domingo, 11 de outubro de 2009

Parte 91 - Algo que deu errado.

Ophelia encarava Heppaceneoh pela janela.
Era incrivel.
Seres monstruosos com escamas que se escondiam na escuridão soltavam labaredas de fogo que varriam a cidade e faziam tudo se reduzir a cinzas. Ela mesma não conseguia entender, mas era incrível.
O céu chegava a arder com suas estrelas, que pareciam chamuscar, tranquilas.
- Bem, chegou a hora de brincar? - se perguntou.
O que faria?
Tinha, em seu íntimo, a certeza de que era a Umrae que estava governando aquilo.
Perigosa.
Queria ver aquilo mais de perto.

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As chamas se erguiam bestialmente, e a cada casa destruída, um urro de vitória penetrava.
Quando Umrae olhou em volta, se surpreendeu.
Não estava muito acostumada com cenários de destruição, pois vivia há tanto tempo em paz, mas mesmo assim aquilo lhe lembrava algo de sua juventude, quando nem vivia ali.
Um lugar inteiramente arrasado.
Aquilo lhe doeu o coração, mas ela não se deixou abater. Sabia que não havia vidas, havia se certificado e continuou em frente.

Keishara era a grande estrela, ao lado de Erevan. Monstruosos e imbatíveis, eram como serpentes de patas que se debatiam para quebrar, destruir, arruinar tudo que havia em Heppaceneoh. As casas que serviram de lar a inúmeras famílias desabavam sobre cinzas, cadáveres eram incinerados, até mesmo o castelo que abrigou a realeza por gerações se curvou ao poderio dos dragões: ardeu em chamas, escandalizando os demônios que assistiam a cena, perdidos. Nenhum deles tinha uma boa proteção contra dragões, seres tão antigos quanto o vento e tão poderosos como um terremoto.

- Vamos! - gritou Bel.
Ela estava acostumada com o fogo em volta, e empolgava-se facilmente quando havia adrenalina. Ela ria histericamente, mas mantinha a razão, de um modo ou outro.
Obviamente tanto barulho assim, tanto fogo assim, tanta destruição chama a atenção dos vizinhos.
Assim como chamou a atenção de Ophelia que quis assistir aquilo mais de perto.
Assim como se fez ser ouvida por Raveneh e Rafitcha e Amai e tantos outros que, vencidas pela curiosidade, subiram e se surpreenderam ao incêndio em larga escala.
- O que é isso? - havia perguntado Rafitcha chocada.
Raveneh meneou a cabeça, confusa. May dormia em seus braços.
- Eles... eles estão queimando a cidade - declarou tentando achar alguma lógica.
Não havia.
Não há lógica na guerra.

- Volte - pediu Rafitcha - não vamos ficar vendo isso, e logo a fumaça virá pra cá, e May ainda é um bebê e...
Raveneh não fez objeção, mas Amai sim.
- Deixe-me ficar aqui! - ela pediu - estarei segura, os demônios devem estar todos mortos!
Rafitcha não pensou duas vezes: empurrou Amai para dentro do abrigo, a fazendo ficar enfurecida e birrenta na sala, batendo os pés pela sala. Rafitcha tampouco se incomodou.

Enquanto isso, Umrae percebia que sua missão chegava ao fim.
Se sentiu vitoriosa. Se não completamente, quase lá. (:

Ordenou que o povo recuasse, e fosse pra casa. Keishara e Erevan continuariam, vistoriando as fronteiras juntamente com Toronto, Pauline e Giovanna que ainda não descansariam.
Bel estava animada, e frustrada pela interrupção.
- Vamos - disse Ratta - aquilo foi empolgante. Nunca participei de algo assim!
Fer deu um sorriso.
Realmente passava uma adrenalina enorme, aquela empolgação quase contagiante. Mas era uma cidade. Era uma cidade que foi o lar de muita gente. E esse mesmo lar foi destruído por chamas por aqueles que deveriam protegê-las.
Umrae reparou em Fer e em seu jeito pensativo.
- Fer - chamou com cuidado.
Fer se virou, com seu jeito adolescente.
- Ou era queimar ou era entregá-la aos demônios - murmurou Umrae.
Isso fez Fer ficar um pouco mais em paz.
Só um pouco.

No final, nem Umrae conseguia se convencer de que aquilo era justo.
Mesmo que a gente sinta que fazemos o certo, sempre haverá dúvidas. O ideal é não deixar essas dúvidas nos consumir.

