Mergulhe.
Mais fundo.
Muito, muito mais fundo.
Não consegue contar as árvores que enxerga, todas elas são um borrão.
Se cai uma chuva, mal se sente, é um borrão sincero e apressado.
Cai, cai mais.
Se afunda nas próprias lágrimas, deduções e desespero. Não adianta mais, meu bem, se perde tanta gente. Pois é o fim de uma era, vamos. É o fim e Catherine não queria admitir isso. Sente. Sente mais fundo, sente mais fundo, no íntimo a lâmina de Ophelia, sente a vida se esvaziar. Não dá, não agora.
Catherine caiu no mar.
Quantos minutos para isso? Para romper o ar, as árvores, a areia e as leis de física? Não, assassinamos Newton e Galileu aqui para essa história aqui existir, e com eles mortos, Catherine pode viver. Magia é como fé: incontestável, absurda, onisciente. E Catherine era a própria encarnação da magia que nasceu a um acidente que provoca graves consequências. Como podia alguém nascer com tanto poder?
Ela queria parar de sentir a magia lhe queimando a pele.
A água estava fria.
Seus cabelos se encharcaram de algas marinhas.
Seus pés roçaram em peixes.
E ela sentiu que estava em casa. Lar doce lar, lar doce lar.
Cada átomo pulsante de seu corpo queria sair da prisão, se espalhar entre as águas livremente, sem lenço nem documento. Não precisava respirar, não sentia seu nariz buscando ar. Não precisava de ar, não tanto como as outras pessoas. Mas moveu a cabeça para a superfície, encarou o céu todo azul e pacífico. Indiferente, imparcial. Maldito, sempre maldito.
- Ora - disse e se afundou.
Não iria morrer, mas teria que se desfazer completamente se quisesse viver. Se é que queria viver... estava com tantas dúvidas. Fechou os olhos, concentrando-se em algo irreal. Sentia o calor do sol atravessando as águas, os peixes a lhe roçarem a pele, os cabelos se ondularem ao redor, a própria tez mudar levemente.
Afundou-se na própria pele.
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Um segundo.
Um momento.
Um par de olhos dourados.
O sol estava quente e óbvio, os dragões se guiavam pelo ar com toda a majestade incrível, todos com as gargantas atravessadas de medo e ansiedade, excitação e fascínio. Bia desceu rapidamente, armada somente de sua espada, lançada em meio ao covil de demônios se rasgando pela comida. Ninguém precisou se preocupar com ela: desenferrujara rapidinho, e sua espada rasgava aos montes.
Raven e Johnny estava meio apavorados, mas se contiveram para trabalhar direito: armados com as armas que melhor sabiam usar, perfuravam com dardos e flechas todo tipo de demônio, poucas vezes errando o alvo - fora muito útil o treinamento pesado que Umrae fizera com todos antes, quando surgiu o primeiro demônio.
Céus, ardia.
Umrae vigiava os movimentos, sempre pronta a agir. Já ferira mais de dez criaturas bestiais, seu espírito se agitando com a esperança da vitória. Deixou-se guiar pelo dragão até alcançar a torre alta do castelo, de onde veria toda a cidade.
- Vamos lá - Bel disse com um sutil sorriso. Sorriso de guerreira que mistura medo e excitação.
Umrae foi deixada na torre mais alta, já pronta para mirar sem hesitar: dependesse dela, não restaria alma viva demoníaca sob a terra depois daquele dia. Mas sabia que não haveria como exterminar tantos de uma vez, concentrou-se em dar seu máximo.
Fer estava no meio dos covis, como Bia, mas tomava mais cuidado: não era uma exterminadora de demônios como Bia, de modo que a sua competência não se mostrava tão elevada tratando-se de seres diferentes.
Concentrava-se em um demônio particularmente chato com olhos fora das órbitas e o corpo cheio de espinhos [e espinhos lhe davam horror depois do incidente de Yohana - meldelz, já estava chamando a morte de Yohana de incidente!], seus punhais ferindo o corpo. merda
sangue escorrendo pelo braço direito: um dos espinhos lhe perfurara o braço logo acima do cotovelo.
merda.
devia ter alguém, esquecemos de nath.
não, Nath tinha que ficar cuidando de Kibii - não podia dispensar a atenção nem por cinco minutos. Até poderia, se Kibii não fosse tão rebelde e ficasse sempre de repouso, mas devido à rebeldia da garota, Nath tinha que ficar controlando.
Porra, Fer, houve treinamento e você deveria saber o que fazer - nem é grande coisa, só um furo.
- Vamos, Fer, acabe com essa desgraça e vá cuidar de si - Fer disse e rasgou o pescoço do demônio com o punhal. Usando a mão direita, afinal era destra. Com a esquerda, se garantiu perfurando todo o corpo.
Escutou o tombar e escorrer do sangue, conseguiu se retirar da luta.
- Que aconteceu? - era a pergunta desesperada de Ratta meio que assustada com o sangue. Não que fosse garota de assustar, mas sangue é uma dessas coisas universais: ninguém fica indiferente ao sangue.
- A merda do bicho - Fer respondeu - me dá ataduras.
Ratta ajudou Fer a montar no dragão e o guiou de uma forma calma para que Fer pudesse cuidar do próprio ferimento sem ficar tombando pros lados: passou uma espécie de unguento no ferimento, depois envolveu uma atadura.
O sol ardia, meldelz.
- Que monstra é essa? - indagou Polly, mais para si mesma, observando Bia.
- Uma monstra amiga, digamos assim - riu Fer timidamente, ouvindo a pergunta de Polly - não me pergunte como, mas creio que Polly e Ratta estavam guiando seus dragões lado a lado.
Por quê?
Parecia que estavam indo bem. Não encontravam um único sobrevivente, mas a idéia era ridícula.
- Quem chegar vivo ao final da missão, pago uma cerveja - gritou Bel aos risos.
- Você é louca! - gritou Ratta.
- Com certeza! - devolveu Bel.
O sol subiu mais alguns graus, ficando quase a pino.
Raveneh deu de comer aos que ficaram no abrigo.
Kitsune lhe ajudou também, Tatiih e Thá idem.
- Esse abrigo está uma imundície - reclamou Kitsune - temos que dar uma boa limpada.
- Pode começar então - alfinetou Rafitcha com a sua habitual jorrada de frieza e sarcasmo. Ela esfregou a mesa, arrumando os pratos e ainda por cima cuidando de Maytsuri que dormia - Raveneh lhe pedira esse favor já que tinha que cozinhar.
- Você tá que tá hoje, hein - Kitsune disse aos risos - Amai!
A garota veio arrastando os pés no primeiro chamado, carregando um livro na mão. Parecia estar cansada e enfastiada.
- Hoje você vem trabalhar - Kitsune mandou - guarde esse livro, e me ajude a limpar esse abrigo depois do almoço. Entendeu?
- Hai.
- Ótimo.
A mesa estava toda servida.
Estava ausente muitas pessoas.
Aquele vazio.
- Coma tudo, Gabriel - disse Maria com relutância.
Havia pouca comida no prato de Gabriel. Ainda era muita coisa comparado com os pratos das pessoas mais adultas como Maria e Kitsune. Todos suspiraram, alguns rezaram timidamente, todos comeram. Remexer nos talheres, ruído de metal contra vidro, suspirar contido, nenhuma reclamação vazando para a realidade. Raveneh acariciou o rosto de sua filha que dormia tranquilamente como se o mundo todo só existisse para atender aos seus caprichos. Rafitcha foi a mais fria: tinha uma enorme força de vontade para não tombar com o medo de perder o irmão.
- Raven vai voltar vivo, não vai?
A pergunta sempre muda, sempre insistente.
Sempre uma dor de cabeça.
- Claro - respondeu Kitsune depois de muito hesitar.
A resposta ainda era trêmula, mas Rafitcha confirmou:
- Claro que vai. Eles estão se protegendo e Raven quer continuar sendo o irmão que nunca teve.
Amai sorriu. Era jovem demais para entender que promessas se esvaem quando encontram a morte.
Estava calor.
Já foi salva?
Não importa de quê, já foi salvo por alguém?
Ficar a um passo da morte, quase que caindo no abismo, e de repente ser puxado de volta e sentir que a vida voltou a fazer sentido. Sentir um demônio quase lhe rasgando a face por um momento de desatenção, piscar os olhos assustada.
- Não estava prestando atenção naquele monstro? - gritou Polly irritada.
Não que estivesse realmente irritada, ela só estava tensa - nunca salvara alguém antes.
- Droga, eu iria me defender - retrucou Bia também irritada e tensa.
- Claro - Polly desdenhou - depois que ele tivesse rasgado suas tripas ao meio. Que porra você pensa que estava fazendo?
- Ah, vai pro inferno - Bia rugiu. Odiava a idéia de ter sido salva por outra pessoa - você-
- É mesmo? - Polly nunca era muito esquentada, mas aquilo lhe tirou do sério - então volta pros demônios e morre!
- É o que farei!
Bia desceu sozinha, mui irritada.
Não devia ter explodido assim.
Não devia ter sido tão ingrata.
Ela tinha razão: não vira o maldito se aproximar, preocupada que estava com quatro ao mesmo tempo. Conseguiu dar cabo dos quatro, mas não do quinto inesperado - e foi salva pelas malditas mãos de Polly.
Não queria que a garota ficasse chateada com ela. Não merecia, poxa.
Relaxa, Bia. Em guerra, não há limites para a raiva. Vai ficar tudo bem.
Vai ficar tudo bem.
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O Glomb era feioso.
- Majestade, um visitante.
Ophelia não estava nas melhores condições.
Mas foi: passos bêbados, perfeitamente sóbria e louca, vestido azul. No salão principal, Jirä lhe aguardava.
- O que foi agora?
- Sua querida Campinas agiu contra a cidade. Estão exterminando os demônios.
- E isso te preocupa?
Jirä ficou sem reação.
Ophelia parecia perfeitamente tranquila. Aliás, se os demônios fossem exterminados, seria até bom - tirariam do caminho aqueles seres nojentos que conspiravam lhe tirar do poder. Os olhos castanhos eram como um único punhal perfurando Jirä várias vezes.
- Você não vai parar com isso?
A rainha riu, o demônio recuou.
- Nós ajudamos a ruir tudo enquanto você só fez mesmo dar o golpe final.
Ophelia ergueu as sobrancelhas em tom de 'e daí?'
- Majestade, não pode estar falando sério.
- Estou?
- Majestade, os seus aliados estão morrendo.
- Sério?
