terça-feira, 8 de julho de 2008

Parte 46 - Feridas.

O que Ophelia tinha feito era absurdo. Era completamente impossível que ela detivesse as três espadas com as duas mãos sem se ferir. Porém ela se ferira, visto que as espadas haviam feitos cortes nas suas mãos. Mas as espadas não cortaram as mãos dela fora, e Ophelia dera um sorriso zombeteiro. Nessa hora que Ophelia pensava em como se concentrar em machucar as três Musas que deram o primeiro passo, sentiu outras quatro dando um passo e movendo a arma na sua direção.
- Tem outras, não? - Ophelia se virou para Miih, que caíra perto de uma árvore.
- Ah - Miih disse comprimindo um riso - descobriu que tem cinco dedos em cada mão também?
Não deu tempo de Ophelia responder, pois se vira atacada pela afiada lança de Sunny, pela espada de Catherine, pelos punhais de Loveh e pelos ramos que Alice usava, ramos que se enroscavam nos pés, ramos de árvores que tremiam e se erguiam, querendo golpear...
- Ophelia! - Lala choramingando tentando se livrar dos ramos que prendiam seus pés.
- AhAh... - Loveh ofegou. Percebeu que nenhum dos seus punhais haviam atingido Ophelia... era impressão sua ou Ophelia rebatera todos com os braços?
Ophelia havia caído no chão, tonta em se defender de tantos ao mesmo tempo. Havia se ferido sim: um corte se abrira no braço por causa da espada de Catherine, embora a espada agora jazia no chão junto com Catherine, e outro corte que sangrava bastante abaixo do seio esquerdo, causado pela lança de Sunny. E os pés estavam sendo atados pelos ramos que Alice enfeitiçava.
Foi tão rápido...
Sunny conseguiu causar um corte, mas ao chegar em algum órgão vital, a lança simplesmente parou como se chegasse em uma parede de ferro. Isso era simplesmente impossível. Mas a existência da própria Ophelia contradizia todas as crenças do que fosse possível, até mesmo para os padrões das Musas. Loveh se levantou, ofegante. Percebeu a existência da garota que choramingava, lutando com os ramos.
- Alice - Ophelia resmungou, se desfazendo dos ramos rapidamente - ah, sua idiota - disse para Lala - não conseguiu se livrar deles?
Se ajoelhou diante de Lala que caíra, os olhos conflituosos, e cuidadosamente retirou cada ramo. E eles pararam de se mexer.
- Alice - Ophelia repetiu, erguendo o olhar para a única Musa que não caíra. Alice estava com a sua expressão sempre angelical e Lala pensou ter visto um leve sorriso nos lábios de Alice.
- Nós vamos te matar - rosnava Elyon - nós vamos te matar...
- Que estupidez repetir isso - Ophelia resmungou como se estivesse discutindo o tempo - dá pra calar a boca?
Todas ficaram caladas, Lala se levantou. Olhando para cada uma das Musas, cada uma das inimigas de Ophelia, percebeu o quanto elas eram poderosas, e inclusive elas podiam causar sérios danos a Ophelia. Então porque essa pose toda como se estivessem perdido a batalha? Alguma armad...
- OPHELIA!
Foi em um instante que Ophelia se virou para a esquerda, tendo uma Loveh a lhe atravessar a espada que Catherine deixara no chão. Sim, a lâmina perfurou o corpo de Ophelia e Loveh, tendo um raro momento de crueldade, girou a espada para causar um estrago maior. Um corte profundo, rompendo a carne, dilacerando-a. Lala tombou de joelhos, pasma. Nunca vira Ophelia ser tão ferida assim.
E pela expressão de surpresa de Ophelia, nem mesmo ela se lembrava de ter sido tão machucada assim alguma vez...

