segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Parte 95 - Quando termina uma fase.

Raveneh acordou ensopada de suor, era mais um sonho.
Estava insegura, e tremia.
Olhou para o teto, trêmula, tentando juntar os fragmentos do sonho: sangue, sussurros, de volta a mesma história: podia fazer algo, era só simplesmente se deixar entregar para alguém sem corpo, sem alguma matéria. Isso está só na minha mente, pensava, é coisa da minha cabeça. Mas mesmo isso não lhe tranquilizava.
Levantou-se, quem sabe um copo d'água lhe faria se acalmar.
O corredor era meio comprido, e escuro, mas isso não lhe dava medo: Umrae dormia por ali, Kibii também. Bia e Fer idem, então se desse um grito, estaria todo mundo em pé, espada na mão e sentidos alertas. Não precisava ter medo.
Quando chegou à cozinha, percebeu que havia gente acordada.
Era uma mulher, talvez um pouco mais velha do que ela, morena que estava sentada no sofá da sala. Não fazia nada de perigoso, só olhava fixamente para frente, talvez pensando em algo.
- Oi? - disse, timidamente.
- Olá - a mulher sorriu - eu sou Zidaly.
- Ah, - Raveneh lembrou - já ouvi falar de você.
- Hm - Zidaly tentou parecer tímida - desculpe invadir o abrigo, é que...
- Espere - Raveneh franziu as sobrancelhas - como entrou aqui?
Zidaly só disse a verdade: que já estava ali, e quando todos se retiraram, ela estava no banheiro e não ouviu a chamada geral. Raveneh sentia que tinha alguma inverdade ali, mas não conseguiu identificar, de modo que aceitou a verdade (a mentira estava no fato de que era perfeitamente possível Zidaly escutar o chamado para todos dormirem de onde quer que estivesse no abrigo).
- Você veio de Grillindor?
- Sim - Zidaly viu naqueles olhos azuis algo familiar. Mal reconhecia, mas decerto não era das Campinas - e você?
- Istypid - Raveneh pegou a jarra e encheu um copo - Terra Seca. Conhece?
- Sim - Zidaly sussurrou.
E não se falaram mais.

Raveneh bebeu sua água, deixando Zidaly quieta, sem dizer palavra. Decerto já a vira antes, e não foi nas Campinas, assim como Crazy. Zidaly conhecia Istypid... decerto fora lá, na ocupação do reino pela Grillindor. Mas não conseguia se lembrar direito, porque todas suas memórias daqueles dias eram borradas. Ela não conseguia lembrar de muita coisa, exceto aquelas que vivera bem consciente, como Raveneh.
Voltou para a cama e não conseguiu dormir mais.
Ao seu lado, Johnny dormia, seus cabelos negros que se esvoaçavam para todos os cantos. Ele se aninhou junto ao corpo dela, e abraçou-a, o que a fez ficar mais tranquila. Fechou os olhos, tentando se entregar aos sonhos, sem sucesso.
Respirou fundo, e esperou que May acordasse e chorasse, quando começaria realmente o dia dela.

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Catherine estava, de fato, no mar.
A água era fria e fresca, azul e verde, sempre deliciosa e calma.
Quase um repouso. Aliás, quase não. Era um repouso.
Estava sob as trevas de Ophelia, podia até mesmo cheirar toda a maldade dela, e bastava estender o dedo e tocar a fúria no ar. Mas isso não lhe causava medo, pois estava em seus domínios: se estivesse em seu elemento, nada lhe faria mal. Nem mesmo uma louca ensandecida que se coroou rainha das fadas.

Mergulhou o rosto dentro do oceano, deixando os olhos abertos para fitarem o invisível sal com os peixes, algas, mamíferos que deslizavam, alheios aos problemas terrestres. Deslizou também mais para o fundo do oceano, tão fundo que ninguém sobreviveria ali tamanha era a pressão. Escorregou para o negrume, onde todas as trevas do mar se escondem. E respirou profundamente, esperando só algo se mover sob o manto que se estendia, manto de crueldade. Só precisava sentir entre seus dedos a sutil presença das companheiras, como um brilho a aparecer diante de seus olhos. Entre as trevas e monstros, ela esperava, ansiosa. Não via nada, só escuridão. Não sentia nada, só a indiferença. Bloqueou a si mesma de todas as outras sensações como fome, raiva ou medo: o único sentimento permitido seria o alívio, e ele teria que vir na hora adequada.

Passou algum tempo.
E sentiu.
Sentiu seus dedos se contorcerem sob a perturbação do manto.
Sentiu seus olhos se abrirem e enxergarem o rastro da monte diante das companheiras.
Sentiu seus cabelos se agitarem, prenunciando algo decididamente trágico.
Porém percebeu, quando olhou para a superfície do mar, que as companheiras haviam decidido recuar. Não ir atrás de Ophelia, de imediato, e sim ir atrás dela. Teria que aparecer logo, acolhê-las com conforto da cansativa viagem e, juntas, decidirem o que teriam que fazer. Se uniriam às Campinas. Se atacariam logo. O que fariam?

Moveu seus pés num impulso, sem pensar muito. Toda a energia que tinha dentro de si saía suavemente, se dispersando no oceano, e as partículas que se esvaiam de seu corpo se uniam assim que alcançassem a superfície. Tudo para ir mais rápido, inclusive se desfazer em milhões e milhões de moléculas e uni-las para que se inteirasse.

Quando sentiu a cabeça se formar no ar, foi como se tivesse levado um choque. Como se a luz do sol lhe ferisse, como se o simples oxigênio lhe perfurasse a face, como se só sentir a suave brisa fosse o suficiente para ela explodir. Nunca sentira o rosto ficar tão gelado. Catherine, Catherine - era difícil lembrar o próprio nome - nadou pelo oceano, procurando terra. Achou-a rapidamente, principalmente quando forçou a si mesma aumentar o tamanho do corpo. Aos olhos de alguns tripulantes em um navio, ela seria como uma gigantesca sombra a se mover sob a água. Maior do que qualquer baleia ou tubarão, mais letal do que qualquer polvo gigante, mais deslumbrante do que qualquer dragão marítimo. Era só uma das Musas, considerada Deusa pelas tribos que não sabiam muito sobre os poderes feéricos.

