quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Parte 05 - Tensão/Uma chuva de pétalas

- O tempo está acabando, não é? - indagou a garota.
- Sim - respondeu a outra.
As duas ficaram caladas, sérias. Não sabiam direito o que falar, diante de tal situação.
A primeira olhou para o céu. Seus olhos eram profundos, seu cabelo preto e liso, cortados nos ombros e a franjinha característica, rente aos olhos. Sua face era
pálida, e usava um bonito vestido arroxeado, com fitas negras amarradas no corpete.
- Agora está por um fio - murmurou a outra garota - qualquer coisa pode acordá-la. Até mesmo um animal, um inseto, uma rosa se quebrando...
- Fadas ignorantes - disse a primeira - acham que está tudo sob controle.
- Sim... - concordou a segunda - elas... elas se esqueceram, creio.
- Piorou.
- Sim, piorou.
As duas suspiraram.
A segunda fada ficou de costas. Tinha a pele um pouco mais bronzeada que a primeira, porém ainda assim a sua pele era branca. Seus olhos eram azul-claros, e seus cabelos castanho-claros longos e perfeitamente ondulados.
Seu vestido era rosa, um rosa suave. Talvez da mesma cor de uma rosa cor-de-rosa. Sua expressão era suave, e ela sorria levemente.
Eram opostos. Belissímas e completamente opostas:
A primeira parecia perfeitamente ter saído de um livro de contos de fada em que era uma bruxa bela e cruel. A segunda também poderia fazer parte da mesma história, porém seria a fada que ajuda a todos.
- As fadas foram estúpidas - murmurou a primeira - agora, quando ela acordar...
- Para nós, pouco fará diferença - disse a segunda - mas espero que eles não venham nos perturbar.
- Oh yeah - concordou a outra - isso é irritante!
- Bem, eu irei passear um pouco. Não quer vir comigo, Miih? - perguntou a segunda garota.
A primeira sorriu e respondeu suavemente:
- Obrigada, mas não, Loveh. Bom passeio.
Loveh fez um mesura delicada e saiu do aposento.

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A magia era fantástica. Havia começado bem cedo, logo depois do sol nascer. E agora era meio-dia, mas não parecia meio-dia. Na verdade não parecia hora nenhuma, somente um tempo eterno. Era como se alguém tivesse colocado algum pano em cima do sol e tapado tudo: as Campinas pareciam rosadas, o céu toda cor-de-rosa e laranja. Ao meio-dia.
Ninguém trabalhava, todo mundo só se concentrava em ficar parado olhando as Encantadoras se moverem, enfeitiçando tudo.
- Estou com fome - resmungou Raveneh - quero pão com queijo.
De repente, um pão repleto de queijo, presunto, tomate, alface e milho verde apareceu diante dos olhos de Raveneh. O pão parecia saboroso.
- Obrigada, Johnny - riu Raveneh do sucesso do marido lhe satisfazer todos os seus desejos.

O que o sol fará diante da surpresa?
Quando souber que a lua se casou?


Uma encantadora pequena de olhos frios que vestia um estranho vestido todo vermelho e preto (e as manchas na bainha do seu vestido lembrava horrivelmente sangue) deu um passo pra frente, erguendo os braços.

O sol vai se contorcer de tanta dor
Quando descobrir que a lua, triste, o trocou
Por uma lua de Marte


Era um círculo perfeito, bem no meio de uma área meio deserta das Campinas. As pessoas haviam montade barraquinhas para brincar, conversar e comer o dia inteiro. Praticamente uma festa.
Estavam evocando espíritos da terra, a primeira convocação de espíritos a ser realizada. Pois antes era só uma "preparação".

Ele descobriu.

Oh, infeliz do sol! Agora vai se esconder
E deixar as nuvens o consolarem
Derramando as suas tristes lágrimas!...


O céu que era rosado se tornou extremamente marrom e verde. E das nuvens, caíram folhas diferentes, como se tivesse mil árvores lá em cima. Logo em seguida, as pétalas de diferentes rosas caíram sobre as Encantadoras e sobre o povo de Campinas, uma chuva generosa e gentil como se fosse mais rápido, machucaria as pessoas.
E da floresta, se materializaram pouco a pouco, como se fosse fumaça dando lugar a algo material, animais. Animais pequenos como coelhos, animais enormes e belos como cervos e lobos, animais que tinham asas como pássaros, todo o tipo de animal que vivia naquela floresta. Andavam calmamente, como se fosse a coisa mais normal do mundo ser convocado por um monte de encantadoras da elite.
Qualquer um poderia jurar que eles sorriam. Raveneh surpreendeu-se com o olhar dos bichos, e podia jurar para o resto da vida que eles tinham ternura naquele olhar. Ela gostou especialmente de um belo lobo, todo marrom, com olhos castanhos e gentis.