Quando eles saíram de Heppaceneoh, sentiram a felicidade da brisa noturna.
Polly chegou a rir. Estavam todos ora rindo ora culpados ora não conseguindo acreditar. Uma guerra faz essas coisas. Os dragões mestiços descansavam um pouco longe das fronteiras, Polly chegou às Campinas abraçada com Ratta, felizes de concluirem aquilo como amigas leais que sempre foram.
Johnny só pensava em Raveneh e Maytsuri. Raven tinha seus pensamentos em Maria, mas também lembrava de Amai com doçura.
Ly e Doceh sorriam bobamente. Estavam vivos. Vivos.
Aquela noite foi quase feliz.

Até Ophelia chegar.

Ela poderia ter chegado e assistido só ao incêndio.
Ela poderia nem ter falado alguma coisa.
Ela poderia ter visto tudo de longe e deduzido tudo de longe.
Mas não, ela quis chegar chamando atenção;
descabelada; vestido meio azul, quase trapo; descalça.

Nada nela lembrava uma rainha, só uma louca psicopata.

- Quem é essa? - foi a reação inicial, verbalizada por uma espantada Harumi com seus olhos furta-cor.
- É a própria - Umrae quase sorriu. Era como um 'está vendo o que faço com você, Ophelia?'
Ophelia só encarou o pequeno exército com um sorriso.
- Que interessante - Ophelia fixou o olhar na cidade ardendo - como pretendem apagar isso tudo?
- Ele irá se extinguir naturalmente - murmurou Bel.
Ela não entendia porquê, mas estava aterrorizada com aquela estranha figura feminina.

- Umrae - Ophelia estreitou os olhos, quase que entendendo o porquê de 'perigosa'. Era uma semi-elfa, e era alguém que exercia um incrível poder de atração e magnetismo, além de ter o dom da liderança. Se os outros perdessem Umrae, iriam se afundar na confusão, como formigas desorientadas.
Umrae era a chave se quisesse derrotar Campinas.
- Prazer vê-la, Vossa Majestade - Umrae salpicou a reverência de ironias.
Ophelia notou a frieza.
- Boa noite, Umrae - Ophelia sorriu - eu sinto lhe informar, mas vou pedir a sua presença no meu palácio por hoje.
- Quanta educação - Umrae quase sorriu com tanta falsa polidez.
Ophelia notou a ironia.


A rainha não tinha algum objetivo bem definido ao chegar ali. Mas ela bem sabia, e bem queria, que tinha que acabar com aquele povo. Tinha que exterminar cada humano que se opusesse ao que ela queria, destruir cada centelha de vida para conseguir dominar. Ser a vida num lugar de morte, era isso que tinha que ser. Ficaria para a história como uma cruel vilã. Que seu nome se perpetuasse por séculos e séculos, inspirando terror!
/que ridículo.
Quem desferiu o primeiro golpe foi Gerogie.

Ela ficava quieta. Sempre.
Mas não quando percebia que só ela poderia fazer algo contra, enquanto seus dois companheiros estavam arrasando uma cidade a poucos quilômetros.
- Não dê um passo - Gerogie disse, adiantando-se alguns passos, ficando na linha de frente - ou morre.
- Vocês se acham demais! - Ophelia riu - sai da frente, deixe-me matar cada um de vocês. Ameaçam minha soberania!
- Que ótimo! - esganiçou-se Fer, com ódio - que ótimo que conseguimos te preocupar o suficiente para vir até aqui! Porque não experimenta matar a gente, agora, de uma vez sem papo?
A relva meio esverdeada meio amarelada se sujou de sangue.

- Nem se atreva - Gerogie havia perfurado o braço que se esticara de Ophelia para atacar Fer. Os dedos de Ophelia estavam a muitos poucos centímetros do nariz de Fer, e essa sorria entre indolente e apavorada.
E sangrava. Mas não doía, oh céus, nem doía.
Não doía.
- Mais um pouco - Ophelia se aproximou de Gerogie - só mais um pouco e veremos quem vence.
E puxou o braço, rasgando-o inteiramente. Toda a pele e carne ficou enroscada no braço de Gerogie.
Percebia-se que aquilo não lhe machucava realmente.

Aquilo era tão estranho.
- RECUADA! - gritou Umrae, percebendo o perigo - Johnny, Raven!
Não precisou dizer muita coisa, sabia que era pra proteger as crianças sobreviventes.
Johnny subiu no dragão, agarrando a garotinha com esperança.
Raven fez o mesmo, e assim os dois partiram com Ti-Yi e Luka.

A atmosfera se tornou um pouco menos tensa com o afastamento de quatro pessoas mais três crianças inocentes e adormecidas.