A terra estava úmida e perigosa. Toda aquela floresta sob o reino das fadas era perigosa, quase fatal e encantadora. Inspirava mistérios, e muitos poucos se atreviam a entrar dentro dela. Catherine sabia que aquela floresta fora o reino das fadas, antes de elas se erguerem aos céus, como se fossem divindades. E naquela floresta ficaram seres que não concordaram com o novo reino das fadas, que discordavam do novo modo de viver, e lá ficaram os seres que se tornaram mais bestiais, perigosos e poderosos com o passar do ano. Ou não. Catherine entrara poucas vezes demais em sua quase eternidade para saber disso.

Ergueu os olhos, tentando arrumar uma maneira de enviar uma mensagem às companheiras sem agitar muito a consciência de Ophelia.
Não precisava de tanta coisa assim.

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Arfar.
Sussurrar.
Era como um pouco de poder se derramando entre suas mãos, quase como água. As sombras se mexiam revoltadas, porém seus gritos já não acordavam mais Ophelia que se sentia cada vez mais a dona, a senhora, a rainha das trevas. Faltava-lhe os outros poderes, e desejava todos eles, mas por ora eles lhe iriam bastar. Tremia, tremia de desejo e medo, mas há muito ela era rainha e rainhas não poderiam chorar ou se lamentar.

Levantou-se, gritou. Estava meio tonta, como se estivesse mergulhando em trevas geladas.
- Ophelia? - era a voz de Lala, distante demais.
A rainha fechou os olhos, tentando um pouco de razão.
Razão que não iria vir, não para quem a recusava com todas as forças.
- Lala, preciso de um bom banho - Ophelia disse tentando firmar a voz insegura - arrume isso para mim.
Lala fez isso rapidamente, com apenas gestos e palavras, chamando os Glombs que arrumaram o banheiro, encheram a banheira com água cristalina e ervas açucaradas, e ajeitaram as toalhas, sabonetes e óleos. Quando se afastaram, Lala ajudou Ophelia a tirar a roupa e mergulhar na banheira. O estado da rainha era como uma sonolência absurda, e ela mesma se sentia como se não conseguisse mais distinguir a realidade e ficção.

Lala viu a rainha, a sua rainha mergulhar na banheira, experimentando toda aquela água em volta do seu corpo nu e respirar profundamente. Pensou, com certa tristeza, que se apegara a essa mulher em corpo de quase-menina, que passara a amar suas crises de egocentrismo, suas declarações de doçura, sua insanidade e toda aquela atmosfera irreal que inspirava a relação entre as duas. Era como uma ridícula síndrome de Estocolmo, e Lala não conseguia entender todos esses sentimentos. A água estava quente, e isso era bom - Ophelia não gostava de tomar banho em águas frias, e desde que começara a viver no castelo, tinha verdadeiros chiliques quando algo saía do seu gosto pessoal.

Ophelia nadou um pouco na extensa banheira que era quase como uma piscina, sentindo todo aquele entorpecimento se esvair de seu corpo como cansaço. Também não sentia mais tanto frio, e ficava feliz com isso. Seus olhos se abriram debaixo d'água e não arderam, sentiu seu coração bater e contou cada batida. Sentia cada fibra de poder, cada molécula de magia que se movia em suas veias, artérias e ossos. Era como se fosse explodir, e tudo passou a doer intensamente.
Passou as mãos pelos cabelos, sentindo-se preocupada e dolorida, mas ainda assim melhor. Qualquer coisa era melhor do aquele estado de semi-sonolência, prestes a cair devorada pelas sombras. Tinha de ser a rainha, jamais a escrava. Sentiu seus pés roçarem nas trevas que governava agora, e percebeu - muito lentamente - que a partir do momento que você governa algo, esse algo se torna físico para você. Assim como Elyon podia mexer e torturar as sombras, Ophelia poderia ser tocada, abraçada e sufocada por elas, como se elas fossem feitas de matéria.

Contorceu as mãos, pressionada.

A sua ânsia pelo poder nunca passava, sua fome nunca parava, vício que perdura, que insiste, que ameaça. Não sentia culpa, nem remorso, só o mais profundo prazer em ter tanto, tanto poder, nem lamentava as vidas que extinguira com suas alianças, nem pensava sobre o que estava fazendo, destruindo todo um país. Queria mais, e a oposição lhe fazia imaginar coisas...

Se pegasse Umrae, só ela... já faria metade do trabalho. Umrae estava dando conta de tudo, e mais do que isso: as pessoas se sentiam seguras com ela por perto. Era como se ela fosse a figura séria que realizava o trabalho corretamente e as pessoas dependiam de Umrae para que se sentissem confortáveis e esperançosos. Lembrou dos olhos dourados e firmes. Não iriam ceder facilmente aos seus encantos, não iriam se submeter a sua autoridade. Ela poderia ser mais irritante do que Kibii, inclusive... lembrou com ódio da indiferença de Kibii ao seu tratamento. Isso não vai acontecer, concluiu e foi montando a artimanha. Com cuidado, teceu seus planos debaixo d'água.

Quando já estava praticamente com tudo na cabeça, narrou-os a Lala que ouvia atentamente, sem deixar escapar um detalhe. A ruiva organizou as etapas mentalmente, e calculou muitos possíveis erros. Mas não iria contrariar, nem discordar. Só iria apoiar Ophelia no que fizesse, e deixaria rolar para ver o que acontecia.

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O dia começou um pouco abafado, mas tudo bem.
Todos seguiram a rotina habitual, sem muitas discrepâncias. Raveneh dava de mamar a sua filha e cuidava da comida, Thá ajudava Nath a cuidar dos feridos na enfermaria, Rafitcha preocupava-se em descansar o máximo possível (que significava, geralmente, em mandar Erevan ajudar a limpar o banheiro ou algo do gênero) e Umrae traçando mapas bem detalhados com estratégias elaboradas. Ela não tinha muita paciência, e se fosse interrogada sobre qualquer assunto banal, sua resposta era invarialmente um resmungo inaudível. Vivia numa saleta, perto da de estar, rodeada de mapas, estratégias e livros sobre magias que poderiam ser usadas. Às vezes ficava em seu laboratório, com todos aqueles venenos e se distraía ao polir armas e elaborar potentes soníferos.

