O abrigo estava um forno durante a noite.
- May não pára de chorar! - Raveneh gemia, mas Rafitcha só fazia responder que como todas as uvas foram arruinadas na invasão dos três demônios, as folhas simplesmente morreram, ou seja, sem chance de se realizar os feitiços para refrescar o ambiente sem a matéria-prima.
- Se não está contente, crie você alguma mágica para isso. Não é fada? - retrucou Rafitcha, complementando.
Todas as mulheres usavam dos mais leves vestidos que tinham, exceto as que usavam calças como Umrae e Bia. Umrae sequer reclamava do calor, sua frieza se acentuando a cada palavra dita por Bel, que falava bem baixinho.
- Esses dragões todos me dão medo - confessou Amai que arregaçou as mangas do vestido até o ombro, e mesmo assim, já se formava uma camada de suor sobre sua pele pálida - eles não podem matar a gente?
- Relaxa - Raven respondeu, com a sua habitual voz tranquilizadora, enquanto cuidava das ervas que tinha colhido mais cedo a pedido de Raveneh - esses dragões são do tipo mestiço, o tipo bonzinho.
Amai deu um sorriso contorcido de incredulidade, e Raven logo corrigiu:
- Claro, eles estraçalharão com você se for estúpida a ponto de lançar uma flecha contra eles, mas - nesse ponto ele parou o que fazia, seus olhos bondosos - relaxa. Eles estão do nosso lado-
- Não falo dos mestiços! - Amai exclamou, impaciente - eu falo dos verdadeiros que andam por entre a gente em forma humana!
Ela parecia sinceramente apavorada. Raven sorriu, consolador, e deslizou sua mão direita, grande e áspera pelo duro trabalho no campo, pelos cabelos ruivos de Amai, a fazendo respirar melhor e ficar mais calma.
- Amai, eles são legais - disse calmamente - sabe, acho que Keishara seria uma boa amiga para você.
- Não quero ela como minha amiga - Amai reclamou - não quero nenhum deles como amigo.
- Que erro - Raven murmurou - eles podem ser legais.
Amai fechou os olhos, ignorando os dedos de Raven lhe acalmando gentilmente. Sentia calor demais, era verdade, mas não podia conter um arrepio na espinha quando avistava aquela de cabelos vermelhos e olhos estranhos, ou quando cruzou com a tal da Keishara e sentiu sua frieza, ou pior ainda, quando seu olhar se encontrava com o de Erevan. Nunca, nunca, nunca vira dois olhos tão profundos, tão negros, tão sinistros e malvados. Sentia tanto tanto medo!
- Onde estão as pessoas de Grillindor? - Tatiih perguntou enquanto contava os lugares na mesa para ordenar os pratos. Rafitcha respondeu, também contando os lugares.
- Com os dragões - resmungou arrumando uma prega usual em alguma parte da toalha sobre a mesa - eles estão cuidando para que não fujam, coisa do tipo.
- Uau - Tatiih deu um suspiro cortado de admiração. A idéia de ver dragões lhe parecia fascinante.
- É mais boca para alimentar - Rafitcha não parecia nada feliz, seus olhos frios como um punhal de prata - ainda mais com Raveneh que não pode ajudar a nós completamente, já que tem a May... e ela está chorando de novo - rosnou baixinho raivosamente - eu adoro crianças, mas isso não quer dizer que não tenho vontade de jogar a desgraçada em um poço e largá-la!
Tatiih riu com a ira de Rafitcha:
- Relaxa - Tatiih suspirou mais longamente e em tom de consolo - crianças são chatas e inúteis, mas o que se pode fazer? Não se pode matá-las nem dar veneno, sem correr o risco de morrer dolorosamente e lentamente. Então resta a nós aguentar todo o choro da criança. Pense que quando ela crescer, você poderá se vingar.
- Se estivermos vivas, eu e ela, pode apostar - Rafitcha disse entredentes, sua frieza irada excedendo os limites da normalidade quando Johnny entrou na sala, de calças azul-marinho e peito nu, cabelos molhados do banho recém-tomado no rio, um luxo que estava com dias contados - aonde você foi? No rio?
