quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Parte 75 - Quando a espada atinge seu objetivo.

Elyon alcançou os portões do palácio com uma naturalidade incrível.
Catherine parecia um fantasma, com seus olhares vazios e passos de som inaudível.
- Chuva - Elyon parecia aborrecida - será que teremos que lutar aqui, no jardim, em frente ao palácio?
- Prefiro lá dentro... - sussurrou Catherine - embora aqui tenhamos como fugir.
- É verdade - Elyon sorriu de canto, olhos brilhando juvenis - mas... quem disse que vamos fugir?
As duas ficaram admirando o palácio, tão confiantes, de olhares tão brilhantes.

Foram poucos os minutos.
Mas foram bem passados, ambas com semblantes importantes, tão superiores! Mal sabiam que,

- Olá.
Ophelia estava muito serena. Talvez estranha.
Parecia uma garotinha, ou mesmo uma noiva, com aquele vestido tão branco, tão suave, a saia tão rodada, parecendo saia de princesa. Era toda branca, rodada, e tinha vários bordados dourados feitos à mão. Eram bordados discretos, mas tão elegantes, e era somente ramos e ramos de flores, somente ramos e folha. E devagar, os ramos dourados sumiam, deixando somente a imensidão branca, e a saia terminar na cintura, com o corpete também branco. E parava ali. Ophelia não usava luvas, nem calçados, nem qualquer tipo de enfeite para cabelos. Era o corpete, a saia e as roupas de baixo.
Parecia uma criança.
- Olá, amigas - ela cumprimentou, sorriso jovial.

- Veio nos cumprimentar no jardim? - Elyon fez uma leve reverência, de forma automática.
Ophelia sorriu, e acenou:
- Ouvi você comentar que preferia aqui dentro... - riu - mas aí vamos arrebentar com o palácio, não vamos?
- Como se você se importasse com isso - murmurou Catherine friamente - aposto que você mal sabe quais verbas são enviadas para escolas, e esqueceu dos criminosos aguardando julgamentos!
- Sim - Ophelia concordou - me conhecem bem, pelo que vejo... não ligo mesmo. O gostinho de vitória me é suficiente... mas vejo também que gostam de apanhar!
Ela havia se sentado em uma das janelas que davam para o jardim, parecendo uma donzela aguardando seu príncipe. Mas Ophelia não era uma donzela que queria um príncipe. Era uma donzela que queria sangue e mais sangue.
Ela mostrou todo o jardim, e completou, com absoluta franqueza:
- E o jardim já está acabado mesmo. Não acho que uma luta aqui fará alguma diferença.
Como Elyon e Catherine não respondiam, Ophelia ousou erguer uma sobrancelha em tom de desafio.
Foi a gota d'água.

foi um passo em falso.
foi o erro de Catherine.

foi tão rápido!
Elyon mal conseguiu enxergar, Elyon mal conseguiu acompanhar.
Ela só sabia, que por puro instinto, conseguira salvar Catherine. Fazê-la respirar por minutos a mais, apesar de toda a respiração estar suspensa. Ela só conseguia ofegar ao perceber que Ophelia já estava ali, de frente a eles, e Elyon defendera Catherine com a espada, contra uma outra espada, espada estranha, parecendo ser de madeira.

Foi um passo a frente de Catherine.
E foi um ataque de Ophelia que mal conseguiu ser entendido.
Elyon protegeu a amiga sem saber de onde vinha o ataque.
Sim, meus leitores, foi pura pura sorte. E foi rápido, e Ophelia seguiu.

O segundo ataque fez cair sangue. Catherine recuou um passo, Elyon contou dois passos à frente. Não ia deixar mais uma amiga morrer, e oh yeah, ela morria se fosse preciso. Ces't le vie. A vida é assim. Ophelia, com todo aquele ar sereno e aquele sorriso a la Mona Lisa, moveu um dedo. Só o dedo indicador.
Só o dedo indicador que se transformou em algo monstruoso, e só este dedo serviu para confundir Elyon, a fazendo acreditar que ele se moveria para a direita. E deixou a guarda aberta, fazendo com que Catherine fosse ferida no abdomên, à esquerda. Perfurada por algo fino, Catherine não ficou chocada.

Claro, ficou surpresa.
Claro, ficou, por um só momento, surpreendida.
Mas ela não se chocou, nem sentiu dor, nem gritou ou chorou.
Ela riu.
- Você acha que consegue me ferir? - Catherine riu, seus cabelos tão soltos e seus olhos tão vivos - você acha que consegue me machucar? Não consegue, Ophelia, não consegue! Incompetente!
Catherine abriu os braços, sem se incomodar com o filete de sangue que escorria lentamente pela perna esquerda.