Erevan estava lavando toda a louça do café da manhã quando Nath apareceu na cozinha, preocupada, pedindo por um pão - tinha acordado quatro da manhã para cuidar de uma Giovanna lamentosa, e a febre só aumentara nas horas seguintes. Recostou-se na parede, comendo o pão, e começou a conversar com Erevan sobre coisas banais.
- Como é Grillindor? - perguntou.
E Erevan respondia com delicadeza.
- Você acha que a guerra vai demorar muito? - Nath perguntou quando o pão estava no fim. Erevan teve que parar um pouco para responder - suas lembranças foram parar em Heppaceneoh em chamas.
- Não - respondeu - Ophelia é impulsiva, ao que tudo indica. E Umrae é eficiente.
- Queria ter as suas esperanças - Nath conclui comendo o último pedaço - essas guerras deixam marcas demais. Quanto menos tempo ela durar, melhor...
E saiu da cozinha.

Das dez da manhã até as três da tarde, Thá se responsabilizou pelos dois feridos gravemente, pela Kibii que ainda estava em observação juntamente com Rafitcha. Quase enlouquecia, correndo pra lá e pra cá, tendo que lembrar de todos os remédios: o unguento que tinha que passar de hora em hora na perna de Toronto, o gel natureba que passava nas queimaduras de Giovanna a cada três horas, além de verificar a situação de Kibii e Rafitcha. Ao menos Rafitcha tinha Erevan a observá-la e Kibii estava quase boa, o que ajudava muito. Nath estava no bosque, acompanhada de Bia, coletando ervas necessárias para a tal Técnica de Deneve. Thá não sabia nada sobre essa técnica, porém Nath lhe deixara um livro com vários procedimentos técnicos de um conhecimento muito avançado e ela tentava lê-lo enquanto tinha alguma folga de dez ou vinte minutos. Era algo realmente bem avançado e complicado que exigia prática e conhecimento sobre fases lunares, herbologia e alguns tipos de magia. Perguntou-se o quão Nath era versada naquele assunto.

Quando a "chefe" chegou, Thá percebeu que Nath fizera todo o serviço sozinha. Ouvira Nath falando de que tinha que ter, ao menos, duas pessoas a lhe ajudarem, mas aparentemente isso não aconteceu.
- Como devo ajudar? - perguntou Thá, e a resposta foi simples:
- Não tem ninguém aqui que possa me ajudar tanto como você, então faremos só nós duas. Saiba que vou exigir bastante e - Nath deu um sorriso seco - coma o que puder agora.
Thá saiu da enfermaria para comer um pouco de macarrão enquanto Nath organizava as ervas - canela, jasmim, artemísia, alecrim, hortelã, alfazema, arruma e uma flor muito esquisita, cujas pétalas tinham formato de coração e eram gordas e roxas, estufadas de ar. Elas as posicionou corretamente, lembrando dos ensinamentos básicos. Com as folhas, era infusões e com as sementes, era cocção. Giovanna a assistia com curiosidade, Toronto dormia - Thá lhe dera um remédio para adormecer profundamente. Melhor assim.
- Para que tudo isso? - Giovanna perguntou timidamente.
Nath preparava o chá de jasmim com folhas de alecrim. Não hesitou um segundo antes de responder:
- Para ajudar o seu colega.
E voltou a trabalhar.

Logo Thá voltou, e cinco horas da tarde, elas já haviam começado o trabalho. A enfermaria foi trancada, ninguém poderia entrar ou sair. Os remédios todos que Kibii e Rafitcha tinham que tomar foram deixados a encargo de Kitsune que era muito rigorosa com isso, e zelava pela boa saúde de todos.

O céu anoitecia vagarosamente, deixando a enfermaria na penumbra. Nath acordou Toronto delicadamente, e ele abriu os olhos, tonto, sentindo a maior dor que já sentira.
- Isso vai acabar - Nath sorriu entregando a infusão de canela - beba isso e isso tudo vai acabar.
Toronto bebeu o chá estranhamente adocicado, e o gosto em nada lembrava canela. Era como uma espécie de chocolate, algo que se derramava em sua língua e lhe deixava absurdamente tonto. Resolveu perguntar o que estavam fazendo, e Thá respondeu com toda a gentileza que lhe era possível imersa nas sombras:
- Técnica de Deneve, lembra? É para lhe ajudar - e Toronto concordou com um murmúrio, entregando a xícara vazia.

Sentiu torpemente a perna ser massageada com algum gel frio, sentiu que era chamado a beber mais coisas, coisas amargas e confusas que lhe roubavam os sentidos e embaralhavam todos os pensamentos e sonhos. Viu uma vela se acender em algum lugar, enxergou os olhos verdes de Nath a lhe fitarem com doçura e firmeza, experimentou a sensação de ter os dedos de Thá lhe acariciando os joelhos. Ouvia murmúrios frequentes que não eram nada parecidos com "passe isso aqui", e sim com mantras, quase como orações. E deixavam a cera da vela pingar em seus joelhos, e isso queimava tanto...

- Vai começar a pior parte agora - Nath disse para Thá, e a orientou a amarrar Toronto com cordas e colocar uma mordaça, o que o fez se sentir acuado e entrar em desespero. Ele debateu-se com todas as forças, derramando todo o chá de camomila que Nath preparara especialmente para acalmar Toronto. Um segundo. Dois.
O mundo se dissolveu diante dos olhos de Toronto. Eram tantos chás, tantos sabores, tantas bebidas que se derramavam em sua boca que mal conseguia distinguir um do outro, e sentiu-se entregar.
Nenhuma das pessoas presentes ali soube quanto tempo se passou.