- Sim, irmã - Johnny beijou a face de Rafitcha, mas ela sequer sonhou em sorrir.
- Por que não tomou banho aqui? - perguntou Rafitcha, sua expressão ríspida - temos água! Por que se arriscar a ir para o rio? É perigoso, sabia?
- Calma, irmãzinha... - Johnny sussurrou, tentando parecer tranquilo, mas sua voz só sumia a cada palavra dura dita por Rafitcha que fuzilava os copos - porfav-
- CALMA? - Rafitcha virou o rosto para Johnny, parecendo a própria fúria em pessoa - Calma? - mas a sua ira se esvaiu na própria crueldade mantida cuidadosamente e cuspida em cada palavra - Johnny, você tem uma esposa e uma filha. Lembre-se que a sua esposa sempre está a beira de perder o senso de si mesma. E lembre-se, Johnny, que estamos em uma maldita guerra em que há demônios e dragões lá fora - sua voz tornara-se um sussurro tão perverso que Johnny se arrepiava com cada rosnar latente em cada letra sussurrada - Johnny, rios não são lugares seguros, entendeu? Nem rios, nem florestas, nem plantações! Ou seja, lugares que não sejam seguros só em situações necessárias, entendeu?
- Sim - Johnny respondeu em um fio de voz.
- Ótimo, agora vá calar a boca da sua cria - Rafitcha rosnou, o que o irmão fez prontamente, sem nem sequer imaginar em desobedecer.
Tatiih ergueu as sobrancelhas, murmurando um "uau", mas sem emitir som. Parecia impressionada com o talento desconhecido de Rafitcha em parecer uma irmã perversa e manipuladora quando quisesse.
- Uuufff - Polly passou a mão pela testa, cansada, mas seu sorriso decorando o rosto com leveza.
Ratta se recostou ao seu lado, também parecendo feliz e cansada.
- Bonito lugar, não? - Ratta opinou, olhando em volta. Polly concordou:
- Bom lugar para morar, em tempos de paz.
- E o céu é fabuloso, olha só! - Ratta olhou para o céu todo estrelado - mas o céu é o mesmo em qualquer lugar, não é?
- Sim - Polly ronronou - aqui, Grillindor, o lugar onde nasci e onde você nasceu também.
- Onde nasci? - Ratta soltou um ruído como um ronronhar duvidoso - com certeza, não. Se o céu de lá fosse como esse - apontou para o céu estrelado - eu nunca veria necessidade de sair de lá.
- Que deprimente - Polly disse risonha - pelo menos saiu de lá. E veio pra cá, sendo soldada a serviço da Grillindor, amada pátria! *-*
- Wow.
- Hey, quer fazer uma aposta? - Polly indagou, seus olhos grandes e castanhos encarando uma folha que arrancara e despedaçava com cuidado. Ratta assentiu com entusiasmo, sua cauda balançando de empolgação. Polly sorriu enviesadamente, orgulhosamente:
- Aposto quatro ouros que Zidaly sobrevive, no máximo, um mês aqui.
Ratta riu com gosto.
- Pois eu aposto sete ouros que ela não passa de duas semanas!
Ouros era a moeda corrente em Grillindor, e ela valia cerca de um gm' e meio no Mundo das Fadas. Claro, com todos os ataques sucessivos dos demônios e tudo o mais, a inflação aumentara descontroladamente, o que significava que um ouro de Grillindor poderia chegar a vinte gm's em dias excepcionalmente complicados.
- E se ela sobreviver mais? - Ratta interrogou, mas a resposta foi óbvia:
- Todos os ouros entregues a ela!
As duas sorriram para a escuridão.
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Ravèh estava na rua.
Largara um garoto morto na calçada ali atrás, mas embora seus rins fossem nutritivos e sua carne fosse apetitosa, ainda assim não havia o tempero especial que fazia com que ela concluisse uma refeição até o fim. Seus cabelos loiros se ondulavam com a menor brisa, seus olhos felinos se aguçavam a cada ruído que escutava que se assemelhava a passos ou a rosnar de algum demônio vulgar.
A rua lhe era extremamente confortável, embora gostasse mais quando tudo fosse muito, muito frio.
Mas assim também era legal.
A rua era melhor do que o palácio.
