- Vamos lá. Já que perdi a amiguinha de vocês, então vou usar você, tá? - Ravèh sorriu levemente.
As algemas que acorrentavam Lefi se desfazeram em pó, fazendo Ravèh sorrir mais abertamente. Siih não conseguia dormir, é verdade, encarava Ravèh com um olhar completamente blasé como se não desse a mínima para o que acontecesse ali.
- Você tem que tirar as bolas lá de cima. Lembre-se, não deixe cair uma ou é muito provável que ela esmague sua irmã - Ravèh disse - Siih pode utilizar magia de proteção de primeiro grau, e você, meu querido Lefi, poderá proteger sua irmã usando a mesma magia de proteção de primeiro grau. Mas fiquemos atento: a única coisa que vocês podem criar é o Escudo Primário I. Só. É o único feitiço permitido nessa masmorra em especial.
Apareceram várias escadas até o teto, escadas de degraus com grande espaço entre um e outro, e finos, prestes a cair a qualquer momento.
- Vamos lá, meu amado Lefi.
Siih não movia os pulsos, ficando cada vez mais nervosa e enfurecida. Lefi podia jurar que sentia alguma centelha de poder se movendo dentro dela, mas julgou que devia ser ilusão e continuou.
Os degraus eram frágeis, mas nenhum caiu a cada vez que Lefi subia. Queria muito que Alicia estivesse ali para ajudá-lo e mantê-lo calmo com o seu habitual sangue frio, mas calculou que Alicia arrumaria um modo de libertá-lo daquela prisão. As bolas de ferro estavam longe demais... subiu com todas as forças que ainda tinha, até alcança uma delas. Com todo o cuidado, com todo o medo, conseguiu tirá-la e a lançou longe de Siih. A bola bateu no outro extremo da sala, fazendo Ravèh rir.
- Parabéns! Mas faltam outras.
Lefi observou que não tinha como pegar as outras bolas sem mexer nas cordas, e assim elas desabassem.
- SIIH!
Siih não se mexeu, tentando reunir forças.
- Siih! Crie o escudo a toda hora, entendeu? Não pare de criar escudos!
- Entendi... irmão.
Siih não parecia animada, como se entregasse os pontos. Um escudo se moveu em cima dela, protegendo-a muito rapidamente, por meros segundos. Lefi criou outro, escudos que se chocavam. A única mágica permitida, feita para salvar a vida em um segundo.
E as bolas eram lançadas em cima dos escudos que se moviam, e por pouco não esmagavam Siih.
Siih não se mexia, não olhava para a frente, e sequer tentava respirar fundo. Só ficava parada, tentando perfurar a proteção contra magias que aquele lugar tinha. Parecia querer explodir.
Lefi acabou com todas as bolas e nenhuma atingiu Siih, por causa dos escudos que tinham de ser criados a todo instante. No fim, a última bola rolou e se chocou com a primeira bola, no extremo da sala. Os escudos se desfizeram completamente, e ninguém mais tinha forças para manter algum tipo de magia, mesmo que ela fosse minúscula. E Lefi simplesmente caiu, deixando-se entregar ao ar. Desabou na frente de Siih que mudou de expressão mais rápido que você pode dizer 'Siih'.
- LEFI!
Siih mexeu os pulsos, podendo sentir o gostinho de liberdade.
Lefi moveu a cabeça para o lado, sua testa sangrando pela queda.
- Irmã.
- O que pensa que está fazendo, desistindo? - Siih gritou, tentando se manter sã - não morra! Por favor, não desista! Pelo reino!
- Ora, irmã - Lefi sorriu - isso importa a essa altura? Se Ophelia for derrotada, não será pela gente. Só o que podemos fazer é tentar sobreviver...
Ravèh encarava a cena com deboche. Sem avisar, saiu da masmorra. Queria comer alguém, e isso só poderia ser permitido fora do castelo.
- Irmã, me diga, se Ophelia for derrotada, o que vai fazer? - Lefi parecia ter dificuldade em respirar, encarava o teto - irmã, não será mais a rainha, deixe-me lembrar disso. Mas você tem que sobreviver de qualquer jeito, entende?
- Eu não preciso sobreviver - Siih murmurou - sou uma péssima rainha, sou incompetente e não consigo sentir energia nenhuma agora. Queria poder matar Ophelia, mas não tenho poder para isso.
- Irmã, o que interessa agora não é Ophelia - Lefi murmurou - nada disso interessa mais. Irmã, o que temos de fazer é sobreviver e ponto final. Depois a gente decide o que fazer.
Siih ficou em silêncio.
O que faria?
Queria tanto conseguir furar a segurança daquela masmorra...
