logo vai começar! - protestou Maria.
Praticamente todo mundo ia não restando quase ninguém em Campinas. Mas os nossos personagens preferidos foram todos para o fatídico show da melhor cantora pop, a belissíma Yohana! *-*
- Eu não vou beber um gole de mimatta - afirmou Kibii. Tinha se arrependido bastante da aposta que fizera, pois ficara com uma dor de cabeça terrível durante toda a manhã.
Ly concordou.
- Isso aí, Ly - disse Doceh - se eu te vir bebendo feito um gambá de novo... aiai, eu não me responzabilizo pelos meus atos!
Raveneh porém estava calada. Pensava no tal documento de extradição. E se ocorresse de novo? E se dessa vez as fadas liberassem? E quando ela parisse o bebê? Quem iria garantir que ela não seria julgada? Quem? Quem? Quem?
- Raveneh, você gosta de Yohana? - perguntou Johnny curioso, com um leve sorriso na sua face - ou nem sabe quem ela é?
- Nem sei quem ela é - riu Raveneh - eu sou tão desligada desse mundo de famosos...
- É uma excelente cantora - sussurrou Johnny - você vai gostar dela.
- Espero que sim, Johnny - Raveneh respondeu, ficando em silêncio.
Johnny não insistiu. Não sabia coisa alguma sobre o documento, mas pressentia que era algo que abalara Raveneh e esta preferia ficar sozinha. Sabia disso sem precisar falar... só de olhar a face da amada.
Quatro cavalos alados seguravam uma carruagem enfeitiçada onde cabia todo mundo. Sim, isso parece coisa de Harry Potter e como a viagem foi chatinha, vou pular direto para quando eles entraram na fila e entregar os ingressos.
Para começar, o show ia ser no estádio que fica em uma certa praça com o nome 'Santa Sii'. Não, não tem nada a ver com a atual Rainha. A fila ia do estádio e dava a volta pela praça toda (e ela não é nada pequena!). Só terminava em uma padaria chamada 'Pão Douradinho', que fica depois da praça, descendo a rua. Só para se ter uma idéia.
- MELDELZ - fez Kibii ao ir animada e ver o tamanho.
- Quanto tempo vai demorar? São oito e quatro - exclamou Tatiih.
- A gente fura, ué - brincou Umrae, mas logo se corrigiu - vamos, vamos para o fim---
Mal iam, um casal com uma criança se intrometeu na frente deles. Foi tão rápido que ficaram assustados, diante do casal com a mulher gorda e loira e o homem alto e magro, e o garoto gorducho com alguma mancha marrom na blusa.
- Falta de educação - murmurou Fer estarrecida.
- Sim - concordou Umrae impressionada em como o casal se intrometeu na frente com rapidez.
- Bem...
E ficaram mais ou menos dez minutos cantando, conversando e rindo alegremente até chegarem na bilheteria.
Pulando para a parte do show (sim, porque eu como quem conta esta história não vou desperdiçar minhas palavras em uma conversa de fila), Yohana estava belíssima. Brilhante, deslumbrante e com aquele sorriso que parecia verdadeiro, mas na verdade era um sorriso criado por artistas quando se esforçam para parecerem simpáticos.
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Yohana estava no palco, o microfone na mão. Os holofotes em cima, aquele público imenso aguardando a estrela. A estrela era ela.
Respirou fundo, e logo seu mau humor começou a se dissipar. Adorava a sensação de estar com um microfone na mão, adorava a sensação de cantar e distrair outras pessoas. Foi para a frente do palco, sendo recebida com entusiasmo.
- Boa noite - disse com um sorriso. O sorriso era falso, mas agora se revertera em um lindo e sincero sorriso.
- Como estão? - perguntou, ao que todo mundo pulou e gritou de alegria.
Yohana sorriu. As luzes eram rosadas, combinando perfeitamente com o seu figurino. As estrelas pareciam colaborar para aquele momento feliz.