Houve massagens, houve orações, houve cirurgias. Nath manipulou a perna de Toronto como quem brinca com um boneco, passando a agulha, arrumando o osso e selando as veias. Ajeitava a pele com poções mágicas, e sua própria pele suava de tanto medo e concentração - era como se estivesse em transe. Thá tentava diminuir a dor da cirurgia, anestesiando os sentidos, injetando compostos que faziam com que Toronto amolecesse e não resistisse tanto. Porém seus músculos endureciam o tempo todo, e seus rangidos e gemidos ecoavam por toda a enfermaria, fazendo com que Giovanna não conseguisse dormir, tendo que tampar os ouvidos, chorando, apavorada. Todo o abrigo ouvia os berros de Toronto durante a delicada cirurgia, todos se perguntavam o que acontecia.
- Não era melhor... - Raveneh começou, mas Umrae discordou com prudência:
- Nath sabe o que faz. Não se preocupe.
Toronto respirava sufocado pelo cheiro misturado de tantas ervas e misturas, e sentia dor, dor, dor, mas ao mesmo tempo uma vontade absurda de afundar de uma vez em alguma coisa. Tentou se debater, mas estava cansado demais e os braços de Thá lhe acolheram tão rapidamente que se sentia envergonhado demais em desafiar todo o cuidado que a auxiliar lhe dispensava. Nath mal o olhava, concentrada na perna ferida, seus dedos sujos de sangue, segurando agulhas e fios e lâminas. Ao ver tal cena, a própria perna toda aberta e exposta, berrou novamente - para evitar tal visão, Thá vendou os olhos com um lenço negro.

Todas as misturas e feitiços faziam com que as células trabalhassem mais rápido, e aos poucos, percebia Nath, uma nova perna se reconstruía. De uma forma deformada, meio defeituosa, e não seria igual a outra perna, é verdade. Porém era uma perna que parecia ser normal como qualquer outra, era uma perna que funcionaria. Costurou a pele e veias, ajustou o osso - e essa parte doía pra caramba. Ao fim da noite, quando já iria dar meia-noite, Toronto conseguia dormir, sem dor, nem sonhos e Giovanna ainda tremia de esperança e ansiedade. Parecia que tudo ocorrera bem. Será que ela seria submetida ao mesmo tratamento? Será que aguentaria tanto tempo? Será que haveria mesmo uma luz no fim do túnel?

Nath e Thá não tinham uma resposta. Mas tinham meios de chegar até a resposta.

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Pouco a pouco.
Experimento.
Uma cidade em chamas.
Outra cidade ardendo.
E mais adiante, há uma cidade morta. Ela foi assassinada. Integralmente assassinada.

Catherine andou pelas cidades não-sei-aonde, procurando evitar o esmagador poder de Ophelia. Seu corpo estava dolorido, seus braços, cansados.

Já saíra da floresta, e as cidades visitadas não eram muito conhecidas, nem mesmo pelo pessoal das Campinas. Envolveu-se na terra úmida e no

cheiro de morte e devastação - cada segundo era como uma respiração fantasma.
Estava andando a esmo, tentando arrumar uma maneira qualquer.
Sentia Miih.
Sentia Loveh.
Sunny era a energia mais fraca.
Louise era a mais forte.
Mas tudo ainda era confuso demais para ela conseguir se guiar. Estariam perto ou longe demais? Já estariam na cidade? Não queria desafiar Ophelia, mas já estava boa o suficiente para fugir dela se necessário.
- Foda-se - pensou - ela não pode me matar aqui.
E mandando o segredo as favas, ela correu para a cidade das fadas.

- Está vindo - foi com um sorriso que Miih deu a notícia.
Alice suspirou.
- Ela não tem paciência, não é mesmo? Tem sempre que chamar a atenção - sussurrou, ao que Sunny retrucou:
- Está com pressa. Todas nós estamos.

Estavam querendo demais pôr um fim naquilo tudo.

P.S.: sem tempo, então Feliz Natal! E a viagem foi ótima! ;*

domingo, 1 de novembro de 2009

Parte 94 - Reunindo forças.


Dias.
Noites.
Mais dias.
Mais noites.
O fim do verão sempre vinha abafado e quente, como se tivesse que se despedir com força total.

Depois de três dias e quatro noites depois da volta dos guerreiros, as crianças aceitaram comer algo. Ainda estavam caladas demais, mas sentavam-se à mesa e comiam pouco, mas comiam. Só o menino mais velho falava, e só o que ele dizia era coisa como "por favor, onde é o banheiro?" e mais nada. No máximo, apresentou-se e disse os nomes.
- Eu me chamo Lani.
- E seus irmãos? - Raveneh tinha perguntado.
- Noir - disse o Lani apontando para o garoto do meio, de uns quatro anos - Mia - era a garotinha que ao ouvir seu nome, sorriu e acenou.
E nada mais disse de relevante. Mas pelo menos todos ali sabiam que eram três irmãos, do mesmo pai e mesma mãe: Lani, Noir e Mia. E todos tinham um sobrenome: Sekai. Aquilo significava, para Kitsune, que tinham pais do oriente, porque senão de onde viria aquele sobrenome tão oriental?
Os dois irmãos, Lani e Noir, eram morenos, de traços finos e olhos meio puxados.
A garota era meio loira, de pele clara, e seus olhos eram profundamente esverdeados que se mesclavam para o mel. Era bem diferente dos irmãos, a ponto de fazer os outros pensarem que ela era filha bastarda, vindo de outro pai ou de outra mãe. Mas quando questionados, os irmãos bateram o pé e afirmaram que Mia era irmã deles, e vinha do mesmo pai e da mesma mãe.
- Eu vi ela nascer da minha mãe! - afirmou Lani com raiva - e minha mãe jamais trairia meu pai!
Ninguém disse mais nada.