- Majestade, por favor, faça alguma coisa! Você pode matar todos de Campinas em um piscar de olhos!
- Oh!
- Tudo bem. Ok. Que seja - Jirä deu de ombros revoltada - Majestade, deixe-me te avisar então: só por você ter pouco se lixado para nós, ter quebrado o acordo, pois bem... as Campinas vencerão. E eles tem uma arma, Majestade, que nem você pode ir contra.
Crash.
- Que arma?
Jirä sorriu sarcástica.
- Não vai ajudar a gente. Também não te ajudaremos: descubra a arma deles por conta própria.
Virou-se e saiu do castelo, deixando uma Ophelia pensativa.
Me xinguem pela demora. Podem me xingar. E ainda por cima dar um capítulo curto T_T
Mas espero que esteja bom para satisfazer a demora... e perdoem-me pelo uso exagerado de palavrões na briga entre Polly e Bia, é que acho que na raiva ninguém mede muito o que usa - e sou a esponja literária mais absurda que já vi na vida, putz, acabei incorporando o estilo de Eu Sou O Mensageiro O_O
Relaxa, não vou imitar o autor :D
Aiai... esses dias fiz uma contagem e descobri que Três Fadas possuem 61 personagens, mortos ou vivos. Sério, me assustei O__O""
sábado, 27 de junho de 2009
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Parte 86 - Nuvens que se queimam de dúvidas.
É estranho chegar a terra e sentir que só desabou em um colchão macio.
É estranho abrir os olhos e ver que o céu ainda existe.
Sim, quando se sente que já não há mais corpo, e você toca sua própria pele e percebe que, sim, você é material, palpável! Sentiu os próprios braços se arranharam com os galhos, a cabeça latejar. Cuspiu sangue, tentou se apoiar em nuvens.
A terra estava bem macia.
Nuvens. Não havia mais nuvens debaixo de seu corpo. Só havia terra e mato, e mais terra se estranhou entre cabelos, fazendo-a se sentir incomodada com tal coisa. Catherine nunca foi grande fã de ficar na terra mesmo, entre árvores: o oceano sempre foi seu refúgio, e tudo o que queria era se mergulhar na imensidão azulada.
Precisava avisar as outras Musas da situação. Com certeza, supôs, elas sabiam que Elyon havia morrido. Até ela conseguia sentir as diferenças deixadas, como se as sombras se revoltassem com a morte de sua senhora. Sentia que tudo estava mais escuro, e começou a ficar com um certo medo.
Exatamente a mesma sensação experimentada quando Olga partiu.
Porém ,
havia algo de errado.
Não era como se Elyon simplesmente morresse. Não era como se toda a magia descomunal dentro dela se esvaísse e escorresse pelas paredes do castelo, sendo um espectro em cada vitral, não era como se Elyon virasse um fantasma ou simplesmente sumisse. Sentia que as sombras deveriam estar mais claras, como que tristes e sombrias, sem se empolgar em assustarem como Elyon gostava. Era como se tivesse acontecido alguma coisa que desse raiva, muita raiva.
Catherine se levantou, percebendo ainda estar ferida.
Mas nem doía.
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Ophelia encarou Lala.
Parecia se sentir culpada de algo. Muito, muito culpada. Deslizou as mãos pelo rosto várias vezes, cravou as unhas nos próprios braços, gemeu palavrões e esmurrou a parede tantas e tantas vezes que já deixava marcas. Parecia ser uma louca, com as roupas de baixo (fino vestido branco que cobria todo o corpo, exceto os braços, como uma camisola) e os cabelos despenteados. Gritou algumas vezes, pouco se importando se Lala acordaria. Ela queria muito que Lala acordasse e a matasse de uma vez.
Ela sentia que não conseguiria se suportar por muito tempo.
- S-sua bruxa...
Queria morrer. Não, não morrer. Na verdade, mal sabia o que queria. Quando fez tudo aquilo, estava só obedecendo aos seus instintos: provocar os demônios contra as fadas, provocar uma carnificina, provocar as Musas por ter sido adormecida a força. Mas agora tudo lhe parecia surreal, como se tivesse acordado de um pesadelo. Não que agora quisesse parar, longe disso. Ela só queria...
- Acho que foi o bastante. Não quero que você morra, sabe.
... alguma organização. Ser uma Rainha que durasse bastante tempo e ser lembrada por toda a história como uma Rainha, e não como uma louca que assassinou quase a totalidade da população de fadas. Ser citada em todos os livros de histórias. Mesmo que fosse citada como uma vilã, deveria ser citada com toda a honra e pompa que tinha direito. Se deveria ser lembrada por um extremo, deveria escolher um bom extremo. E assim seguir com seus planos, mantendo sua cabeça em ordem.
Já vi que será uma escrava fraca!
Lala nunca foi uma escrava fraca. Sempre resistiu a todos os acessos de loucura, tinha que reconhecer. Claro, ela simplesmente teve medo de agir assim, teve medo de dizer 'não, sua louca, vou-me embora que tenho mais o que fazer'. Mas ainda assim, Lala merecia um crédito por ter suportado simplesmente. Gika havia se matado. E agora aquela vadia da Alicia perambulava pelo castelo, talvez cuidando daquela outra vaca de nome Catherine. Se Alicia tivesse deixado Catherine escapar...
... bem, nem mesmo ela iria sobreviver. Arrastaria a sua pele pra ser pano de chão. Com certeza, branca do jeito que era, sujaria-se logo com as imundícies que correm pelos corredores do palácio.
- Oph.?
- Lala!
Ophelia sorriu. Era mais um esgar de lábios do que um sorriso propriamente, mas isso não tinha importância, logo Ophelia sorriu de verdade. Pegou nas mãos de Lala com carinho, como se fosse outra pessoa e não ela mesma. Lala tirou as mãos, receosa. Sentia o corpo arder sob os lençóis, e agora percebia que poderia morrer, de um jeito ou outro. O corpo lhe doía, e fora severamente machucada quando batera de frente com aquelas duas meninas.
- O que--
Lala encarou a amiga (amiga?) com descrença, estranhando os cabelos despenteados e a roupa fina, sem pompa.
- Tive uma luta - Ophelia confessou - não fale, isso lhe fará mal. As mesmas que te machucaram... matei uma das duas. Agora caçarei a outra.
- A outra? - Lala ergueu o canto dos lábios como se fosse rir zombeteira - mas, Oph, matar...
- Cale a boca - Ophelia disse - eu bem que queria saber onde está aquela vaca loira. Ela que sabe tudo muito bem, e espero que ela não tenha fugido.
- Provavelmente sim - Lala disse. Achou um jeito de se deitar em que a garganta ficava entorpecida e doía menos falar - ela não quer morrer. Provavelmente a outra fugiu.
- Cala a boca.
Ophelia saiu do quarto, quase que batendo os pés com força. Mas controlou a ira, de modo que nada se podia escutar de seus passos ou sua respiração. Estava na porta quando Lala se assustou com tamanho poder.
- É novo pra mim, mas... - Ophelia comentou descuidadosamente, admirando as próprias mãos.
As moléculas do seu corpo pareciam borbulhar sob a pele, se revoltando contra a ordem sob quais foram impostas. Aos poucos, a pele se derretia suavemente como chocolate, e as moléculas se rejubilavam com o prazer de se libertarem. Ophelia sorriu, mesmo suas pernas não conseguindo resistir ao novo poder e desabando de joelhos sobre o chão. Mas durou apenas segundos, pois tudo aquilo voltou à condição normal e Ophelia voltava a parecer uma garota. Ela sorriu, sentindo-se aliviada. Tudo estava indo bem, então. Tivera absoluto sucesso.
Enterrou as unhas no chão (e Lala não acreditou: as unhas de Ophelia são curtas e o chão era de algo muito semelhante a vidro, impossível de se rasgar com unhas), em seguida, os braços. Lala assistiu Ophelia se fundir a tudo: ao vidro do chão, cristal das paredes, à cama em que Lala estava, às cortinas de seda e veludo, aos móveis, ao próprio ar que Lala respirava.
Sua boca se abriu de espanto.
Estava tudo muito mais escuro.
Estava tudo muito mais mau.
Era como se Ophelia estivesse em tudo, como um deus. E de fato, ela estava em cada pedaço daquele castelo, vigiando a todos e a tudo. Era uma criatura implacável, ladra de poderes, sem nenhum senso de responsabilidade. Encontrou Alicia estupefata no próprio quarto, arrumando suas próprias coisas. Lala não viu, mas conseguiu sentir o terror de Alicia quando ela percebeu as sombras se movendo em suas mãos ternamente, para lhe apertar os pulsos no próximo segundo.
- Aqui, Alicia, aqui.
Alicia concordou. Qualquer um concordaria, contanto que aquilo sumisse.
E Lala voltou a enxergar Ophelia normal. Na aparência, claro. No interior, a normalidade era só um nome sem significado, como é pra milhões de pessoas. Infelizmente. Se ao menos Ophelia vestisse a máscara da normalidade vinte e quatro horas por dia, muitas vidas seriam poupadas.
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- Me abraçe.
Amai encarou Raven com toda a sinceridade e paixão do mundo, como se fosse uma amada prestes a se despedir de seu amor indo para a guerra. Não estava muito longe da verdade, exceto pelo fato de que Amai ficaria mais vermelha do que fogo se imaginasse em outras situações com Raven. Tê-lo como o irmão que nunca teve estava muitissímo de bom tamanho.
- Tudo bem - Raven abraçou a amiga com carinho - vou voltar vivo, não se preocupe.
- Vai mesmo?
- Sim. E caso não cumpra minha promessa, tudo que é meu será seu.
Amai sorriu.
E Raven partiu.
Não, Umrae não pretendia fazer com que Raven e Johnny, por exemplo, fossem exímios lutadores contra demônios em cima de dragões. Ela simplesmente precisava de apoio, e isso os dois ofereciam, mesmo não sendo especialistas em nada. Cada guerreiro de Grillindor montou em um dragão, e Umrae e Bel decidiram a distribuição: Doceh ficaria no mesmo dragão em que estava Harumi, Ly acompanharia Crazy (para evitar ciúmes de Doceh, Bel achou prudente: não queria provocar mulheres de TPM), Johnny teria a companhia de Ti-Yi e Raven teria o prazer de ser o companheiro de Luka, ao passo que Fer começou a simpatizar com Ratta e Bia conheceria Polly (esta sentiu um arrepio: algo em sua cabeça dizia que era anormal alguém vestir quase uma armadura completa em um dia tão quente). Umrae iria com Bel, e ambas iriam ficar na frente, orientando a todos.