Lá, no palácio, Ophelia tinha idéias idiotas e acessos de fúria e nervosismo, trancada em seus quartos, sempre perguntando por Lala como uma amante ensandecida. Nem ao menos se dava ao trabalho de perguntar como ia a tortura dos irmãos que haviam perdido a coroa, e isso era tão frustrante... sim, tinha expectativas de que Ophelia fosse um monstro completo, sem nenhum tipo de compaixão e piedade, mas se desiludira assim que Ophelia ordenou que Alicia cuidasse de Lala, arrancando a garota de olhos cinzentos de suas garras.
Era justamente a jóia que teria tanto prazer em torturar até ver o lindo rostinho angelical se contorcer de dor, implorando para morrer...
Hmpf.
E ainda convivera com a ex-rainha e o irmão dela tempo suficiente para conseguir lembrar dos nomes deles. Que estúpido, ainda lembrava de como sua mão se enfurecera no abdomên do pirralho e se remexera lá, rasgando as tripas do garoto. Mas nem carne boa nem sangue doce ele tinha dentro, com um organismo totalmente medonho ao paladar. Gente mágica era horrível para se devorar as tripas, mas achou realmente que Lefi era um humano, com aquele sangue completamente doce e delicioso. Ele até teve sorte, caindo no chão e sendo deixado lá à própria sorte, ao lado da irmã.
Com alguma sorte, os dois morriam e Ravèh se livrava dos encostos para poder "se demitir" e ficar independente como era. Não que aquela loira de olhos cinzentos fosse escapar ao seu destino. Ainda a teria sob seus braços, ainda esmagaria seus ossos e riria, ainda veria o sorriso dela virar um esgar de pavor, como se nada no mundo a apavorasse mais do que morrer. Ah!a vida é bela, até mesmo para os demônios...
Hey, um cheiro aqui...
Sofisticado e irreal, porém desgostoso.
Fascinante.
Parecia-se com o cheiro de Ophelia, mas esse era mais antiquado como um perfume velho.
- 'Elyon! - gritou uma voz, descuidada. Parecia estar bêbada.
Uma humana? Não, humanos não tinham esse cheiro absurdamente fascinante e misterioso, embora a carne e sangue sejam infinitivamente melhores... Fadas? Mas elas não tinham sido destruídas, arruinadas?
- Catherine, vem logo! - outra voz gritou também, rindo tontamente. Parecia estar bêbada também - senão-
- Fodase, Elyon! - Catherine virou a esquina - estou cansada de viver por milênios, oh!
Catherine encarou Ravèh com surpresa, mas seu susto virou riso desenhado.
- Um ser humano? - Catherine franziu as sobrancelhas com interrogação bêbada - não, pelo cheiro - também franziu o nariz como se sentisse nojo - venha ver, Elyon! É a merda ambulante do mundo! Um demônio, e - chegou mais perto sem se incomodar se Ravèh reagiria à aproximação, e chegara perto o suficiente para aspirar o cheiro dos cabelos loiros que ainda ondulavam ao vento - ela tem o cheiro do maldito palácio! Senhorita, você é um dos monstros que amam Ophelia?
- Não - Ravèh sorriu diante da inteligência apresentada pela garota, mesmo que não fosse lá muito inteligente chamar um demônio de "merda ambulante". Mas ainda assim, sentia que ela não quebraria com um único golpe. A julgar pelo desaforo de se aproximar, pelo cheiro estranho, e pela ousadia de sorrir desaforadamente e chamar por Elyon.
- Ela diz que não é? - Elyon perguntou. Ravèh fixou a atenção no penteado desarrumado da garota com cabelos castanho-claros e em como ela transformava seus movimentos em alguma coisa ondulante, hipnótica - todos os monstros falam isso. Fere tanto o orgulho dizer que trabalha para Ophelia?
- Todos os monstros? - Catherine murmurou enquanto enrolava uma mecha loira de Ravèh nos dedos - o que é ser monstro? Comer gente? Você come gente, loirinha?
- Amo. Especialmente carne jovem e macia.
Se a intenção de Ravèh era assustar, de nada conseguiu.