Rafitcha não quis ficar na enfermaria, dizia que era um ambiente deprimente demais. E era mesmo, considerando que Giovanna ainda gemia de dor ao sentir os nervos tentando se regenerar e Toronto fazia força pra não choramingar enquanto Nath tentava salvar sua perna. E, sem ligar para as ordens de Nath que diziam "repouso absoluto" de forma muito clara, escapou para a sala de estar, onde ficava a ajudar Amai quando esta tentava limpar.
- Experimente esfregar mais ali - e indicava com o dedo indicador para o canto da parede.
Amai, frequentemente, bufafa de raiva e ia seguir as recomendações de Rafitcha.
- Olá - Erevan aparecia com seus cabelos negros revoltos - como vai?
- De mal a pior - a acidez de Rafitcha não conseguia fazer com que Erevan se irritasse.
- Ora, que isso - Erevan sentou no sofá, ao lado dela, com um sorriso no rosto - você vai ficar bem muito em breve :D
Rafitcha só resmungou.
Seus cabelos castanhos emolduravam seu rosto, ainda um pouco juvenil, e sua expressão aborrecida se tornava tão jovial e doce quando Erevan a encarava. Ela se encolheu, vermelha.
- Bem, a enfermeira me obrigou a pajear você até ficar recuperada, dizendo que você precisa de cuidados e que sou o culpado por esses cuidados prolongados - Erevan tinha nas mãos um pacote embrulhado com papel pardo. Entregou-o para Rafitcha que o pegou, cuidadosamente, e desembrulhou com curiosidade.
Era uma caixa. Retangular, a tampa era bem trabalhada e muito provavelmente feita de jacarandá, uma madeira escura e cara. Abriu a caixa, intrigada, e abriu a boca, surpresa, quando viu os vários chocolates embrulhados em papel dourado. Todos os chocolates tinham o formato de uma estrela, e quando Rafitcha mordeu o primeiro, viu que o gosto era bom, se derramando na língua, tão suave e doce.
- Obrigada - Rafitcha disse, ao que Erevan respondeu delicadamente:
- Não sei se isso pode... mas Thá me disse que seria uma boa trazer um presente aos doentes, como vocês costumam fazer. E esses chocolates... comprei-os de Pauline, e são de Grillindor.
- Obrigada - Rafitcha repetiu e comeu o segundo chocolate com espanto.
- Não espere muito de mim - Erevan exibiu seus dentes brancos em um sorriso genuíno - eu sou só um dragão, não um cavalheiro.
- Um idiota - Rafitcha comeu o quinto chocolate sem peso na consciência - que vai cuidar de mim até eu ficar boa. Sabia que hoje seria o dia que eu cuido da cozinha?
- E?
- E eu não gosto de deixar Raveneh e Thá sozinhas lá... Raveneh tem a filha, e Thá cuidar de todo o almoço é uma crueldade, não é mesmo?
Erevan, vencido, se dirigiu para à cozinha, deixando Rafitcha comendo chocolates. Sozinha.


Zidaly vestiu um vestido que lhe caía pelos joelhos, feito de algodão. O avental era xadrez, em tons de areia.
Amarrou seus cabelos em um coque desajeitado e singelo.
E ficou descalça.
Nem se reconheceu quando se encarou no espelho, de tão básica que estava. O próprio rei a recusaria, e todos os outros homens também. Ela ofegou, tentando procurar a si mesma em toda aquela produção, sem conseguir. É tudo uma armadilha, pensou e assim conseguia se tranquilizar.
Desceu da sua cabana improvisada, onde ficava -ficava do lado de fora, e não com os outros dentro do abrigo. Ela mesma recusara esse abrigo lhe oferecido, dizendo que não iria se submeter a ninguém. Estava com ódio demais na época, e se arrependera quando vira que da sua pequena cabana, podia ver os demônios a lhe rodearem e os mosquitos a lhe picarem. Mas não queria voltar atrás, por orgulho.
- Olá - Zidaly desceu no abrigo, arrumando um pretexto qualquer - olá.
- Você é? - era Rafitcha, mas Zidaly não conhecia muito bem as pessoas. Só Umrae, e só porque ouvira Bel conversar com ela. E também porque era muito fácil identificar um par de olhos dourados e quase felinos, muito penetrantes.
- Zidaly - apresentou-se - sou do exército de Bel.
- Não parece ser uma guerreira - Rafitcha resmungou - ouvi falar de você. Sabe que Doceh a odeia?
- Imagino que sim - Zidaly teve que ignorar seus pensamentos que diziam algo como "Doceh deve ser uma vaca invejosa".
Zidaly ficou em pé ao lado de Rafitcha, observando Amai trabalhar silenciosamente na limpeza da sala.
- Sente - Rafitcha disse, quase em tom de crítica - eu fico incomodada com pessoas que estão em pé.
- Tudo bem - Zidaly sentou-se ao lado de Rafitcha, tentando imaginar como moveria a próxima peça. Movera um peão, agora seria outro? Ou deveria ser mais decisiva? Tinha que conseguir o amor das Campinas para dar o bote final...

As pessoas diriam que ela era estupidamente infantil e tudo o mais. Mas ela não tinha nada com que se preocupar: estava longe da guerra, dos seus amantes, dos seus prazeres e de suas obrigações que gostava de fazer. Só estava perto de Crazy, e essa era a única maneira de chegar aos braços dele, outra vez. Seduzir a todos. Seduzir a ele.
E vingar-se de toda pilhéria feita.