- Vamos às regras - Umrae começou, vestindo suas luvas de couro. Estava amanhecendo ainda, o azul tingindo o céu em tons desbotados, e os dez dragões estavam de postos em cima da verde relva, e tudo parecia ser um pouco mais escuro que o normal. Mas Umrae ignorou esses detalhes, fixando o olhar em cima de cada um dos escolhidos - primeiro: nada de heroísmo barato e estúpido. Isso vale principalmente para Raven e Johnny, que não estão muito habituados a esse tipo de coisa. Mas eu confio em vocês, porque vocês são competentes e inteligentes. Simplesmente lutar não é o meio de vida de vocês. Segundo: mantenham a maior distância possível da terra. Isso é pra todos. Não quero que vocês voem baixo demais e isso resulte em algum demônio conseguir encostar nos dragões. Entenderam? - o brilho dos olhos dourados de Umrae ficou ainda mais intenso - terceiro: resgate. Se resgatar alguém, balance isso - e mostrou uma comprida fita vermelha que devia ter o comprimento de uma espada tradicional, e era chamativa o bastante - não posso confiar em gritos, porque sempre pode acontecer algo que atrapalhe como o zunido do vento. De modo que todos terão essa fita. Em caso de resgate, balancem a fita e os outros verão. Quarto: não vão simplesmente se metendo a heroís.
Ela respirou um pouco.
- Os de Campinas se aproveitarão que não precisam mover o dragão, estarão livres. A todos foram dados arcos e flechas, e bestas e dardos. Terão todas essas armas a sua disposição. As flechas de bronze com essa ponta de vidro são as mais comuns. As flechas de prata enegrecida são as que contém veneno para paralisar, forte o suficiente para conter um demônio. E aquelas que forem de prata com uma fita amarela na ponta são as que possuem um veneno mais forte que paralisa em segundos e mata em horas. Notarão que o número de flechas é equilibrado. Mas isso não quer dizer que devam abusar. Toronto, Pauline e Giovanna tem a seguinte missão: cercar as fronteiras. Nós não podemos deixar os demônios se espalharem, embora isso já tenha acontecido. O que farão é delimitar as fronteiras com isso - mostrou um caldeirão pequeno com algo muito vermelho em volta que cheirava incrivelmente mal - não abusem, isso é bem difícil de fazer. Tinha nas reservas daqui há um bom tempo, e eu precisei acrescentar pequenas coisas para intensificar o efeito. Isso tem um efeito gradativo em qualquer ser, fazendo-o se sentir mal. Por isso, usem no fim da missão em cada área para não prejudicar pessoas inocentes.
- Ahm... - Umrae parou por um momento, organizando as próximas falas, o que deu espaço a comentários entre os membros:
- Eu não gosto dela - murmurou Giovanna confusa - quem deveria liderar é a Bel, não ela.
- Mas ela é a chefe daqui - respondeu Luka pesarosa - e ela é boa no que faz.
- Sim, ela é competente. Mas é tão estranho receber ordens assim... Bel é alguém tão... bizarra que faz a gente estranhar a normalidade - Giovanna opinou em tal tom de penúria que fez Luka rir, e mais Pauline que tinha escutado. Umrae voltou a falar, ignorando os comentários (embora tivesse ouvido cada um deles perfeitamente):
- Os dardos, a mesma coisa que se aplica às flechas. A diferença é que eles são menores (alguém: dã, jura? eu jurava que era maiores!| Umrae: você-me-entendeu ù.ú). Enfim, se estiverem em perigo-perigo, tem espadas. Mas não sugiro usá-las se não sabe. Espadas são pesadas e são difíceis de manejar, de modo que não darei nenhum incentivo. Pelo menos arco e flecha todos sabem aqui, aprenderam aqui, certo? Podem não ser uma Kibii da vida, mas pelo menos sabem o suficiente para salvar a própria pele. Usem os dardos vermelhos em humanos quando eles apresentarem resistência. Se fosse uma missão mais solitária e eu pudesse me dedicar mais aos resgatados, não precisaria, mas eu não posso garantir que vocês conseguirão acalmar os sobreviventes. De modo que usem esses dardos que possuem fracos soníferos, entenderam? Bem... preciso ainda falar algumas coisas...
Umrae encarou a todos.
Ainda que tivesse certeza de que a missão seria bem-sucedida, ainda assim tinha temor, certo temor de que algo saísse errado. E se alguém não conseguisse lembrar de suas orientações? Continuou a discorrer sobre tudo que podia e o que não podia, não esquecendo detalhes, tentando ser rápida e informativa ao mesmo tempo.
- Você é a Fer - Ratta disse. Ajeitou seu cinturão onde ajeitava as armas - você é boa em lutar?
- Sim - Fer disse sem modéstia - principalmente com punhais.
Ratta riu. Ultimamente qualquer coisa a fazia rir, seja coisa triste ou alegre. Fer também riu, mas foi um mero riso de acompanhamento e logo sumiu na névoa da manhãzinha.
- Já matou gente? - Ratta murmurou, seus olhos encarando a escama negra do dragão - sabe, preciso saber com quem estou lidando.
- Já.
- Ótimo - Ratta entregou uma fina espada de prata - você já tem sangue nas mãos o suficiente para não ligar pra isso.
Fer resolveu não perguntar o que a garota queria dizer com isso.
- Ouvi dizer de Bel que você é caçadora de demônios - disse Polly - pensei que você estaria na cidade lutando contra demônios.
- Há muito tempo que não mato um demônio - Bia pareceu sorrir por um momento, mas Polly julgou que seria engano - estou bem enferrujada nesse quesito.
Bia não precisava de arcos e flechas. Não precisava.
Só precisava da comprida espada, tão pesada e eficiente.
Por nós.
Por Campinas e Grillindor.
Por algum sentimento estranho que nos impele a agir de forma suicida.
Umrae sentia algo estranho. Era como nos tempos que resgatava crianças: a sensação de fazer parte de algo muito grande e importante, a ansiedade contida, encarar as pessoas e saber que elas morreriam se fossem imprudentes. Seus olhos dourados encararam o céu que se pincelava de nuances mais claras a cada segundo, tentando achar uma resposta para tudo aquilo: por que o mundo é do jeito que é...
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Alicia esmurrou a porta de seu quarto várias vezes, ressentida.
Fora trancada no próprio quarto, por ter ousado pensar em se mandar, e agora se batia de ódio por não ter ido embora mais cedo. A Majestade morrera, e só havia uma louca com coroa. E seus sete meses de submissão real já não existiam mais, justamente por não haver mais a realeza. Agora que iria embora, agora que tinha que sobreviver de qualquer jeito.
Pensou no fim de toda aquela história.
O que iria fazer?
Ir embora. Para bem longe, esquecer das fadas. Esquecer que teve uma Rainha que morreu e foi torturada na sua frente. Esquecer de uma louca que gostaria muito de ver seus cabelos sendo arrancados da raiz, fio por fio. Esquecer de Lala e sua difícil respiração. Esquecer de tudo. Por um instante, quis cair bem fundo em um abismo e perder a memória.
Que bom seria se acordasse e descobrisse que foi tudo um sonho!
Suas mãos se envolveram em seu pescoço, comprimindo a própria respiração.
Que absurdo era esse?
Ela não queria ficar viva? Bem, esse era o problema. Não sabia se queria viver.
Viver lhe parecia um insulto agora.
Ophelia era uma louca. De que valia o reino? Assassinar tanta gente por vingança? Por gosto pessoal? Por que queria sangue?
Era como se ela se mergulhasse em auto-piedade. E tinha certeza que se não saísse desse lago de desespero, iria ficar louca. Não duvidava nada que no momento que o pesadelo chegasse ao fim, ela começaria a apresentar tendências narcisistas incontroláveis...
É estranho abrir os olhos e ver que o céu ainda existe.
Sim, quando se sente que já não há mais corpo, e você toca sua própria pele e percebe que, sim, você é material, palpável! Sentiu os próprios braços se arranharam com os galhos, a cabeça latejar. Cuspiu sangue, tentou se apoiar em nuvens.
A terra estava bem macia.
Nuvens. Não havia mais nuvens debaixo de seu corpo. Só havia terra e mato, e mais terra se estranhou entre cabelos, fazendo-a se sentir incomodada com tal coisa. Catherine nunca foi grande fã de ficar na terra mesmo, entre árvores: o oceano sempre foi seu refúgio, e tudo o que queria era se mergulhar na imensidão azulada.
Precisava avisar as outras Musas da situação. Com certeza, supôs, elas sabiam que Elyon havia morrido. Até ela conseguia sentir as diferenças deixadas, como se as sombras se revoltassem com a morte de sua senhora. Sentia que tudo estava mais escuro, e começou a ficar com um certo medo.
Exatamente a mesma sensação experimentada quando Olga partiu.
Porém ,
havia algo de errado.
Não era como se Elyon simplesmente morresse. Não era como se toda a magia descomunal dentro dela se esvaísse e escorresse pelas paredes do castelo, sendo um espectro em cada vitral, não era como se Elyon virasse um fantasma ou simplesmente sumisse. Sentia que as sombras deveriam estar mais claras, como que tristes e sombrias, sem se empolgar em assustarem como Elyon gostava. Era como se tivesse acontecido alguma coisa que desse raiva, muita raiva.
Catherine se levantou, percebendo ainda estar ferida.
Mas nem doía.
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Ophelia encarou Lala.
Parecia se sentir culpada de algo. Muito, muito culpada. Deslizou as mãos pelo rosto várias vezes, cravou as unhas nos próprios braços, gemeu palavrões e esmurrou a parede tantas e tantas vezes que já deixava marcas. Parecia ser uma louca, com as roupas de baixo (fino vestido branco que cobria todo o corpo, exceto os braços, como uma camisola) e os cabelos despenteados. Gritou algumas vezes, pouco se importando se Lala acordaria. Ela queria muito que Lala acordasse e a matasse de uma vez.
Ela sentia que não conseguiria se suportar por muito tempo.
- S-sua bruxa...
Queria morrer. Não, não morrer. Na verdade, mal sabia o que queria. Quando fez tudo aquilo, estava só obedecendo aos seus instintos: provocar os demônios contra as fadas, provocar uma carnificina, provocar as Musas por ter sido adormecida a força. Mas agora tudo lhe parecia surreal, como se tivesse acordado de um pesadelo. Não que agora quisesse parar, longe disso. Ela só queria...
- Acho que foi o bastante. Não quero que você morra, sabe.