Em um segundo, foi jogada contra uma casa em ruínas, e desabou no chão com estrondo. Antes que pudesse sequer pensar, assumiu a expressão em um assombro pasmo, como se não acreditasse. Seus olhos se dirigiram para o chão cinzento e banhado de sombras.
- Descobri - Catherine ficou bem ao lado dela, sentada em posição de lótus com o maior sorriso em seu rosto - você é realmente criada de Ophelia, não é? Trabalha para ela diretamente, e veio do palácio dela.
- Ela tem o cheiro monstruoso misturado às flores do jardim - Elyon comentou. Ela que jogara Ravèh contra a casa, e agora se movia tão rapidamente que mal se enxergava suas pernas se movendo até ela chegar bem pertinho de Ravèh, seu rosto a menos de dez centímetros da face assustada de Ravèh.
Ravèh sorriu. Aquelas duas vadiam iriam só ver uma coisa.
Quando Ravèh tentou se levantar, ninguém impediu.
Tanto Elyon quanto Catherine estavam tontas e embriagadas, e Ravèh tinha vantagem em estar em um estado sóbrio, inteiramente consciente de si mesmo. Ficou em pé, pronta para dar o primeiro golpe e estraçalhar com a carne da tal da Elyon. Não podiam ser humanas, não inteiramente frágeis humanas, senão como desafiariam um demônio com tanta impetuosidade?
Deu um passo para a frente, movendo suas mãos com extremo zelo.
Cravou as unhas no pescoço de Elyon com tanta forma que logo o sangue começou a escorrer. Elyon riu. Era fascinante quando alguém se lançava contra ela, a perfurando e coisas do tipo e era ainda mais fascinante quando sentia as artérias se romperem para se refazerem logo em seguida!
- Quem você é? - Catherine sequer fez menção de salvar a amiga. Só fez a pergunta quase de forma doce, como fosse uma professora de ar maternal.
Ravèh soltou o pescoço de Elyon que sangrava em longos filetes e virou a atenção para a Catherine.
Sim, ela também.
Mas como atacar as duas, matá-las?
- Quem você é? - Catherine perguntou de novo, mas seu ar maternal já se fora: só restava a mais fria elegância - suponho que embora seja um monstro, ainda reste alguma faísca de civilidade o bastante para dizer o próprio nome.
Ravèh não respondeu à crítica, limpando seus dedos na saia do vestido. O azul-pálido se misturou ao vermelho sangrento em certas partes, mas ela não deu atenção.
- É muito ruim, sabe - Catherine continuou, e agora dava passos para a frente delicadamente - matar alguém de quem não sabe o nome.
Ravèh gelou.
Sentiu que Elyon não caíra atrás.
Podia sentir a respiração pausada de Elyon, podia sentir que ela se aproximava por trás.
Estava perto demais.
E, mais rápido do que uma cobra que dá seu bote, Ravèh colocou todo o fôlego e correu. Tarde demais, ainda assim.
Seus braços foram bem seguros, os dedos de Catherine pressionando sua carne com delicadeza. E o sorriso quase diabólico de Elyon pairava em seu rosto como um fantasma, e ela estava muito muito perto, quase que encostando seus lábios na testa de Ravèh, e suas mãos se estranhavam entre o cabelo loiro. Arfou.
Pela primeira vez na vida, estava com medo.
Sentiu a pressão nos braços aumentar ainda mais.
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- Quem é essa Lala? - Bel perguntou, o copo de mimatta lhe sendo oferecido pela loira de nome Raveneh.
- É o braço-direito de Ophelia - Umrae respondeu - antes de você chegar, pensei em sequestrá-la.
Bel riu desgostosamente, seu nariz se franzindo de surpresa e zombaria.
- E vai fazer? - perguntou, ao que Umrae respondeu, muito séria:
- Não precisamos.
Bel mordeu o lábio inferior, parecendo insegura por um momento, mas logo o riso tomou conta de seu rosto novamente. Bebeu mais um gole da mimatta adocicada e disse:
- Umrae, acho que você deveria voltar ao seu reino e conviver com uns de sua raça - Umrae ergueu os olhos dourados intrigada - sequestrar? Umrae-san, convenhamos, quem tem idéias de sequestrar aqui sou eu, não você. Quando falei de sequestrar Luroen, no treinamento, lembra? Você só faltou me bater de tão irada que ficou! Diga-me, o que fez você ter essa idéia?