- Essa música é especial, afinal ela foi a primeira que eu compus. Talvez vocês gostem dela... - hesitou - espero que sim x.x'
oh! veja a estrela tão simples
oh! veja a flor tão básica
oh! veja que belo pôr-de-sol
Sua voz saía afinada, cantando baixinho, quase como um sussurro. Parecia demasiada inocente ao cantar, com os olhos gentis e a voz baixa.
meu amor, eu não sei
meu amor, não tenho como saber
meu amor, tem certeza que é assim?
Hesitou, respirando fundo. Andou para o outro lado, sorrindo levemente. Voltou, ficou no meio do palco. Foi para a frente, sentou-se. Estava ao alcance dos fãs, praticamente. Só havia uma cerca de segurança entre ela e os fãs.
mas, meu amor, deixe-me ficar com você
eu não sei de nada, estou perdida aqui
deixe-me ficar com você, deixe-me procurar abrigo
no teu abraço, no teu cheiro, no teu olhar
Fechou os olhos, jogando a cabeça para trás. A galera delirou, cantando junto. Como podia não cantar? Era a música mais antiga e clássica de Yohana, a chamada "Não sei", que todo autêntico fã de Yohana tinha que saber.
mas, mas, mas...
quero ficar com você
quero abraçá-lo até não poder mais
me mergulhar no seu sorriso
posso? me diz que posso, eu não sei
Raveneh sentou-se em alguma cadeira, longe do palco. Estava junto com Johnny, Rafitcha, Tatiih e Maria que preferiram ficar no fundo e comer algo antes de mergulharem no meio do público.
eu não sei, eu não posso
eu só quero ficar com você--
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As pedras se movimentaram, como se ganhassem vida. Ela sorriu.
Seu corpo parecia se contrair de prazer, e logo ganhou felicidade. Quem a guiava era as suas lembranças, e havia no ar um cheiro estranhamente familiar. Correu, seu corpo atravessando o ar, as árvores abrindo caminho, o ar não resistindo ao movimento veloz.
Parecia que suas pernas haviam se transformado em algo... como uma roda. Em questão de minutos, chegou a uma bonita cidade.
A entrada era uma formosa praça. As lembranças lhe atingiram como um martelo, o cheiro se tornou persistente, impregnando tudo como se fosse um fedor. Não aguentava mais, e incapaz de raciocinar, quebrou tudo. Em questão de instantes, a Praça de Sete Anjos deixou de ser a formosa praça com a fonte cristalina e os canteiros organizados e virou um amontoado de pedras e cristais, com água a todo canto. As pessoas que ali transitavam agora estavam caídas no chão, algumas desmaiadas, outras conscientes querendo saber o que foi que as atingiu.
Ela não sorriu, somente continuou caminhando. Lembrava-se daquela cidade, lembrava bem demais. Não foi ali que era alegre? Não foi ali que a sua vida mudou para sempre? Escutou uma música em algum lugar. Guiada pelo som, chegou a outra praça. Alguém cantava baixo, alguém gritava de entusiasmo.
Sua boca tremeu, e seus olhos se estreitaram. Alguma coisa naquela situação a estava incomodando. Ela desejava se vingar, mas não sabia como...
Tomada de fúria, fez a fonte da praça explodir. E todas as flores morreram naquele instante, e o chão desmoronou fazendo a fila de gente que ia pro show tombar em algo estranho, estupefato.
Ela não ligou, somente seguiu em frente, fazendo construções ruirem a cada passo. De uma hora para outra, a cidade se viu com quase um bairro inteiro destruído.
Mas ninguém estava morto. Até agora.
E no próximo capítulo...
- Ophelia - sussurrou Bia - melhor arranjarem um abrigo.
- Aquilo é só uma lenda, ok? - exclamou Johnny - Ophelia não é esse monstro! Aliás, nem existe Ophelia! Era só uma criança super-poderosa fazendo arruaça!
- Ophelia existe sim - teimou Bia - ela existiu e acordou. Melhor se mandarem.
- Ah, claro! - zombou Johnny - e o Papai Noel também existe, certo?
- Mas como não consegue compreender? - gritou Bia - eu senti... Eu senti aquela menina! Ela não quer somente destruir tudo...
- Que prendam a garota, a Rainha tem poderes pra isso! - argumentou Johnny.
- Ah, seu... - fez Bia, mas foi interrompida por uma voz feminina:
- Quem é Ophelia?
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