segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Parte 51 - Por que a crueldade é tudo.

Era até frieza, um pouco de estupidez. Decerto as coisas mudaram demais em três semanas, mas independente de quem mandava, só havia uma Rainha do Crime. E ela continuaria a trabalhar, sem ligar para outras coisas. Seus crimes continuariam escondidos da alta cúpula do governo, e ela nunca seria incomodada pelos soldados da Rainha. Pouco ligava para quem era a Rainha.

Obviamente, no final de três semanas desde a renúncia de Siih, ela estava achando aquilo tranquilo demais. Era simplesmente estranho aquele clima de marasmo, e com certeza, seus lucros aumentaram. Pessoas estavam fugindo de seus reinos com tamanho desespero que precisavam de qualquer coisa para se dopar e se esquecerem de suas vidas absolutamente trágicas. Antes a tragédia era algo que acontecia não muito frequentemente, mas agora era algo tão comum, tão banal! A Rainha do Crime parecia acuada pelo dinheiro absurdo que entrava, porém se mantia alheia. Alheia.

Até o vigésimo primeiro dia.

- Quem é você? - Vê perguntou sem rodeios, seus longos cabelos negros arrumados em um coque um tanto desajeitado. Ela tremia ao ver em sua sala, a sinistra personagem de longos cabelos laranja. Em três semanas, aquele ser havia construído alguma fama temerosa.
- Até parece que não sabe - respondeu a garota, seu sorriso se tornando muito cínico. - Ophelia quer umas coisas.
- Por que você a trata pelo nome e não pelo cumprimento formal? - Vê indagou, se recostando na parede. Toda a sala estava escura, e não se podia ver direito os olhos da garota. Mas preferia não ver o reflexo assassino diante de si.
- Porque eu sou o braço-direito de Ophelia. Não preciso dessas besteiras - se curvando para a frente, sua voz alcançou os ouvidos de Vê de forma ainda mais assassina - você tem o que eu quero?
- Depende. O que quer? - Vê se encostou na parede ainda mais, o coque se desfez.
- Poção de Melina - sussurrou - você tem?
- Poção de... ! Não pode ser! - Vê mordeu o lábio inferior - vão realmente...
- Sim.

Vê mordeu o lábio inferior mais ainda, hesitante.
- Qual é o prazo? - decidiu. A garota somente deu as costas e disse:
- Uma semana.
- Uma semana? Ah... - Vê recuou - okay.
- Isso aí, garota esperta.

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- Saia daí, garota!
Era como um dominó no qual se derrubava a primeira peça, e todas iam junto.
- Saia, já falei!
Era como um jogo no qual se perdia.
- Não vai sair? Ok, morra!
Era como uma aposta em que você perdia e tinha que desfilar pelado no corredor.
Ou como uma roleta russa. Em que o azar ganhava.

Lavínia Kaspink era uma garota perfeitamente normal até três semanas atrás. Mas tudo estava em ruínas agora. Como era mesmo? Um reino isolado, controlado pelas fadas. Até o instante que Ophelia chega, então os rebeldes que há tanto conspiravam resolvem mostrar a cara.

Uma decisão errada. Pois tudo o que sentiram depois não foi o sabor da vitória, mas sim o gosto de sangue e a amargura da derrota. Os demônios estavam se acabando ali, destroçando com inúmeras vidas. Já perdera os pais, os três irmãos, o amigo de infância. Só lhe restava uma tia impaciente, a quem odiava.

E agora essa tia lhe pedia para sair do abrigo no qual se aninhava com terror.

Por que as coisas estavam ficando tão difíceis?
- Saia daí!
- Não!
A tia então resolveu pela força. Com seus braços musculosos, enfrentou a madeira e as ruínas da antiga casa para tirar a garota do abrigo improvisado. Lavínia Kaspink se debateu com força, mas não resistiu à tia. Logo as duas começaram a correr.
- Ora, ora.

A voz era tão suave, quase como uma carícia. Mas ainda assim rasgava a tensão.
- Di... - Lavínia ergueu os olhos, a sua fragilidade exposta. Nunca vira tal aberração.

Seus tentáculos que se amontoavam no chão, semelhantes às raízes de árvores, mas eram moles. A cor amarelada percorria todo o seu corpo, e o sorriso era fantástico. Porém Lavínia Kaspink ainda via resquicíos de sangue entre seus dentes e lábios, e temia de pensar de quem seria aquele sangue.
Recuou.
- Não adianta - Jirä sussurrou - vou pegar vocês.

Um dos seus tentáculos envolveu a tia. E Lavínia Kaspink viu a sua tia ser completamente esmagada em menos de um segundo, o último vestígio de sua família se estraçalhando sob o frio olhar assassino do demônio.
Logo foi a sua vez.

O demônio lambeu a tia com cuidado, como se sentisse o seu gosto com suavidade. Mas largou os restos da tia no chão, como se achasse o sangue muito repugnante. Voltou os olhos para a garota com lasvícia e gula.
- É de você que eu gosto... - sorriu.

Tudo o que Lavínia sentiu foi aperto. Sentiu o estômago sendo apertado com força, o coração sendo torcido, e os pulmões sendo comprimidos. E sentiu tudo estourar. A voz de Jirä lhe ecoou pelos seus ouvidos:
- É de você que eu gosto.
Suas lágrimas jorraram com força, e logo seu coração parou de bater, estraçalhado.
Mordeu os lábios inferior, e não resistiu.

