terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Parte 97 - Um passo para a beira do abismo.


Um dia.
Vinte e quatro horas era tempo demais.
May já estava berrando. Tentaram leite feito com farinha e algo lá, mas nada dava certo. E só de lembrar que restava seis dias, seis dias para o prazo final. Ou Raveneh morria. E se Raveneh morresse, o que fariam com o bebê? Como a alimentariam?
Mia também chorava.
- Com o que que essas pessoas estão hoje? - Ly perguntou quase grosseiro - é possível crianças terem cordas vocais tão fortes?
Doceh lhe abraçou carinhosamente.
- Vai ficar tudo bem - disse - vai dar tudo certo.
Estúpidas palavras de esperança.
Vai dar tudo certo.
Vai dar tudo certo.
Claro.
Com duas crianças chorando, uma pessoa sumida, duas gravemente feridas, e todo mundo praticamente louco. Vai dar tudo certo.
Claro.

Rafitcha tremia. Nunca, nunca, nunca teve paciência com crianças mesmo quando era só uma e ela tinha mãe que conseguia acalmar. Agora eram duas. Uma chorava de fome e saudades, outra de medo e saudades. A outra tinha, pelo menos, dois irmãos. Mas isso não dava jeito. E, não... o pirralho do meio começou a chorar.
- Não aguento... - e começou a chorar também. Lágrimas. Gemidos.
Não era a pessoa que estava em pior situação naquele maldito lugar.
Mas preferia descer nas prisões de Istypid do que aquele lugar. Qualquer lugar que não tivesse as malditas crianças. Não teria filhos, nunca teria uma criança. Jamais. Se engravidasse, por acaso, ela matava a criança sem culpa. Ou dava pra adoção. Se engravidasse... era melhor nem engravidar. Nunca iria transar. Jamais. Um prazer cortado pra ter um incômodo ausente. Não tinha problema.
- Ra...? - Erevan chamou seu nome, procurando lhe consolar.
Rafitcha lançou seus braços em volta do dragão em forma humana, chorando copiosamente, suplicando qualquer coisa. Como algodão nos ouvidos e coma profundo para simplesmente esquecer do clima pesado. Erevan suspirou. Gritou chamando por Kitsune, falou a ela qualquer coisa. Kitsune se afastou, disse a mesma coisa ao Johnny. Johnny adorou, e Kitsune fez. Um dos soníferos mais suaves, ideais para crianças, de Umrae.
Fez o bebê dormir rapidamente.
As três crianças também experimentaram do remédio, dormindo tão profundamente que nem uma bomba os acordaria.
E o silêncio se instaurou no abrigo.

Rafitcha pediu uma dose, o que Kitsune deu. Ela dormiu apoiada em Erevan, aconchegada e tendo conforto pela primeira vez em muito tempo.

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Raveneh não ficou na masmorra, nem em um galpão.
Ela ficou em um quarto.
O quarto tinha uma janela que tinha uma visão maravilhosa de Campinas, e bastante luminosidade. Mas Ophelia bloqueara a janela com um feitiço, de modo que Raveneh não poderia escapulir qualquer que seja o jeito. E a luz também foi bastante diminuida, para que Raveneh se sentisse nas sombras. Quando Raveneh acordou naquele lugar, ela não sabia onde estava. Ela viu os pulsos doloridos (porque?), sentiu os seios vazarem leite (há quanto tempo não dava de mamar a May?), sentiu a cabeça doer (onde estava?). Forçava a memória. Uma música. Alguma coisa do gênero. E depois... meros borrões. Nada fazia sentido.
Não havia ninguém no aposento.
Ninguém.
É.
Não.
Vai precisar de mim, moça.
Não podia ser...
Não é óbvio que você é prisioneira de Ophelia?
Deitou-se no chão, tentando dormir novamente. Não sabia que horas são, embora já fosse noite pela janela. Era noite do mesmo dia que acordara em Campinas? Ou já era outro dia?

