quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Parte 72 - Crepúsculo.

- Boa noite - disse Gerogie, fazendo uma leve reverência - eu irei dormir.
Rafitcha a encarou espantada:
- Nem deu seis da tarde ainda! - ela disse admirada, ao que Gerogie respondeu delicada:
- Quero dormir agora e descansar por ora. Partirei de madrugada, assim chegarei a Grillindor amanhã de noite.
- Oh, entendo - Rafitcha sorriu - deixe-me preparar sua cama, temos um quarto de hóspede...
- Não precisa - Gerogie se virou - eu dormirei na sala, espero que não se incomode.
- Quê? Ah, não... - Rafitcha observou Gerogie se sentar no canto da sala, e dormir apoiada na parede, coluna ereta.
Ela é estranha...

Voltou a atenção para as roupas que ajudava a remendar.
Raveneh entrou na sala, jogando sobre a mesa as pouquissímas ervas que serviam de tempero.
- Droga - murmurou, cabisbaixa - só posso temperar muita pouca coisa com manjericão.
- Pelo menos temos o sal - Rafitcha tentou consolar - é alguma coisa, não é?
- Pode ser - Raveneh olhou para um ramo de manjericão - bem, farei alguma coisa especial hoje. E aproveite bem, Rafitcha. Pode ser a última refeição realmente gostosa que prepararei por todo o ano.
Rafitcha sorriu, parecendo se conformar.

Johnny entrou no abrigo, trazendo algumas lenhas, juntamente com Ly. Raveneh festejou a volta deles, correndo para abrir espaço na lareira. A lareira tinha ligação com uma chaminé, muito bem disfarçada na floresta de modo que se alguém visse a fumaça, iria achar que era o suspiro de algum dragão flamejante. Mas normalmente alguém versado em magia como Rafitcha encantava a lenha de modo que ela queimasse, e a fumaça subisse de forma inodora e praticamente incolor. Era uma magia bem simples, e para Rafitcha, não era esforço nenhum. Afinal, era um modo de ela utilizar aquelas coisas que aprendeu na escola.
- Eu vou começar a fazer o jantar - disse Raveneh para Johnny, analisando suas mãos - poderia trazer uma galinha?
- Uma galinha? Esbanjando comida? - Johnny sorriu, ao que Raveneh juntou as próprias palmas das mãos, sua expressão assumindo um ar de tristeza:
- Queria algo especial. Não sei, afinal ainda estamos todos vivos, não é?
Johnny passou a mão nos cabelos dela, sorrindo de forma consoladora:
- Sim, querida. Por enquanto, estamos todos vivos.
Ele deu as costas, saindo do abrigo.
Logo, logo daria as seis horas e ela ainda não havia começado a preparar o jantar! Rafitcha largou as roupas para ajudá-la a cortar alguns tomates, a preparar a massa do macarrão, a temperar tudo com cuidado e quando Johnny trouxe a galinha, quinze minutos depois, ajudou Raveneh a assar a galinha, temperá-la, e também as duas prepararam um bolo de trigo, e aproveitaram o suco de laranja e morango que sobrara do almoço, e fizeram render o suco para o jantar. Aproveitaram todas as sobras, e fizeram tudo com esmero, que mal se deram conta do tempo que passara e de que por um longo tempo, não teriam mais como preparar esse tipo de coisa...

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- Finalmente ela chegou - Ophelia sorriu - apresento-lhe a Ravèh.
- Prazer.
Parecia uma humana completamente normal.

Cabelos longos, completamente lisos, sem franja ou qualquer coisa do tipo. Eram de uma cor loira, quase branca.
Seus olhos eram quase felinos, pelo formato dos olhos, pelas sobrancelhas loiras e arqueadas, e as íris verde-lua, quase amarelada. O contorno dos seus lábios eram bem definidos, e a cor era bem rosada. Vestia um vestido, muito justo no busto e bem largo a partir da cintura. Era um vestido bonito, todo azul-marinho, com riquissímos bordados dourados. Seus dedos eram longos, suas unhas eram de formato oval, seu sorriso era estranhamente sádico, suas orelhas pontiagudas.
- Não parece um demônio - observou Alicia, seus braços pendendo das correntes, a cabeça abaixada.
- Não tomarei o formato de demônio - Ravèh sussurrou, sua voz tão musical, aveludada, baixa.
Ophelia fez uma leve reverência:
- Obrigada por me ajudar, Ravèh. Lembre-se das regras. Deixo-as com você.
- Ok, Ophelia.
Ophelia deu um sorriso e saiu da masmorra, deixando Ravèh sozinha com os três prisioneiros.