- Me mate - Catherine sorriu, - me mate.
Ophelia a deixou cair para trás, somente sangrando. No fim das contas, Catherine nunca seria realmente morta assim como Olga continuava viva, permanecendo em suas memórias tão reais.
- Acho melhor, Ophelia.
Catherine se ajoelhou, curando a si mesma lentamente, sem alguma pressa. Só queria ficar calma, e se afogar no desespero de uma vez.
- Ophelia, não seja tão cruel.
Elyon se ajoelhou ao lado de Catherine, preocupada com o estado da amiga e se sentindo culpada por ter se deixado enganar.
- Ophelia, você não me deixou saída.
Não era algo que Catherine ou Elyon pensava. Eram somente frases jogadas ao vento, frases doces e cruéis.
Frases que tinham eco na mente de Ophelia.
Frases nem tão sutis, mas que eram as últimas lembranças de Ophelia antes de ela dormir por anos e anos.

- Eu...
Ophelia deu um passo para a frente. Olga nunca havia morrido realmente, não era? Mesmo que seu corpo ficasse inerte, sua voz, suas expressões, seus hábitos continuavam ali, como um fantasma. Não era assim?
Era fascinante, não era, o modo como todas elas superavam a morte de Olga?
Era simplesmente deslumbrante ver como Ophelia dava seus passos, nunca realmente assumindo a culpa de ter matado Olga. Ela assumia tudo, mas por dentro, ainda se negava. Olga era uma mulher viva, tão alegre.
E para parar a Ophelia, utilizou a própria vida.
A culpa era toda de Ophelia.
- Eu não me incomodo com as lembranças - disse Ophelia.

E como não se incomodava, todo apelo que Olga fizera para salvar as amigas foi inútil.

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A chuva caía forte demais.
Raficha cuidava da mesa, escutando o barunho, e ora dava uma olhada em May que dormia ora pensava por onde andava Raveneh para cuidar da filha, se esta acordasse.
Ela se sentou na mesa, a cabeça virada para a porta, entediada. Via Amai devorando livros a tarde toda, e todos estavam em alguns cantos do abrigo, refugiados da forte chuva.
Estava entediada. Já fizera tudo que tinha que fazer, e não estava com vontade de praticar algum passatempo, como resolver palavras cruzadas ou ler algum livro de mistério.
- Ora - ela disse, quando Raveneh e Johnny entraram no abrigo, ensopados e rindo.
Raveneh deu mais umas risadas constrangidas ao ver Rafitcha e se refugiou em algum corredor, provavelmente para trocar de roupa. Johnny, ao contrário, sacudiu os cabelos fazendo May reclamar que estava molhando o livro e deu um sorriso para a irmã, que não moveu um dedo.
- Hey, como vai, senhorita Rafaela? - ele disse, se sentando em uma cadeira também.
- Você está molhando a cadeira, se sentando nela - observou Rafitcha, com um sorriso frio - e vai ficar gripado se não se trocar logo.
Johnny riu.
- O que foi, irmã? Está triste?
Rafitcha não o encarou, mantendo um frio sorriso.

Johnny conhecia Rafitcha tão bem que até ela mesma ficava surpresa.
Quando Rafitcha ficava calada, entediada e seus sorriso ficavam estranhamente falsos e distantes, Johnny sabia que ela não estava bem. Quando Rafitcha não o encarava, e se usava um tom maternal, era porque lembrava dos pais.
Sempre os pais.
Como eram?

- Rafitcha...
- Quando foi a última vez que visitamos nossos pais? - Rafitcha perguntou, um tom tão frio e distante.
Johnny teve que pensar um pouco antes de responder.
- Há três anos.
- Porque eles moram longe demais, no sul... - Rafitcha suspirou - e não tivemos nenhuma notícia deles.
Baixou a cabeça, deitando-a na mesa. Johnny acariciou seus longos cabelos, quase que a consolando:
- Provavelmente foram para um abrigo, eles são ricos, sabe disso - dizia - mas... hey, fique calma, eles vão ficar bem!
- E se eles já foram atingidos? E se eles não conseguirem? E se...
- HEY!
Johnny fixou o olhar em Rafitcha.

Rafitcha não chorava.
Mantinha-se fria, calma, controlada. Mesmo que por dentro, a preocupação estivesse em um nível absurdo.
- Fique calma - Johnny disse. Ele nunca soube como poderia tranquilizar a irmã, como poderia tranquilizar a garota mais velha que ele, a garota que nunca se abalava, a garota que sempre se mostrou acima de qualquer coisa. Como se tranquiliza uma criatura aparentemente tão impenetrável?
- Eu sei que eles devem estar bem - murmurou Rafitcha - mas... creio que eles morreram, Johnny.
- Ra-
- Eles morreram.
- Como sabe? - a tensão na voz de Johnny era visível, ao que Rafitcha deu um olhar compadecido.
- As possibilidades são demais, Johnny - ela disse, sua voz ficando menos fria a cada palavra - mamãe odeia sair daquela casa, você sabe, e eles moram muito no extremo, em uma área pouco urbana, sabe disso! Eles desprezam os abrigos, odeiam ficar longe da riqueza! E se até a capital está ficando arruinada, que dirá a área onde moram os nossos pais?!
Johnny não ousou contradizer.

