sexta-feira, 17 de abril de 2009

Parte 80 - Raiva.

"Hora" é um conceito estranho.
Ele é medido em 60 minutos, e cada minuto, por sua vez, se mede em 60 segundos.
Para Umrae, porém, os minutos se arrastavam com a lentidão de um século, a ansiedade crescendo a cada vez que um segundo passava. De madrugada, quando todos já dormiam, estava sentada no chão da sala, iluminada por vinte velas cujas chamas tremiam a cada suspiro que dava. E no chão, um mapa se espalhava.
Podia ver os contornos do mundo das fadas, já destruído. As Campinas que brilhavam com todo o seu esplendor ali, ao lado da floresta, tão fechada. Os desenhos eram perfeitos, de contornos delineados com tinta negra e todas as cores tingiam o papel, respondendo a impressão de cada reino. Passou o dedo indicador, de leve, em Mundo das Fadas.
Acabado.
Depois dirigiu o dedo para os arredores no sul.
Destruído.
Observou o norte, com seus reinos sempre colonizados por fadas.
Arruínados.
As Campinas. Lugar enorme, que merecia um espaço a mais no mapa.
Verde. Vívido. Cada centímetro que ela, Umrae, conhecia desde que viera de Faerün, era completamente vivo.
Encarou o mapa com curiosidade e uma certa dose de nervosismo. Parecia perfeitamente tranquila como se nada estivesse acontecendo. Não que quisesse enganar a si mesma, mas se a própria Umrae aparentasse estar nervosa, isso iria influir em todos os outros no abrigo.
Observou com cuidado as áreas em que ficariam os dragões.
Desenhou um circulo vermelho em cada ponto estratégico, sua mente trabalhando para garantir uma sobrevivência maior, uma vitória, uma luz qualquer.

Uma guerra direta não iria funcionar, por mais que os dragões fossem maravilhosos.
Queria algo a mais, algo que abalasse Ophelia de vez, algo que envenenasse o palácio e que destruísse, vigorosamente, cada frágil alicerce que Ophelia impôs em seu reinado.
Um veneno.
Algo que destruísse a alma de Ophelia.
Todos tem seu ponto fraco, não tem?
Amai quisera dizer algo naquele dia, sim. Mas o quê, exatamente?
Estava debaixo do seu nariz, Umrae. Tão óbvio, decididamente racional. Pensar, pensar...


Lala.

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A manhã veio, sempre tão preguiçosa e silenciosa, e junto com a manhã, Alicia acordou, seus olhos cinzentos piscando confusos. Não via o teto escuro da masmorra de onde estava, mas o teto branco do quarto onde Lala dormia, seu peito subindo e descendo, tamanha a dificuldade de respiração.
Lala parecia estar sonhando algo de ruim, pela sua respiração apressada e ofegante. Alicia reparou que as feridas estavam menos avermelhadas do que no dia anterior, além de notar que Lala apressou algo de sua regeneração durante o sono. Mas a febre aumentara absurdamente, de tanto que Lala suava.
- Alicia - Ophelia abriu a porta devagar.
Já acordou?
Ophelia parecia estar arrumada há muito tempo. Seus cabelos estavam soltos como sempre, o vestido de algodão muito simples, pouco condizente a imponência de Ophelia, algodão este tingido de azul-turquesa e bordado com pedras que brilhavam a luz, esplêndidas. Alicia recuou um passo, mas se ajoelhou muito rapidamente, apressada em reverenciar Ophelia.
- Não precisa - Ophelia disse com desprezo - só me diga como Lala está.
- A febre aumentou, mas os ferimentos estão se regenerando... devagar, mas estão - Alicia disse, sem pensar. Na verdade nem analisara Lala direito, mas era o que sabia e por alguns minutos, lhe era o suficiente. Ophelia somente a encarou com uma certa estranheza:
- Se você salvar Lala - disse muito delicadamente - eu lhe devolvo Siih e Lefi. Mas a cada dia que Lala piorar, direi a Ravèh que dobre a tortura para os seus amigos.
Alicia ergueu o rosto, sobressaltada.
Tomou banho rapidamente assim que Ophelia se retirou, e tomou todas as providências para que Lala melhorasse rapidamente. Sentada ao lado da cama, estava devidamente armada de toalhas brancas e macias, xícaras com chás que ferveriam por horas, ervas delicadas e todo o tipo de conforto que uma doente poderia ter.