- O que fará conosco? - Alicia resmungou, erguendo a cabeça - comerá a todos nós? Por quem começará?
- Uma opinião tão baixa de mim! - Ravèh parecia falsamente indignada - qual seu nome, minha querida?
Alicia fechou os olhos para responder. Não queria ver o rosto dela. Não queria pensar em ser morta.
- Alicia.
- Belo nome - Ravèh disse - mais bonito que o meu. E o seu é Siih, suponho.
Siih não respondeu. Estava de cabeça baixa, se recusando a responder qualquer coisa. Ela rangia os dentes, procurando uma forma de escapar daquelas algemas. Concentrava toda a sua energia possível nas algemas, tentando rompê-las de todas as formas que conseguia imaginar.
- Não vai conseguir - Ravèh a encarou sorrindo - essas masmorras estão protegidas magicamente. Mesmo que você exploda, ainda assim as algemas ficarão inteiras.
Siih a olhou furiosa.
- O que fará conosco? E que regras são essas que Ophelia falou para não se esquecer? - perguntou Lefi em um tom completamente morno, sem nenhuma alteração.
Ravèh o encarou, seus olhos brilhando de expectativa.
- Menino curioso - disse - não me admira que Ophelia tenha te trancado aqui. Mas como não sou um monstro, direi as regras que tenho que obedecer... primeiro, não devo comê-los. Segundo, não devo matá-los. Terceiro, não devo deixar escapá-lo. Eu posso esquecer a primeira e a segunda regra se vocês escaparem e não tiver opção além de matá-los. Portanto farei tudo menos as três regras que citei.
- Então... - Siih disse, olhando para Ravèh de forma tranquila - ...devo presumir que você vai nos torturar queimando-nos, privando-nos de sono e comida, mergulhando a nós em água fria, dando cortes em todas as partes, cortes que só sangram e doem, e ardem. E humilhará, baterá, e fará de tudo para que a gente peça a morte no final. Estou certa?
Ravèh sorriu, seus olhos brilhando de forma anormal.
- Você está... - seus dentes alinhados se mostraram - ... certissíma!

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- E aí, como faremos? - Elyon murmurou, apontando para o corpo de Catherine - não podemos ir até a capital e atacar Ophelia se não temos roupas.
- É verdade - Catherine murmurou - que incômodo...
Elyon se levantou:
- Você acha que ainda tem alguma roupa em Cherllaux?
- Duvido. Mas vá lá, se achar que ainda tem algo lá.
Elyon fez um sinal de retinência, sorrindo.
- Irei. Fique aqui, que já volto.
Catherine a encarou de forma brincalhona.

Elyon correu entre pelo que restava das árvores, dos troncos caídos no chão, seus pés sentindo a aspereza do chão, as pernas sentindo o vento que causava ao correr.
Foi quase como voar.

Cherllaux não era mais nada, praticamente.
Nenhuma casa estava em pé.
O chão era lama, o ambiente era frio e vazio.
Se tinha alguma roupa aqui...
Observou as montanhas por perto.
... desapareceu do meio dessas ruínas de madeira. Que triste fim.
E havia sangue. Muito sangue: pedaços de monstros por todo o canto, pedaços retorcidos e sangrentos, tripas a céu aberto.
- Que nojo - Elyon contorceu a cara, mas continuou em frente. Correu bastante, procurando por uma casa em pé.
Havia uma, muito longe dali. Podia avistá-la de longe, um tímido casebre, discreto no meio do nada, ao pé das montanhas.
Correu até lá, a velocidade triplicada.