- Não sei - Umrae deu um leve sorriso. Ou talvez fosse só imaginação de Bel - foi só uma idéia prontamente descartada.
- Você realmente deveria conviver com mais gente da sua raça. - concluiu Bel admirando a caneca com a mimatta - mas até que sequestrar Lala não é uma idéia ruim. O que você sabe sobre a Lala?
Umrae respondeu pacientemente.
- Lallyn Sakamoto, vindo de uma família guerreira. É a única descendente viva, eu acho. Trabalhou para a Rainha quando era mais nova como estrategista militar. Lembro-me dela ter trabalhado quando o Rei foi capturado, há dois anos. Agora, sei lá como, trabalha para Ophelia.
- Por quê? Não é tão desonroso ser aliado de uma criatura que derrotou a família real?
- Não duvido nada que a Lala, dando uma de heroína inflamada, tenha desafiado Ophelia e perdido a luta - opinou Umrae - e assim virou escrava. Não seria a primeira nem a última vez que isso acontece.
- Claro, isso acontece direto em Grillindor - Bel concordou. Ficou pensativa por um momento - bem, se formos levar esse plano para a frente, teríamos várias dificuldades como adentrar o palácio, capturar Lala e mantê-la presa...
Umrae fez um ruído como se zombasse.
- Entrar no palácio é a coisa mais idiota que já fiz - disse - tem uns demônios mais burros do que uma porta como guardas, e os criados são incrivelmente estúpidos. Bel, você nunca verá outro palácio com soldados tão incompetentes, defesa tão baixa e o poder tão fraco. Ophelia entregou o reino aos caos, Bel. Ela pode ser a Rainha no título, mas se perguntar qual a real influência dela ali... céus, ela mal sai do palácio para ver o que acontece em seu próprio reino!
- Ela é um monstro, Umrae - Bel bebeu o último gole da mimatta - um monstro altamente emocional?
- Sim - Umrae conhecia bem as lendas a respeito de Ophelia e a conhecia o suficiente para tirar suas conclusões sobre o temperamento da Rainha. Temperamental, infantil, e maldosamente perverso.
- Pois bem - Bel encarou a caneca vazia - temos mais dez aqui. Já apresentei todos, certo?
- Sim.
- Pois bem, sabe a Zidaly? - Bel perguntou. Uma mecha castanha caiu em frente ao rosto, mas ela não tirou. Só encarou Umrae como se pedisse algo.
- Sei - Umrae murmurou em resposta - a de cabelos negros e roupa justa demais.
- Pois bem.
Umrae ergueu as sobrancelhas.
- Quero que ela morra - Bel admitiu, quase que engolindo em seco.
- Por quê? - Umrae sorriu suavemente, e dessa vez, não era nenhuma ilusão.
- Ela entrou nessa missão por puro suborno - Bel contou. Seus olhos escuros se estreitaram, faiscando de ódio - eu quero que ela morra.
Umrae se levantou, e disse:
- Se quiser matá-la, vá em frente. Mas já tenho coisas demais para me preocupar com infantilidades como uma garota que quer matar outra.
Bel sorriu. Era só o que queria: consentimento.
Agora Zidaly estaria em suas mãos, e ninguém poderia salvá-la da ira de Bel.
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Alicia deslizou seus pés pelos degraus, procurando avidamente pela entrada para as masmorras. Procurava por uma maneira de salvar Siih e Lefi, e temia que fosse tarde demais. Quase escorregou em uma parte qualquer, mas conseguiu se segurar. A medida que penetrava mais e mais fundo, sentia-se como se todo o sangue em seu corpo secasse e sua cabeça parecia pesada demais para seu corpo aguentar. Tentou se servir da magia para enxergar melhor na escuridão, percebeu que todas as tentativas eram frustradas.
Experimentou conjurar uma chama para melhor se aquecer, mas mal o fogo se acendeu no ar e se apagou.
- Merda - Alicia sussurrou.