... alguma organização. Ser uma Rainha que durasse bastante tempo e ser lembrada por toda a história como uma Rainha, e não como uma louca que assassinou quase a totalidade da população de fadas. Ser citada em todos os livros de histórias. Mesmo que fosse citada como uma vilã, deveria ser citada com toda a honra e pompa que tinha direito. Se deveria ser lembrada por um extremo, deveria escolher um bom extremo. E assim seguir com seus planos, mantendo sua cabeça em ordem.
Já vi que será uma escrava fraca!
Lala nunca foi uma escrava fraca. Sempre resistiu a todos os acessos de loucura, tinha que reconhecer. Claro, ela simplesmente teve medo de agir assim, teve medo de dizer 'não, sua louca, vou-me embora que tenho mais o que fazer'. Mas ainda assim, Lala merecia um crédito por ter suportado simplesmente. Gika havia se matado. E agora aquela vadia da Alicia perambulava pelo castelo, talvez cuidando daquela outra vaca de nome Catherine. Se Alicia tivesse deixado Catherine escapar...
... bem, nem mesmo ela iria sobreviver. Arrastaria a sua pele pra ser pano de chão. Com certeza, branca do jeito que era, sujaria-se logo com as imundícies que correm pelos corredores do palácio.
- Oph.?
- Lala!
Ophelia sorriu. Era mais um esgar de lábios do que um sorriso propriamente, mas isso não tinha importância, logo Ophelia sorriu de verdade. Pegou nas mãos de Lala com carinho, como se fosse outra pessoa e não ela mesma. Lala tirou as mãos, receosa. Sentia o corpo arder sob os lençóis, e agora percebia que poderia morrer, de um jeito ou outro. O corpo lhe doía, e fora severamente machucada quando batera de frente com aquelas duas meninas.
- O que--
Lala encarou a amiga (amiga?) com descrença, estranhando os cabelos despenteados e a roupa fina, sem pompa.
- Tive uma luta - Ophelia confessou - não fale, isso lhe fará mal. As mesmas que te machucaram... matei uma das duas. Agora caçarei a outra.
- A outra? - Lala ergueu o canto dos lábios como se fosse rir zombeteira - mas, Oph, matar...
- Cale a boca - Ophelia disse - eu bem que queria saber onde está aquela vaca loira. Ela que sabe tudo muito bem, e espero que ela não tenha fugido.
- Provavelmente sim - Lala disse. Achou um jeito de se deitar em que a garganta ficava entorpecida e doía menos falar - ela não quer morrer. Provavelmente a outra fugiu.
- Cala a boca.
Ophelia saiu do quarto, quase que batendo os pés com força. Mas controlou a ira, de modo que nada se podia escutar de seus passos ou sua respiração. Estava na porta quando Lala se assustou com tamanho poder.
- É novo pra mim, mas... - Ophelia comentou descuidadosamente, admirando as próprias mãos.
As moléculas do seu corpo pareciam borbulhar sob a pele, se revoltando contra a ordem sob quais foram impostas. Aos poucos, a pele se derretia suavemente como chocolate, e as moléculas se rejubilavam com o prazer de se libertarem. Ophelia sorriu, mesmo suas pernas não conseguindo resistir ao novo poder e desabando de joelhos sobre o chão. Mas durou apenas segundos, pois tudo aquilo voltou à condição normal e Ophelia voltava a parecer uma garota. Ela sorriu, sentindo-se aliviada. Tudo estava indo bem, então. Tivera absoluto sucesso.
Enterrou as unhas no chão (e Lala não acreditou: as unhas de Ophelia são curtas e o chão era de algo muito semelhante a vidro, impossível de se rasgar com unhas), em seguida, os braços. Lala assistiu Ophelia se fundir a tudo: ao vidro do chão, cristal das paredes, à cama em que Lala estava, às cortinas de seda e veludo, aos móveis, ao próprio ar que Lala respirava.
Sua boca se abriu de espanto.
Estava tudo muito mais escuro.
Estava tudo muito mais mau.
Era como se Ophelia estivesse em tudo, como um deus. E de fato, ela estava em cada pedaço daquele castelo, vigiando a todos e a tudo. Era uma criatura implacável, ladra de poderes, sem nenhum senso de responsabilidade. Encontrou Alicia estupefata no próprio quarto, arrumando suas próprias coisas. Lala não viu, mas conseguiu sentir o terror de Alicia quando ela percebeu as sombras se movendo em suas mãos ternamente, para lhe apertar os pulsos no próximo segundo.
- Aqui, Alicia, aqui.
Alicia concordou. Qualquer um concordaria, contanto que aquilo sumisse.
E Lala voltou a enxergar Ophelia normal. Na aparência, claro. No interior, a normalidade era só um nome sem significado, como é pra milhões de pessoas. Infelizmente. Se ao menos Ophelia vestisse a máscara da normalidade vinte e quatro horas por dia, muitas vidas seriam poupadas.
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- Me abraçe.
Amai encarou Raven com toda a sinceridade e paixão do mundo, como se fosse uma amada prestes a se despedir de seu amor indo para a guerra. Não estava muito longe da verdade, exceto pelo fato de que Amai ficaria mais vermelha do que fogo se imaginasse em outras situações com Raven. Tê-lo como o irmão que nunca teve estava muitissímo de bom tamanho.
- Tudo bem - Raven abraçou a amiga com carinho - vou voltar vivo, não se preocupe.
- Vai mesmo?
- Sim. E caso não cumpra minha promessa, tudo que é meu será seu.
Amai sorriu.
E Raven partiu.
Não, Umrae não pretendia fazer com que Raven e Johnny, por exemplo, fossem exímios lutadores contra demônios em cima de dragões. Ela simplesmente precisava de apoio, e isso os dois ofereciam, mesmo não sendo especialistas em nada. Cada guerreiro de Grillindor montou em um dragão, e Umrae e Bel decidiram a distribuição: Doceh ficaria no mesmo dragão em que estava Harumi, Ly acompanharia Crazy (para evitar ciúmes de Doceh, Bel achou prudente: não queria provocar mulheres de TPM), Johnny teria a companhia de Ti-Yi e Raven teria o prazer de ser o companheiro de Luka, ao passo que Fer começou a simpatizar com Ratta e Bia conheceria Polly (esta sentiu um arrepio: algo em sua cabeça dizia que era anormal alguém vestir quase uma armadura completa em um dia tão quente). Umrae iria com Bel, e ambas iriam ficar na frente, orientando a todos.
- Vamos às regras - Umrae começou, vestindo suas luvas de couro. Estava amanhecendo ainda, o azul tingindo o céu em tons desbotados, e os dez dragões estavam de postos em cima da verde relva, e tudo parecia ser um pouco mais escuro que o normal. Mas Umrae ignorou esses detalhes, fixando o olhar em cima de cada um dos escolhidos - primeiro: nada de heroísmo barato e estúpido. Isso vale principalmente para Raven e Johnny, que não estão muito habituados a esse tipo de coisa. Mas eu confio em vocês, porque vocês são competentes e inteligentes. Simplesmente lutar não é o meio de vida de vocês. Segundo: mantenham a maior distância possível da terra. Isso é pra todos. Não quero que vocês voem baixo demais e isso resulte em algum demônio conseguir encostar nos dragões. Entenderam? - o brilho dos olhos dourados de Umrae ficou ainda mais intenso - terceiro: resgate. Se resgatar alguém, balance isso - e mostrou uma comprida fita vermelha que devia ter o comprimento de uma espada tradicional, e era chamativa o bastante - não posso confiar em gritos, porque sempre pode acontecer algo que atrapalhe como o zunido do vento. De modo que todos terão essa fita. Em caso de resgate, balancem a fita e os outros verão. Quarto: não vão simplesmente se metendo a heroís.
Ela respirou um pouco.
- Os de Campinas se aproveitarão que não precisam mover o dragão, estarão livres. A todos foram dados arcos e flechas, e bestas e dardos. Terão todas essas armas a sua disposição. As flechas de bronze com essa ponta de vidro são as mais comuns. As flechas de prata enegrecida são as que contém veneno para paralisar, forte o suficiente para conter um demônio. E aquelas que forem de prata com uma fita amarela na ponta são as que possuem um veneno mais forte que paralisa em segundos e mata em horas. Notarão que o número de flechas é equilibrado. Mas isso não quer dizer que devam abusar. Toronto, Pauline e Giovanna tem a seguinte missão: cercar as fronteiras. Nós não podemos deixar os demônios se espalharem, embora isso já tenha acontecido. O que farão é delimitar as fronteiras com isso - mostrou um caldeirão pequeno com algo muito vermelho em volta que cheirava incrivelmente mal - não abusem, isso é bem difícil de fazer. Tinha nas reservas daqui há um bom tempo, e eu precisei acrescentar pequenas coisas para intensificar o efeito. Isso tem um efeito gradativo em qualquer ser, fazendo-o se sentir mal. Por isso, usem no fim da missão em cada área para não prejudicar pessoas inocentes.
- Ahm... - Umrae parou por um momento, organizando as próximas falas, o que deu espaço a comentários entre os membros:
- Eu não gosto dela - murmurou Giovanna confusa - quem deveria liderar é a Bel, não ela.
- Mas ela é a chefe daqui - respondeu Luka pesarosa - e ela é boa no que faz.
- Sim, ela é competente. Mas é tão estranho receber ordens assim... Bel é alguém tão... bizarra que faz a gente estranhar a normalidade - Giovanna opinou em tal tom de penúria que fez Luka rir, e mais Pauline que tinha escutado. Umrae voltou a falar, ignorando os comentários (embora tivesse ouvido cada um deles perfeitamente):
- Os dardos, a mesma coisa que se aplica às flechas. A diferença é que eles são menores (alguém: dã, jura? eu jurava que era maiores!| Umrae: você-me-entendeu ù.ú). Enfim, se estiverem em perigo-perigo, tem espadas. Mas não sugiro usá-las se não sabe. Espadas são pesadas e são difíceis de manejar, de modo que não darei nenhum incentivo. Pelo menos arco e flecha todos sabem aqui, aprenderam aqui, certo? Podem não ser uma Kibii da vida, mas pelo menos sabem o suficiente para salvar a própria pele. Usem os dardos vermelhos em humanos quando eles apresentarem resistência. Se fosse uma missão mais solitária e eu pudesse me dedicar mais aos resgatados, não precisaria, mas eu não posso garantir que vocês conseguirão acalmar os sobreviventes. De modo que usem esses dardos que possuem fracos soníferos, entenderam? Bem... preciso ainda falar algumas coisas...
Umrae encarou a todos.
