quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Parte 73 - Algum medo.

Kibii acordou de noite, tendo sobressaltos.
- O que foi, querida?
Ela se sentou, por mais que doesse. Tocou as ataduras em todo o torax.
- Oh, veja, já sabe atirar a nossa princesinha!
De quem era essa voz? Era uma voz feminina, um tom tão maternal... pertencia à uma pessoa sem rosto, e ela não conseguia identificar, por mais que a pessoa estivesse ao lado dela, e passava a mão em sua cabeça, e ela sorria. Sim, se fechasse os olhos, podia ver seu sorriso.
Droga, era alguma coisa diferente nos sonhos que ela sempre tinha. Mas ainda assim a sensação de não conseguir identificar persistia.
- Minha princesa, ela te machucou?
Droga. Droga. Droga.
Ela olhou para o lado. Estava sozinha na enfermaria, todos os leitos vazios, tudo escuro. Provavelmente Nath está dormindo, deduziu Kibii. Ela se levantou, apoiando os pés no chão com dificuldade.
Gemeu de dor.
- Onde está doendo?
A voz ainda sussurrava em seus ouvidos, como se fosse de uma mãe. Será? Aparecera uma mulher essa noite e ela estava vestida de uma forma tão bonita, com o vestido todo branco e leve, e era perfeita. Suas mãos eram delicadas, e sua voz era linda. Mas não conseguira ver o rosto dela: a cor dos olhos dela permanecera misteriosa, a forma como ela sorria continuava nublada. O riso e a preocupação se mostravam na voz de forma clara, mas o rosto dela...

Andou até a porta da enfermaria, e a abriu.
Na ponta dos pés, foi até a sala de jantar e depois a de estar por onde teria que passar para chegar ao quarto onde dormia normalmente, antes de ser raptada por Ophelia. Mas parou ao chegar na porta da sala de estar, quando escutava duas vozes:
- Vai agora, Gerogie? - era a voz de Umrae.
- Sim - Gerogie respondeu - obrigada pela hospitalidade, Umrae. De noite, chegarei à Grillindor.
- Que bom - Umrae parecia satisfeita pelo tom de voz - presume que se você chegar de noite, ela partirá que dia?
- No dia seguinte, de noite. Pois ela necessita de um dia para escolher os dragões da lista que ela já preparou, e também para arrumar tudo. Bem, aconselho que não façam nada até ela chegar.
- Sim - Umrae sorriu - obrigada, Gerogie.
Kibii ouviu passos de Gerogie subindo pela escada, em seguida a Umrae fechou a porta do abrigo e voltou ao seu quarto. Na verdade, um cubículo onde só havia uma cama, modesta. Afinal tinha vários quartos pelo abrigo, e a maioria era dividida em cubículos para garantir privacidade às pessoas. Kibii andou na ponta dos pés, e muito discretamente andou pelo corredor do quarto principal, onde dormia. Passou pelo cubículo onde Rafitcha dormia, e outro onde Thá repousava. Parou ao perceber que Umrae ainda estava acordada. E o seu cubículo ficava bem em frente ao de Umrae, e Umrae ainda não fechara a cortina que ocultava o interior do cubículo.

Dentro de dois minutos, Umrae fechou a cortina, e foi esse o tempo que Kibii usou para entrar no seu próprio cubículo. Sorte que a cortina já estava fechada, pois se fazia muito barulho ao fechar a cortina.
Ela se sentou na cama que era mais um colchão com lençol, coberta e travesseiro. Ao lado, uma bolsa enorme. Abriu a bolsa com cuidado, encontrando suas roupas e as relíquias que sempre guardava. Também havia uma sacola, e uma maleta cheia de coisas como cremes que usava para cuidar do cabelo, loções para limpar lâminas de espada, perfumes.
Tudo intocado.
- Boa noite, Kibii - era a voz, tão madura, de Umrae - resolveu dormir aqui?
Kibii levantou a cabeça, espantada:
- Mas...! - gaguejou, mas logo controlou a voz - quando foi que...?
- Desde que saiu da enfermaria - Umrae sussurrou - eu tenho um ouvido muito bom, Kibii.
- Percebi.
Ela se deitou sobre a cama, suspirou.
- De fato, odeio a enfermaria - Kibii admitiu - é chato ser tão cuidada.
Umrae riu.
- Se obedecer Nath direito, poderá usar suas flechas - lembrou Umrae - mas esquece, não vou te colocar na linha de frente de novo.
- Quê - Kibii se levantou - mas?
- Primeiro, porque Nath proibiu. Não lutará de perto, somente à distância. Segundo, espero que não precisemos de batalha frente a frente.
Kibii não reclamou.
- Você... - abaixou o tom de voz - ...pretende matar Ophelia?
- Sim, mesmo que não seja pelas minhas mãos.
A arqueira ficou em silêncio.
- Esquece - disse, por fim - ela é um demônio. Não se pode matá-la.