Quase escorregou, mas conseguiu chegar a um fino corredor. Era escuro, sem chamas a brilhar, e o teto era muito alto e intimidador. A escuridão, que estranho!, tinha nuances de roxo que brilhavam a cada vez que Alicia piscava os olhos. Conjurou uma chama só para iluminar melhor, conseguiu enxergar portas ao longo do corredor. Estava no caminho certo, percebeu.
Não sabia o que aconteceria quando abrisse a primeira porta.
- Majestade, Majestade - resmungava.
Não conseguia achar a porta.
Ravèh podia voltar a qualquer hora.
- Onde está, onde está?
Ficou exatamente no meio do corredor, embora não soubesse disso. Bateu com o punho na parede, de raiva.
E sabe qual era a pior parte?
Esses irmãos nem gritavam.
Alicia tinha certeza que ouviria os gritos. Estava no mais profundo silêncio, mas tinha a certeza absoluta de que se naquelas prisões, estivessem furiosos e desesperados, os gritos se fariam ecoar por todas as masmorras. Porém o único som que se fazia ouvir era a respiração pesada de Alicia. Ela respirou fundo, olhou para o alto.
Negrume.
- Ah - mordeu o lábio inferior - por favor...
Tentou se orientar, tentou usar toda a magia que tivesse em si para se orientar melhor.
Incompetente.
Ergueu os olhos. Tinha que achar. Se não achasse, se não salvasse a Majestade, se não salvasse seu irmão...
Incompetente como a Majestade derrotada.
Sentiria o mesmo que a Siih sentia desde que Ophelia lhe derrotara. Lhe derrotara, porque nem lutara. Nem lutar pelo próprio reino, Siih fizera! Pois bem, Alicia cumpriria a sua promessa de salvar a Majestade e salvaria a própria vida. Pois morrer ali, nas mãos de uma criatura sádica, lhe era repugnante demais.
Quando terminar isso tudo,
Farejou o medo misturado ao ar.
eu vou pegar o que ainda tiver e me mandar pra sul. Sul é bom.
Chegou ao fim do corredor, experimentando abrir as portas, uma por uma.
Todas estavam abertas até chegar na décima segunda porta, a que estava fechada. Bateu violentamente, fazendo bastante barulho. Esperava que fosse a que guardasse Siih e Lefi.
- MAJESTADE! - gritou.
- Alicia? - a voz de Siih era um fio.
Siih não se levantou. Permaneceu sentada, ao lado do irmão a quem sacudia vigorosamente. As lágrimas ainda molhavam o rosto, e o coração parecia mais quente quando escutava a voz de Alicia. Parecia-lhe que Alicia procurava por uma forma de abrir a porta. De fato, ela olhava a porta com interesse e exasperação. Tinha que ter a chave, diabos.
Obviamente a chave ficava entre os finos dedos de Ravèh, aquela diaba.
Experimentou tocar a maçaneta e enfeitiçá-la de modo que ela abrisse magicamente, mas não conseguiu. Nada moveria aquelas masmorras. Por milênios, resistiram a furacões e guerras e demônios usurpadores, porque se abririam para uma tola fada que mal conseguia se libertar das garras de um monstro por si própria?
- Siih! - Alicia gritou, tentando fazer com que Siih a ouvisse - Majestade! Ouve?
- Sim - Siih se levantou, tonta. Precisava ouvir Alicia melhor.
- Não consigo abrir - Alicia admitiu, percebendo que Siih andava pelos aposentos. Bom sinal, significa que não tinha perdido as pernas. Mas por que não ouvia Lefi? - Siih, me ajude.
- Como?
- É mais poderosa que eu - Alicia disse - mas não é mais poderosa que essas masmorras - Alicia ofegou, tentando pensar, pensar rápido - Majestade, tenho certeza que se você ainda fosse uma das fadas altas, essa maçaneta se moveria.
- Mas não tenho mais os poderes de dois anos atrás, Alicia - Siih deslizou pela parede - o que quer que eu faça?
- Lembre-se de como era, Majestade - Alicia pediu - lembre-se de como era, quando era Fada Alta. Não se foram todos os poderes, sabe disso... ainda restam alguns, e precisamos desses restos agora! Cadê Lefi para lhe ajudar?
- Ele...
,
Alicia teve que se controlar muito.