Céus. Isso estava realmente problemático. Onde estaria May? Será que Johnny estava bem? Porque ela estava aqui? Quer dizer, algum motivo realmente razoável que não seja simplesmente porque era a mocinha da história e tudo acontece com a mocinha da história. Quer dizer, seus dias tristes já passaram. A guerra era ruim, era um desastre. Mas não era um problema dela, e sim geral, ao contrário de Istypid. Aquilo foi um problema dela.
E de todo mundo que arrastara consigo.
Que coisa mais chata.
Você não precisa vivê-la, sabe.
Claro que precisa.
Todo mundo precisa viver a vida que tem, inclusive as pessoas que tem personalidades múltiplas. Raveneh ficou em pé, começando a andar pra lá e pra cá. Estava começando a ficar com tédio, e embora não quisesse ser torturada (teve um arrepio ao lembrar o estado de Kibii quando ela chegou em Campinas), também não queria ficar ali, isolada e intocável. Estava escuro. Ela mal conseguia enxergar o outro lado do quarto. Talvez animais fossem úteis. Mas será que haveria um nesse quarto? Uma formiga? Uma barata? Uma coruja? Qualquer coisa que falasse com ela...
Contou os pés de um extremo a outro, em meio a escuridão.
Mas esqueceu-se de quantos pés media o quarto, porque quando estava no trigésimo quinto passo, Ophelia entrou. Era a única fagulha de luz, Raveneh correu para ela com tanta empolgação, quase esquecendo que alguém abrir a porta não significava a salvação. Podia significar a tortura, o que foi, de fato, aconteceu.

- Já te falaram que você parece um anjo? - Ophelia disse docemente.
Sim. Raveneh não disse nada em voz alta, tinha medo. A mulher que tinha aterrorizado todos seus amigos estava ali, atrás dela, pronta a lhe tocar, lhe machucar, lhe inflingir as piores dores. Ofegou, tentando procurar por uma maneira de fugir.
- Você realmente parece um anjo... não quero te machucar - Ophelia se aproximou.
Raveneh se sentiu sendo abraçada. Os braços da rainha envolviam seu corpo, o calor da carne era algo inumano.
Nunca havia tremido tanto assim.
Sua pele suava.
- Eu não quero - o sussurro era quase incompreensível - mas eu preciso passar por certas coisas se eu quiser ter o poder...
Raveneh olhou para a frente, sentindo Ophelia desamarrar seu vestido por trás. Estando nua, doeria muito mais.
- Eu quero realmente ser A Rainha - admitiu Ophelia - e para alguém ter o poder absoluto, precisa-se devorar algumas mentes. E torturar alguns anjos... perdoa?
Raveneh sentiu o vestido cair aos pés. Havia agora somente as roupas de baixo, e já morria de vergonha. Suas bochechas se molhavam de lágrimas, a voz interior gritava em seus ouvidos e toda aquela insanidade estava em cada centímetro do ar. As mãos de Ophelia não estavam mais concentradas em deixar cair algum vestido, mas em arranhar.
Gritou primeiro de espanto.
Aquelas unhas lhe arranharam a carne das costas.
Gritou depois de medo e dor e desespero.
Aquelas unhas começaram a ferir, agredir e dilacerar as costas.
E ela nada podia fazer, porque nem Catherine conseguia reagir.

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- Logo.
Umrae não tinha tempo.
Não tinha paciência.
Estava esgotada.
- Essa tropa - apontou para o mapa - Raveneh.
Anuiram.
- Aqui - apontou para outro ponto do mapa - destruição total.
Resgatar Raveneh era uma parte simples da operação.
O negócio era resgatar Raveneh viva, levá-la em segurança até as Campinas enquanto acabava com todos os demônios ao redor de Ophelia. Os dragões mestiços iriam destruir os arredores. Keishara e Gerogie estavam unidas para capturar Raveneh de volta.
- Eu vou - Johnny se negava a ouvir qualquer súplica ao contrário. Mesmo quando Umrae lhe disse que provavelmente ele morreria, ele disse que ia. E daí se não fosse com os dragões?
- Deixa de ser idiota - Rafitcha rosnou - se você morrer, se Raveneh morrer, EU NÃO VOU CUIDAR DE MAYTSURI, ENTENDEU?
- Ela vai ter ou um pai ou uma mãe, não se preocupe - Johnny disse - eu não vou morrer. Não mesmo. E Raveneh também... ela está protegida.
Rafitcha sacudiu a cabeça, raivosa.
- Não, Johnny - disse - Raveneh não tem proteção nenhuma. Catherine é um escape, e é só isso. Mas Catherine vai sofrer... sofrer mais do que Raveneh, e os pesadelos, os pesadelos vão continuar...
- Ela tem razão - disse um prudente Ly - não faça isso, Johnny. Não vá em frente resgatar Raveneh... se ela morrer, você tem que cuidar da sua filha. Sua filha precisa de você.
Johnny não conseguiu sair. Ninguém deixou.
Ele teve que se contentar em abraçar a filha, sussurrando pequenas cantorias.