Ainda que tivesse certeza de que a missão seria bem-sucedida, ainda assim tinha temor, certo temor de que algo saísse errado. E se alguém não conseguisse lembrar de suas orientações? Continuou a discorrer sobre tudo que podia e o que não podia, não esquecendo detalhes, tentando ser rápida e informativa ao mesmo tempo.
- Você é a Fer - Ratta disse. Ajeitou seu cinturão onde ajeitava as armas - você é boa em lutar?
- Sim - Fer disse sem modéstia - principalmente com punhais.
Ratta riu. Ultimamente qualquer coisa a fazia rir, seja coisa triste ou alegre. Fer também riu, mas foi um mero riso de acompanhamento e logo sumiu na névoa da manhãzinha.
- Já matou gente? - Ratta murmurou, seus olhos encarando a escama negra do dragão - sabe, preciso saber com quem estou lidando.
- Já.
- Ótimo - Ratta entregou uma fina espada de prata - você já tem sangue nas mãos o suficiente para não ligar pra isso.
Fer resolveu não perguntar o que a garota queria dizer com isso.
- Ouvi dizer de Bel que você é caçadora de demônios - disse Polly - pensei que você estaria na cidade lutando contra demônios.
- Há muito tempo que não mato um demônio - Bia pareceu sorrir por um momento, mas Polly julgou que seria engano - estou bem enferrujada nesse quesito.
Bia não precisava de arcos e flechas. Não precisava.
Só precisava da comprida espada, tão pesada e eficiente.
Por nós.
Por Campinas e Grillindor.
Por algum sentimento estranho que nos impele a agir de forma suicida.
Umrae sentia algo estranho. Era como nos tempos que resgatava crianças: a sensação de fazer parte de algo muito grande e importante, a ansiedade contida, encarar as pessoas e saber que elas morreriam se fossem imprudentes. Seus olhos dourados encararam o céu que se pincelava de nuances mais claras a cada segundo, tentando achar uma resposta para tudo aquilo: por que o mundo é do jeito que é...
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Alicia esmurrou a porta de seu quarto várias vezes, ressentida.
Fora trancada no próprio quarto, por ter ousado pensar em se mandar, e agora se batia de ódio por não ter ido embora mais cedo. A Majestade morrera, e só havia uma louca com coroa. E seus sete meses de submissão real já não existiam mais, justamente por não haver mais a realeza. Agora que iria embora, agora que tinha que sobreviver de qualquer jeito.
Pensou no fim de toda aquela história.
O que iria fazer?
Ir embora. Para bem longe, esquecer das fadas. Esquecer que teve uma Rainha que morreu e foi torturada na sua frente. Esquecer de uma louca que gostaria muito de ver seus cabelos sendo arrancados da raiz, fio por fio. Esquecer de Lala e sua difícil respiração. Esquecer de tudo. Por um instante, quis cair bem fundo em um abismo e perder a memória.
Que bom seria se acordasse e descobrisse que foi tudo um sonho!
Suas mãos se envolveram em seu pescoço, comprimindo a própria respiração.
Que absurdo era esse?
Ela não queria ficar viva? Bem, esse era o problema. Não sabia se queria viver.
Viver lhe parecia um insulto agora.
Ophelia era uma louca. De que valia o reino? Assassinar tanta gente por vingança? Por gosto pessoal? Por que queria sangue?
Era como se ela se mergulhasse em auto-piedade. E tinha certeza que se não saísse desse lago de desespero, iria ficar louca. Não duvidava nada que no momento que o pesadelo chegasse ao fim, ela começaria a apresentar tendências narcisistas incontroláveis...
domingo, 7 de junho de 2009
Parte 85 - Onegai, Kami.
- Céus - Rafitcha olhou para o caldo de batatas - isso aqui é o próprio inferno.
Raveneh a encarou enquanto picava tomates - o ralo que sobrevivera - e tinha no rosto um ar de ironia doce:
- Estamos em um paraíso, Rafitcha - sorriu - ou você quer ir até Heppaceneoh ver o estado que está lá?
- Ninguém foi - Rafitcha disse, áspera - e nem quero ir. Estamos cercados de demônios, e mal sabemos derrotar. Nossa, eu nunca me dei conta de como somos fracos em tempos de guerra!
Rafitcha ajeitou os copos, seus olhos se direcionando para copo-caldeirão de sopa-fogo-Raveneh. Arrumou a mesa, ajeitou a toalha, encarou Raveneh com um pouco de raiva por ela estar com um sorriso contido nos lábios. Não que quisesse que ela fosse triste e deprimida, mas nesses momentos tão tensos, tanta doçura lhe irritava.
Ela se sentou na mesa, esperando a sopa estar pronta. Arrumou o cabelo em um coque, tirou o avental, esfregou os olhos. Era quase noite, logo seria hora de jantar e dormir. Na sala estava Amai que só fazia ler. Parecia querer fugir do abrigo, talvez com medo de atrapalhar mais do que ajudar. Rafitcha não diria que ela estava errada nesse ponto.
Não havia mais ninguém. Kibii estava na enfermaria com Nath trocando seus curativos, e Bia devia estar lá em cima, assim como Umrae. Johnny devia estar lavando os banheiros junto com Ly, e alguma ordem no abrigo estava sob aos cuidados de Kitsune, Tatiih e Thá.
- Olá, Amai - Rafitcha se sentou no sofá.
- Olá.
Amai mal ergueu o olhar, mantendo a concentração na leitura de um grosso livro com as letras bem miudinhas. Rafitcha encarou o teto do abrigo, cinzento, de pedra recobrindo a terra para não se sentirem realmente no submundo. Começava a sentir frio, mas nada de assustador, só uma queda da temperatura já que o sol dava suas despedidas lentamente.
Fechou os olhos e descansou.
Ultimamente fechar os olhos e se distrair com lembranças lhe parecia a melhor maneira de fugir da realidade.
Kibii resmungava qualquer coisa sobre como era absurdo ela ficar tanto tempo ferida, mas se calou quando Nath a repreendeu pela sexta vez. Kibii olhou o teto com melancolia, como se fosse quase impossível uma paz. Ficou mexendo seus braços, como se empunhasse um arco e flecha, e os dedos lhe dóiam em demasia. Parou tristemente, não querendo ser masoquista.
- Nath - Kibii murmurou - você já quis morrer?
Nath a encarou como se ela fosse um ser estranho, suas sobrancelhas se franzindo de surpresa e estranhamento. Mas depois passado o momento de desconfiança, Nath relaxou. Não tinha muita certeza, mas suspeitava que era mais nova que Kibii devido ao fato de pertencer à raça dos humanos, e Kibii sendo uma elfa, portanto com maior tempo de vida.
- Sim - admitiu - há muito tempo, quando eu era uma garota.
A arqueira nada disse, fitando seus dedos envolvos em brancas ataduras.
- Eu fui vendida para me casar com um homem - Nath disse, desinteressadamente - e digamos que era um marido que nenhuma moça gostaria para si, nem mesmo as tolas apaixonadas - Nath sorriu docemente - quando não consegui morrer, eu fugi.
- Interessante - Kibii disse - e então nunca mais quis morrer?
- Nunca - o sorriso de Nath se abriu mais - por quê? Eu sou feliz aqui.
E se retirou, deixando Kibii com um estranho ar de melancolia no rosto.
Não que quisesse morrer. Longe disso.
Ela queria viver o suficiente para ver Ophelia ruir, nem que fosse para isso. Queria sentir na língua a doçura se derramando, a doçura do sangue sendo derramando de vingança. Desejava ver Ophelia cair, e se render. Talvez fosse infantilidade, mas desejos são o tipo de coisa que não se dá para controlar.
Grr;
Girl, girl, girl
You are in hell...
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Cheiro de café e erva-doce.
Roçar nas cobertas, revirar tumultuado.
Respirar ofegante, abrir os olhos. Teto todo branco, lençol todo azul-claro, e sensação toda confusa. As lembranças se amontoavam como caixas de papelão, atordoadas e inebriantes, misturando odor de sangue a gritos de surpresa. Como era terrível constatar o real poder de Ophelia! E agora tudo parecia diferente já que Elyon estava morta.
Quando Olga morreu, era como se o céu ficasse menos azul a cada noite. Todas as estrelas pareciam se revoltar, brilhando cada vez com menos intensidade, e nunca mais as florestas e mares tiveram a mesma paz. Catherine podia dizer que, caso morresse, o mar iria se mostrar revoltoso assim como as estrelas detestaram a morte de Olga. De olhos abertos, olhando para o lado, percebeu que uma única vela, de fogo trêmulo, brilhava no aposento. Estava deserto, e todas as sombras lhe pareciam mais ameaçadoras do que o costume: sinistras e cruéis, ostentavam o ódio à morte de sua protetora. Elyon manipulara as sombras por tanto tempo que já era parte delas, e assim como os mares possuem Catherine como sua amada, as trevas tinham Elyon como sua mãe.
- Ah, droga - Catherine se sentou, nervosa.
Estava com medo de que as consequências da morte de uma Musa transcorressem por todo aquele castelo, interferindo diretamente na ordem das coisas. Afinal, poder demais é perigoso, tanto dentro de uma pessoa quanto se espalhando por uma charneca. E assim como Olga, Elyon tinha poder demais. Não era o suficiente para acabar com Ophelia, mas era o suficiente para manipular toda a escuridão como bem quisesse. Será que as sombras sofreriam a mesma decadência que as estrelas experimentaram na morte de Olga? Ou...
... foi um mero instante, Catherine;
Ophelia a matara. Tão rápido. Tão eficiente. Mas como?
- Catherine - era a garota loira que assistira à luta. Ainda estava no castelo?
- ...
- Eu me chamo Alicia - a garota se apresentou. Catherine ficou impressionada de ver como os cabelos de Alicia escorregavam pelos ombros e se mostravam tão claros. Jamais vira um cabelo que fosse mais claro que o de Sunny, mas aí estava uma concorrente à altura.
Catherine se levantou. Estava ferida, claramente: seus braços estavam repletos de ataduras. Tocou a própria cabeça: curativos foram feitos.
- Vou-me embora - murmurou - preciso ir embora.
- Ophelia não vai lhe matar - Alicia disse - não agora.
- Por quê?
Alicia sentou na cama, dando um suspiro.
- Ela ficou em um estranho estado. Está com Lala o tempo todo, não me deixa entrar no quarto. Disse para eu cuidar de você, que depois ela cuidava de você.