- hah.
Elyon abriu a porta de uma vez só, sem se incomodar. Com certeza não haveria ninguém ali.
Acertara.
Tinha três quartos, uma sala.
Na sala, um sofá com sangue seco em cima.
- demônio?
Foi até os quartos. O primeiro estava vazio, uma cama e um criado-mudo.
O segundo também estava vazio, embora a cama estivesse com as cobertas reviradas, e o castiçal de vela caído no chão, a vela apagada e esquecida. Não havia nenhum armário ou cabideiro, embora tivesse um chapéu em cima da cama.
No terceiro quarto que Elyon deixou escapar um murmúrio de assombro.

A cama era enorme, de casal. Em cada lado, um criado-mudo, castiçais de velas caídos no chão, um armário. As cobertas estavam reviradas, e em cima das cobertas, Elyon podia ver três pessoas. Uma mulher, um homem e uma menininha.
A mulher estava de barriga para cima, os olhos fixados no teto, e a pele parecia encolhida. O homem estava em idêntica situação, porém a menininha estava de bruços, os olhos fechados. Todos tinham o abdomên perfurado, nenhum apresentava todos os órgãos, e podia se perceber os ossos quebrados, as partes moles como braços cujos ossos foram retirados e recolocados.
- Um demônio cuidadoso - Elyon reparou, abrindo a porta do armário - porquê colocaria os ossos de volta?
Abrindo o armário, encontrou várias roupas. Duas capas de inverno gigantescas, uma capa menor. Havia mais roupas como blusas de frio, calças e vestidos, além de botas. Todas em um bom estado. Três quartos, três pessoas mortas. Se a mulher e o homem constituiam um casal, e portanto dormiam juntos no mesmo quarto, então de quem seria o primeiro quarto? Apostava que a menininha fora acordada pelos pais durante a noite, e talvez iriam escapar pela janela aberta do quarto. Provavelmente não deu tempo. Mas no chão, havia pegadas de sangue de uma só pessoa. Pegadas pequenas, sutis.
Eram menores do que a da menininha.
Intrigada, pegou duas capas de inverno, dois pares de botas, duas calças e duas camisas brancas. Foi até a janela, reparando nas pegadas. O caminho ia até à montanha, onde havia um corpo.
Havia urubus em volta do corpo.

Elyon voltou à Catherine, todas as roupas entregues.
- Demorou, mas conseguiu - Catherine disse, sem felicitar - hey... o que foi?
- Nada - foi a resposta de Elyon.
Realmente, não acontecera nada. Só uma família inteira assassinada e ninguém para enterrá-la. Olhou para suas mãos sujas de terra, engolindo em seco. Não fora muito cuidadosa, mas achava que dera conta do recado. Pelo menos cuidar delas depois de serem mortas. Pelo menos para serem enterradas, embora Elyon lamentasse não poder queimá-la, mas não tinha lenha naquele lugar.
Tudo havia sido destruído e reduzido a pó.

Até quando?

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- Uau - Umrae murmurou ao observar os pratos apresentados - esbanjando prosperidade na guerra, Raveneh?
- Exatamente - Raveneh disse, se sentindo orgulhosa. Fez questão de que Nath permitisse Kibii se instalar na mesa, junto com os outros, o que fez Kibii sair do leito e se sentar com os outros, mesmo que ficar sentada lhe causasse dores e o barulho dos garfos e das conversas lhe incomodasse. Raveneh continuou, quase como se estivesse solene: - não sei quem vai sobreviver no final dessa guerra, e pode ser que alguém aqui morra, como aconteceu como Yohana. Então eu e Rafitcha fizemos um jantar, para que... pelo menos tenham essa lembrança para o resto da vida, mesmo que Ophelia assassine a todos nós.

Todos encararam o frango e a macarronada com certa reverência.
Comeram em silêncio, quase como se fizessem uma oração.
Doía triturar a comida com os dentes para Kibii, mas ela não se incomodou: a dor lhe era uma velha amiga.

De fato, era uma lembrança que ficaria para sempre gravada nas lembranças de todos. Era um simples jantar, mesmo que parecesse esbanjador em época de guerra. Mas mesmo assim, era um simples jantar que ficaria nos corações, até o momento da morte. Era um jantar inseguro, incerto. Todos comiam aquilo como se fosse a última vez que veria comida, como a última vez antes da época das vacas magras.