- Maldita - Fer sussurrou - vê as chamas? Esse é o inferno que você criou!
- Não mesmo - Ophelia negou com seu sádico sorriso - esse... é o inferno que vocês criaram para me combater.
Fer parou ofegante e revoltada.
Bia deu um passo para a frente, sua espada se empunhando rigorosamente - ela queria vingar aquele dia no palácio.
O golpe nem foi visto, uma diagonal certeira pronta para romper com o corpo de Ophelia e rasgar suas tripas. De nada serviu o golpe, pois Ophelia era como fantasma, movendo-se excepcionalmente a cada segundo.

- Idiota - Ophelia se posicionou diante das crianças adormecidas - que crianças doces. Resgataram da cidade que estão queimando agora?
- E por culpa sua, elas não tem mais família - alfinetou Ratta.
Isso fez Ophelia fazer um gesto com as mãos, como quem quisesse afastar um mosquito com elegância.
- Está tudo bem - declarou - eu só preciso... extinguir vocês.
- Então não está tudo bem - Bia disse.
Sua voz foi como punhal, e sua espada foi o que bastou para surpreender a todos, menos a Ophelia.

Bia se moveu para frente certeira, o golpe sendo lançado de forma tão imediata que quase ninguém viu. Ophelia nem se afastou, só sentiu a fria lâmina lhe rasgar o abdomên com crueldade e fúria, sentiu a raiva de Bia e todo o prazer da vingança sendo consumida.
- Olá - Bia disse, confiante.
O vestido de Ophelia se sujou de sangue, e seus olhos se arregalaram de riso. Talvez espanto.
Como uma trágica heroína que se afundou em sangue.
Mas Ophelia era somente uma pessoa trágica, não uma heroína.
- Que beleza de corte - Ophelia sentiu que Bia queria empurrar a espada mais fundo e deixou que ela fizesse isso - você é muito boa, sabia?
Bia percebeu que perdera.
Retirou a espada imediatamente, fazendo com que Ophelia se sobressaltasse de espanto e começasse a rir.
- Tolos! - Ophelia se ajoelhou no chão, apertando o abdomên com força - tolos! Pensam que conseguem-
- AGORA! - Bel gritou, percebendo que se Ophelia estivesse distraída com o ferimento por apenas um segundo, por um segundo teriam uma chance... uma chance mínima, mas seria uma chance!

Gerogie se atracou contra Ophelia com elegância, porém também com fúria.
Seu corpo esguio se chocou contra a quase fragilidade aparente de Ophelia, e logo começou a agir quase sadicamente, ajeitando as unhas para arranhar a pele da rainha o mais furiosamente possível. E sem hesitar, sem perder segundos, Ophelia começou a se defender - recuava, mas também conseguia ferir Gerogie.

Quando todos se deram conta, em cinco minutos já eram ambas quase sendo retalhadas uma pela outra.
- SEPAREM-NAS! - Umrae gritou, percebendo quase imediatamente que Gerogie não venceria ali e ela mesma se pôs ao trabalho. Puxou Gerogie para trás, sendo ajudada por Crazy e Bel: Gerogie era muito forte.
Gerogie aceitou ser jogada para trás, e estava em um estado crítico. Assim como Ophelia.

Ambas sangravam da cabeça aos pés, descabeladas e insanas, com cortes severos.
- Comandante, Ophelia! - alertou Polly ao perceber que Ophelia se regenerava rapidamente, ela que quase fora mutilada com cortes gravissímos na região do abdomên e pernas. Mas suas feridas se fechavam e ela mal sentia.
- Cerquem-na! - Bel gritou, vendo naquilo um perigo. Se podiam derrotar Ophelia logo, porque não?
- Não - Umrae sussurrou - ela vai matá-los.
Mas ninguém ouviu Umrae.
As crianças foram protegidas por Johnny e Raven que não se envolveram na luta, e a mesma coisa se deu com Ti-Yi e Luka que estavam prontos a reagir a qualquer momento. Porém quando todos se moveram contra Ophelia, ela quase não teve dificuldades.

Estava calada e rindo, e sua loucura era só o catalisador de todo seu poder.
Era como vários tremores que mexiam com espadas e xingamentos, era como se ninguém conseguisse machucá-la. Ratta percebeu que as sombras estavam deformadas, encarou Ophelia com suspeita. Umrae se meteu na luta também, tentando machucar Ophelia o máximo que pudesse e salvando todo mundo que podia salvar.
- Obrigada - Harumi declarou quando foi empurrada para a esquerda por Umrae, quase perdendo a sua cabeça.
- Não tem de quê - a meio-elfa respondeu.
Foi uma confusão imensa e atordoante, e nada daquilo fazia mais sentido.
Eram muitos contra uma, e ela vencia a todos pelo cansaço. Nem chegava a machucar alguém, e ninguém mais conseguia ter alguma razão sobre si.