Rafitcha não disse mais nada, somente um severo 'vá se trocar'.
Ao passo que ela terminou a frase, Raveneh voltou, faces coradas e um vestido seco, em tons de terra. Ela sorria de orelha a orelha, mas ao perceber a frieza de Johnny e de Rafitcha, logo perguntou, preocupada:
- Aconteceu algo?
Rafitcha entregou-lhe uma faca de cozinha.
- Não. Não aconteceu nada. E... o jantar de hoje é com você e Tatiih, certo?
- Sim.
- Então ficarei lendo ali. Qualquer coisa me chama.
Raveneh pegou a faca, passando o dedo por sua lâmina.
- Ok, Rafitcha.

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Logo, logo iria acontecer o pôr-do-sol.
Talvez a chuva parasse até lá.
E talvez Elyon não visse a chuva parar.
E talvez Catherine teria o mesmo destino.

- Não tenho medo - Ophelia disse também - de que as suas almas me assombrem.
Catherine recuou, por puro instinto. Elyon não fez isso. Ela sempre foi do tipo que atacava para sobreviver, e era exatamente isso que se traduzia naquela pequena e simples batalha.
A espada de Elyon foi muito rápida.
Ophelia não viu. Se viu, então ela permitiu.
O fato é que Ophelia desabou no chão, porque a espada cortou as suas pernas, abaixo do joelho.

Foi tão rápido e o branco se tornou vermelho.
Foi tão rápido e Ophelia caiu pra trás, sem pés.

Ophelia se apoiou com as mãos no chão, encarando os dois pés que lhe pertenciam.
E encarou Elyon, a espada suja de sangue e uma expressão assassina no rosto.
- Mostro - disse Elyon - mostro!
Ophelia sorriu.
- Concordo - disse - plenamente. Eu sou um monstro.

Foi apenas um sorriso.
Mero e simples sorriso.
Ophelia não conseguiu se levantar, mas ela não se incomodou.
Seu vestido se sujava de sangue, com as pernas decepadas, mas não se incomodava.

Elyon ergueu a espada mais uma vez, pronta para cortar a cabeça de Ophelia antes que ela se recuperasse da momentânea surpresa, mas foi impedida por Catherine.
- Ca...!
Catherine estava de pé, respirando apressadamente, buscando mais mais mais ar, olhando para Ophelia com frieza.
Parecia irritada com algo.
- Você é tão idiota, Elyon - Catherine disse - tão, tão tolinha, amiga. Pensei que fosse mais esperta.
Elyon deixou a atenção vacilar, seu espírito se magoando com as palavras da amiga. Catherine a ignorou, ficando na sua frente.
- Ophelia - disse.

Ophelia tentou ficar de pé, mas não conseguiu.
Mas ela não estava abalada, e nem parecia prestes a morrer.
Ela só estava brincando de perder.

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Lala chegou ao salão e parou de repente.
Olhou para as portas.
Alguma coisa estava errada.

Ouvia o barulho da chuva lá fora, os pingos batendo no cristal do palácio, as janelas abertas mostrando todo o céu fechado.
Era uma chuva demorada.
- Droga...

Correu até o quarto de Ophelia para ver se ela estava lá, afundada em projetos de dominação mundial, e seu estômago se revirou ao ver que a cama estava impecavelmente arrumada, e o perfume preferido de Ophelia pairava no ar. Mas sem ela.
Desarrumou os lençóis, confusa.
Droga.
Tudo naquele quarto lembrava Ophelia.

Os lençóis de cetim, o mapa de vários reinos com dardos coloridos simbolizando os conquistados, a penteadeira com frascos. Aquele sentimento quase insuportável de que alguma coisa estava faltando. E pela janela aberta, se via a chuva.
Tão nublado.
A chuva, triste e pensativa.
Onde estaria...

!

- Drogadrogadroga - desceu as escadas, procurou pelos quartos vazios, até achar um cuja janela estivesse aberta e desse para o jardim. Se esgueirou pela janela, mas tudo se nublava com a chuva.
- Droga.

Ophelia sorria.
Lala ofegou.

Lala parou de imediato, ao conseguir enxergar a Ophelia, seus cabelos se ensopando com a chuva, seu vestido branco ficando encharcado e o sangue se esvaindo.
Ela foi ferida?
Lala ficou uns segundos na janela, seu coração confuso, sua vista tão obscura.

A luta não iria demorar muito, ela sabia.

Obrigada, obrigada, obrigada pelos nomes, Umrae *-* Nossa, amei alguns nomes, tão lindos! Obrigada ^^ Bem, esse capítulo é mais um prenúncio do que realmente UAU!, se é que vocês entendem. E de novo, perdoem pela ausência espaçada entre os posts, mas o problema da internet está se tornando cada vez mais crítico: toda hora cai, e sempre cai por dias seguidos, e tudo o mais... Hoje meu namorado teve que ir na casa onde o modem fica (já que a nossa net é compartilhada), resolver tudo... Bem, não sei se ela cairá de novo, espero que não... Esse problema de conexão está se tornando tão crítico que já cogitamos mudar de modem, passar a ter um só nosso em vez de compartilhar. Bem, de qualquer modo, vou postar sempre que a conexão me presentear ^^

Um comentário:

. L disse...

*o*
Lutas lutas lutas lutas!