Venha a cá, saudar o triste sol
Que o sol fique logo feliz
E logo arranjará alguém para amar também


Os animais se juntaram no meio do círculo. Um círculo feito de setes fadas, e no meio, um bando de animais diferentes. Se alguém tivesse visto aquilo, acharia imediatamente que estavam sofrendo por estar tão apertado ali, em caos. Mas eles não ligavam, estavam felizes. Fecharam os olhos.

Oh, mas a lenda não parou
Algum tempo depois, o sol se apaixonou novamente
Oh, mas foi por uma mortal
Uma pobre mortal comum


As fadas ergueram as mãos, diante dos animais. Sorriam levemente, somente para efeito da mágica. Porém todas as Encantadoras adoravam o que faziam, era a única coisa que realmente a aliviavam da tensão de suas vidas. O que não quer dizer que elas sorrissem ou gostassem disso.
O céu ficou todo verde, e a cortês chuva de pétalas parou. Era tudo verdadeiramente estranho. A floresta ficou toda verde, tudo se confundindo. Era meio-dia, mas ninguém sentia fome ou calor.
Kibii não sabia mais para onde treinar flechas, porque a floresta ficou toda verde.
Fer também não lembrava mais de onde estava as árvores em que ela treinava a mira, pelo mesmo motivo de Kibii.
Doceh e Ly não comeram juntos.
Umrae não alisava as armas.
Tatiih não arrumava as roupas.
Raveneh e Johnny não conversavam entre si.
Todos somente assistiam o lento espetáculo, apreciando cada segundo da cantiga, da magia, da névoa verde que pairava no ar.

E o sol via a mortal todo dia
E suspirava todo dia, a querendo todo dia
Queria tua face, tua boca, teu sorriso, teu perfume, teu corpo
Mas a pobre mortal nada sabia
E continuava com a sua vida comum


As fadas se misturaram aos animais. Pareciam que tinham sido devoradas pelo caos que havia naquele bando de animais, perfeitamente parados e amontoados, mas ninguém se importou. O céu se tornou mais claro, e a névoa verde se dissipou.

E um dia ele suspirou, e convocou alguns seres da floresta
Pediu conselhos e mais poderes
Os seres, compadecidos, sorriram e lhe entregaram uma coroa
Que quem quer que usasse a coroa, se apaixonaria pelo sol

Mas a coroa só podia ser usada por uma mortal
Nunca poderia ser retirada da mortal uma vez dada
E a coroa só podia ser colocada por alguém puro
O sol, sorridente, aceitou o presente
E logo colocou a bela coroa, de ramos e flores, na cabeça da mortal


Apareceu um par de mãos humanas no meio dos animais. O par girou levemente e fez gestos estranhos, mas provavelmente foi o que dissipou os animais que saíram daquele ponto e passaram a se espalhar no meio das Campinas. No meio só sobrou as setes fadas, deitadas, ofegantes. Era muito cansativo manipular os espíritos e fazer com que eles cedam proteção a algum lugar. E ainda faltavam três tipos de espíritos para convocar.
A canção soou mais trêmula agora, mas logo se tornou mais firme.

A mortal logo sorriu para o sol
E passou a cantar para ele todos os dias
Não reparava na bela coroa, dizia que era parte do seu cabelo
E se pudesse, abraçava o quente sol

E chorava quando a lua aparecia
Ansiosa pela manhã

A lua logo estranhou e percebeu o estranho feitiço
Que o seu antigo amante fizera
Se entristeceu, pois ainda amava o sol
Mas não podia ficar com ele, já que lua e sol nunca se encontram

Mas furiosa de ciúmes não saiu do lugar
E assim o sol ficou atrás dela
E o outro lado do planeta ficou sem lua e sem sol
A lua, ansiosa, por se fazer apaixonada pelo sol novamente
Arrancou a coroa da mortal e colocou em si

Oh, pobre mortal! Ela sorriu para o sol do mesmo jeito
Mas pode ver toda a triste briga
A lua queimando de ciúmes com a coroa
E o sol tão triste, tão vazio por dentro

Implorou para a lua parar com aquilo
A lua, dolorida, retirou a coroa
Mas parte de si sumiu, tornou-se inexistente
Chorou, se deleitou em lágrimas

A mortal logo se entristeceu também
E pediu ajuda aos seres da floresta


As fadas se levantaram, cansadas. Fecharam os olhos, respiraram fundo. O céu tornou a ficar azul.

E os seres disseram:
- Por ciúmes, a lua será condenada
A ficares dias assim, pela metade
A ficares outros dias, toda nua
E somente poucos dias a ficares inteira

E o sol implorou por mais uma saída
Queria ter a mortal perto de si
Todos os seres negaram, uma vez já foi o bastante
Mas uma ninfa, compadecida, atendeu ao pedido
E a mortal transformou

Em uma divindada que nunca se queimava
Vivia entre as nuvens, com poderes supremos
Era mais poderosa que o sol
E era bela e doce como o sol queria
E o sol ficou feliz
E a mortal ficou feliz
E a ninfa ficou feliz

Mas talvez...
Mas talvez...
Mas talvez um dia esse feitiço tenha fim.




Quem sabe?

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