Catherine se sentou na cama, tentando entender. Como assim? Ophelia tentara lhe matar pela terceira vez na vida (considerando a primeira vez, anos e anos atrás), e do nada, diz para cuidar dela? Como se elas fossem companheiras? Alicia a encarou com uma espécie de piedade:
- Eu iria embora, se não fosse você. Não posso deixar você sozinha com Ophelia. O que será? Lefi foi assassinado, Siih também morreu já.
- A Majestade decaída morreu? - Catherine parecia pasma - céus...
- Aquele demônio que vocês trouxeram também - Alicia contou - estão todos mortos. Se antes mil Glombs trabalhavam aqui, agora só restam duzentos e estão apavorados. Não há uma única fada neste castelo, todos ou fugiram ou se mataram. Não há como alguém te ajudar aqui.
Catherine sacudiu a cabeça, trêmula. Sua bochecha doía, mas nada de outro mundo. Sentia que tudo se desmoronava, como pedras ao caírem de uma torre. Não sonhava mais com uma vida depois.
- O que quer fazer agora? - Alicia lhe perguntou, tentando achar algum resquício de salvação naqueles estranhos traços de Catherine, que só fez fitá-la com interrogação e responder com toda a sinceridade:
- Morrer.
- E Ophelia?
- Dane-se Ophelia - Catherine disse - ela pirou. Não vai durar muito tempo como rainha, se ela está lançando isso tudo aos caos. Ela pode ser mais poderosa que todos esses malditos reunidos, mas ela ficará presa aqui. Faerün lhe é hostil, Grillindor é um leão contra Ophelia, a Terra Seca é espinhosa e infértil, e nem o Norte nem o Sul oferecem um bom lugar para alguém como Ophelia sobreviver. Ou vocês acham que nós todas - Catherine apontou para si mesma - vivemos entre as Fadas por quê? Somos as maiores aqui, mas insetos em outras regiões.
- Entendo. Mas a Terra Seca...! - Alicia disse - não tem magia para se opor à Ophelia, não é facilmente...?
- Não, Alicia - Catherine respondeu - lá é opressivo a qualquer forma de magia. Ophelia enlouqueceria lá.
Catherine se levantou, indo até a janela. Parecia que iria saltar a qualquer momento, pela forma como se posicionou na beirada da janela, observando o mar do determinado ângulo que a janela tinha. Seus cabelos se ondulavam ao vento, o céu estava claro e todo estrelado. Mas as estrelas eram mais vivas na época de Olga, tinha que admitir.
- Vá embora, Alicia - Catherine disse. Primeiro ela tirou o curativo que se estranhavam entre os cabelos - esse palácio não oferece mais nada a você.
- Você não pode simplesmente ir! - Alicia gritou, assustada - e-
- O que vai fazer aqui? Dar uma de heroína?
Alicia parou de gritar, a encarando gelidamente e medrosamente. Catherine tirou as ataduras que envolviam os braços, deixando-as cair no chão, lentamente. E todos os curativos que Alicia colocara com tanto cuidado se amontoaram no chão, manchados de sangue. E agora Catherine se preparava para cair na imensidão.
Alicia meneou a cabeça, olhos úmidos de pavor.
Estava sozinha.
Sozinha.SozinhasozinhasozinhasozinhasozinhasozinhaestavacompletamentesozinhaSiihnãoestavamaisali,nemLefiparalheacalmar.Sozinhacomumaloucapsicopata,meusdeus,oquefaria?!
As palavras não tinham espaço na sua mente, se fazendo em confusão, como se tudo fosse uma grande sopa repleta de pedaços de histórias tristes, lembranças talvez alegres e desespero profundo. Recuou, mas ainda manteve a cabeça fria o suficiente para se curvar e apagar a chama da vela com um suave sopro.
- Adeus - Alicia murmurou.
Catherine ainda a olhou pela última vez, e deu um sorriso todo azul. Aliás toda a sua pele adquiria uma exótica tonalidade azulada, e mesmo seus cabelos pareciam mais sedosos.
- Não se preocupe - Catherine disse - você ficará bem um dia.
Alicia sorriu em resposta, e assistiu o desvanecer de Catherine que se apagou com a noite.
Vai ficar tudo bem.
E iria embora, carregando informações.
E iria para sempre, nunca mais voltar.
Jamais voltar a pagar a loucura de uma rainha com a sua vida.
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Louise acendeu uma vela, brincando com a chama.
Mas ficou com a garganta comprimida de pavor.
Acordou Sunny agitadamente, sacudindo-a.
- Elyon morreu - exasperou - Elyon morreu;
Como sabe? estava escuro demais, mas Elyon morreu, isso não importava mais.
- As sombras - disse Louise - as sombras não são mais como Elyon manda!
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- É o seguinte - Bel mostrou um mapa bem detalhada de toda a região: Campinas refulgiam com todo o seu verde, o Mundo das Fadas era belissimamente azul e branco, Heppaceneoh tinham contornos de marrom e bronze - vejam só, Heppaceneoh, Campinas, floresta, mar, fadas, bla bla bla. Vêem? - com uma tinta vermelha presa em uma pena de águia, marcou em volta de Heppaceneoh - vamos circundar por aqui amanhã. Precisamos treinar os dragões para eles se habituarem com a geografia local. Aposto que vocês não foram resgatar feridos nem nada, certo, quando se viram cercados.
- Sim - Umrae admitiu desgostosa - não tínhamos força o suficiente para derrubar os demônios e resgatar cidadãos.
- Então faremos isso amanhã - Bel disse - eu sei - respondeu para os murmúrios de incompreensão - deve estar todo mundo morto. Mas não custa tentar, sempre há com um com a sorte maior. Iremos a Heppaceneoh que é o maior reino perto daqui, e a todos os outros. Não sei a duração dessa tarefa, mas creio que caso a gente não resgate ninguém, podemos levar de dois a quatro dias só sobrevoando cuidadosamente pela região.
- Como as pessoas não verão os dragões? - Kibii perguntou. Estava de pé, mesmo sendo expressamente proibida pela Nath - como podem garantir que não serão atacados?
- Bem - Bel deu um sutil sorriso - a grande maioria dos demônios são terrestres, o que quer dizer que não podem voar. E estaremos preparados contra os que podem voar: acaso você acha que meus soldados só sabem montar dragões? E também levaremos gente daqui capacitada que servirá de defesa.
- Isso quer dizer - Doceh tomou a frente, intrigada - que levará gente como meu marido para abater demônios?
- Se seu marido assim o quiser, sim - Bel respondeu.
Doceh estreitou os olhos.
- Ele só vai se eu for - disse, por fim.
- Que seja - Bel disse - ouvi dizer que você faz excelentes brigadeiros capazes de perfurar ferro!
Doceh deu um sorriso venenoso.
- Eu não quero que você vá sem mim e com aquela desfrutável da Zidaly - Doceh cochichou maldosamente no ouvido de Ly - eu a vi lavando aquela carruagem, exposta aos demônios, com a menor roupa que podia usar só porque vocês estavam trabalhando lá fora, com Bel!
- Céus, querida - Ly dizia, mas logo voltou sua atenção para o momento que Umrae erguia a voz:
- Vão todos dormir exceto os que estiverem sendo chamados por mim. Ly. Doceh. Fer. Raven. Johnny. Bia. - Umrae ergueu os olhos. Kibii a encarava com uma espécie de fogo, como se desejasse ardentemente estar na missão. Sabia bem o quanto Kibii queria empunhar um arco e uma flecha, mas não podia enviá-la na missão. Seria irresponsabilidade - é isso.
- É isso? - Kibii disse em voz baixa, mas deu de ombros, e encarou as próprias mãos enfaixadas - tudo bem.
E deu as costas.
Estava muito quente.
Todos estavam muito tensos, muito agitados.
- Se eles acharem gente que sobreviveu - Rafitcha murmurou - isso quer dizer que vão viver aqui?
- Acho que sim - respondeu Tatiih trêmula. Acendera uma vela que iluminava o pequeno quarto - vamos salvá-los e trazê-los para viver conosco.
- Isso é loucura - opinou Raveneh - eu sei que é o correto a fazer, mas veja só a nossa situação! Como vamos conseguir tratar os sobreviventes com comida?
Kitsune abraçou Amai com um pouco mais de força, ambas morrendo de calor, mas ainda procuravam no abrigo uma chance de se proteger das más coisas, quaisquer que sejam. Raveneh ninou mais um pouco seu bebê, Rafitcha esfregou os olhos, cansada. Estavam todos cansados, enfastiados dos dias difíceis que passavam por ali. Não queriam nem imaginar como é que seria quando tivesse mais gente povoando por ali.
- O que eles estão cochichando? - Thá perguntou mui discretamente, o que fez que todos se calassem de murmurar e tentar escutar o que alguém, na sala, dizia. Só Amai conseguiu identificar a voz de Bel:
- Não vai haver somente resgate.
Amai mordeu o lábio inferior, insegura.
- Isso quer dizer extermínio dos demônios? - Doceh devolveu, perspicaz.
- Exatamente. Se quiserem ir em frente... - era a voz de Umrae.
Todos voltaram a falar em cochichos, desanimados de não terem conseguido escutar mais nada. E voltaram a tecer especulações de como seria a vida depois da guerra, como Ophelia poderia ser morta e todas essas coisas que era mais lenda do que realidade para eles. Amai preferiu conter as informações. Se Umrae não contara, talvez fosse para conter o pânico. Sabia que se dizessem que iriam exterminar demônios, estaria todo mundo apavorado, com a tensão nas alturas. Foi prudente não provocar ainda mais nervosismo de Rafitcha.
Céus, Raven.
Ele iria na missão, e com certeza, não iria recuar. Estaria lá.
Céus, ele não poderia ir.
Não.
Os murmúrios se tornaram muito, muito altos para seus ouvidos. Disse que iria dormir, que estava cansada. E sem ninguém estranhar, saiu do pequeno quarto para ir até a sua cama. Deitou-se com um estrondo, não querendo grande coisa. Só queria que todos voltassem vivos, era pedir muito? Talvez fosse. Tinha esperanças de que tenha escutado errado. Talvez não fossem os próprios humanos que iriam exterminar, talvez eles só ficassem montados em dragões para ajudar, sei lá. Mas talvez tudo dê certo.
Certo?
- Kami Kawa, Kami Hoshi, onegai, onegai...*
*'Kami' em japonês costuma designar um deus. Nesse caso, Amai orou para 'Deus Kawa' e 'Deus Hoshi'. Em ambos os casos, ela queria dizer 'Deus que me dá energia, Deus das estrelas, por favor, por favor'. Eu peguei a tradução de um site, então pode ser que a tradução esteja errada. Afinal peguei daqui .