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Raveneh foi até a superfície, ficando perto da entrada do abrigo. Olhava para o céu, completamente escuro. May estava com Johnny, e ela tinha pedido para ficar lá fora. Queria voltar a treinar espada, mesmo que não fosse tão talentosa como Umrae ou Bia. Era mais nova que ambas, praticamente uma criança que engravidara e casara cedo.
A espada em sua mão lhe lembrava de que ela não podia ser protegida a vida inteira. Era o primeiro dia que ela treinava, depois que May nasceu, mas todas as lições lhe pareciam voltar com naturalidade. Dianteira, recuar. A espada se movia com velocidade, de forma precisa, embora ela fosse mais lenta e tivesse menos força.
- Não vou deixar May viver em um abrigo.
Queria poder usar magia, mas tinha medo demais. Sabia que enquanto Catherine existir dentro de seu corpo, seus poderes iam ter um limite indefinido, impossível de se mapear, um limite vago. Sabia que conseguira um corpo para sobreviver, uma cópia de si mesma, e isso a havia desgastado muito na época. Desde o seu julgamento, seus poderes pareciam que queriam lhe sufocar.
Nunca podia usar magia enquanto era criança. Era extremamente proibido onde vivera, e era tão castigada quando usava, que aos poucos seus poderes pareceram parar de repente. Ela nunca conseguira controlá-los porque nunca se acostumara com eles. Catherine que era a face que sabia usar sempre foi alguém clandestino, alguém que se servia de magia para prejudicar os outros, alguém que gostava de explorar os próprios limites.
É tão horrível ter alguém dentro de mim que sabe mais do que eu...
A espada cortou a grama com precisão absurda. Ao que parece, Raveneh estava melhorando graças a algum treino.
- Raveneh, você quer alguma magia?
Mais grama foi cortada, o ar se mexeu com a pressão da espada se movendo o tempo todo.
- O mais importante... você precisa de magia?
A espada parou, Raveneh ficou calada. Fitou as estrelas novamente, os cabelos soltos. Lá embaixo, Johnny cuidava de May. Se perguntou se May herdaria as suas habilidades mágicas, se ela teria algum problema psicológico assim como a mãe. Raveneh se perguntou se May teria problemas com a própria sanidade, assim como a mãe tinha.
Johnny tinha que ter amor demais para cuidar de Raveneh, e ele não se incomodava. Corria o risco de que Raveneh se descontrolasse, de que Catherine surtasse de uma vez, e de que o poder não fosse nada pequeno. Mas embora Raveneh fosse alguém de poder relativamente grande, não era nada comparado à Siih ou uma das Musas. Era uma fada normal que parecia simplesmente mais poderosa e usava a magia de forma mais inconsequente. Só isso.
- Não pode proteger a sua filha sem ser pela magia?
Sentou no chão, massageando os joelhos. A espada deitada ao seu lado, hesitação pulsante em seus movimentos. Parecia insegura do que queria, e estava sozinha. Todos estavam dentro do abrigo, embora Johnny estivesse na escada. Ele escutava os movimentos de Raveneh, pronto para defendê-la se precisasse.
Cale-se, Catherine.
Raveneh escondeu a cabeça com os braços, quase que chorando.
Eu não aguento mais ouvir você.
As lágrimas rolavam pelas bochechas, quentes, acariciavam a pele.
- Não vai conseguir se libertar de mim...
... irmã.
Havia alguma risada no seu íntimo.
Alguma risada
no seu íntimo.
As estrelas pareciam concordar que Raveneh seria inútil naquela guerra.
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Duas da manhã.
Grillindor completamente prontos.
Dez dragões mestiços prontos. Não necessariamente para a batalha, pois Bel queria conhecer o terreno e montar um plano primeiro, mas eles estavam prontos para viajar. E mais três dragões verdadeiros: um vermelho, um azul e um negro. Sim, não era um território apropriado para dragões vermelhos, mas Gerogie era ótima para espionar e vigiar territórios, então ela poderia ficar em sua forma humana.
Toda a tropa estava reunida no escritório de Bel, as malas no canto, e todos estavam nervosos. Apreensivos de imaginar controlando dragões diretamente. Bel mostrou um mapa na mesa:
- Observem - disse - aqui é Campinas - apontou para um desenho - debaixo fica o Mundo das Fadas, como podem perceber.
- É um território bem grande - observou Ti-Yi que parecia intrigado - só uma pergunta... nunca fui ao Mundo das Fadas, mas ouvi dizer que fica nas nuvens. Então debaixo do Mundo das Fadas, o que se tem?