Lala acordou às dez da manhã.
Parecia querer chorar, pelos olhos muito vermelhos, porém estava ainda mais fraca se fosse julgada pela pele absurdamente pálida, os cabelos mais finos e os quilos que perdera em toda a regeneração.
- Oph? - Lala tentou se levantar.
Doía. Doía muito.
Mas não o suficiente para impedi-la de levantar. Esboçou um frágil sorriso que se partiu assim que, sentada, Lala indagou, tentando impor calma em cada palavra que dizia:
- Onde está Ophelia?
Alicia respondeu com muita calma. Tinha que medir as palavras com cuidado, manipular a garota de forma vagarosa e eficiente, fazer com que ela se ajudasse de vez.
- Está trabalhando - respirou fundo - ela está muito preocupada com você, Lala.
Lala esboçou outro sorriso, esse mais duradouro. Alicia continuou. Tinha planos para si mesma de simplesmente vingar tudo de uma vez e enfraquecer Lala de uma vez, se manter uma péssima médica. Mas agora que Ophelia lhe prometera a vida de Siih e Lefi caso salvasse Lala... era simplesmente uma virada de planos, e agora a garota em frente era a mais importante, a peça que, quebrada, arruinaria todo o jogo.
- Lala, recupere-se, pois Vossa Majestade precisa de você - Alicia escolheu bem as palavras - obedeça a tudo que eu disser e tente usar suas forças para se regenerar mais rápido. Sei que dói, mas...
Lala sorriu mais abertamente.
Droga, droga.
Só doía. O que se fazer quando o corpo só faz doer, até um sorriso?
- Eu vou ficar bem caso...? - perguntou, sorriso desfeito de novo. Alicia respondeu:
- Se você se regenerar mais rapidamente. Aí poderemos cuidar apenas do cansaço que terá.
- E se eu deixar a regeneração ao curso natural?
- Vai demorar mais do que o dobro de tempo e passará mal demais.
- A resposta é óbvia - Lala desabou na cama, já que ficar sentada doía mais do que podia dizer - você pode me ajudar a regenerar?
Alicia sorriu. Era isso que queria. Custaria muito de seus poderes e de sua força, mas quando passou a trabalhar para a Rainha, jurou a ela servi-la pelos sete meses. Os sete meses não tinham terminados, e ela era serva da Vossa Majestade, mesmo que todo o reino desmoronasse. Entregou a Lala um chá fumegante, de poderes curativos, enquanto pensava em si própria.
Enquanto prometia que iria salvar a sua Rainha, então iria salvar a sua Rainha.

Promessa é dívida, lembrou Alicia para si própria.

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Raveneh havia acordado bem cedo por causa de May que também acordou, porém de forma bem pouco tranquila.
Junto com o choro de Maytsuri, praticamente todos que estavam no abrigo acordaram, mal-humorados e ressentidos com um bebê. Odiavam aquele choro que se estrangulava na aurora, aquele choro ansiando por leite. Mas como a outra alternativa era uma Raveneh chorando copiosamente pela perda da filha, então se resignavam.
- Rafitcha - Johnny chamou, vestindo calças azuis, cabelos sempre revoltos - como está?
Johnny estava muito preocupado com os pais e sabia que Rafitcha estava mais ainda. Rafitcha sempre tivera muitos mais problemas com os pais do que ele, especialmente com a mãe. E sabia que toda vez que uma situação de risco acontecia (e esta era a terceira vez desde que Johnny se entende por gente), Rafitcha remoía suas brigas com a mãe, sua impaciência, as batidas de porta e os gritos vociferantes e cruéis. A culpa era toda dela, era isso que Rafitcha acreditava quando se preocupava com uma situação que poderia dar fim a vida de seus pais. A culpa por nunca ter realmente pedido desculpas, talvez.
Johnny realmente não entendia como as meninas pensavam. Elas eram tão problemáticas, com pensamentos tão contraditórios. E Rafitcha não fugia a regra: doce, afável, uma pessoa completamente amigável, fácil de conviver. Mas na intimidade, quando vivia com os pais, conseguia ser imatura e responsável, irritava-se por motivos idiotas, o jeito de andar se tornava arrogante. Todas as meninas que ele conhecera eram assim: pareciam ser mil pessoas em uma.
- Estou bem, obrigada - murmurou Rafitcha enquanto se preocupava em verificar se havia manteiga para todos.
- Quer verificar sobre...? - era uma pergunta idiota que só merecia uma única resposta:
- Como?
Rafitcha lhe encarou com certa frieza.
Não que ela seja fria. Aliás, muito raramente ela falava nesse tom tão seco e com esse olhar tão gelado. Era somente preocupação excessiva, zelo excessivo, irritação excessiva. Rafitcha estava se esgotando, isso era evidente. Johnny passou a usar um tom mais doce, que utilizava somente quando Raveneh estava a ponto de uma crise de nervos.
- Rafitcha, porque não vá lá pra fora, respirar ar puro?
Rafitcha pegou uma faca para cortar as laranjas. Suas mãos logo se molharam com todo o sulco alaranjado, e parecia estar irritada, embora seus gestos estivessem mecânicos, como se ela não pensasse naquilo.
- Vá trabalhar, Johnny - foi tudo o que disse, antes de Raveneh chegar, ninando May e desejando 'bom dia' a todos.
'Bom dia' era um desejo estúpido em tempos de guerra. Mas ainda era demasiadamente doce.