Oh yeah, espero que tenham gostado do capítulo ^^ Obrigada pelo apoio, meninas, vocês não sabem o quanto me senti gratificada com isso. Enfim, agora está realmente tudo bem, mesmo com a minha vida mudando um pouco em relação à família. Amadureci bastante em alguns dias... e Umrae, obrigada por perguntar o que acontece quando uma Musa morre. Eu nunca tinha parado pra pensar que, de fato, tanto poder faz com que todo o ecossistema mude. Eu aproveitei as duas perguntas que você fez para mexer com a história. A primeira pergunta será respondida pouco a pouco, afinal não expliquei ainda como Ophelia matou a Elyon. De certa forma, o modo de assassinato vai fazer toda a diferença na relação Ophelia x Lala x Musas x Dragões. E a segunda pergunta logo será respondida, afinal ela caiu como uma luva quando eu pensei em treinar os dragões fazendo com que eles sobrevoassem a área. Claro, isso vai dar um pouco de trabalho, mas nada que me faça 'oh céus, porque isso'. Afinal eu realmente adoro escrever essa história, tenho amor por ela. É meu tipo de passatempo que me distrai muito, e me faz feliz. E perdoem-me pela demora mais uma vez. Tento cumprir com os horários, mas a escola me sacrifica em demasia. Para se ter uma idéia, na semana passada, teria prova de quim na quarta, de eletricidade na quinta e outra de quim na sexta (uma das provas de quimica é prova de recuperação). Nessa semana agora, tive prova de história, prova de química, atividades complexas, estresse total, o que me fez ficar concentrada demais na escola. E agora amanhã tenho outra prova de quimica, e daqui a pouco terei que sair para estudar profundamente. Afinal não posso me dar mal :)
Bem, obrigada por acompanharem a história e terem paciência comigo ^^~
Raveneh a encarou enquanto picava tomates - o ralo que sobrevivera - e tinha no rosto um ar de ironia doce:
- Estamos em um paraíso, Rafitcha - sorriu - ou você quer ir até Heppaceneoh ver o estado que está lá?
- Ninguém foi - Rafitcha disse, áspera - e nem quero ir. Estamos cercados de demônios, e mal sabemos derrotar. Nossa, eu nunca me dei conta de como somos fracos em tempos de guerra!
Rafitcha ajeitou os copos, seus olhos se direcionando para copo-caldeirão de sopa-fogo-Raveneh. Arrumou a mesa, ajeitou a toalha, encarou Raveneh com um pouco de raiva por ela estar com um sorriso contido nos lábios. Não que quisesse que ela fosse triste e deprimida, mas nesses momentos tão tensos, tanta doçura lhe irritava.
Ela se sentou na mesa, esperando a sopa estar pronta. Arrumou o cabelo em um coque, tirou o avental, esfregou os olhos. Era quase noite, logo seria hora de jantar e dormir. Na sala estava Amai que só fazia ler. Parecia querer fugir do abrigo, talvez com medo de atrapalhar mais do que ajudar. Rafitcha não diria que ela estava errada nesse ponto.
Não havia mais ninguém. Kibii estava na enfermaria com Nath trocando seus curativos, e Bia devia estar lá em cima, assim como Umrae. Johnny devia estar lavando os banheiros junto com Ly, e alguma ordem no abrigo estava sob aos cuidados de Kitsune, Tatiih e Thá.
- Olá, Amai - Rafitcha se sentou no sofá.
- Olá.
Amai mal ergueu o olhar, mantendo a concentração na leitura de um grosso livro com as letras bem miudinhas. Rafitcha encarou o teto do abrigo, cinzento, de pedra recobrindo a terra para não se sentirem realmente no submundo. Começava a sentir frio, mas nada de assustador, só uma queda da temperatura já que o sol dava suas despedidas lentamente.
Fechou os olhos e descansou.
Ultimamente fechar os olhos e se distrair com lembranças lhe parecia a melhor maneira de fugir da realidade.
Kibii resmungava qualquer coisa sobre como era absurdo ela ficar tanto tempo ferida, mas se calou quando Nath a repreendeu pela sexta vez. Kibii olhou o teto com melancolia, como se fosse quase impossível uma paz. Ficou mexendo seus braços, como se empunhasse um arco e flecha, e os dedos lhe dóiam em demasia. Parou tristemente, não querendo ser masoquista.
- Nath - Kibii murmurou - você já quis morrer?
Nath a encarou como se ela fosse um ser estranho, suas sobrancelhas se franzindo de surpresa e estranhamento. Mas depois passado o momento de desconfiança, Nath relaxou. Não tinha muita certeza, mas suspeitava que era mais nova que Kibii devido ao fato de pertencer à raça dos humanos, e Kibii sendo uma elfa, portanto com maior tempo de vida.
- Sim - admitiu - há muito tempo, quando eu era uma garota.
A arqueira nada disse, fitando seus dedos envolvos em brancas ataduras.
- Eu fui vendida para me casar com um homem - Nath disse, desinteressadamente - e digamos que era um marido que nenhuma moça gostaria para si, nem mesmo as tolas apaixonadas - Nath sorriu docemente - quando não consegui morrer, eu fugi.
- Interessante - Kibii disse - e então nunca mais quis morrer?
- Nunca - o sorriso de Nath se abriu mais - por quê? Eu sou feliz aqui.
E se retirou, deixando Kibii com um estranho ar de melancolia no rosto.
Não que quisesse morrer. Longe disso.
Ela queria viver o suficiente para ver Ophelia ruir, nem que fosse para isso. Queria sentir na língua a doçura se derramando, a doçura do sangue sendo derramando de vingança. Desejava ver Ophelia cair, e se render. Talvez fosse infantilidade, mas desejos são o tipo de coisa que não se dá para controlar.
Grr;
Girl, girl, girl
You are in hell...
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Cheiro de café e erva-doce.
Roçar nas cobertas, revirar tumultuado.
Respirar ofegante, abrir os olhos. Teto todo branco, lençol todo azul-claro, e sensação toda confusa. As lembranças se amontoavam como caixas de papelão, atordoadas e inebriantes, misturando odor de sangue a gritos de surpresa. Como era terrível constatar o real poder de Ophelia! E agora tudo parecia diferente já que Elyon estava morta.
Quando Olga morreu, era como se o céu ficasse menos azul a cada noite. Todas as estrelas pareciam se revoltar, brilhando cada vez com menos intensidade, e nunca mais as florestas e mares tiveram a mesma paz. Catherine podia dizer que, caso morresse, o mar iria se mostrar revoltoso assim como as estrelas detestaram a morte de Olga. De olhos abertos, olhando para o lado, percebeu que uma única vela, de fogo trêmulo, brilhava no aposento. Estava deserto, e todas as sombras lhe pareciam mais ameaçadoras do que o costume: sinistras e cruéis, ostentavam o ódio à morte de sua protetora. Elyon manipulara as sombras por tanto tempo que já era parte delas, e assim como os mares possuem Catherine como sua amada, as trevas tinham Elyon como sua mãe.
- Ah, droga - Catherine se sentou, nervosa.
Estava com medo de que as consequências da morte de uma Musa transcorressem por todo aquele castelo, interferindo diretamente na ordem das coisas. Afinal, poder demais é perigoso, tanto dentro de uma pessoa quanto se espalhando por uma charneca. E assim como Olga, Elyon tinha poder demais. Não era o suficiente para acabar com Ophelia, mas era o suficiente para manipular toda a escuridão como bem quisesse. Será que as sombras sofreriam a mesma decadência que as estrelas experimentaram na morte de Olga? Ou...
... foi um mero instante, Catherine;
Ophelia a matara. Tão rápido. Tão eficiente. Mas como?
- Catherine - era a garota loira que assistira à luta. Ainda estava no castelo?
- ...
- Eu me chamo Alicia - a garota se apresentou. Catherine ficou impressionada de ver como os cabelos de Alicia escorregavam pelos ombros e se mostravam tão claros. Jamais vira um cabelo que fosse mais claro que o de Sunny, mas aí estava uma concorrente à altura.
Catherine se levantou. Estava ferida, claramente: seus braços estavam repletos de ataduras. Tocou a própria cabeça: curativos foram feitos.
- Vou-me embora - murmurou - preciso ir embora.
- Ophelia não vai lhe matar - Alicia disse - não agora.
- Por quê?
Alicia sentou na cama, dando um suspiro.
- Ela ficou em um estranho estado. Está com Lala o tempo todo, não me deixa entrar no quarto. Disse para eu cuidar de você, que depois ela cuidava de você.
Catherine se sentou na cama, tentando entender. Como assim? Ophelia tentara lhe matar pela terceira vez na vida (considerando a primeira vez, anos e anos atrás), e do nada, diz para cuidar dela? Como se elas fossem companheiras? Alicia a encarou com uma espécie de piedade:
- Eu iria embora, se não fosse você. Não posso deixar você sozinha com Ophelia. O que será? Lefi foi assassinado, Siih também morreu já.
- A Majestade decaída morreu? - Catherine parecia pasma - céus...
- Aquele demônio que vocês trouxeram também - Alicia contou - estão todos mortos. Se antes mil Glombs trabalhavam aqui, agora só restam duzentos e estão apavorados. Não há uma única fada neste castelo, todos ou fugiram ou se mataram. Não há como alguém te ajudar aqui.
Catherine sacudiu a cabeça, trêmula. Sua bochecha doía, mas nada de outro mundo. Sentia que tudo se desmoronava, como pedras ao caírem de uma torre. Não sonhava mais com uma vida depois.
- O que quer fazer agora? - Alicia lhe perguntou, tentando achar algum resquício de salvação naqueles estranhos traços de Catherine, que só fez fitá-la com interrogação e responder com toda a sinceridade:
- Morrer.
- E Ophelia?
- Dane-se Ophelia - Catherine disse - ela pirou. Não vai durar muito tempo como rainha, se ela está lançando isso tudo aos caos. Ela pode ser mais poderosa que todos esses malditos reunidos, mas ela ficará presa aqui. Faerün lhe é hostil, Grillindor é um leão contra Ophelia, a Terra Seca é espinhosa e infértil, e nem o Norte nem o Sul oferecem um bom lugar para alguém como Ophelia sobreviver. Ou vocês acham que nós todas - Catherine apontou para si mesma - vivemos entre as Fadas por quê? Somos as maiores aqui, mas insetos em outras regiões.
- Entendo. Mas a Terra Seca...! - Alicia disse - não tem magia para se opor à Ophelia, não é facilmente...?