- Você veio pra quê, exatamente?
Essa morena parecia ser esperta. Tomar cuidado, anotou mentalmente.
- Falar com a Comandante - Zidaly respondeu respeitosamente - ela está por aqui, certo?
- Na enfermaria - Rafitcha franziu as sobrancelhas com suspeita - vá lá.
Zidaly pediu licença e se afastou, entrando na ala hospitalar. Não sabia bem onde era, mas não era difícil se guiar pelo cheiro de remédios e repreensões frequentes.
Bel estava falando em voz alta com alguém que dava uma espécie de relatório médico.
- Vou tentar a Técnica de Deneve - a voz prosseguia - espero que isso resulte em algo, mas se eu não conseguir... bem, eu não sei mais o que fazer. Ele realmente foi atingido e imensamente prejudicado, e... - a voz hesitou - é isso, Bel.
- Entendo - Bel disse. Parecia profundamente abalada - o que precisa para essa Técnica de Denuve?
- Deneve - corrigiu Nath apressadamente - preciso de um lugar mais fresco, total concentração. Eu mesma recolherei os princípios ativos, e também de outra assistente que não seja Thá. Não se preocupe, eu cuidarei de tudo. Hoje é lua nova, não é? Último dia...
- Sim - Bel disse - amanhã se inicia, realmente, o fim do verão. Os últimos dias.
- Isso é bom - Nath murmurou - bem, Bel, parece que alguém quer entrar na enfermaria. Por favor?
Zidaly ficou espantada.
E, sinceramente envergonhada, entrou na enfermaria parecendo cabisbaixa.
- Zidaly - Bel disse pronunciando tudo com o máximo de veneno que pôde.
- Comandante - Zidaly murmurou, tentando parecer o mais humilhada possível - boa tarde, Comandante.
- Vamos para fora - Bel murmurou - não vamos incomodar os doentes com sua voz.
Zidaly não retrucou ferozmente como era seu costume. Sequer moveu um músculo facial para expressar seu desagrado.
Quando já estavam fora da enfermaria, Bel fechou a porta educadamente e se virou para Zidaly, seu queixo erguido para frente numa postura agressiva. Seus cabelos estavam soltos, e isso lhe tirava um pouco do ar ameaçador, mas Bel não precisava mudar algo em sua aparência para ter uma certa postura. Sabia que bastava por si só causar medo e raiva em Zidaly, e causava até mesmo se estivesse acabando de acordar, enfiada na camisa de algodão mais esfarrapada e furada que tivesse.
- Eu... - Zidaly ofegou, tentando medir bem as palavras que diria - eu peço uma trégua, Comandante.
Bel franziu as sobrancelhas.
- Você está pedindo por uma trégua? Você?
- Sim - Zidaly disse - exatamente.
- Está bem - Bel não queria ter que pensar na maldita agora - que seja.
- Que fiquemos caladas, então? Uma a respeito da outra?
Bel não entendia muito bem, e imaginava que Zidaly estivesse armando alguma. Mas com que disposição ela iria tentar investigar isso, quando tinha tanta coisa importante pedindo por sua atenção como Toronto e Giovanna?
- Ok - e se afastou rapidamente dali.
Bel não sabia, mas só com o 'ok', ela havia determinado que Zidaly teria liberdade: de ir e voltar do abrigo, de sorrir e falar com os outros e direito à voz. E ao declarar trégua, declarava também pelos seus guerreiros, inclusive Crazy.

Mas agora o momento não era de se preocupar com os guerreiros de Grillindor, e sim com os de Campinas. Eles iriam adotá-la, adorá-la e adoçá-la para Crazy. E aí ela daria o bote em quem queria dar, e se afastaria dali.

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A decisão foi bem complicada, mas no final das contas foi a mais óbvia e fácil que fizera na vida.
Simplesmente não havia outra opção; seria como decidir por se matar no fogo quando você podia viver mais algumas horas ao lado de alguém que lhe fazia sorrir. Mesmo que o final fosse destrutivo para as duas, Lala sentia que seria melhor ficar ali até o final, ajudar Ophelia e morrer com a honra de uma guerreira, ainda que do lado errado.

Ophelia estava muito melhor, e enquanto ela se recuperava do choque de enfrentar alguém e sair tão ferida, Lala tentava cuidar do castelo. Estava tudo uma imundície, tudo largado aos Glombs que odiavam a Majestade e mal trabalhavam, e muitos fugiam com a falta de vigilância. A única coisa que fazia com que aquele palácio não ficasse sem criado era só o medo dos demônios que viviam lá fora e dos quais ninguém conseguia se defender. Por isso, Lala tinha que se certificar de que o mundo ficasse ainda mais perigoso para não correr o risco de um dia acordar e perceber que não havia nenhuma alma naquele castelo.

Naqueles poucos dias, ela chamou os poucos demônios que havia em volta do castelo e negociou.
- Chame os mais perigosos que tem pela cidade - ela havia dito - e diga para que eles fiquem em volta daqui.
- Pra quê? - um dos seres indagou - a Rainha pouca liga para nós. Só estamos aqui porque não temos lugar pra ir. Mas Ophelia não é mais nossa líder.
- Mas não falo por Ophelia - Lala murmurou - ela só estava com raiva no dia. Mas ela ajudará os demônios, e será a sua rainha.
- Como? - o demônio retrucou, desconfiado - ela não salvou aqueles que estavam em Heppaceneoh.
- Ela tentou - Lala mentiu - mas as Campinas montaram uma barreira mágica que faz com que ninguém possa entrar, nem mesmo Ophelia. E ela foi atacada por alguém muito bom.
- Se ela é tão fraca assim, como pode ser a nossa líder? - foi a réplica que ouviu.
Lala tentou respirar fundo e ser paciente, como podiam aqueles seres saberem algo dos poderes de Ophelia?
- Ela não é fraca. O feitiço usado que foi muito poderoso e... - Lala deu um sorriso torto, como se quisesse desafiar - Ophelia pode perder pra alguns seres, mas decididamente ela é mais forte do que todos vocês juntos.
Os demônios se calaram, sem dizer palavra. Sentiam a verdade nas palavras de Lala, e demonstravam arrepios ao lembrarem de como Ophelia os convocara: às vezes com a palavra, e às vezes com a força.
Era perigoso demais.
- Está bem - disse um dos monstros - nossa lealdade voltará a ser de Ophelia. O que precisamos fazer?
E a ruiva falava.