Jirä fez uma refeição completa com Lavínia Kaspink. Seu estômago tinha um gosto bom, decidiu, mas os rins eram melhores ainda. Ao terminar sua delicada refeição, limpou os beiços e deu um sereno sorriso. O corpo de Lavínia, último remanescente da família Kaspink, só tinha a pele e ossos. Frouxa, sem órgãos, Jirä depreciava a pele e os ossos, que consideravam horríveis de serem engolidos. E a pele era borrachuda demais, na opinião de Jirä. De modo que Lavínia, pelo menos, se dava para reconhecer com um simples olhar.

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- O que faremos? Decidiremos agora? - Raveneh perguntou, preocupada.
- Claro que não - respondeu Maria - ficaremos alheios. De jeito nenhum, tomaremos posição!
Todos se reuniam, todas as noites, no salão, preocupados. Ouviam notícias sinistras cada vez mais, de reinos que se rebelavam contra Ophelia e somente se ferravam, sucumbindo aos terríveis demônios.
- Não dá para decidir agora... - Maria disse com visível preocupação - o que vocês acham? Eu não quero obedecer à Ophelia, mas também não quero vocês mortos pelos demônios!
- Eu não vou morrer nas mãos de demônio nenhum - sibilou Umrae - esse abrigo é fortemente protegido e nenhuma magia de Ophelia pode derrotar isso aqui.

Todos estavam tensos.
- Ophelia vai pedir a nossa submissão - Kibii sussurrou - ela vai pedir, e nós vamos negar. Eu me recuso a perder para Ophelia. E não morrerei para ela nem que os porcos criem asas!
- Concordo com Kibii - disse Rafitcha - temos que lutar! Ophelia vai ter que pedir de joelhos para conseguir nossa amizade!
- Yeah! - Fer sorriu - ninguém vai morrer, certo?
- Certo - Raven também sorriu, pondo a mão no centro - ninguém vai morrer aqui! Todos nós resistiremos à Ophelia!
- Com certeza - apoiou Doceh que pôs a mão em cima na de Raven, gesto copiado por todos.

No centro, um amontoado de mãos que se uniram por frágeis segundos que se despedaçaram. Mas o sentido de se unir para vencer ficou. Não importasse o que Ophelia fizesse, jamais um deles aceitaria morrer inutilmente.

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Lala estava realmente exausta. Durante três semanas, ela percorreu toda aquela cidade em procura de contatos fiéis, mantimentos seguros, informações importantes. Tudo que servisse para o Novo Mundo. Agora estava fazendo algo que deixara de lado durante dias, mas que teria que adiantar. Que coisa, porque Ophelia não podia sobreviver sem essas pessoas?

Mas nããããão, desde que Ophelia mergulhara na biblioteca e descobrira todos os tipos de poderes diferenciados, começara uma frenética busca por pessoas que tivessem esses poderes. Ela já havia conseguido montar um time de quatro fadas que possuiam a incrível habilidade de se transformar em névoa. Agora ela tinha que convocar todas as cinco telepatas que existiam no reino e fazer delas soldadas a serviço de Ophelia.

E era por isso que ela estava dando início ao serviço, começando com Gika. A casa dela era muito simples, toda branca com nuances rosa e lilás. O jardim de orquídeas era bem bonito, e decerto, Gika vivia uma vida muy bela, tranquila e etc. Até o momento que teve que atender Lala.
- Quem é você?
- De Ophelia - Lala sorriu de canto - sabe, o novo governo anda fazendo umas mudanças.
- O que é? - Gika fechou a cara - censura? Veio revistar minha casa?
- Longe de mim fazer isso - Lala disse sem muito interesse - simplesmente Ophelia precisa de sua ajuda.
- Minha ajuda? - Gika fez menção que ia fechar a porta - não sou criminosa como Vê, nem tenho como oferecer qualquer tipo de aj---
- Claro que tem, garota! - Lala chutou a porta com estrondo, mas seu rosto não demonstrava nenhuma fúria. Parecia fria, gélida.
Seus olhos de mel eram estranhamente vazios. E Gika tremeu.
Recuou, dando vários passos para trás, suas mãos meio machucadas pela porta chutada.
- Você não devia se registrar contando seus dons, mocinha - Lala disse - assim será facilmente achada e será realmente procurada. Nem sei porque a Siih não fazia questão de ter você por lá, como a telepata oficial.

Ou prefere morrer? Lala pensou, com visível maldade em seus olhos.
- Não - Gika respondeu.
Lala somente sorriu e deu as costas, deixando um último recado: "- Amanhã, dez da manhã. E nem pense em fugir"
Gika não percebeu o erro que cometeu em ler os pensamentos de Lala, e respondendo-os ainda por cima. Agora Lala sabia perfeitamente que ela era uma telepata, e agora ela tinha que servir à Ophelia.

Servir como?, ela se perguntava. Não importa mais, ela tinha que trabalhar. Ou a morte a esperava. Céus, como poderia? Quantas mortes e dramas Ophelia havia causado? Gika tinha medo da resposta.

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