quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Parte 62 - Duas amigas entregues.

- Não vai sair daqui! - Catherine estava a beira de um ataque de nervos - você vai enfrentar Ophelia, sua louca, tudo isso por?
- Por Olga! - protestou Elyon.
A atmosfera no estranho castelo estava completamente irrespirável. Elyon anunciara sua partida pouco antes das onze da manhã, o sol já banhando o jardim lembrando que deviam sentir calor. Louise murmurou qualquer palavra de desprezo, Loveh e Sunny se chocaram. E Catherine tentou proibir a amiga de ir.
- Olga? Olga se sacrificou para manter a gente viva e você vem e diz que vai morrer por ela! - Catherine lembra, seus cabelos esverdeados caindo sobre os ombros - qual é a sua intenção? Ajudar as fadas?
- Exatamente! - Elyon parecia completamente diferente do que era. A idéia de "ajudar as fadas" fugia completamente da personalidade de Elyon. Não fazia sentido, mas o que fazia sentido quando se tem uma louca psicopata querendo assassinar umas inimigas de infância?

Catherine moveu o pé direito para a frente.
Elyon respondeu recuando com o pé esquerdo.
Miih pousou a mão no punho da espada, temendo a hora que tivesse que separar as duas.

- Então terá que lutar comigo - Catherine não ofegou. Ofegar não fazia o tipo dela.
- Está bem - Elyon recuou com o pé direito também, ficando completamente ereta - e quais são as condições?
- Se vencer, vai embora. Se perder, ficará aqui - Catherine foi muito simples.
E isso doeu.

Doeu demais para desferir o primeiro golpe.
Pois quem golpeou primeiro foi a Catherine que utilizou exatamente a mesma espada que usara ao lutar com Ophelia, semanas atrás.
A espada de rubis e esmeraldas e safiras.
A espada que rompeu a pele, encontrando as veias e artérias junto à cintura, do lado direito. Elyon se curvou sobre o próprio corpo, apertando o ferimento com força. Parecia paralisada, chocada como se nunca tivesse acreditado que a amiga seria capaz de tal ato.

- O que acha? Continua me achando incompetente para você? - Catherine riu - levante-se, Elyon. Não quero que você morra.
Elyon não ligou, olhando para a sua mão suja de sangue.
Mas o machucado não doía. Somente existia em seu vazio, causando aquela estupefação tão natural.
- Machuquei muito? - Catherine se ajoelhou diante da amiga. Ainda que fossem inimigas por breves instantes, todo aquela ternura não podia ser esquecida.
Catherine deu a mão e Elyon a pegou.
E as duas se apoiaram.

Amparadas na lembrança já romanceada de Olga.

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- Bom dia, Lala - Ophelia parecia calada.
Sem querer conversar. Não penteara os cabelos com tanto avinco. Não escolhera o vestido mais bonito.
A Lala, Ophelia parecia ter um péssimo dia.
- O que houve, Ophelia?
- Nada.

Nada. Pois Lala sabia.
Era só a sensação de estar sendo derrotada.
Derrotada porque um ser pertencente à raça dos elfos se recusava a abrir a boca, por mais que o corpo doesse.

Então Lala aconselhou a Ophelia a ficar em seu quarto, descansar. Não iria fazer nada.
Cuidaria das correspondências, das alianças que fazia para que os outros reinos não fossem atacados, dos criados, de manter o império que existia há anos e anos.
Mas ela descansaria, durante um dia. Pensaria, maquinaria planos. Para derrotar Kibii.

Lala sabia, mas fingia não saber.
Ophelia não sabia, mas fingia que isso não importava.
O fato era: Kibii era impossível de se derrotar. Afinal, desde quando o silêncio dá para se derrotar com mero barulho?

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Kibii desabou no chão.
Pulsos marcados pelas cordas, marcas feridas.
Os tornozelos apresentavam situação idêntica, e o corpo tentava se recuperar das: queimaduras, cortes, arranhões pelas garras de Ophelia.
E de novo a água fria que lhe deveria causar desconforto, a água mais gelada que já sentira.

Pelas histórias que Rafitcha e Maria lhe contaram, a água mais gelada que podia se sentir era na Terra de Gelo, para onde os banidos pelo Rei Mo iam, sofrer pelos erros que pagaram quando viviam em Heppaceneoh ou em seus arredores. Só que nunca imaginara tal frio assim, tão congelante.

Seus dentes doíam ao beber tal água, e achava que ia morrer de hipotermia. Ou qualquer coisa do tipo.

