A noite caia sobre o castelo, onde várias pessoas moravam. E somente umas poucas eram realmente importantes. Ophelia estava tranquila demais, com seus sorrisos misteriosos, e a constante falta de Lala que só aparecia de vez em quando, sempre exausta e a lâmina de sua espada sempre suja de sangue. Siih não queria pensar por onde Lala andava, então se concentrava em seus afazeres que consistiam em "servir Ophelia, a Verdadeira Rainha", que foi um título criado por Ophelia para dar efeito. Assim as pessoas idolatravam a verdade, encarnada por Ophelia, e rejeitavam a mentira, obviamente representada na forma de Siih.
Siih mudou de quarto, de roupas, até mesmo o seu ar de rainha foi um pouco perdido. Ophelia achara muito irritante a frieza que Siih tinha no olhar, e a sua postura sempre ereta e arrogante, e obrigou a ex-rainha a se movimentar de forma mais servil. Assim Siih fora obrigada a servir de escrava e abaixar a cabeça sempre que Ophelia passava. Ela achava humilhante, e volta e meia, desafiava a Majestade olhando-a nos olhos. Castanho contra castanho. E a terrível tortura que passara, uma semana e meia antes, de nada servira. Uma semana e meia antes, Ophelia resolveu dar um exemplo para a insubordinação crescente, e simplesmente escolheu Siih e uns dois Glombs, além de uma fada assistente e comum, como alvos de tortura. Nenhum dos torturados viu a face do outro. Mas todos foram, e Siih foi a que mais sofreu. Durante noventa e sete horas seguidas, Siih foi amarrada, amordaçada, pendurada por cordas, chutada, esfomeada. Sem comida, sem água, Lala obrigou Siih a permanecer minutos cruéis debaixo da água fria, sem poder respirar. Ou fora marcada a ferro nos pés, o fogo queimando a pele devagar.
As marcas das cordas permaneciam, lembrando a Siih das torturas a que foi submetida. Todos os outros ferimentos, mesmo as queimaduras, foram curados, pois Siih fez o impossível para continuar com a pele uniforme. Mas ela deixou as marcas nos pulsos, das cordas que a seguraram. Soube que nenhum dos outros resistiu. Os Glombs morreram nas primeiras quarenta e oito horas, e Lala lhe deixou escapar a informação de que a outra fada, que fora torturada porque se recusou a lavar os calçados de Ophelia, ficou três dias e meio até se matar, enforcada.
Era tudo tão horrível, bizarro, estranho. Siih não conseguia se acostumar com essa escravidão, ela que aprendeu a viver sempre em cima dos outros. De repente, se viu igual a Alicia e outros empregados.
Retorceu os pulsos, preocupada. Seu vestido era simples demais, sem mangas e cuja bainha chegava até pouco abaixo do joelho. A cor era salmão, e o tecido era leve, acariciando a pele com sua suavidade. Mas para a pele acostumada aos melhores tecidos, era um pano grosseiro, de má qualidade. Siih prendeu os cabelos novamente, tentando arrumar o coque. Precisava inspecionar o jantar que serviriam para Ophelia, e isso significava experimentar cada prato na frente de Ophelia para se certificar de que não contivesse veneno em nada ali.
- Siih - Alicia veio. Ela usava a mesma roupa que Siih, mas não prendia seus cabelos - venha, Ophelia quer jantar mais cedo.
- Chame-a de Majestade! - repreendeu uma mulher que estava ali, lavando alguma coisa. Parecia aborrecida e temerosa, mas Alicia somente respondeu:
- Que Ophelia se dane. Ela não tem ouvidos em tudo que é canto!
Siih observou Alicia atentamente.
Alicia podia ter ido embora quando Ophelia assumiu o reino. Alicia podia ter fugido. Alicia podia ter feito qualquer coisa.
Mas ela continuava ali, seus olhos cinzentos enfrentando a Majestade a todo dia. Siih sabia que Alicia não era especialmente leal a ninguém.
Sabia que Alicia a servia pois assim devia fazer uma menina que queria uma boa posição no governo do país. Mas Alicia tinha uma especial rejeição por Ophelia, a quem dedicava o desprezo.
Libby estava fresca na memória de todos.
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- Não chora, por favor, não chora, May... - sussurrava Raveneh, quase chorando, despenteada e nervosa.