O cravo e a rosa brigaram
Debaixo de uma sacada


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Lala não queria escutar.
Esses malditos gritos.
Ela não queria. Mas escutava. Mesmo que se enterrasse debaixo da terra, continuaria ouvindo. Aqueles gritos eram de Raveneh. E eram dela mesma, gritos que ecoavam dentro de sua mente. Como fantasmas. Com um arrepio na espinha, percebeu que nunca mais teria paz pois sempre dormiria com aquele desespero angustiado.
Alicia estava arrumando o quarto de Ophelia. Não podia tirar nada da ordem, nem pensar esbarrar no precioso mapa que acumulava vitórias dos demônios. Ela estremecia a cada berro que escutava, mas isso não tirava seu foco do trabalho.
- Alicia - chamou, e Alicia se virou, hesitante.
Lala mandou que Alicia se aproximasse e disse.
- Vá até ao quarto de onde vem esses gritos. Diga que estou chamando por ela. Rápido.
Alicia foi.

Não tinha nada realmente urgente para falar com Ophelia, mas ao menos os gritos iriam parar por algum tempo.

- Majestade - Alicia chamou - Lala lhe chama.
Ophelia parou em um décimo de segundo, e deu um frio sorriso. Se ajoelhou perante uma chorosa Raveneh, ensanguentada, e a beijou na testa.
- Desculpe, meu anjo - Ophelia enxugou as lágrimas copiosas de Raveneh - não quero isso tanto quanto você.
- Quer mais - a voz de Raveneh saiu estranha - sua maldita.
A voz era realmente diferente.
Era sensual e diabólica.

Quando Ophelia saiu do quarto, Raveneh foi deixada sozinha. Com seus machucados e com Catherine. Raveneh brigara com Catherine várias vezes, decidida a sofrer aquilo solitária, sem a sua outra face lhe proteger. Queria sentir o peso do mundo, uma vez na vida que fosse. Quase se arrependeu. Ficou em um canto, tremendo e chorando.
Suas costas ardiam, e sangravam.
Ela sentia que tudo se sujava com seu sangue.
Seu tronco, suas pernas, seus braços, todos foram atingidos. Ophelia só poupara seu rosto, porque tinha pena de estragar um rosto tão angelical.
Quero que você fique reconhecível no final disso. foi o que dissera.
Ela queria gritar mais alguma coisa, mas algo se perdera em seus berros.
Kibii aguentou isso.
Seus olhos azuis fitaram a escuridão.
Demorava, mas aos poucos toda aquela dor virava insensibilidade. Ardia. Incomodava. Mas não doía tanto.
Até respirar se tornava, ao decorrer daquelas malditas horas, um ato mecânico e difícil.

Catherine chorava também.
Mesmo que aquilo doesse, mesmo que ela mesma não quisesse mais sentir tanto os pesares, sua vontade de proteger a outra mulher inocente, a mulher adocicada era maior. Queria assumir, tomar o controle, sofrer por todos os pecados que cometera e assim cuidar de Raveneh. Outra face, outra personalidade, outra pessoa.
Eram duas histórias diferentes. Eram duas mulheres diferentes.
Como isso entraria em consenso?
Até que ponto Raveneh não iria enlouquecer? Estava no seu limite, mas iria aguentar. Era uma questão de honra, pensava, aguentar uma tortura em toda a vida. Jamais dormir, seria a brecha para Catherine controlar sua pessoa. Jamais descansar, jamais perder a consciência de ser quem é...