Pense na RainhaRainhaRainha
Siih fechou os olhos, tentando.
Não, não dava.
Alicia passou a mão na maçaneta, tentando pensar.
Ele sempre foi tão gentil comigo.
- Consiga.
Siih mexeu na porta, seus dedos roçando suavemente na pedra da porta.
Ela se mexeu muito fracamente, mas nada que se comparasse a um belo poder. As masmorras não se curvam a uma rainha enfraquecida, nem a uma serva que só é inteligente quando está em paz. Alicia passou as mãos pelos cabelos pálidos, seu respirar se tornando cada vez mais pesado, seus olhos cinzentos cintilando com as lágrimas. Porém mantinha a razão no lugar ao notar que Siih se mexia.
Siih engatinhou até Lefi.
Já havia chorado demais, já abraçara o corpo de Lefi, e ele já não mais respirava. Sim, mas a carne dele ainda estava exposta e a magia demora tempo para se dissipar de um morto. Se Lefi saísse dali agora e fosse tratado pelos melhores médicos, poderia se recuperar. Milagres eram perfeitamente possíveis quando se tinha um sangue mágico que resistia a morrer. Lefi não respirava mais, e nem ele lutava mais pela sua vida. Só olhara para Siih com aquele olhar bondoso, e ficara ali. Fechou os olhos por conta própria.
- Perdoe-me, irmão, por te matar.
Era um crime.
Um verdadeiro crime.
Pode ser que a porta não se curvaria a nenhuma magia que viesse de uma Majestade humilhada, pode ser que todos os seus esforços fossem mudos para a maçaneta. Siih mergulhou suas mãos na poça de sangue que se formara em volta de Lefi, mas não as limpou. Voltou a porta, e pegou na maçaneta. Forçou-a a abrir com todas as suas forças, o sangue ficando escorregadio.
- ?
Alicia mexeu na maçaneta também, mas parou assustada.
Nunca sentira tamanha carga de poder. Assustador, como uma neblina que a envolvesse. Estava ainda mais frio do que o costume, e tudo lhe parecia denso demais. Siih gritou, e tudo lhe parecia grande demais. O sangue deslizou pela porta, pingando pelos dedos, Siih caiu, seus joelhos se tombando no chão.
Lágrimas se fundiram ao sangue sujo.
- Merda!
Alicia movimentou a maçaneta de novo, confusa. Fosse o que fosse, talvez Siih conseguisse manipular seus poderes de tal forma que conseguiria abrir. Forçou-a a abrir, fazendo com que Siih se levantasse de novo. Mas em vez de tentar abrir, só se encostou junto à porta, inteiramente. Pedra contra corpo, ambos frios. A pedra era morta, mas não se podia dizer que Siih estava inteiramente viva.
- Alicia.
Alicia parou. Também se encostou junto à porta, ouvindo Siih muito claramente.
- Ouve-me - Siih sussurrou, suas palavras atravessando a pedra e soando calmamente frias - ouve. Está perdido.
- Não.
- Lefi morre a cada vez que roubo a magia dele para sair daqui, Alicia - Siih disse - e eu morro também. Alicia, vá embora e viva.
- Majestade, não.
- Alicia!
- Eu prometi, droga!
- !
- E não sairei enquanto não tiver você ao meu lado!
Siih suspirou.
- Estrangule a si mesma se quiser, mas só quando sair daqui - Alicia rosnou furiosa - mas, ouça: saia. Utilize toda a magia estúpida que tiver pra sair dali, e se não houver magia suficiente, que use a de Lefi. Afinal a magia não resiste à morte?
- Se Lefi--
- FODA-SE - Alicia gritou - que mate Lefi inteiramente, mas ele vai preferir morrer pra você sair viva do que os dois morrerem estupidamente!
- Não. Já roubei demais.
Alicia socou a porta. Siih não respondeu.
Afastou-se da porta, juntando-se a Lefi. Deitou-se ao seu lado, abraçou-o. E fechou os olhos.