Era noite, mas ninguém ainda tinha ido dormir. Os que foram tentar não conseguiram, devido ao choro frenético do bebê de poucas semanas de vida. Raveneh estava aos prantos, Johnny tentara por uns cinco minutos, mas o bebê vomitou alguma coisa branca em cima da roupa do pai e voltou a chorar. Maria tentou ajudar Raveneh, mas May simplesmente não deixou Maria tocar nela. Debatera-se no colo da mãe, chorou muito mais e simplesmente caiu do colo de Maria, e assim continuou a chorar, se recusando a parar uma única vez.
Raveneh cantara todos as cantigas de ninar que lembrava, brincara com todos os brinquedos possíveis, fizera todas as mágicas bonitinhas que conhecia. Rafitcha olhava a sobrinha se esgoelar de tanto choro e suspirava impacientemente. Não ousou tentar pegar a sobrinha no colo, porque não queria ser rejeitada como Johnny e Maria. Se a menina não aceitava nem o pai, que dirá a tia?
- Raveneh, faz essa criança se calar! - pediu Umrae, tentando se concentrar nos testes dos venenos.
- Tem algum sonífero aí que dê para usar nessa criança? - alfinetou Raveneh, já bastante estressada e furiosa. Bons tempos que não tinha bebê nenhum por aí!
Umrae não respondeu, somente olhou May com um olhar muito gélido.
Rafitcha se levantou, sem paciência. Sentou-se ao lado de Maytsuri, e seu jeito absolutamente frio e irritado fez a menininha se calar um pouco antes de recomeçar a chorar, quase em gemidos.
- Cale a boca - Rafitcha sussurrou, sua voz muito baixa para ser escutada em meio aos berros da criança.
Raveneh suspirou desconsolada, desejando se matar.
- Cale a boca - Rafitcha repetiu, seu sussurro alcançando os ouvidos da criança.
May parou de chorar, fitando a Rafitcha nos olhos. E realmente parou de chorar. Ela fungava, mas as lágrimas não saiam e todo mundo agradeceu por terem mais que um minuto de silêncio.
- Como conseguiu, Rafinha? - perguntou Raveneh maravilhada - me ensina.
- Não sei - foi tudo o que Rafitcha conseguiu responder, dando um sorriso. Sequer precisara embalar a criança, mas suspeitara que fora a irritação que transparecia em sua voz que fez a sobrinha se calar, recuando diante de tamanha frieza.
Suspeitou que não conseguiria mais fazer isso.
Estava errada.
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- Eu preciso de mais e mais - disse Ophelia, quando Lala terminou de falar sobre o que fez durante o dia - quais são os nomes mesmo? Gika, Talúvia, Sibbene e Cilene?
- Acertou em todos, menos em Talúvia. É Talúbia - respondeu Lala friamente.
- Telepatas, nevatas, e... - Ophelia suspirou - eu preciso de bons contatos, excelentes contatos! Eu preciso das Musas.
- Musas? - Lala exclamou, surpresa.
A mesa se estendia friamente diante delas, com todas as iguarias experimentadas por Siih. A taça de suco de morango que Lala tomava foi esquecida imediatamente, a mera expressão da palavra "Musa". Simplesmente Lala parou, fitando Ophelia nos olhos.
- Você vai pedir ajuda às Musas? - Lala perguntou, tentando processar a informação.
- Não pedir ajuda - Ophelia desdenhou - esse termo é muito feio e inadequado, Lala. Eu não vou pedir ajuda. Digamos que... vou oferecer ajuda.
- Oferecer ajuda às Sete fadas mais poderosas que existem? - Lala riu - você enlouqueceu!
- Eu sou mais poderosa que as sete juntas - Ophelia disse com frieza - não fique louca, Lala!
- Elas nunca aceitariam a sua ajuda, Ophelia - Lala rosnou, o sorriso se desfazendo - nunca, nunca. Elas são suas inimigas, e você pode até tentar matá-las. Mas se unir a elas? Como?
- Se não é por bem, é por mal - sussurrou Ophelia.
Lala deu um sorriso, tão torto como cínico. Seus olhos cor-de-mel brilharam vivamente.
- Está enlouquecendo, amiga. Está ficando louca. Tenho pena de você!
- Não discuta--
- Não discuta você! - Lala parecia magoada - eu estou há não sei quanto tempo servindo a você, trabalhando para você muito mais do que uma escrava comum faria! Eu faço o seu maravilhoso império, eu que junto os contatos e mato quem te atrapalha! Eu realmente... eu realmente te odeio, Ophelia! - os olhos estavam gélidos. A voz, magoada, poderia até transparecer imensa tristeza. Mas contrastava com o vazio de seus olhos.
- Lala, por favor - Ophelia parecia chocada, talvez até sentida - por favor, agora não.