- Deus meu, Deus meu - Raveneh rezava baixinho, pela primeira vez em anos.
Sempre tivera ódio dos deuses que regiam a vida dos humanos em Istypid, achando-os culpados de todos os males, de toda sua vida. Não pertenço a esse mundo, dizia. Mas estava desesperada, tremia de dor e fraqueza, e essa oração, aprendida na infância, era a única que conhecia.
- Que agem sobre os céus, e sob os infernos - a cada lágrima, era um verso - deitem Tua mão sobre a mim, e que Tua lágrima me console, que Teu sorriso me acalme, Deus meu, Deus meu... - odiava-se a si mesma por ter caído tanto a ponto de ter que orar para não cair em desespero. Era sinal de fraqueza, em seu íntimo.
Mas nem Catherine lhe condenava por recorrer as crenças que nunca acreditara, nunca seguira e sempre odiara.
Mesmo ela entendia como seu coração estava tão dolorido.

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- Ophelia - Lala sussurrou - venha jantar.
- Me chamou só por isso? - Ophelia deu um gentil sorriso.
- Eu não aguentava mais ouvir aquilo, Majestade.
Ophelia se sentou na mesa, mandando chamar os Glombs apavorados servirem. Frango. Arroz. Macarrão. Pouca comida, mas tudo que havia de melhor em tempos de guerra. Lala preferiu ficar somente com um pouco de arroz e tomate. Estava com pouca fome, insegura e nervosa. Sua lealdade era incondicional e irrestrita, mas era tão melhor que Ophelia não fosse tão malvada...
- O que você acha que vão decidir? Pela vida dessa loirinha ou de Umrae? - Lala perguntou, tentando parecer tranquila.
- Nenhum dos dois - Ophelia riu - vão tentar capturar Raveneh de volta. Vão tentar me destruir. Mas... eu não me importo. Já ordenei a uma tropa, e estão vindo os demônios mais poderosos, do submundo e dos céus. Demônios realmente relevantes. Eles estão no caminho. E... acho que chegam logo, amanhã ou depois.
Lala a encarou nos olhos.
Não conhecera essa parte do plano.
Era isso que Ophelia estava fazendo ao treinar todos aqueles poderes?
Estava convocando?
Pensava que estava brincando, somente treinando e enfraquecendo! Mas estava mandando mensagens pelo país todo, convocando tropas! É por isso que ela ficou tão fraca...
- Por que não me contou? - Lala parecia claramente ofendida. Na realidade estava somente chocada.
- Porque esqueci - Ophelia sorriu como uma criança e comia seu pedaço de frango com tanta naturalidade!

Lala voltou a atenção para sua comida.
Se os demônios eram o que ela estava pensando, então eram bastante páreos para aqueles dragões. Quando ela viajara com Ophelia, convocando e noticiando sobre a futura guerra aos demônios, ela fizera uma relação dos mais perigosos monstros que povoavam esse país. Eles dormiam há séculos e séculos, escondidos dos humanos e caçadores, disfarçados nas profundezas dos vulcões ou entre as nuvens. Muitos conseguiam respirar debaixo d'água e viviam no fundo dos oceanos, outros descansavam nas cavernas, devorando intrusos que ocasionalmente entravam dentro do lugar para se proteger de uma chuva. Eram enormes, perigosos, sem um pingo de bondade ou compaixão. Não eram vulgares como os demônios que apavoravam os cidadãos, eram algo pior...

Viriam em uma centena, talvez em duas ou três se mais alguns fossem juntos. Eram quase todos hirikis, a classe mais temida. A classe que até mesmo os caçadores se ajoelhavam diante de tamanha monstruosidade.
Eu não quero ver isso. foi a primeira coisa que pensou.
Se houvesse um jeito de avisar isso a Campinas sem trair Ophelia... foi a segunda coisa que pensou.
E remoeu seus pensamentos em volta disso, querendo muito que tudo aquilo chegasse ao fim. Não queria trair Ophelia, não queria ser desonesta e desleal, e mesmo que estivesse sendo estupidamente errada, não queria dar uma de covarde e fugir. Se veio até aqui, iria até o fim. Mas queria que esse fim chegasse logo, e tudo fosse liquidado de uma vez. Todo aquele palácio, os dois corpos lá nas masmorras remanescentes da família real, os demônios em volta, Raveneh aprisionada, até mesmo esse jantar era demasiado errado, confuso, enganoso.