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Cinco e meia da manhã.
- hah - Alicia se ajoelhou, apalpando a testa - hah
- Cadê a bruxa? - Siih permanecia deitada, seus pulsos presos em um aparelho de ferro - eu não a vejo.
Lefi se sentou, encarando a porta. Seus pulsos estavam marcados, e havia um corte na testa, além de alguns cortes menores nas pernas, por onde a calça fora rasgada.
- Ela saiu há uma hora.
Conseguiu se levantar. Somente Siih estava amarrada, os dois pulsos atados com cordas, e a corda se prendia à uma estranha caixa de ferro, toda cheia de buracos.
- Vou soltá-la - disse Lefi, mas Alicia o impediu.
- Veja.
Lefi e Siih olharam para cima. Da caixa, saía várias cordas que se prendiam em frágeis arames do teto, e na ponta de cada arame, uma enorme bola de ferro, massacradora. Equilibrava-se na ponta do arame com maestria, esperando somente uma tensão para desabar de vez.
- Não tem como Siih escapar, pois a corda é impossível de se cortar ou romper - Alicia disse em um tom professoral, ainda assim tenso - se ela mexer os pulsos de forma mais drástica, as bolas caem, tudo de uma vez. Ela seria esmagada.
- E como se libertaria alguém assim? - Lefi perguntou, ao que Alicia respondeu cheia de dúvidas:
- Teria que escalar até lá em cima e tirar todas as bolas, uma por uma. Provavelmente tem que abrir a caixa depois, pois a corda é mágica.
Siih ofegou. Só o nervosismo de não poder puxar os pulsos...
- E porque nos soltaram? - Lefi indagou, mas quanto a esta pergunta, Alicia respondeu de forma certeira:
- Nós que teremos que soltar Siih. Claro que obedecendo às regras de Ravèh. O que envolverá em quase uma morte de um de nós.
Siih encarou a porta com frieza, tentando concentrar sua energia nas cordas. Não podia, ela era a rainha legítima! Era da família real, e as masmorras não podiam simplesmente aprisionar uma rainha...

- Minha princesinha, nem todos te amam, minha querida...

Nem todos te amavam, Siih.
Não era porque era a Rainha que todos te adoravam.
Não era porque era a Rainha que você era imune aos outros.
Siih, você não é digna.
Mas Ophelia também não era digna!
Era simples, meu bem. Era simples demais, óbvio.

Quem, neste mundo, merece um reino?

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- Podemos chegar agora - Elyon murmurou - se nos apressarmos.
- Mas aí a nossa energia vai ficar evidente! - Catherine alertou, ao que Elyon sorriu:
- E daí? Você acha que ela vai nos impedir de entrar no palácio?
Catherine abaixou a voz, quase que sussurrando:
- Ela vai nos matar.
- Eu sei - Elyon olhou entre algumas árvores - mas... já sabemos disso, certo?
Catherine não disse nada. Somente se apoiou em uma árvore, observando os galhos secos no chão.