- Querida, hoje me contará algo?
Era a voz de Lala. Ela lhe parecia indiferente, como sempre, de olhos cor-de-mel sempre vazios e cabelos sempre soltos. Cansara-se de manter alguma expressão, pois já não sentia mais nada. Nem mesmo pavor.
- Aquela vadia não vai vir trabalhar hoje? - alfinetou Kibii sem nem pensar duas vezes antes de controlar a própria língua, mas Lala sequer se incomodou.
- Ophelia precisa descansar - respondeu solenemente - e não precisa se preocupar com ela, afinal ela vai voltar a dar uma atenção especial a você amanhã, não se preocupe.
- Por mim, ela morria de hoje - rosnou Kibii friamente - ela não faz falta nenhuma.
- Que tolice.
Lala se levantou. Ela não tinha vontade nenhuma de manter uma tortura por minutos a fio, e talvez por isso que Kibii tenha ficado tão aliviada. Era recompensador passar um dia sem ser chicoteada, queimada, arranhada, cortada ou qualquer coisa assim. O próximo golpe seria cortar os seus cabelos, de acordo com algo que Ophelia deixou escapar.

Kibii não duvidava nada que virasse uma verdadeira besta-fera caso seus cabelos fossem cortados.

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Gika tentou respirar. Não conseguia achar uma brecha para se comunicar com Vê, afinal Ophelia não lhe permitia mais sair do castelo.
Nem sabia para onde tinha ido as outras telepatas.

Trancou-se em seu quarto, sabendo que poderia ser chamada se Kibii permanecesse sem falar nada do jeito que estava. Covarde. Covarde, covarde, mil vezes covarde. Multiplicava-se a sensação, potencializava como naquelas aulas de matemática.
A sensação de covardia, de sujeira.
E a péssima sensação de nem conseguir servir à Siih. Desistiu.

Como faria? Havia feitiços em todo o palácio, dificultaria qualquer coisa. Mas uma maneira havia, só queria que Vê soubesse antes.
O sol sorriu mais ou menos, de forma irônica. Ela bebeu seu chá frio trêmula, achando que era uma péssima ocasião. Mas quando, afinal das contas, tinha uma ocasião boa?
Chá frio, feito de má forma. Provavelmente por Siih, afinal Lefi não era tão ruim assim na produção de chás. Desceu até a despensa, onde tinham todos os mantimentos de todas as comidas e bebidas para o reino. Gika, de vestes brancas e douradas, se destacando na multidão que vivia tão ocupada, trocando lençóis, cozinhando cafés da manhã, encerando chãos, espanando estátuas!

- O que quer, Gika? - perguntou Alicia, que procurava cenoura para o almoço do dia.
Gika teve que parar para pensar.
- Preciso dormir - balbuciou Gika sem querer sem entendida por Alicia. Ela nunca ia deixar que uma "colega" pegasse ervas, de qualquer gênero. Mas a Alicia somente disse:
- Estão em categorias, Gika. É só procurar direito.

De fato.
Pegou várias de todas as categorias, ignorando somente as que tinham propriedades curativas.

Sozinha, preparou o chá.
Tinha um gosto intragável, de tantas ervas misturadas e mal-cortadas.
Suas lágrimas não paravam de descer pelas bochechas.
Não parava de pedir desculpas à Siih, à Vê e ao Reino por tal traição.
E várias vezes encheu a xícara até a borda e bebeu tudo.

Não demorou muito, sinceramente. Doeu demais, mas demorar nem tanto.
Ela desabou no chão, sentindo tudo formigar. Os dedos, as unhas, o couro cabeludo, as solas dos pés, as canelas, a virilha, tudo, tudo. Formigava, coçava, desandava. A garganta enjoava repetidamente, e várias vezes ela se controlou pra não vomitar no caro tapete. Tudo se tornava enjoativamente verde, e Gika teve que se deitar para se sentir melhor. Apertou a própria barriga para aplacar a terrível cólica que assumira seu abdomên, olhou para os pés da cama.

A porta. Algumas coisas na mesa.
O tapete.
Os cabelos negros espalhados pelo chão, esquecidos de viver.
E a brancura de Gika se tornou ainda mais branca, quase azul de tão fria.
Os olhos dela vidraram acima, admirando o trabalhado afresco de equinócio de primavera no teto. Os olhos dela viraram vidros.

E seu coração parou de bater, devagar e de forma irredutível.

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Elyon havia começado a viajar. Catherine lhe acompanhava com preocupação, e Sunny havia dito que iria alguns dias depois, se ainda quisesse. Mas o resto preferia ficar no palácio, esquecendo de Ophelia pouco a pouco.
Loveh mandou abraços.

- Acha que Ophelia nos sentirá? - perguntou Catherine, como se tivesse dúvidas.
Elyon preferiu não responder. Seus olhos viram as árvores com desinteresse, querendo ardentemente chegar ao palácio, entre os cômodos, onde Ophelia repousava. Queria matá-la.
Por que estava fazendo isso mesmo?
- Onde estamos?
Catherine perguntava mais uma vez.
- Não sei, Catherine - respondeu Elyon.