Se houver um jeito, disse para si mesma em pensamento, de avisar sobre esses malditos para Umrae e suas tropas, eu farei. Nem que eu tenha que trair, que desonra, que maldição.
Teve que pedir licença a Ophelia para se levantar, ir para seu quarto e chorar muito.

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Tiveram que colocar uma mordaça em Giovanna para que seus berros fossem abafados.
As lágrimas de dor faziam com que ela não conseguisse enxergar nada.
- Fique tranquila - Nath lhe disse - eu sei, querida, que está doendo. Mas isso é pra doer menos depois.
Giovanna conseguiu inspirar ar, e expirar.
Respirava fundo, tentando se controlar.
Era uma guerreira, não era? Era parte da tropa de Bel, uma dos dez melhores escolhidos especialmente para lutar contra os malditos demônios de Ophelia. Estava toda queimada, mas ainda era uma guerreira!
Eu não quero isso, eu não queria simplesmente colocá-los em risco...
Mas tinham sido colocados em risco. E ela já se machucara antes do confronto final, que lástima!
eu sei que morrer nessa guerra é morrer por nada, então me desculpem, mas...
Se isso no final valer na derrota definitva de Ophelia, não seria mais morrer por nada.
Vamos morrer para matar Ophelia antes que ela destrua Grillindor.
Sim. Sim. Harumi estava certa.
Iriam morrer. Mas morreriam por Grillindor, pelo reino tão amado, pela pátria adorada. Não era por Campinas. Não era pelas fadas. Era só por Grillindor. Giovanna se queimara, se ferira tanto porque estava lutando para que Ophelia não pudesse invadir o país que amava, e dentro dele, pessoas que amava mais ainda.

Cada uma das queimaduras era um tributo à sua família, rural e modesta.
Eu ainda haverei de vê-la de novo, mãezinha...


Zidaly suspirou.
Ninguém tinha paciência pra se meter em joguinhos, e ela não conseguia manipular uma emoção tão tensa.
Ela estava tão alheia!
Viu Crazy trabalhar arduamente, alimentando os dragões, acompanhado de alguns soldados. Viu Bel indo pra lá e pra cá, anunciando detalhes, resolvendo problemas, anotando coisas em vários papéis e olhando sempre um grande mapa onde tinha várias palavras indicando ATACAR AQUI, e etc. Entendia bem os protocolos de uma operação de ataque, tendo colaborado com uma das grandes líderes na tomada de Istypid. Mas agora não agia como uma líder. Era somente um membro desprezado, odiado.
Quero voltar pra Grillindor.
Mas de que adianta Grillindor ou qualquer outro lugar? Crazy não estaria com ela. Ela o queria, ela o desejava, ela o amava. Se precisasse destrui-lo só para receber um décimo de sua atenção, ela o faria.

Rafitcha encostou a cabeça no colo de Erevan, dormindo profundamente graças ao sonífero.
O dragão pensava. Calado, pensativo, seus olhos negros se delineando sobre o rosto de Rafitcha. Era bonita, sendo humana. Os dragões provavelmente não veriam tanta beleza em Rafitcha, porque lhe faltava o ar selvagem ou perigoso que eles gostavam, mas Erevan apreciava essa falta, considerando que havia bondade e praticidade. Como uma pessoa que trabalhava muito e bem, com um bom coração.
Tão frágil, podendo lhe partir o corpo em meros segundos...

Sentia toda a proteção mágica em volta, resistente aos poderes dos demônios, e mesmo Ophelia não poderia destrui-la. O abrigo fora feito há muitos e muitos anos, e se estendia sob o chão de toda a região das Campinas, principalmente debaixo das florestas. A parte central estava ali, e as secundárias se rastreavam debaixo das florestas, tendo portas, comida em estoque e proteção mágica reforçada, já que não tinha muitos soldados a pagarem com sua vida para protegerem bem o lugar. Mas assim como conseguia enxergar toda os feitiços protetores, Erevan conseguia enxergar as falhas.
Falhas que poderiam transparecer, quando a terra quisesse.
Ficou com medo de que Ophelia descobrisse isso, e agisse em relação a isso. Tinha capturado Raveneh usando seus dons de chamar, como encantos especiais. Raveneh era só uma fada crédula, sendo como isca fácil. E agora...
- Vou te proteger - sussurrou muito baixinho, ninguém o escutou - e ninguém vai te pegar, tá bem?