O céu se escureceu, abrindo espaço para o silêncio.
Ophelia até sentiu cinco formas de magia se mexerem até onde podia sentir, mas não quis se dar ao trabalho de identificar. Estava muito agitada, tentando aprimorar seus poderes novos. Descobriu que podia pegar as sombras e uni-las completamente e lançá-las contra alguém. E se estivesse muito concentrada, e se movesse as mãos de um certo jeito, as sombras iriam se tornar fantasmas, quase que sair das paredes e chãos, e surgirem como espíritos: sem matéria, sem corpo, somente uma neblina escura.
Tudo isso lhe cansava muito, ainda mais quando ela tentava unir as sombras à própria personalidade, assim como os braços 'esticáveis' sempre foram parte dela mesmo. Ofegava, e não queria comer nem dormir, de tão excitada que estava com a descoberta dos poderes. Era como um transe, era como uma sensação que lhe percorria o corpo.
Era como se ela pudesse fazer tudo, e nada, nada estava fora de seu alcance.
Sentia que se quisesse, ela podia pegar a lua e colocá-la em seu quarto, só para ela.
Respirava fundo, e sorria.
Seus cabelos desarrumados estavam mais compridos, e aparecia traços de cansaço em seu rosto, marcas de feitiços que custavam muito da alma.
Estava quase nua, havia marcas de poder que lhe rasgava as roupas, a pele, a carne e chegava a ferir tão profundamente!
- Majestade - Lala entrou no quarto sem pedir licença, não precisava mais - Majestade.
- Não me chame de Majestade, não é mais minha criada - Ophelia se incomodou, aceitando a ajuda de Lala quando esta se aproximou, e começou a arrumar a cama.
- Está bem - Lala sussurrou - está na hora de seu banho - e se controlou pra não repetir 'Majestade'.
Ophelia aceitou os agrados de Lala que lhe pegava pelos braços, tentando fazer com que a rainha não tivesse nenhum acesso de loucura. Quando Lala tinha paciência, ela era muito talentosa para que Ophelia não ferisse ninguém.
Ophelia tomou o banho, enquanto Lala vigiava a porta do banheiro.

A cada dia que passava, tinha que tomar um cuidado absurdo e redobrado: Alicia estava sempre, apressada, porque tinha recebido o encargo de cuidar do castelo. E ela podia planejar algo como uma fuga seguida de um assassinato. Ainda que Ophelia fosse a toda-poderosa, Lala temia pela sua segurança quando a rainha não era capaz de pensar direito.

Seus olhos tremeram de sono.

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- Chegamos - foi a declaração de Miih.
Foram rápidas, até se arriscaram bastante a serem descobertas.
E a cidade, a capital das fadas, se estendia diante delas com toda a sua imponência quebrada, como alguém gritando por socorro enquanto é humilhado e abatido. Destroços, pedaços de vidas inteiras pelo chão.
Os anjos duma praça lá tinham sido espatifados.
Gotas de sangue em toda parte.
Sombras ameaçadoras e rebeldes nos cantos.
E até mesmo o céu ganhava contornos de terror naquele cenário.
- Miih - Sunny ofegou, quase perdendo o controle - Miih...
- Fique calma - Miih sussurrou, mas ela também estava tão nervosa: aquele cenário era simplesmente assustador, e ainda havia o poder de Ophelia que ela estendera para todo o canto. Não havia uma única criatura por ali que não pudesse sentir a vigilância da rainha, e toda sua crueldade.
Maldade era o cheiro da capital das fadas.
- Ok - Sunny sorriu - veja só, dá até para sentir quando Ophelia estiver furiosa daqui...
Seu sorriso era tremido.
- Temos que procurar Catherine antes de agir - lembrou Loveh - ela deve estar por aqui, a nossa espera.
- Espero que esse tempo tenha sido o suficiente para ela se recuperar - murmurou Louise - aquilo que ela fez deve cansar tanto...
- Acho que foi - Sunny disse, tentando ficar entusiasmada - ela deve estar bem.
Ninguém disse mais nada. Não se conseguia sentir Catherine daí, mas ela podia estar ocultando seus poderes para fugir de Ophelia. E ela podia nem estar por ali, e sim no mar onde recuperava suas forças de forma integral.
As cinco prenderam a respiração por um segundo: parecia-lhes que sentira algo se mover sob aquele manto de poder tão 'opheliano'.
Era só um demônio meio tonto.
Uma mínima perturbação, que mal seria sentida se as Musas não fossem tão talentosas para isso.

- Vamos procurar Catherine - disse Alice, cuidadosamente - e aí executaremos Ophelia.
- E se morrermos? - perguntou Louise quase se afligindo.
- Isso é o de menos - Sunny passou as mãos pelos cabelos loiros - o importante aqui é matar Ophelia. Depois a gente se preocupa conosco.


Weeee, cap 94 *-*
Rattinha, eu também nem imaginava que Ophelia libertaria Lala, mas quando comecei a escrever, isso me soou tão, mas tão natural, tão normal como se fosse óbvio *-*
Umrae, caraaaamba, que história, hein O.O
Essas moonblades me parecem tão exigentes, dizimando os atrevidos. Prender a alma de uma pessoa à uma espada me soa surreal, mas como adoro coisas surreais. E foi bom ter dito mais a respeito de Faërun, sua organização, sua corrupção, etc. 'Moonblade' significa, literalmente, espada da lua, certo? Essa tradução tem algo a ver, ou estou viajando na maionese?

Hmmm, eu PASSEI no negócio da Olimpiada! Isso quer dizer: eu.vou.viajar.pra.Campinas-SP *-* Só vou ter um dia de 'folgaa', mas quem se importa? É uma viagem (:

;*

sábado, 24 de outubro de 2009

Parte 93 - Constatações.

Ophelia estava deitada na cama real, sendo cuidada pelos criados Glombs, medrosos e revoltados, com uma rainha tão exigente, desorganizada e louca. Sua respiração era difícil, como se buscasse por mais e mais ar. E tremia, várias vezes, deixando Lala preocupada. Pela primeira vez tivera realmente Ophelia nas mãos, sob seu poder.
"Mate-na!" gritara Alicia quando percebeu o estado de Ophelia, o quão frágil estava naquele momento.
E Lala se recusou. Era o certo a fazer, sabia disso, mas passar tanto tempo auxiliando uma pessoa e depois a matar era simplesmente traição, e Lala abominava traições. Ela, e toda sua família de guerreiros por gerações passadas. Se ela chegasse em casa e contasse quantas pessoas ajudou a matar seria terrível para sua família. Porém se chegasse em casa e contasse que traiu seu senhor ou um amigo, iria ser deserdada e humilhada só por isso. Ophelia podia ser uma senhora geniosa e terrível, de ares tresloucados, mas ainda era sua senhora e sua amiga, e contava com Lala para se manter sã. Se Lala abandonasse isso, seria traidora.
Alicia gemia de ódio, e se recusou a cuidar de Ophelia.
- Que os Glombs cuidem disso! - ela havia gritado - ela matou minha rainha, ela matou o consorte da rainha! Ela matou tudo que eu amava!
Lala se perguntou se Alicia, por acaso, tivera sua família assassinada por Ophelia, mas imaginou que provavelmente tudo o que Alicia era amava era zelo ao poder e organização, e de fato, Ophelia acabara com isso, deturpando tudo o que havia de organizado, límpido, racional naquele estranho mundo feito de nuvens e ventos.