- Catherine...
As duas amigas se olharam. Eram olhares desinteressados, frios, cruéis até.
Aconteceu quando?
Quando Olga era a terceira alma, quando Olga era uma mulher sorridente, quando tudo ainda era melhor...
- Catherine, você sente ódio de Ophelia?
Elyon a encarava com frieza, mas a amiga podia perceber ternura ali atrás, quase como se tivesse pena. Desviou o olhar.
- Não - admitiu Catherine.
- Eu também não - Elyon disse, se aproximando de Catherine - mas por Olga, eu faço qualquer coisa e sabe disso.
Catherine conseguiu controlar as lágrimas, sua voz saindo perfeitamente tranquila, com uma nota de indiferença:
- Claro que sei. E Olga não odiava Ophelia também... - seus olhos estavam estranhamente úmidos - mas ela era tão boa, tão singela... Olga era a melhor pessoa do mundo, e mesmo assim não conseguimos odiar a sua assassina...
Elyon abraçou a amiga, que virou o rosto para o céu, fixando seu olhar nas nuvens tão brancas e vagas.
- Por que não conseguimos odiar Ophelia? Por que não conseguimos sequer sentir pena de Ophelia? É por isso que perdemos a luta naquela época? Por que não sentíamos nem raiva de uma criança? Droga, Ophelia é uma criança, apesar de tudo.
- Não é - Elyon discordou com a sua voz tão suave - ela já tem mente e corpo de mulher.
- E um temperamento infantil - Catherine lembrou - mesmo que ela tenha conseguido sair do corpo infantil, mesmo que tenha passados tantos anos... ela ainda assim mantém a sua infantilidade.
As duas ficaram ali, mil dúvidas a frente.

A relação que todas as outras musas que tinham com Ophelia era de pura indiferença e desconfiança.
O único motivo para matar Ophelia era pura e simplesmente vingança, pelo assassinato de Olga. Mas mesmo esse sentimento se abrandou de tal forma que das sete Musas restantes, somente duas continuaram indo em frente, precisando da vingança como motivo pra viver. Como se devessem isso para Olga.
- Olga era uma boa pessoa, Catherine - Elyon sussurrou - e é por isso que vamos matar Ophelia. É por isso que vamos tentar acabar com Ophelia. Não podemos perdoar o assassinato de uma amiga nossa, Catherine, por mais que a assassina seja uma criança.
Catherine não respondeu.

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Bel completou sua lista, e passou pela área onde ficavam os dragões. Será que Gerogie já havia chegado? Ela tinha medo de que o dragão não conseguisse chegar, ou então não tivesse resposta positiva, qualquer coisa do tipo.
- Bem, chefe - uma menina muito loira, de olhos furta-cor a fitava com alegria - estão todos bem por esta noite. A Zadilla está bem.
- Ótimo - Bel calçou as luvas de proteção, seus olhos sem brilharem - ótimo, Harumi. Aliás, está se preparando para a batalha em Campinas?
- Sim, Comandante - a garota sorriu - iremos que dia?
- Quando Gerogie chegar - Bel disse - começaremos os preparativos finais e verdadeiros. Espero ir umas doze horas depois de Gerogie chegar. Avise aos outros.
- Sim, Comandante Bel!
Harumi era uma doce garota. E extremamente obediente, o que fazia Bel achar que ela era um alvo muito fácil para pessoas más e inescrupulosas.

Harumi voltou ao seu posto, vigiando o Pântano Negro juntamente com Ratta. Ela se espreguiçou, sentada em uma pedra, observando os dragões para lá e para cá, todos de pelagem negra. Havia uns dragões originais, mas eles estavam em forma humana, desprezando aqueles mestiços que não tinham linguagem própria ou inteligência.
- Olá, Ratta. Cadê Polly? - perguntou Harumi, que prendeu os cabelos em um coque desajeitado e ficou sentada em uma pedra, observando Ratta analisar os dentes dos dragões, um por um.
- Não sei - Ratta respondeu, seus cabelos vivamente laranja soltos nos ombros - não sei. hmpf.
Harumi deu algum sorriso.
- Ratta, de onde você veio? E esse é o seu nome real?
A pergunta fez Ratta a encarar com surpresa, mas logo ela sorriu e disse:
- Não, me chamo Nemo Ratta. Nunca disse?
Harumi negou. Ela era extraordinariamente meiga, e nunca foi vista machucando um novato, um dragão, um inimigo. Ela vinha de uma família muito rica, e por pura imposição dos pais, foi mandada em casamento com um importante conde de não-sei-o-quê. Mas, rebelada, se refugiu, mudando de nome e serviu ao Exército de Grillindor. Claro que foi descoberta e todo o país soube da história, mas Bel fez questão de tê-la conosco. Harumi foi deserdada, mas quem disse que ela se incomodou?
- Eu venho do sul de Grillindor - Ratta disse, se sentando na pedra também - naquelas comunidades do Oriente... fugi de casa.
- Oh.
Ratta sorriu amavelmente.

De fato, Ratta fugira de casa.
Tantas brigas, tantos conflitos... filha única, com tantos problemas...
Ainda se lembrava com clareza da noite que fugira.