Comiam como condenados à morte.

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Alicia foi a primeira vítima.
Jogada no canto, sem as correntes, recebia todo tipo de golpe.
Era tortura sem motivo, puramente por vingança, somente para pagar pelo pecado de ofender Ophelia.

Mas ainda assim Ravèh não gostou daquela mocinha, daqueles olhos frios e cinzentos, daqueles cabelos tão longos, lisos e loiros. Cuspiu sangue mais uma vez e tentou se levantar, mas Ravèh a golpeou na barriga e a fez desabar novamente.
- Alicia! - Siih gritava, toda vez que Alicia era machucada.
Ravèh não podia se transformar em um monstro, pois a magia contida nas masmorras impedia tal ato. Mas ela podia estender seus braços, fortalecendo-os, e golpeando todos à distância.
- Ela resiste bem - Ravèh murmurou - vamos ver como ela se sairá com os brinquedinhos?
No fundo do lugar, havia uma série de aparelhos estranhos, e mais correntes penduradas do teto, e um certo ar de maldade.
Ravèh jogou Alicia contra uma parede, fazendo-a perder a consciência por uns uns três segundos.
- Alicia - murmurou Ravèh - levante-se.
Alicia continuou ajoelhada, as mãos apoiando o corpo. Ofegava, não queria se levantar. Ouvia Siih gritar horrores, ouvia a respiração pesada de Lefi. Ouvia os suspiros impacientes de Ravèh, mas sinceramente não estava nem aí.

Deveria ter se preparado melhor.
Deveria ter sabido que a vitória exige alguns sacrifícios.
Deveria saber que ela tinha todas as chances de não chegar ao final.

Levou uma mão à testa, percebendo que ali sangrava. Sorriu, achando aquilo cômico. Tantas vezes sendo golpeada com socos, sendo jogada contra a parede e tudo o que Ravèh conseguira fazer era fazer sua testa sangrar. Que ridículo!
- Levante-se, idiota! - gritou Ravèh.
Alicia olhou para Ravèh, embora sua visão estivesse sendo ofuscada pelos cabelos, tão orgulhosamente penteados.
- Tire esse cabelo na cara - Ravèh sussurrou - agora.
- rs.
Alicia se levantou, suas pernas trêmulas.
Não havia quebrado nenhum osso.
- droga - Alicia murmurou - droga.
- O que disse? - Ravèh sussurrou - não tem o direito de dizer nada.
Alicia a encarou, os olhos frios:
- Eu disse: vá à merda.
Foi jogada contra a parede novamente, sem direito de reclamar. E foi jogada de novo, por dez vezes seguidas.
- NÃO - Ravèh gritava enquanto a pegava em seus braços enormes - OUSE ZOMBAR DE MIM.
Alicia só ria.
Da primeira vez que foi jogada contra a parede, ria.
Da terceira vez, gritava de dor.
A partir da sétima vez, ela já estava inconsciente, a testa já sangrava mais e ela não acordou, não durante aquela noite.

- Agora - Ravèh sorriu diabolicamente - vamos brincar com outra bonequinha!

Não, eu não baseei o título do capítulo na nova onda chamada Crepúsculo.

2 comentários:

Umrae disse...

Que bom que pelo menos você se mantém a salvo dessa emisse vampiresca...
Que raiva desses demônios sádicos. Já se esbaldaram demais, vamos congelá-los todos logo (sim, gelo dá mais dano em demônios do que fogo). Teremos dragões brancos também?
Eu fiz um esboço do desenho da Gerogie, mas preciso corrigir porque o corpo ficou estranho, e passar a limpo, porque borrei tudo.
Bjo

PollyQueiroz disse...

Que bom que pelo menos você se mantém a salvo dessa emisse vampiresca...2

eu fiquei um pouco longe *apanha*
mas li os capítulos anteriores, e os respectivos comentários :P

Meus sinceros parabéns pra Umrae, mto sucesso pra ela no novo emprego *w* tou mto feliz


tou mto feliz pq tou aparecendo mais *-*

beijão!!