Keishara estava vigiando os dragões azuis, como um favor especial à Bel.
Ela encarava cada soldado com desdém, como se ninguém ali fosse competente o suficiente para conseguir lidar com criaturas tão poderosas. Crazy estava incomodado, Harumi estava resignada, Luka e Pauline dividiam a fúria. A ausência de Giovanna era amarga.
- Tem certeza que pode fazer isso, Crazy? - perguntava Keishara ao vê-lo dando um cervo para um dos dragões.
- Claro - Crazy respondeu. Tinha certeza que cervos são comida para dragões, mas a presença daquela mulher-dragão lhe fazia estremecer de nervosismo como fosse um novato.
- Hmpf. - Keishara parecia desaprovar o ato.
- Você come cervos, certo? - Pauline indagou, quase explodindo de raiva - então qual é o problema?
- Sua petulante - rosnou a mulher-dragão - cervos não são tão macios. Mas sabe o que é realmente gostoso? - aproximou-se sutilmente da soldada, lhe fazendo se arrepender de tê-la desafiado - tripas humanas.
- Nojenta - Luka murmurou quase rindo.
Harumi a olhou durante uns quatro segundos de uma forma muito profunda, antes de falar:
- Você só está querendo provocar, Keishara. Está com raiva de algo ou de alguém...
A mulher-dragão simplesmente parou, e recuou um pouco. Ficou calada pelo resto do dia, e nada fez dos seus comentários sarcásticos, se limitando a orientar qualquer dúvida que aparecesse.

Gerogie patrulhava os arredores das Campinas, vigiando cada minúscula folha, cada nuvem, cada lufada de ar. Naturalmente estava tudo fora do normal, a começar pelas sinistras sombras que cobriam todo o céu, como monstros que cravam suas garras nas nuvens e não querem mais sair. Já era noite, mas o trabalho jamais poderia parar. Logo terminaria seu turno, e Erevan assumiria o posto.
Mas ele vai estar preocupado com aquela humana...
Ela pousou suavemente sob a relva, escutando os sons habituais. Grilos tímidos. Pássaros temerosos. E algo... como uma energia fluindo por toda a Campinas, e não era Ophelia.
Era algo menor. Ínfimo. Semelhante, assim como uma gota d'água se assemelha ao oceano.
Sacudiu a cabeça.
Não é hora de pensar nisso, Gerogie.
E continuou sua ronda, averiguando que - por enquanto - estavam seguros.

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- Ok, vamos parar de enrolar - sussurrou Catherine encarando as companheiras.
- Primeiro temos que assumir - Miih ponderou com cuidado - que não somos as mesmas de cem, duzentos anos atrás. Não temos o mesmo crédito, nem a mesma honra.
Todas ficaram em silêncio.
- Isso lá é verdade - concordou Loveh - somente as tribos, pequenas aldeias rezam e nos oferecem coisas, tratando a nós como antigas deusas. Para o resto, somos apenas superstição.
- Não desde que Ophelia chegou pra valer - Catherine disse - ela simplesmente derrubou todos os mitos, crendices... enfim, isso não importa. O importante é: temos que acabar com Ophelia. E temos que destrui-la definitivamente, sem deixar rastros, sem possibilitar que ela ressuscite, ou volte depois de anos.
- Destruir seu corpo - Louise murmurou entusiasmada.
- E sua alma - lembrou Alice, que mantinha-se muito quieta. Sunny, entretanto, ficava calada. Pensava em modos mirabolantes de acabar com Ophelia, porém tudo caía na mesma armadilha: sequestro de alguém que Ophelia gostasse. Mas já fizeram isso, e as consequências foram desastrosas a longo prazo.
- Escutem-me - Catherine estava tremendo de medo e excitação - temos que aprisionar Ophelia de uma forma que ela não possa usar seus poderes. Somente assim encontraremos uma vantagem.
Miih hesitou uns poucos segundos antes de dizer francamente:
- Certo, o ponto forte dela é a magia. Tirem a magia e ela fica bem fraca - concluiu sensatamente - mas e quanto a poderes não-mágicos? A destreza, rapidez não são totalmente mágicos. E como limitar esses poderes sem nos prejudicarmos com isso?
Ficaram todas as cinco pensando, ruminando, hesitando, os cérebros trabalhando fervorosamente em estratégias militares, golpes sensacionais, feitiços antigos e assassinatos terríveis. Loveh pensava em convocar um furacão para destruir Ophelia, mas desistiu ao lembrar que certamente Ophelia se moveria como uma folha, se deixando levar em vez de resistir, e assim sobrevivendo. Alice queria realmente convocar um poderoso exército de árvores gigantescas e assassinas, mas como fazer isso se Ophelia cortaria todas elas com golpes singelos? Sunny desejava poder cegar a rainha com tamanha luz, Louise faria arder todo o castelo e Miih convocaria poderes sinistros. Porém todas elas imaginavam a revanche, o contra-ataque de Ophelia. E desanimavam.