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Desde que Heppaceneoh virou domínio das fadas, as Campinas se isolaram ainda mais e Maria junto com sua equipe de administração composta por pessoas como Umrae e Ly, se viu sufocada pelos preços absurdos que as fadas impunham. Antes só compravam na Capital do Mundo das Fadas de vez em quando, como comprar coisas feitas pelas fadas. Em Heppaceneoh que vinha todos os itens realmente necessários. Por mais que odiassem o Rei, tinham que admitir, pelo menos a administração era decente. Mas depois de uma boa busca feita por Umrae, logo ela localizou um bairro minúsculo perto do Mercado, cujos moradores eram parentes de viajantes que traziam sempre coisas interessantes como luvas feitas de couro de mantícora ou malhas curiosas que pareciam ter sido enfeitiçadas. E tudo a um preço perfeitamente razoável!
Obviamente o comércio era nas escuras, longe dos olhos das fadas - se elas suspeitassem sobre as luvas de couro de mantícoras, iriam pegar tudo para elas na mesma hora - mas Umrae não se importava para quebrar essa lei. As Campinas faziam de tudo para não se submeterem às fadas.
- Bom dia, Umrae! - cumprimentou uma senhorita de rosto oval e olhos redondos e castanhos - como vai?
- Hola, Isadora - respondeu Umrae - o que tem hoje?
- Ora, ora! Você vai adorar! - Isadora era uma garota entusiasmada, as orelhas pontudas sendo completamente cobertas pelos cabelos negros e lisos - que tal? Luvas de couro de mantícora! E como está havendo uma estranha facilidade em pegar esses bichos, o preço desceu... e aí?
- Parece interessante - admitiu Umrae analisando as luvas - como anda Faerün?
Isadora ergueu os olhos. Sua pele era amorenada, bastante sedosa e tinha uma expressão bondosa no rosto.
- Se você está falando daquela região, bem, meu irmão não tem notícias boas - respondeu - você sabe como aquilo está desolado.
- Sei sim - Umrae levantou uma malha de metal, bem trabalhada - por quanto você venderia essas luvas de metal? - Umrae mostrou umas luvas que eram usadas por soldados, e tinha alguns tipos feitos de prata.
- Bem... - Isadora deu um fraco sorriso. Realmente ela era muito alegrinha para a raça que pertencia, mas Umrae não se incomodava. Contanto que saísse dali com itens decentes a preços razoáveis, então estava tudo bem.

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- Fadas estúpidas - gemeu Ophelia, e Miih protestou:
- Não somos fadas!
- Isso não importa mais, certo? - Loveh disse, pressionando mais a espada - quero dizer, você está ferida.
Ophelia deu um riso seco, torto.
- Isso é o que você pensa, tolazinha - disse em uma voz baixa demais, quase em um sussurro - as fadas idiotas pensam que podem comigo e enviam vocês para me derrubarem, mas vocês são como as fadas, né? Também lambem os pés da Vossa Majestade de não sei o quê?
Loveh não deu atenção, somente fitou Ophelia nos olhos gelidamente.
- Agora - Loveh sibilou, sem interromper o contato visual com Ophelia. Sunny entendeu, e esta se levantou, a lança na mão e se preparou para perfurar a cabeça de Ophelia. O horror de Lala foi tamanho que ela mal pôde alertar a "mestra" do que estava acontecendo.
Mas ela não precisou.