Suas mãos abriram a janela.
A sacola de roupas estava bem ajustada nas costas.
A noite era fria, e a neve caía sem parar. Lembrava de escutar o ranger da porta, e lembrava da sensação de ter seus dedos tocando a fria madeira. O olhar tão ácido do padrasto foi a gota d'água.
- Quer mesmo ir embora, Nemo? Então vá.
Droga.

Mas agora estava do outro lado do país, foragida. Sua mãe nunca fez esforço para procurá-la, e seu padrasto também não. E ela não lembrava de ter conhecido o pai, assim como não lembrava de um período que brincasse na rua feliz. Preferia ficar em casa, pois as crianças riam de sua cauda de gato. Então se distraía lutando com uma espada de madeira, em seu enorme quarto, e lia tantos livros que logo poderia recitar todos os contos palavra por palavra.
Fora uma criança aparentemente feliz.
Mas ela nunca perdoara a mãe e o padrasto. Nunca perdoara aquele casal pela ausência deliberada, pela falta de amor, pelo abandono. Enquanto criança, precisava de alguém para pegá-la no colo e nunca teve.
Bem.
Agora cuidava de dragões. Tinha certeza que o pai se orgulhava dela, em algum lugar do mundo. Se ele estivesse vivo, queria conhecê-lo. Se estivesse morto, queria que existisse vida além da morte para ele ser um fantasma e a receber com mimos quando ela morresse também. Deu uma olhada nos dragões, sorrindo.
Será que quero essa vida para sempre?
Ela só queria ser feliz. Por mais difícil que isso fosse.

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Ophelia escolheu um vestido particularmente lindo naquele dia.
Todo verde-esmeralda, com flores se desabrochando, bordados de forma tão detalhada, e ela se sentia ainda mais bonita dentro dele. Não tinha mangás, e não tinha alças que sustentassem o vestido. Era mantido na altura dos seios, e se firmava com tanta delicadeza que nem parecia que ia cair. Era um vestido da cor da primavera.
- Belo vestido - disse Dahes, um Glomb de ar um tanto tristonho.
Ophelia não respondeu. Ela não se sentia mais feliz. Queria se sentir mais bonita, por isso escolheu esse vestido e fez um coque nos cabelos, se utilizando de uma linda margarida, ainda úmida de orvalho. Parecia ainda mais bonita, mas não estava mais feliz. Tinha ódio.
- Bom dia - Lala se sentou, utilizando sua habitual roupa preta e nada fez com o cabelo.
Ophelia nada disse. Somente fitou o pão, o mamão e o leite com um certo tremor. Ela não aguentaria alguém mais bonita que ela, e para ela, era o que Lala estava sendo. Como a amiga podia ficar tão tranquila, tão calma?
- Algum problema, Ophelia? - a voz de Lala parecia veneno aos ouvidos de Ophelia.
- Eu... - Ophelia ergueu o olhar, sua face corando com rapidez - nada.
Lala a olhou com certa curiosidade.
- Tem certeza? Parece... doente.
- Tenho. É só que... - Ophelia se controlou.
Lala deu um leve sorriso, e começou a comer seu mamão.

Ophelia sentia que um grande risco estava chegando e tinha medo.
Tanto, tanto medo!

Minha net tá uma droga. Quando ela cai, cai por dias seguidos. Meu namorado tentou arranjá-la, vamos ver se funciona. E quero ver seu desenho, hein, Umrae *-*

2 comentários:

. L disse...

Se Ophelia está preocupada, eu estou preocupadérrima! xD
Lunoska, como sempre minha curiosidade está imensa!
E amei que apareci de novo. *-* E como vc descobriu da minha taradice pelo nome Nemo? :o *-*
Beijoos!!

Umrae disse...

Pô, por que essas musas ficam passando a mão na cabeça da Ophélia? Infância problemática metade do elenco teve e ninguém virou psicopata-sádico-tirano-ditador por isso.
Pergunto-me se um dia a Kibii vai voltar, como herdeira de direito, e destituir aquela corja do conselho élfico que assumiu após a morte dos últimos membros conhecidos da família real (em um livro que eu li, "Evermeet", que conta toda a história da raça élfica, eles contam sobre o golpe de estado que acabou com a família real). Bando de elfos reacionários e preconceituosos que assumiu...
Vou ver se agora no Carnaval eu termino o desenho, porque esta semana nem deu para mexer.
Bjo!