Catherine pensou em como tinham feito Ophelia adormecer. Olga que conseguira. Ela havia pedido as estrelas uma dádiva, e as estrelas lhe deram. Ela sacrificara todo seu poder, toda sua magia, todos os seus sonhos para ir em frente com aquilo, somente para parar, por enquanto, e proteger suas companheiras. Agora, decidia Catherine, é hora de se sacrificar.
Mesmo que as águas não concordassem assim como as estrelas nunca concordaram com a decisão de Olga... ela iria em frente. Era a Rainha do Mar, era a soberana. Se fizesse um pedido, teria de ser atendida.

Estavam nos arredores da cidade, entre escombros de uma fábrica e árvores mutiladas por demônios. Um rio passava ali perto, e ele caía suavemente, por anos, lá embaixo, na floresta escondida e de lá escoava para o grande mar, azul e profundo. Aquele rio era, no momento, seu contato com seu habitat natural.
Deixou as companheiras refletindo sobre os planos para trás, seguindo adiante pelo rio até o grande penhasco.
- Não há mais saída - ela disse muito baixinho, tão calmamente, como se contasse desventuras amorosas já superadas de quinze anos atrás - lamento muito que isso tenha acontecido. Sabe, Elyon morreu, e nada posso fazer para resgatar esse erro. Então, ajude-me - nunca fizera um pedido dessa magnitude antes - ajude-me, ajude minhas companheiras, ajude todas essas pessoas inocentes. - sentiu a água do rio correr mais veloz, mais ligeiro, com urgência - vocês tem que me ajudar. Cada gota deve me ajudar.
Quando a água esquentou rapidamente, quase fervendo, ela não tirou os pés da água.

Seus lábios se ergueram em um sorriso de vitória.
O mar lhe atenderia o pedido.
Ou a ordem.

E pela milésima vez, eu erro dizendo que Umrae é elfa. Sinceramente, eu não sei muito bem sobre as diferenças (porque eu sempre imagino os drows - é assim que fala? - como elfos "diferentes"). Perdoe-me por erros, Umrae ^^' me corrigirei nos próximos capítulos.

Os soníferos, Umrae, são aqueles bem fracos, que não fazem mal. Embora eu tenha certeza que estejam infringindo regras ao usar remédios e produtos de forma tão leviana, mas, enfim, ninguém ali estava interessado em pensar nas situações futuras que exigirão e sim no presente. ;)

Pensei em magia divina, algo do tipo também. O que você pensou em planos, Umrae? Eu queria saber! *-* Se puder, mande-me um e-mail pela Gmal (luna.fortunato@gmail.com) falando suas opiniões, se tiver tempo... ficaria grata (:

Espero que gostem desse capítulo. Perdoem-me se demoro muito, é que tenho frequentes problemas com o computador. Ele desligava toda hora, e muitas vezes ficava dias sem ligar. Só agora que pudemos trocar o computador, e agora que pude transferir os dados de um computador pra outro, que consegui ter tudo que precisava... espero que tenha menos desventuras com pc's agora!

Beijos! E uma feliz semana, ;*

Dica: estou assistindo El Cazador de La Bruja. Estou gostando muitissimo até o momento, ainda que fique boiando em algumas partes, rs xD

2 comentários:

Umrae disse...