Ophelia, mesmo ferida, jogou o braço esquerdo para trás enquanto segurava a espada que a perfurava com a mão direita. E para horror de Sunny, Lala e todas as outras, o braço esquerdo aumentou de tamanho, as unhas se transformaram em garras, a carne maleável, carne que parou Sunny de onde ela estava, e feriu todo o seu abdomên, uma das garras atravessando o corpo, logo acima do quadril direito. Sunny recuou, sentindo aquelas garras se remexendo lá dentro, cortando suas veias sem um mínimo de piedade, o sangue encharcando a roupa.
- Boa menina - sussurrou Ophelia - boa menina.
E aí Loveh sentiu muito medo de continuar com a espada. Sentiu que era melhor se afastar, para o seu próprio bem, mas não teve tempo de fugir: Ophelia tirou o braço esquerdo de Sunny e a mirou cuidadosamente em Loveh, ferindo estrategicamente várias partes do corpo: ombros, abdomên, virilha, pernas, pulsos. Eram cortes profundos, feitos com esmero pelas garras, e Loveh tentava não gritar de dor, mesmo que isso fosse quase impossível, só fazia doer mais. Loveh grunhia, tentando se afastar, mas aquelas garras a impedia de dar um passo sequer, garras horrorosas que lhe fatiavam a carne como se fatia um boi ou peixe no almoço.
- Presumo - Ophelia começou, o sorriso se estranhando na face - que você seja tão incompetente para se regenerar feito Lala?
- De modo algum - Loveh rosnou, furiosa.
Sua mão, mesmo que machucada, dilacerada, forçou a espada mais ainda o que provocou um pouco de dor. E assim Ophelia parou de mexer as garras por um segundo, segundo imediatamente aproveitado por Loveh que se afastou, quase como um gato, para perto de Miih.
Ophelia fez um ruído de irritação, e se levantou. Ao tirar a espada do abdomên, todos verificaram que o ferimento era realmente profundo, um buraco praticamente. Mas era ridículo para Ophelia que pressionando as mãos em cima do abdomên, praticamente forçou que suas veias se unissem novamente, os tecidos da pele se regenerando lentamente. Lala estava trêmula, sem poder falar um "a" de tanto pavor. Não chorava, mas estava paralisada.
- Loveh... - Miih colocou Loveh para trás de si mesma, enquanto Elyon fazia o mesmo com Sunny - maldita...
- Faltam quantas? - Ophelia contou com o dedo indicador da mão direita e depois encostou o dedo nos lábios - um, dois, três, quatro, cinco. Louise, Alice, Miih, Elyon e Cathy!
- Catherine - corrigiu Catherine com os dentes cerrados.
- Ah claro, Cathie - Ophelia não estava nem um pouco interessada nos nomes, embora seu sorriso fosse bastante iluminado, para não dizer maligno - e nos encontramos outra vez! Mas acho que não quero machucar vocês cinco também, sabe, preciso tomar banho primeiro - indicou as roupas sujas com o sangue - de modo que tenho uma idéia.
Ophelia deu uns passos para trás, pegando Lala pela mão, o sorriso jovial. Lala tremia, horrorizada.
- Pare de tremer, Lala! - sibilou Ophelia em um tom confortável e Lala pensou ter ouvido alegria na sua voz - vamos viajar até a capital do Reino das Fadas, que tal? Eu sei, lá é muito chato. Mas de qualquer modo, quero ser dona desse pequeno império. Que tal? Hein, Lala?
- E-Eu...? - Lala tremia tanto que parecia impossível que aquela fosse a guerreira que tanto fez temer antigamente. Mas Ophelia botaria qualquer um pra correr, até mesmo Bia Premy.
- Não, minha avó - retorquiu Ophelia - venham, não vou deixar você aqui!
Ophelia pegou a mão de Lala quase carinhosamente, e dando um último sorriso, correu entre as árvores. A pobre Lala era levada assim como foi levada durante as viagens que a dupla fizera para recrutar os demônios. As Musas foram deixadas, e Sunny e Loveh recuaram, tentando curar as feridas. Mas por algum motivo, os poderes pareciam ter diminuído. Ainda era manhã, talvez umas onze horas...
- Vá logo - rosnou Loveh para Miih - eu sei o quanto você odeia proteger, mas se você não fizer... nós seremos os próximos...
- Mas você está f... - Miih começou, preocupada, ao que Loveh interrompeu:
- VÁ! Eu me viro!
Sunny concordou com Loveh e preferiu ficar, e assim somente cinco Musas foram para a Capital. Correram tão velozmente, os corpos virando borrões difusos. Quantos minutos passaram? Nenhuma delas soube contar, nenhuma delas contava quantos minutos demoravam daquela região até a capital, mesmo que a distância fosse muito grande. Naturalmente elas podiam correr praticamente voando, e provavelmente elas inspiraram o Flash.
- Ela já chegou - Miih sussurrou ao chegar na Capital, atravessando uma floresta e chegando a uma estrada com um monte de casas pequenas de madeira pintada de cores pastéis - ela já chegou.
- E daí? - Elyon ofegava. Ela odiava "correr", atravessar longas distâncias em tão pouco tempo era horrível e raramente faziam isso - e daí. Ela anda mais depressa que a gente...
- Bem... vai começar...

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O céu estava perfeitamente azul.

“Au clair de la lune,
Mon ami Pierrot,
Prête-moi ta plume
Pour écrire un mot.
Ma chandelle est morte,
Je n’ai plus de feu,
Ouvre-moi ta porte,
Pour l’amour de Dieu.” (1)