Umrae repassava suas impressões para Ly, Kibii e Bia. Todos estavam absortos nas explicações curtas de Umrae que tratava dos possíveis pontos fracos e da aproximação dos dragões, ou seja, uma estratégia militar contra a Vossa Majestade Que Em Tudo Manda, como Fer gostava de ironizar nas refeições.
Eles estavam na enfermaria, rodeados em volta de Kibii cujos ferimentos estavam melhorando muito bem. Amai estava na sala e devido à estrutura péssima, conseguia escutar as palavras de Umrae, geralmente interrompidas por murmúrios. Ela não conseguia ouvir a voz de Ly, embora soubesse que ele também participava ativamente, e a voz de Bia era tão fraca para seus ouvidos que Amai mal conseguia entender. E todos falavam muito baixo, mas Amai se privilegiava de sua ótima audição e da estrutura precária em relação aos sons.
- Chantagear Ophelia não é uma boa idéia.
Kibii parecia insegura quanto a idéia. Ela mesma vira Lala, e tivera ódio daqueles olhos da cor de mel e tão frios, assim como experimentara satisfação plena ao não se entregar a loucura. Mas... sequestrar? Era um plano longe demais.
- Como poderíamos fazer isso?
Era a dúvida de Bia que não conseguia entender como conseguiriam invadir o palácio, mesmo que os jakens fossem estúpidos e a segurança fragilizada, e simplesmente tomar Lala. E Bia não queria nem pensar na mais provável reação de Ophelia.
- Eu sei, é idiota... Mas... eu ainda acho que pode dar certo.
Umrae parecia insegura às próprias idéias. Sim, Amai concordava com Kibii e Bia: era arriscado, louco. Mas também concordava com Umrae: Lala parecia ser tão leal à Ophelia e Ophelia parecia gostar de Lala. Mas Kibii, com extremo cuidado, manifestou sua opinião sincera:
- Umrae, acho difícil que conseguimos pegar Lala. Ela é forte, sabe lutar. Tive o desprazer de ser mantida sobre a tortura dela e devo te dizer que ela não é uma donzela perdida que aguardará o resgate com paciência.
Amai não ouviu mais nada, pois May irrompeu mais uma vez em um choro sem limites, ultrapassando todas as noções básicas sobre a quantidade máxima de décibeis que um humano pode ouvir sem ficar surdo. Era simplesmente inacreditável o quanto May conseguia chorar, mas o choro parou logo depois de meros dez segundos - torturantes para Amai que queria se concentrar em arrumar a sala e para a Rafitcha que mal conseguia fazer o suco de tanta dor de cabeça que sentia - graças a Raveneh, tão calma e sempre um eterno calmante.
Catherine nunca se manifestara na parte realmente mãe, sempre expressada nesses momentos em que Raveneh provava a si mesma que sua loucura não a impedia de ser uma mãe decente.

Esperava que seja assim, pelo menos.

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Onze humanos e três dragões.
- Vamos - murmurou Harumi para Ratta, feliz - xeque.
Ratta resmungou, movendo um cavalo que acabou por derrotar o bispo de Harumi. Mas de nada adiantou porque o próximo movimento foi a torre de Harumi se aproveitar da brecha deixada pelo bispo para derrotar o rei definitivamente.
- Xeque mate - Harumi sorriu, seus olhos furta-cor brilhando de felicidade.
Gerogie lia um livro grosso, de mais de duas mil páginas com letras de um tamanho minúsculo, provavelmente sobre a História de Faerün desde que o nome apareceu para designar os territórios élficos. Mas o chute de Polly estava errado, pois o que Gerogie lia, realmente, era simplesmente a narração de vinte gerações de uma família de bruxos.
E cada livro só cabia umas cinco gerações.
- Vamos lá - murmurou Keishara, parecendo entediada. Era um dragão azul e gostava de se manter na forma humana simplesmente pra não sentir as descargas elétricas que era capaz de causar. Seus cabelos estavam curtos na altura dos ombros, os fios escorregadios e rebeldes, sempre apontando para todas as direções. Mas Keishara nunca se incomodou com isso, até gostava da rebeldia em seus cabelos.
O outro dragão a olhou com certa ironia e deboche.
Pareciam se encarar com raiva, quase como se estivessem marcando território enquanto disputavam a vitória no jogo de baralho. Não falaram o nome e ninguém foi perguntar o quê eles estavam jogando. Mas os insultos trocados eram suficiente para entender que o jogo era um tanto conflituoso.
- Bem - disse Erevan de cabelos negros e olhos de um estranho tom de violeta - acho que isso é o suficiente para me garantir a vitória.
- Não quando se tem isso - Keishara riu desdenhosamente, jogando um trio de cartas de números iguais - e aí?
- Ora, ora - Erevan sorriu de canto - não se pode ganhar de ti, então?
Keishara assumiu todas as cartas para si, com imenso orgulho em seu sorriso.