Impressão de que está acontecendo mata-mata? Relaxa, ainda não estou nem na metade. Enfim, meus dedos meio que doem em dias mais frios, minha conexão é uma porcaria e outras coisas más me fazem atrasar a entrega de capítulo. Mas não se preocupem, terminarei essa segunda temporada antes do fim do ano, (e vocês: OH!). Espero que esse capítulo tenha sido bom para vocês, meio que tentei colocar todos os temas em pauta juntos. Afinal Catherine e Elyon não podem ficar de fora, e nem as outras Musas. Elas estão ignorando o assunto por enquanto, mas vocês sabem perfeitamente que não as fiz surgir nessa história só para darem um 'alô, nós lutamos com Ophelia no passado' e sumirem, né? Enfim, vocês entenderam. Aliás, eu gostaria de um help... Umrae, help-me: os dragões se alimentam de quê basicamente? Não sei como me meti a escrever sobre criatura e esquecer a alimentação delas, a parte mais importante! Eu gostaria muitissímo de saber sobre a alimentação dos dragões de forma geral (RPG, literatura, cinema). Se puder me oferecer isso, Umrae, me sentiria muito grata. É claro que meu pedido não é só para Umrae: qualquer um que queira me ajudar (Ratta, você também sabe? Tenho a impressão de que você sabe), por favor!
Obrigada, obrigada ^^
4 comentários:
A maioria é carnívora, mas eles podem passar enormes períodos sem precisar comer (meses até). Umas poucas espécies são necrófagas. Em D&D, nunca vi registros de dragões herbívoros, mas em outros tipos de estórias sobre dragões, sim.
Uma dúvida: quando você diz que eu deveria passar mais tempo entre os da minha espécie, você quer dizer o que? Elfos? Drows (sub-raça de elfo)? Porque, tecnicamente, eu sou meio humana, meio drow. Elfos decididamente não são flor que se cheire. Falam muito em tradição e honra, mas são capazes de fazer coisas terríveis em nome disso. São também a raça mais preconceituosa que existe, e as sub-raças que existem brigam mais entre si até mesmo do que os humanos. Bem, depois que a única deusa boa dos drows (Elistraee) foi destruída e a Promenada (que era uma espécie de clã que defendia os inocentes, lutava contra vilões e combatia crimes como o tráfico de escravos) foi aniquilada por demônios que fariam a Raveh parecer porcariazinha, não sobraram exatamente muitos drows bons a quem se associar (a maior parte, que vive no subterrâneo e fica cega à luz do sol, adora deuses maus e é extremamente cruel). Para todos os efeitos, de qualquer modo, eu não me considero elfa (até porque os elfos de raça pura sempre deixaram bem claro que também não me consideravam uma deles), principalmente depois de todas as canalhices que o conselho élfico aprontou com os poucos sobreviventes do meu povo. É uma situação complicada ter que seguir as leis deles para não dar a eles mais motivos para caluniar meu povo como um todo e atacá-lo indiscriminadamente alegando que o mal é parte da natureza drow. Se ainda tivéssemos a rainha Amlaruil, talvez as coisas fossem diferentes, talvez a nobreza élfica não conseguisse exercer esse tipo de tirania, talvez as raças se mantivessem unificadas... Mas as coisas mudaram.
E por mais que a Zidaly seja insuportável, a Bel deveria estar mais preocupada com outras coisas, e não com eliminá-la. Como se todos que vão lutar nessa guerra já não tivessem inimigos suficientes do lado oposto...
Lunoska, saber eu não sei não... Mas pesquisei e realmente não achei nada que fizesse sentido (Oh, que inveja da Umrae, ela sabe tudo o.o' ).
Queria poder ajudar, mas as únicas coisas que achei foi sobre os dragões existentes conhecidos (Como o dragão de komodo...) (E sim, acredito em dragões, por isso falo em "conhecidos").
De qualquer forma, estou amando.
Curti bastante as mortes, que mostram que está não é uma historinha para criancinhas em que tudo termina bem e florido...
Ah, sim, e eu também não consigo teclar, escrever ou desenhar no frio. Minhas mãos congelam.
Beijos, Rata
É que a maioria dessas informações que eu encontro sobre monstros ou criaturas mitológias está em inglês, em livros gigantes em pdf que eu levei dias para encontrar e baixar...
Tá explicado... =/
Inglês + Rata = Sistema impossível.
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