- Terra, mais nuvens, árvores e uma floresta estranha. De qualquer forma, também é território das fadas. Mas a parte realmente civilizada e bonitinha fica nas nuvens - Bel respondeu com seriedade - ao lado se tem Heppaceneoh, atualmente um território governado por fadas, oficialmente. Mas toda essa área - apontou Heppaceneoh e todo o leste do mapa - foi destruída por demônios. As Campinas não possuem demônios em seu território, mas só porque eles possuem uma proteção mágica que pode se romper a qualquer tempo, bastando Ophelia sentir vontade. O Mundo das Fadas está arruinado. A capital que fica, vejamos, aqui - fez um ponto na fronteira de Mundo das Fadas com as Campinas - está acabada. Demônios estão comendo gente, e o plano de evacuação que a rainha anterior, Siih, começara acabou não sendo completado a tempo, ou seja, muitos civis foram mortos. Os abrigos estão protegidos, e eu imagino que eles estejam 'debaixo' das nuvens que é um território muito bem protegido. Ou seja, vamos estar em um território completamente cercado. E não dá para conseguir controlar dragões, se as informações passadas por Umrae estiverem corretas.
- Eu não entendi - disse Ratta - dá para explicar melhor?
- Primeiro, não podemos nos dar ao luxo de perder dragões e sabemos que é melhor controlar diretamente. - alguém murmurou que era mais provável um dragão morrer pelo controle direto do que pelo indireto, mas Bel não deu atenção - segundo, os Encantos que existem nas Campinas atrapalham. Eles bloqueiam magia dos adversários, e do ponto de vista das fadas, nós somos adversários. Esse é o principal motivo de porque vamos controlar diretamente, entendem? Se ficarmos nas Campinas, controlando a distância, a magia existente lá vai interferir e podemos perder dragões por besteira.
- Entendo... - sussurrou Polly - então realmente, o controle direto...
- Não tem outra saída.
Bel encarou seus onze soldados [incluindo Zidaly, a intrusa] com severidade:
- Me desculpem por colocá-los em situação de risco. Eu não quero isso, eu não queria simplesmente colocá-los em risco... - seus dedos tremiam - eu sei que é uma guerra de graça para vocês, é uma guerra sem motivos, é simplesmente porque vamos ajudá-los... eu sei que morrer nessa guerra é morrer por nada, então me desculpem, mas... - odiava chorar na frente de alguém, mas não podia evitar.
Droga, não tinha idéia do que podia envolver...
- Comandante - Harumi sorriu, seus olhos furta-cor brilhando vivamente - não vamos morrer por nada. Vamos morrer para matar Ophelia antes que ela destrua Grillindor.
Bel ergueu o rosto, lágrimas brilhando. Ninguém a culpava ali.
Crazy sorria, Polly e Ratta davam oizinho, Harumi a olhava com doçura, Toronto e Ti-Yi cruzaram os braços como se estivessem decididos, Pauline se apoiava em Giovanna e ambas pareciam sinceramente contentes em ajudar na luta contra Ophelia.
- Você disse que Ophelia destruiu todos os reinos em volta - Harumi continuou, sua voz permanecendo doce - veja bem, somente a Terra Seca separa nós dos reinos destruídos. Não é nada improvável que os demônios se movimentem à Terra Seca que tem mais humanos sem nenhuma mágica, e sabemos que quanto menos mágica uma pessoa tem, mais saborosa ela tem. Se alcançarem a Terra Seca, vão atravessá-los sem nenhuma dificuldade porque eles não tem nenhuma defesa. E aí eles vão acabar com Grillindor, porque nós não nos preparamos direito. Temos que acabar com os demônios e com Ophelia enquanto eles não chegam aqui.
- Eu concordo com Harumi - Pauline apoiou - não vamos morrer de graça, Comandante. Vamos morrer por Grillindor, e é pra isso que fomos treinados, não é?
- Claro - Ti-Yi disse - senão não seríamos soldados.
- Eu sou soldado porque me mandaram ficar aqui, por lei - Polly confessou - mas não me incomodo em morrer, se souber que mais gente poderá viver com isso.
- Você é tão altruísta, Polly - Ratta disse com um riso disfarçado - eu jamais morreria por aquelas fadas. Mas, bem... Comandante, eu arrisco a minha vida se isso significar uma promoção minha no trabalho. - fez uma continência
- Ora, Ratta, deixe de ser tão arrogante - divertiu-se Bel - vamos guerrear. Todos nós vamos arriscar as nossas vidas. Se não quiserem morrer, lutem com tudo que tem. E...
Respirou fundo antes de continuar.
- Ophelia ameaça a nossa segurança. Se ela continuar destruindo nesse ritmo, ela só vai parar de verdade quando alcançar Faerün, onde tem seres pau a pau com ela. Vamos partir agora. Despeçam-se de quem puderem se despedir, pois podem ser que vocês nunca mais verão este castelo.