Logo iria amanhecer.
- Idiotas - Ophelia sorriu.
E deu seu golpe final.
Torceu as sombras como se fossem roupas.
Remexeu os ânimos como se fossem sopas.
E controlou a si mesma para só sair um pouquinho do sério: assumir um corpo mais ou menos imponente.
Owned.

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Foi muito difícil, mas Lala conseguiu.
Cada fibra de seu corpo doía como se tivesse sido esmagada por um elefante e depois cortada em pedacinhos com uma tesoura infantil, mas estava tudo bem. Logo voltaria à ativa.
- Alicia - chamou. A loira estava ali no quarto, arrumando as cortinas, o tapete, a penteadeira.
- Fale - disse Alicia.
- Cadê Ophelia?
- Onde você acha que está? - Alicia abriu as cortinas, encarou a noite que terminaria em breve - Heppaceneoh está pegando fogo, é óbvio que ela está lá.
- Louca.
Lala quase caiu sentada, mas respirou fundo e fez o possível para não tombar. Não queria enfraquecer, não mesmo. Não agora que precisava ajudar Ophelia, de qualquer forma que pudesse. Mas...

Não precisava realmente ir. Só esperar.

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- Fujam! - Bel gritou com todas as suas forças - fujam!
Alguns ainda queriam ficar e lutar, mas era quase impossível: só a sua respiração era o suficiente para tremer a terra, e seu sorriso cortava o ar com o seu ar diabólico. Alguém viu um borrão ruivo se jogar sobre o monstro, e mesmo as sombras pareciam ser tão deformadas. O medo crescia, a animação surgia e morria a cada segundo.
- Fujam - Umrae concordou - não dá para nós, não agora.
Os semi-dragões recuaram, rosnando furiosamente, desejosos de estraçalhar Ophelia.
Mas ainda assim havia algo que os impedia; como se farejassem o perigo que viria com a morte. Algum sangue foi derramado, e novamente Gerogie foi arremessada longe, ensanguentada e enfraquecida.
- Gerogie - preocupou-se Bel, e Ophelia passou a mão pelos cabelos, sorrindo vitoriosamente.
Seu rosto estava sujo de sangue.
- Deixe-me matá-la - Gerogie sussurrou - deixe-me...
- Não - Bel sussurrou - eu sei dos seus motivos, mas melhor não...
- Não preciso das ordens humanas para matar uma rainha idiota! - gritou Gerogie, mas estava tão fraca que mal conseguiu se desvencilhar das mãos firmes de Bel que as prendiam.
- Umrae - Bel disse, observando a figura de Ophelia desabar no chão, rindo histericamente - ela está com a guarda baixa. Vamos sair daqui.
Foi com alguma urgência em que todos forçaram seus dragões a sairem do chão.
Foi a melhor decisão que poderiam ter feito.

Ophelia olhou para o céu que mal amanhecia.
Era tão estranho;
tão fantástico, como se o céu tivesse cores demais, a atmosfera cheiros demais e tudo estivesse muito tenso,
e Ophelia simplesmente quebrou tudo como se jogasse abaixo uma coleção de copos de cristal.

E a manhã começou com:
- o exército voltando para as Campinas, seguros.
- uma louca rainha que tentou controlar as sombras, e falhou.
- sombras que sucumbiram sobre as Campinas, e não as libertariam mais.

Uma eterna noite que foi lançada, porque alguém não soube fazer magia direito.


Depois de taaaaaaaaaanto tempo! Basicamente o que rolou comigo foi: falta de tempo + cansaço + escola. Estava muito sobrecarregada, cansada e quando eu tinha tempo para net, não queria pensar em escrever alguma história. Enfim, nesse feriadão, consigo um tempo e tento relaxar um pouco. Então, é isso. Espero que me perdoem.

Estou, aos poucos, retomando meu ritmo, conciliando esse blog com outro que criei há pouco tempo e, claro, a minha escola que está cada vez mais puxada. Enfim, espero conseguir sair dessa vida louca, de viver me estressando por causa da escola. E estou morrendo de saudades de vocês... ^^

2 comentários:

Umrae disse...

"A magia é uma distorção da realidade, e, quando você falha, a realidade se vinga."

Eu não lembro em qual livro eu li isso, mas achei bem apropriado.

Quanto à cidade, muitas vezes o caos é necessário para tudo possa renascer e se recriar, melhor e mais forte do que antes.

Excelente como sempre, Luneta. Bjos

- L disse...

Caracaa. *-*'
As vezes parece que eu me esqueço de como Ophelia é forte, e não conquistou o trono a força.
E a insanidade dela me fascina.
Lunoska, muito bom. *-*''''
Eu tava preocupada, achava q vc tinha abandonado, que bom que não. o.o
Boa sorte aí com escola e pá, pq aqui o negócio tá tenso.
;*****