- Não, Alicia - Catherine respondeu - lá é opressivo a qualquer forma de magia. Ophelia enlouqueceria lá.
Catherine se levantou, indo até a janela. Parecia que iria saltar a qualquer momento, pela forma como se posicionou na beirada da janela, observando o mar do determinado ângulo que a janela tinha. Seus cabelos se ondulavam ao vento, o céu estava claro e todo estrelado. Mas as estrelas eram mais vivas na época de Olga, tinha que admitir.
- Vá embora, Alicia - Catherine disse. Primeiro ela tirou o curativo que se estranhavam entre os cabelos - esse palácio não oferece mais nada a você.
- Você não pode simplesmente ir! - Alicia gritou, assustada - e-
- O que vai fazer aqui? Dar uma de heroína?
Alicia parou de gritar, a encarando gelidamente e medrosamente. Catherine tirou as ataduras que envolviam os braços, deixando-as cair no chão, lentamente. E todos os curativos que Alicia colocara com tanto cuidado se amontoaram no chão, manchados de sangue. E agora Catherine se preparava para cair na imensidão.
Alicia meneou a cabeça, olhos úmidos de pavor.
Estava sozinha.
Sozinha.SozinhasozinhasozinhasozinhasozinhasozinhaestavacompletamentesozinhaSiihnãoestavamaisali,nemLefiparalheacalmar.Sozinhacomumaloucapsicopata,meusdeus,oquefaria?!
As palavras não tinham espaço na sua mente, se fazendo em confusão, como se tudo fosse uma grande sopa repleta de pedaços de histórias tristes, lembranças talvez alegres e desespero profundo. Recuou, mas ainda manteve a cabeça fria o suficiente para se curvar e apagar a chama da vela com um suave sopro.
- Adeus - Alicia murmurou.
Catherine ainda a olhou pela última vez, e deu um sorriso todo azul. Aliás toda a sua pele adquiria uma exótica tonalidade azulada, e mesmo seus cabelos pareciam mais sedosos.
- Não se preocupe - Catherine disse - você ficará bem um dia.
Alicia sorriu em resposta, e assistiu o desvanecer de Catherine que se apagou com a noite.
Vai ficar tudo bem.
E iria embora, carregando informações.
E iria para sempre, nunca mais voltar.
Jamais voltar a pagar a loucura de uma rainha com a sua vida.
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Louise acendeu uma vela, brincando com a chama.
Mas ficou com a garganta comprimida de pavor.
Acordou Sunny agitadamente, sacudindo-a.
- Elyon morreu - exasperou - Elyon morreu;
Como sabe? estava escuro demais, mas Elyon morreu, isso não importava mais.
- As sombras - disse Louise - as sombras não são mais como Elyon manda!
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- É o seguinte - Bel mostrou um mapa bem detalhada de toda a região: Campinas refulgiam com todo o seu verde, o Mundo das Fadas era belissimamente azul e branco, Heppaceneoh tinham contornos de marrom e bronze - vejam só, Heppaceneoh, Campinas, floresta, mar, fadas, bla bla bla. Vêem? - com uma tinta vermelha presa em uma pena de águia, marcou em volta de Heppaceneoh - vamos circundar por aqui amanhã. Precisamos treinar os dragões para eles se habituarem com a geografia local. Aposto que vocês não foram resgatar feridos nem nada, certo, quando se viram cercados.
- Sim - Umrae admitiu desgostosa - não tínhamos força o suficiente para derrubar os demônios e resgatar cidadãos.
- Então faremos isso amanhã - Bel disse - eu sei - respondeu para os murmúrios de incompreensão - deve estar todo mundo morto. Mas não custa tentar, sempre há com um com a sorte maior. Iremos a Heppaceneoh que é o maior reino perto daqui, e a todos os outros. Não sei a duração dessa tarefa, mas creio que caso a gente não resgate ninguém, podemos levar de dois a quatro dias só sobrevoando cuidadosamente pela região.
- Como as pessoas não verão os dragões? - Kibii perguntou. Estava de pé, mesmo sendo expressamente proibida pela Nath - como podem garantir que não serão atacados?
- Bem - Bel deu um sutil sorriso - a grande maioria dos demônios são terrestres, o que quer dizer que não podem voar. E estaremos preparados contra os que podem voar: acaso você acha que meus soldados só sabem montar dragões? E também levaremos gente daqui capacitada que servirá de defesa.
- Isso quer dizer - Doceh tomou a frente, intrigada - que levará gente como meu marido para abater demônios?
- Se seu marido assim o quiser, sim - Bel respondeu.
Doceh estreitou os olhos.
- Ele só vai se eu for - disse, por fim.
- Que seja - Bel disse - ouvi dizer que você faz excelentes brigadeiros capazes de perfurar ferro!
Doceh deu um sorriso venenoso.
- Eu não quero que você vá sem mim e com aquela desfrutável da Zidaly - Doceh cochichou maldosamente no ouvido de Ly - eu a vi lavando aquela carruagem, exposta aos demônios, com a menor roupa que podia usar só porque vocês estavam trabalhando lá fora, com Bel!
- Céus, querida - Ly dizia, mas logo voltou sua atenção para o momento que Umrae erguia a voz:
- Vão todos dormir exceto os que estiverem sendo chamados por mim. Ly. Doceh. Fer. Raven. Johnny. Bia. - Umrae ergueu os olhos. Kibii a encarava com uma espécie de fogo, como se desejasse ardentemente estar na missão. Sabia bem o quanto Kibii queria empunhar um arco e uma flecha, mas não podia enviá-la na missão. Seria irresponsabilidade - é isso.
- É isso? - Kibii disse em voz baixa, mas deu de ombros, e encarou as próprias mãos enfaixadas - tudo bem.
E deu as costas.
Estava muito quente.
Todos estavam muito tensos, muito agitados.
- Se eles acharem gente que sobreviveu - Rafitcha murmurou - isso quer dizer que vão viver aqui?
- Acho que sim - respondeu Tatiih trêmula. Acendera uma vela que iluminava o pequeno quarto - vamos salvá-los e trazê-los para viver conosco.
- Isso é loucura - opinou Raveneh - eu sei que é o correto a fazer, mas veja só a nossa situação! Como vamos conseguir tratar os sobreviventes com comida?
Kitsune abraçou Amai com um pouco mais de força, ambas morrendo de calor, mas ainda procuravam no abrigo uma chance de se proteger das más coisas, quaisquer que sejam. Raveneh ninou mais um pouco seu bebê, Rafitcha esfregou os olhos, cansada. Estavam todos cansados, enfastiados dos dias difíceis que passavam por ali. Não queriam nem imaginar como é que seria quando tivesse mais gente povoando por ali.
- O que eles estão cochichando? - Thá perguntou mui discretamente, o que fez que todos se calassem de murmurar e tentar escutar o que alguém, na sala, dizia. Só Amai conseguiu identificar a voz de Bel:
- Não vai haver somente resgate.
Amai mordeu o lábio inferior, insegura.
- Isso quer dizer extermínio dos demônios? - Doceh devolveu, perspicaz.
- Exatamente. Se quiserem ir em frente... - era a voz de Umrae.
Todos voltaram a falar em cochichos, desanimados de não terem conseguido escutar mais nada. E voltaram a tecer especulações de como seria a vida depois da guerra, como Ophelia poderia ser morta e todas essas coisas que era mais lenda do que realidade para eles. Amai preferiu conter as informações. Se Umrae não contara, talvez fosse para conter o pânico. Sabia que se dizessem que iriam exterminar demônios, estaria todo mundo apavorado, com a tensão nas alturas. Foi prudente não provocar ainda mais nervosismo de Rafitcha.
Céus, Raven.
Ele iria na missão, e com certeza, não iria recuar. Estaria lá.
Céus, ele não poderia ir.
Não.
Os murmúrios se tornaram muito, muito altos para seus ouvidos. Disse que iria dormir, que estava cansada. E sem ninguém estranhar, saiu do pequeno quarto para ir até a sua cama. Deitou-se com um estrondo, não querendo grande coisa. Só queria que todos voltassem vivos, era pedir muito? Talvez fosse. Tinha esperanças de que tenha escutado errado. Talvez não fossem os próprios humanos que iriam exterminar, talvez eles só ficassem montados em dragões para ajudar, sei lá. Mas talvez tudo dê certo.
Certo?
- Kami Kawa, Kami Hoshi, onegai, onegai...*
*'Kami' em japonês costuma designar um deus. Nesse caso, Amai orou para 'Deus Kawa' e 'Deus Hoshi'. Em ambos os casos, ela queria dizer 'Deus que me dá energia, Deus das estrelas, por favor, por favor'. Eu peguei a tradução de um site, então pode ser que a tradução esteja errada. Afinal peguei daqui .
Oh yeah, espero que tenham gostado do capítulo ^^ Obrigada pelo apoio, meninas, vocês não sabem o quanto me senti gratificada com isso. Enfim, agora está realmente tudo bem, mesmo com a minha vida mudando um pouco em relação à família. Amadureci bastante em alguns dias... e Umrae, obrigada por perguntar o que acontece quando uma Musa morre. Eu nunca tinha parado pra pensar que, de fato, tanto poder faz com que todo o ecossistema mude. Eu aproveitei as duas perguntas que você fez para mexer com a história. A primeira pergunta será respondida pouco a pouco, afinal não expliquei ainda como Ophelia matou a Elyon. De certa forma, o modo de assassinato vai fazer toda a diferença na relação Ophelia x Lala x Musas x Dragões. E a segunda pergunta logo será respondida, afinal ela caiu como uma luva quando eu pensei em treinar os dragões fazendo com que eles sobrevoassem a área. Claro, isso vai dar um pouco de trabalho, mas nada que me faça 'oh céus, porque isso'. Afinal eu realmente adoro escrever essa história, tenho amor por ela. É meu tipo de passatempo que me distrai muito, e me faz feliz. E perdoem-me pela demora mais uma vez. Tento cumprir com os horários, mas a escola me sacrifica em demasia. Para se ter uma idéia, na semana passada, teria prova de quim na quarta, de eletricidade na quinta e outra de quim na sexta (uma das provas de quimica é prova de recuperação). Nessa semana agora, tive prova de história, prova de química, atividades complexas, estresse total, o que me fez ficar concentrada demais na escola. E agora amanhã tenho outra prova de quimica, e daqui a pouco terei que sair para estudar profundamente. Afinal não posso me dar mal :)
Bem, obrigada por acompanharem a história e terem paciência comigo ^^~
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