Raveneh cantarolava para o seu bebê devagar, pausando em cada palavra, a voz adocicada. Enquanto isso Johnny trabalhava (oh que machista, homem lá fora, mulher lá dentro) colhendo os últimos vegetais do verão, Rafitcha se vendo como arranjar o estoque para inverno, Kibii arrumava as flechas recém-feitas enquanto Fer afiava mais punhais e espadas, Ly discutia acaloradamente com Doceh sobre os melhores venenos para se pôr em um bolo de laranja (e Ly perdia feio na discussão).
- Você não estava com febre, Raveneh? - perguntou Rafitcha desconfiada, quando viu a amiga andar pra lá e pra cá - pode mesmo amamentar Maytsuri?
- Me deixe - Raveneh preferiu não responder - estou em paz pela primeira vez...
Rafitcha largou o que estava fazendo e pegou Maytsuri do colo de Raveneh, esta ficando aflita - dava para ver pelos olhos.
- Está com febre, Raveneh - Rafitcha murmurou, encostando a mão na testa de Raveneh - deixamos amamentar a filha ontem por piedade e falta de atenção. Mas continua com febre, e Maytsuri é só um bebê, por mais que tenha sangue mágico. Durma, preparo algo para você. Quem sabe conseguiremos baixar a sua febre e poderá amamentá-la hoje.
Raveneh não discordou das ordens de Rafitcha, pois sabia que ela tinha razão. Aceitou se deitar na cama, deu um último olhar para a filha que se aninhava no colo de Rafitcha. Mas não estava contente pela proibição sutil que a amiga fizera de amamentar o bebê, porém como podia contradizer as ordens de Rafitcha e todas as outras pessoas amigas?
- Vou deixar o bebê no berço e voltarei logo - Rafitcha disse pacientemente.
Raveneh consentiu. Somente cantarolava devagar, mais para si mesma do que para a filha. Algumas músicas infantis, de brincadeira até.

Se esta rua, se esta rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar...


- Voltei - foi a voz clara e doce de Rafitcha.
Quantos minutos haviam se passado? Só fechara os olhos por alguns poucos segundos! Raveneh se empertigou, vendo a xícara com um líquido meio esverdeado, a fumaça quente se emanando devagar.
- Que tal? - Rafitcha sorriu - daqui a pouco, eu e Tatiih faremos um delicioso bolo de chocolate, que tal?
- Sim, é uma ótima idéia - concordou Raveneh sorridente - obrigada, Rafitcha. Será uma ótima tia para May.
- Tia? - Rafitcha mordeu o canto direito do lábio - não me agrada muito. Tias me lembram pessoas velhas, não?
- Ah - Raveneh riu, mas logo se controlou para beber o chá devagar.
Obviamente estava bem quente, mas Raveneh pôde sentir algo de doce no chá, um leve sabor de açúcar. E se não se enganava, sentia alguns traços de canela. Mas o gosto não era de todo ruim, mesmo que fosse quente demais.
- Desculpe por ser quente demais - Rafitcha disse com a voz morna - mas me entende, esse chá é feita com aquela erva comum aqui perto, a jupicareira, e você conhece bem as propriedades dessa erva.
- Que a erva só tem efeito sob alta temperatura? - Raveneh completou - sim, sei bem. Obrigada... não quero te atrapalhar nos seus afazeres, já fez demais.
- Não me atrapalha - Rafitcha cortou, a voz mais simpática - é isso que as pessoas aqui fazem: elas se ajudam.
Raveneh deu um riso pela metade:
- Eu devia ter imaginado.
E bebeu o resto do chá, enquanto Maytsuri dormia e Rafitcha saia para retomar seus afazeres.

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- Ótimo, terminei tudo - Umrae disse para Isadora, ajeitando as compras no lombo do cavalo com quem viera. Sim, um cavalo enorme, bem-alimentado, de pêlo negro e reluzente - vou indo.
- Bye bye - Isadora se despediu, fazendo uma breve reverência - boa sorte no caminho!
- Claro - Umrae deu um leve sorriso e subiu no cavalo, começando a montar.
O cavalo era um espécime calmo e jovem, todo forte. Umrae guiou o cavalo para as Campinas, o sol estava brilhando confortável.
Em poucos minutos chegou às Campinas, lugar agora vazio e desértico, já que todos se transferiram para o abrigo. Mas a relva continua brilhando, verde e saudável, as flores continuam tão vivas como Umrae se lembrava.
Quando Umrae chegou e descarregou as compras até o abrigo, Ophelia ainda estava no caminho. Portanto não houve tempo para alguém sentir coisa alguma, e nem mesmo Umrae ficou sabendo da chegada de Ophelia.


(1) Tradução do Poeminha:

“À claridade da lua,
Meu amigo Pierrot,
Empresta-me a tua pluma
Para escrever uma palavra.
A minha vela morreu,
Não tenho mais fogo,
Abre-me a tua porta,
Pelo amor de Deus”

Um poema que achei bonitinho e melancólico que roubei de uma fanfic descaradamente :B