Zidaly estava do lado oposto a Crazy, mas o fitava com tanto amor que Crazy podia ficar corado se fosse um adolescente comum de rubores desnecessários. Mas Crazy ignorava, seus olhos se concentrando em um livro muito grosso de capa vinho de letras miúdas que descreviam minuciosamente os compostos quimícos e como eles reagiam um contra o outro. Zidaly suspirou tristemente, seus olhos se esquadrinhando levemente nas mãos de Crazy.
Bel teve que admitir que Zidaly parecia uma perfeita apaixonada. Droga.
Seria difícil, muito difícil lidar com esses egos estúpidos e apaixonados. Quando Zidaly iria aprender que para ser a melhor combatente, a com o sangue mais frio e indestrutível, teria que abrir mão de suas emoções? Em vez de desperdiçar as emoções por um homem, deveria simplesmente usar toda a paixão do corpo e do espírito para se guerrear.
Bel realmente não conseguia entender a lógica de Zidaly que gastava seus esforços para se fazer notada por Crazy...

Hmpf. Logo a viagem terminaria, a guerra começaria e toda aquela história se acabaria, de uma vez por todas. De preferência, com uma cruz em cima do corpo enterrado de Zidaly.

Wow! E a escola continua se sobressaindo à internet, limitando minha imaginação. Ultimamente estou resolvendo mais logaritmos do que conseguindo pensar em qualquer personagem de Três Fadas, sem contar que acabei me envolvendo em um livro aí. Sinopse do livro? Surpresa, mas posso garantir que ele é mais sério. É um drama (vocês sabem como adoro um bom drama envolvendo famílias despedaçadas e bastante sangue), e espero ir bem nele, sinceramente. De qualquer modo, tenho que voltar a escrever isso urgentemente, e me envolver nisso. Enfim, é isso. Espero que tenham gostado desse capítulo! ^^

E até a próxima! Estou com saudades de vocês =**

4 comentários:

. L disse...

Huhuhu, pobre Lala. *-*''

Lunoska... Eu ODEIO³ logarítmos...
Tanto que preferi gazear todas as aulas que envolviam isto no ano passado. :)

Umrae disse...

AH NÃO! NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, e NÃO! Agora você foi longe demais nos absurdos que você atribui a mim. Isso já é contra todos e quaisquer princípios meus! Chantagear a Ophelia? Judiar da Lala para atingí=la? Destruir mais do que o necessário e sentir algum prazer nisso? Você pensa que eu sou o que? Além de esse tipo de crueldade e infantilidade ser uma falha absurda de caráter que EU NÃO TENHO e nunca me permiti ter (ouviu bem?), é simplesmente a idéia mais estúpida do planeta. O meu problema é com a Ophelia e SOMENTE com ela, e até uma praga como ela tem direito a uma morte rápida e digna.
Vou acionar o sindicato das personagens novamente, estou sendo constantemente caluniada. Só porque eu sou meio drow eu tenho que seguir o esteriótipo de chaotic-evil-cruel-torturadora? Isso é um PRECONCEITO! E um ULTRAJE!
As Campinas, Heppaceneoh e os reinos ao redor já sofreram demais para ter que aturar mais destruição sem sentido e cicatrizes emocionais. Está na hora de um pouco menos de egocentrismo e mais estratégia e eficiência.
Registrado o meu protesto.

Umrae disse...

E caso não tenha ficado bem claro: sucumbir a esse tipo de ódio a ponto de trair tudo em que eu acredito seria a pior derrota que eu poderia sofrer por parte da Ophelia. Pior do que a morte (que, nos mundos fictícios de RPG, é reversível, ao contrário da corrupção da minha alma).

Umrae disse...

Para finalizar...
Ainda que deveras ofendida, estou com muita saudade também.
Bjão.