Estavam nervosas. Por que não estariam? Estavam em uma situação complicada, partindo para o completo desconhecido, um provável suicídio.

Naquele ritmo, calculou Elyon em seu íntimo, demorariam sete dias. Disse a si mesma que teriam que apertar o passo várias vezes: detestava a estranha floresta que se adensava cada vez mais ali...

A floresta lhe era insuportavelmente fria.
- Hey, Elyon, pare de reclamar - gritou Olga - é neve! Neve!
- Sua doida varrida - resmungou Elyon - está frio, vai ficar doente.
Olga só riu, zombando da amiga. Ela deu aquele sorriso de canto e sumiu entre as árvores, reaparecendo em seguida.


- Elyon?
A floresta lhe parecia igual.
- Elyon?
As árvores, as flores, a grama, os galhos... tudo igual, tudo como naquele dia...
- Você está me ouvindo?
Como naquele dia perdido, entre tantos dias de inverno, quando ainda não havia nada daquele papo de musas, quando ainda eram amigas inexperientes...
- Catherine?
- Ah, me ouve! - Catherine sorriu, colocando o cabelo para trás - vamos. Você ficou dispersa aí...
- Ah... - Elyon deu um leve sorriso, quase desanimado - desculpe.
Elas continuaram o caminho.
Em sete dias, foi o que Elyon calculou?

Sim, apertariam o passo...

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Já se passou vários dias. Lala ainda não veio.
Isso era algo bom, certo? Vê encarava os frascos da perigosa Poção de Melina com medo, seus olhos agitados. Havia roído todas as unhas, e seu nervosismo havia se triplicado.
O que faço com isso?
Poção de Melina não era algo que ela simplesmente vendia. Ela nunca vendia esse tipo de poção.
Era somente alguns resquícios que restou do antigo chefe do crime, e ela havia escondido.
A poção que garantia a obediência.

É cruel demais...
Vê mordeu os lábios, encarando os frascos.
Dez frascos. Daria para envenenar exatamente mil banquetes.
Garantiria a obediência até...
Até esquecerem que Ophelia não é a Rainha de verdade...

A mentira, quando contada mil vezes, se torna uma verdade. Onde foi que ela ouvira isso?
Era isso que Ophelia pretendia, então.

Ser obedecida com encantos.
Por todos, de forma incondicional.

O próprio tempo lhe garantiria a realeza...

Vê olhou os dez frascos novamente. Perguntou-se onde Gika estaria. A amiga sumira nos últimos tempos. Também se perguntou sobre a própria família, que vivia no norte do país. Com toda a certeza, fora toda assassinada pelos demônios de Ophelia.
Seus dentes rangeram.

É isso que ela quer, não é?
A porta fechada.
Ela pediu por isso, não foi?
A mesa e os dez frascos em cima, aguardando a vinda de Lala.
Ela matou aqueles que me amavam, não era?
Virou a mesa.

Suas mãos se feriram com o choque de derrubar uma mesa, dez litros de uma poção dourada, aguada e com cheiro de ouro se derramou pelo chão. Dez frascos de Poção de Melina quebrados. Vê sorriu.
Ela acabara de desperdiçar a maior fortuna que Ophelia jamais vira.

Qual era a saída que lhe restava agora?
Ophelia, provavelmente, esqueceu-se de mim?
Fugir? Para onde, com os demônios encarnando a Apocalipse?
Está um dia bonito.
Ajeitou os cabelos, não ligando para a poção derramada. Logo evaporaria.

Isso sempre acontecia. Rara demais, frágil demais.

Vê sorriu para a porta, e embora ela não conseguisse pensar muito bem no que estava fazendo, teve toda a capacidade de se pegar um dos cacos de vidro, um entre os inúmeros cacos pontiagudos, cortantes, perigosos.
Foram dois gestos. Tão decisivos, tão simples, tão indolores.

As veias dos pulsos se abriram.
E Vê riu, imaginando a expressão de Ophelia quando soubesse que aquele precioso líquido se perdera. Só haveria o seu sangue sobre os resquícios do ouro da obediência.
Somente.

Que peça iria pregar!

5 comentários:

. L disse...

"a água mais gelada que podia se sentir era na Terra de Gelo, para onde os banidos pelo Rei Mo iam, sofrer pelos erros que pagaram quando viviam em Heppaceneoh"

Adorei isso. :D

Adorei tudo. Cada vez melhor, Luna.

. L disse...

Taí, Lunoska.

rata_nezumi@hotmail.com

:D

Beijo

Umrae disse...

o_O !

Sensacional, mas estou preocupada com esse seu instinto de matar metade do elenco. XD

Luna disse...

Umrae, logo logo terá mais desse instinto.

Ahah *-*

Mas relaxa, você vai sobreviver =D

PollyQueiroz disse...

E eu, Luníssima, irei sobre-viver?


Ou vou se me matar?