Ela não falou com tristeza.
Ela não falou com pesar.
Ela só falou com sinceridade e uma certa nostalgia.
Mas soldados são assim... eles nunca podem se apegar a alguém, pois podem perder este alguém logo, logo.
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Elyon andava pela cidade, acompanhada por Catherine. O corpo doía demais, e de fato a regeneração não estava completa, mas nenhuma das duas se incomodaram. Usando o máximo-máximo de seus poderes, conseguiram fechar as feridas, mas o corpo não conseguia se acostumar com a regeneração forçada e protestava.
- Porque estamos andando pela cidade? - perguntou Catherine, cuja orelha ainda sangrava - até parece que vamos conseguir derrotar Ophelia assim.
- Não vamos - Elyon murmurou - eu só queria beber alguma coisa. Será que tem alguma bebida por aqui?
Catherine sorriu:
- Elyon, essa cidade está acabada pelos demônios - lembrou - onde você vai achar um bar?
- Demônios bebem, não bebem?
As ruas estavam completamente desertas, exceto por um ou outro humano andando por aí, de vestes esfarrapadas, parecendo se fundir à escuridão. Elyon chutou o chão, resmungando sobre as roupas rasgadas e sujas de sangue que vestia.
- Pare de resmungar - Catherine reclamou - não vamos achar roupas decentes nessa cidade, de qualquer jeito, então se acostume.
Resmungou mais uma vez.
O céu estava tão claro, depois da chuva.
As calçadas tão molhadas, e as pessoas tão lúgubres por todo o canto.
E as estrelas estavam perfeitas, brilhando em toda a sua imensidão.
Elyon ergueu o rosto para cima, Catherine a imitou:
- O que olha?
- Estrelas.
Catherine passou a fitar Elyon, que continuava encarando as estrelas, tão vivas!
- Catherine, o que você acha que existe após a morte? - perguntou Elyon - para onde você acha que Olga foi?
- Elyon...
Vida após a morte. Não, ela não sabia. Sabia que existiam casas mal-assombradas, espíritos que não tinham paz, e ela nunca duvidou dos relatos sobre fantasmas que apareciam aos montes, geralmente sempre depois de uma guerra ou tragédia. Mas não sabia, e a idéia da morte a tinha apavorado por alguns anos, no começo de sua vida. Agora ela podia ficar assegurada que só morreria se assim quisesse, e assim descobriria o que haveria depois da morte.
- Existe um céu, Catherine? Você sabe se existe um inferno? - Elyon insistiu, querendo uma resposta. Catherine continuou sem resposta, sem saber. Se nem Elyon, que conhecia a morte de perto, sabia o que existia depois, quem era ela para saber?
- Olga não existe mais - Catherine disse, depois de muito hesitar - para nós, ela não existe mais.
O silêncio era tão estranho.
É.
Olga não existia mais e...
E elas continuavam vivendo.
Decerto, isso era estranho. Catherine deu a mão para Elyon, apontando uma porta aberta com luz dentro, e uma singela tabuleta 'Taverna Gladys'. Pela porta aberta, podiam escutar uma música tocada no piano, risadas estrondosas e podiam ver um ser com tentáculos saindo pelas orelhas e bebendo com a tromba de elefante que possuía.
Elyon sorriu, acompanhando Catherine.
É.
Olga morreu para que elas ficassem bem.
Então porque elas se arriscavam tanto e se lançavam para a morte?
Eu vi. Achei bizarro o Papai Noel mesclado ao Coelhinho da Páscoa (ou seria o contrário? rs). E Umrae, pra seguir um blog, creio que ele tenha que ter o espaço para ser seguido, e tem botão tipo 'seguir'. Espero ter ajudado a ti =*
2 comentários:
Finalmente alguém se manca de que não estão nos ajudando por serem bonzinhos, mas sim porque, assim que a gente parar de causar problema, eles são os próximos. Que bom que alguém em Grillindor tem juízo!
E sinceramente, estou chegando à conclusão de que é melhor quebrar esse encantamento de proteção logo. Demônios não são exatamente especialistas em magia (bom, esses da Ophelia não parecem, pelo menos), e ele atrapalha nossos aliados (e nós mesmos, aliás, porque com a quantidade de magos e elfos e etc que nós temos, ninguém nunca fez um feitiçozinho decente... Aí tem coisa, né?).
- Você é tão altruísta, Polly - Ratta disse com um riso disfarçado - eu jamais morreria por aquelas fadas. Mas, bem... Comandante, eu arrisco a minha vida se isso significar uma promoção minha no trabalho. - fez uma continência
Eu realmente amei isto.
Tá ótimo, Lunoska.
Estou realmente louca pra que a guerra comece, há!
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