- Me desculpe, Ophelia, mas não sou a sua namoradinha que você usa a hora que quer - Lala sibilou devagar, tentando carregar cada palavra de um sentimento indizível, algum misto de raiva e pena - me desculpe, Ophelia, mas eu sou uma pessoa. Eu trabalho para você, eu acredito em você, mas tem algo que me diz que devo sair fora... por que, raios, eu convivo com você?
- Por que você é a minha escrava! Já parou para pensar nisso?
- Okay, então eu peço alforria - Lala soltou, encarando Ophelia com impaciência.
Ophelia só riu, diante daquela situação um tanto estranha.
- Alforria não se pede, querida. Se dá.
Lala somente engoliu em seco, fitando a carne em seu prato, e Ophelia continuou a comer.
- O que tem para mim amanhã mesmo? - Lala perguntou, depois de cinco minutos de silêncio. Evidentemente pelo tom de sua voz que Lala estava se controlando para não gritar.
- Você vai trazer Gika a força, se ela se recusar a vir - Ophelia disse - é só isso. Você vai cuidar da burocracia, amanhã. Sabe, organizar algumas coisinhas.
- E você faz o quê? - Lala perguntou, quase em tom maldoso.
Ophelia levantou os olhos, e respondeu sem nenhum tipo de emoção:
- Preciso ir a um reino para mandar os demônios pararem. Sabe, eles estão extrapolando os limites em Juavitti.
- Ah.
Lala engoliu a mágoa e o ressentimento. Ambas sabiam que mesmo que a Ophelia desse a alforria, a liberdade, Lala não iria embora. Ficaria ali, lado a lado, reclamando de seus trabalhos, mas ainda assim aceitando se submeter a uma Rainha tão poderosa.
Como poderia deixar Ophelia sozinha? Como poderia ir embora, simplesmente saindo de uma vida tão calmamente? Depois de todas as coisas, todas as cenas que Lala presenciou? Como podia não ver o Novo Mundo que Ophelia tanto insistira em montar?
A curiosidade matou o gato, diz um provérbio. Mas Lala não conhecia o provérbio e não ligava, pois era muito mais que a simples curiosidade que a mantinha ali, servindo à Ophelia.
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- Estou com medo - Amai sussurrou, quase que segredando para a tia - estou com medo.
A noite estava quieta, e tudo estava muito escuro. Até mesmo Umrae havia ido dormir, e nenhuma vela estava acesa. O abrigo era dividido em vários cubículos, tentando dar quartos que se pudesse acordar e não ser visto. Assim os quartos eram enormes, e subdividido com finas paredes para garantir o mínimo de privacidade para cada um ali. Amai e Kitsune ganharam um espaço só delas, encostado à parede realmente grossa. Ficavam em um quarto onde residiam as mulheres solteiras, como Rafitcha, Kibii ou Umrae. Havia duas camas, uma para a tia e outra para a sobrinha.
- Não fique com medo - Kitsune disse, com medo de acordar Umrae que ficava no cubículo ao lado.
- Estou com medo de Ophelia - admitiu Amai, seus cabelos ruivos despenteados caindo toda hora em cima do rosto, fazendo Amai ficar segurando o cabelo para trás - o que ela fará com a gente? Não era melhor a gente ter se mudado para Grillindor?
- Não - Kitsune respondeu. Parecia muito respeitosa, e realmente sentia que Amai falava a verdade. Por que haviam se mudado para Campinas, sabendo da situação caótica de Ophelia? Mas agora tinham feitos laços de amizade, e não se dava para simplesmente largá-los. Seria deslealdade.
- Grillindor está em paz. E Campinas vive sob ameaça de guerra - Amai disse, a doçura se tornando evidente em sua voz - eu não quero morrer por causa de Ophelia!
- Xiii, querida - fez Kitsune, abraçando a sobrinha com força - vai ficar tudo bem...
- Raven me disse que Ophelia vai pedir a nossa rendição e--
- Mas todo mundo sabe disso - Kitsune lembrou, também sendo muito gentil.
- Mas nós não vamos aceitar, certo? Como você acha que Ophelia vai forçar a nossa rendição? Vai simplesmente mandar demônios? Pense, tia, pense! - gemeu Amai, chegando ao ponto central da sua preocupação.
- Ah - Kitsune compreendeu - Ah. Mas quem...
- Qualquer um - Amai quase chorou, mas era firme demais para isso - qualquer um que seja especial para nós...
2 comentários:
Aeaeaeae, a história voltou!
Preciso contatar aliados mágicos para o nosso exército.
Cadê os dragões? lol
Continuo assessando todo dia. *-*'
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