Para variar, comentário longuíssimo dividido em várias partes.

1) Sobre elfos e Drows - parte 1:
Elfos e drows são similares na aparência, mas nem um pouco nos poderes ou na cultura. Drows já foram elfos, milênios atrás, antes de serem amaldiçoados pelo deus mais poderoso dos elfos e banidos para o subterrâneo (o que foi um grande, grande erro, pois séculos de exposição à magia da área, à radiação, à luta com seres mais poderosos e a alianças com deuses malignos o tornaram muito mais fortes que um elfo comum).

Um elfo (em teoria) busca, antes de tudo na vida, um sentimento de pertencer a algo e de estar sempre conectado ao mundo que o cerca. É poder inato de um elfo escolher ao longo da vida, uma única vez, outro elfo com quem estabelecerá uma conexão psíquica que dura toda a vida. Elfos não dormem como os humanos, eles entram em uma espécie de transe, que funciona mais ou menos como um sonho semi-acordado.
Elfos também podem, no fim da vida, atravessar para o outro plano sem precisar morrer de verdade, e sentir dor. No momento em que ele sente o chamado, seu corpo simplesmente se desfaz aos poucos, dissolvendo-se no ar, enquanto sua alma faz a travessia (claro que isso é raríssimo porque a maioria morre assassinada ou lutando antes).
Fora isso, mesmo tendo os sentidos da visão e audição mais aguçados, elfos não possuem qualquer poder mágico inato ( a não ser uma baboseira de conseguir pressentir portas e passagens ocultas). Todo poder mágico que possuem só é possível em consequência de anos de estudo e treinamento. Elfos tem bastante resistência natural a magias de encantamento, mas não possuem qualquer proteção contra outros tipos de magia.

O que move um drow é, antes de tudo, a garantia de sobrevivência, e, se tiverem poder para tal, a busca pelo domínio (a segunda parte não é o caso da Umrae que não foi criada em uma sociedade militarista e conquistadora, mas a primeira parte é).
Pela natureza desconfiada e dominadora de um drow, uma conexão psíquica tão profunda com outro seria impossível. De qualquer forma, eles não possuem mais essa habilidade. Alguns ainda entram em transe em vez de dormir, mas muitos já estão nascendo sem essa habilidade e dormem, exatamente como humanos, um sono muito leve e sem sonhos. Drows também são criaturas completamente mortais, ou seja, só podem atravessar para o outro plano com a morte.
Com relação a poderes mágicos, eles tem grandes vantagens. Todo drow nasce com a capacidade inata de fazer algumas magias simples, como produzir globos de escuridão que ocupam uma pequena área por algum tempo e onde nenhuma luz natural penetra. Além disso, eles também podem produzir luzes que se assemelham a fogo fátuo e iluminam com fraca intensidade por uma curta duração de tempo. Os drows de alta nobreza possuem a capacidade inata de levitar por alguns minutos uma vez ao dia. O portifólio de magias que eles adquirem através de estudo e treinamento é também muito maior e mais poderoso. Além disso, eles tem uma resistência altíssima não só a encantamento, mas a qualquer forma de magia (incluindo conjurações de ataque, como bolas de fogo, necromancia, como drenos de vida, e transmutações, como magias que diminuem a força ou destreza temporariamente).
Como desvantagem física, a luz do sol, ou fontes de luz muito forte e brilhante cegam temporariamente drows nascidos no subterrâneo (nada acontece com os nascidos na superfície e acostumados ao sol). Na ausência de luz forte, a visão dos drows é ainda mais aguçada que os elfos. A audição é igual.

Nota: A Umrae, por ser meio-elfa, não possui capacidade inata de levitar, produzir globos de escuridão ou fogo fátuo. Ela sabe produzir globos de escuridão com magia arcana estudada (eu preciso pesquisar a lista de magias arcanas que ela sabe na última ficha dela, se eu descobrir onde está). A resistência a magias diversas também não é tão alta quanto a de um drow de sangue puro (exceto encantamento, pois meio-elfos tem as mesmas habilidades de um de sangue puro nesse quesito).

Umrae disse...

Outro dia eu mando mais sobre as diferenças culturais. Recebeu meu e-mail? Bjos