Agora Lala se certificara de vigiar Ophelia vinte e quatro horas por dia, e até montara uma cama ao lado da de Ophelia, para que ninguém se atrevesse a matar Ophelia durante o repouso. Assim como Alicia tivera sua rainha e era leal até a morte, Lala também tinha a sua rainha e também era leal. Eram somente rainhas diferentes, e rivais. Mas uma perecera, e restara sua serva, ficando em desvantagem.
- Ah, Ophelia, Ophelia!
Ainda doía pelo corpo, foi quase um sacrifício trazer Ophelia de volta para o palácio: tivera que usar uma boa dose de encantos infantis que nunca usara direito para se mover com facilidade, e ajudou muito o fato de Ophelia ter permanecido consciente durante o caminho. Lala teve a impressão de que o caminho se facilitava ao redor delas.
Mas no palácio ansiava por descanso, chegara a admitir isso.
E agora, em pleno almoço, ela dormia a sono solto, enquanto Lala ficava acordada, ansiosa. Tinha pensado nos supostos planos de estratégia que Ophelia teria. Seria algo muito perverso? Simples? E não parava de pensar em como poderia vencer Campinas. Ao mesmo tempo não queria que a rainha vencesse, odiaria a idéia de ver um mundo em que não houvesse ninguém se opondo a Ophelia. Era leal, sim. Mas isso não significava que tinha que gostar do caos, destruição e tanto desleixo, só pelo poder. Se não fosse a Lala, aquele palácio tinha virado um pandemônio maior do que já era, e nem haveria criados para cuidar de Ophelia.
Ela depende tanto de mim, Lala encarou a rainha com curiosidade, e mesmo assim poderia facilmente acabar comigo, largar de mim... ela não é criatura a se viver aqui, numa cidade, e sim nas florestas como as antigas fadas faziam...
Desde que as fadas deixaram de ser criaturas de campo, o mundo mudara tanto! As cidades eram como artifícios que as fadas usavam para viverem como humanos, e os campos e árvores eram como coisas estranhas e belas, que deviam ser mantidas porque eram o lar dos ancestrais. Decerto, pensou Lala, as Musas e Ophelia nasceram nessa época, quando as fadas ainda eram seres que conheciam bem a natureza, porque eram parte dela. Elas não entendiam o poder 'civilizado', as construções, tanto gosto por organizar tudo em A, B e C.
Ophelia era exemplo vivo disso.

Eram as últimas remanescentes, e depois delas, não havia mais uma única fada com poder comparável ao delas.
Seria o fim? imaginou da soberania das fadas sobre essa região?
E os olhos oscilaram de cansaço e sono, mas manteve-se acordada.

Sua senhora dormia, e ainda estava fraca, talvez, pra se defender sozinha.
Ela tinha que ser guardada como uma jóia. Não fazia mais que sua obrigação.

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E o dia se arrastava preguiçosamente.
Agora que ninguém mais estava realmente ansioso por coisa alguma, e agora que tantos demônios tinham sido mortos e Heppaceneoh estava praticamente tóxica para qualquer vida, a vida chegava a ser um pouco mais feliz. E mesmo quando Rafitcha usava de sua língua ferina, ela fazia com um pouco mais de humor (mínimo, a dor nos pés não lhe permitia ser suficientemente bem-humorada) e as pessoas terem mudado o tratamento em relação ao sarcasmo da amiga ajudou: elas recebiam todas as ironias, agora, com outras ironias em resposta e um sorriso no rosto. E tudo ficava bem.

E veio o dia, tardezinha, noitinha, noite. Quase madrugada.
Raveneh dava de mamar à May, a que chamava de "sol do meu dia" carinhosamente, e Johnny gostava de passar algum tempo com ambas, esposa e filha. Ele ficava contando histórias para a criança, falando sobre dragões bons e princesas resgatadas. Raveneh estava com medo de dormir: cada vez mais, quando dormia, tinha pesadelos. Alguns tinham sangue no meio, e gritos. Mas a grande maioria era como se ela sentisse dor, crescente e aguda, alojada em alguma parte do corpo. Ou então era como se afogar tranquilamente, e de repente, perceber que estava morrendo e começar a se debater, e dessa vez realmente morrer...
E sempre, sempre terminava com a voz: você poderia ajudar Umrae e os outros se me deixasse entrar...
Não. Não. Não.
Geralmente a noite terminava com uma Raveneh chorosa nos braços do marido, que a aconselhava a relaxar. Catherine não iria agir, enquanto Raveneh não permitisse. E ela nunca iria permitir, certo?
Mas é tão tentador... dizia Raveneh para si mesma, tão tentador simplesmente se entregar a essa outra pessoa e esquecer de tudo. Das dores, do sofrimento, das perdas e derrotas. E essa outra pessoa tem poder para que possa se aliar ao exército de Umrae... mas ter outra pessoa dentro de si na qual não tinha o mínimo controle era apavorante.

Tinha medo todos os dias.

Fer descansava na rocha, conversando com Ratta. Seu ar de mocidade aliado com sua técnica assassina fazia com que Ratta lhe fizesse perguntas, assim como recebia questionações sobre o cabelo laranja ("é realmente natural?"), orelhas de gato ("você é realmente humana?") e o rabo de gato ("meldelz, nunca vi uma pessoa assim!"). Ratta tinha bom humor, o que agradava Fer: às vezes ela tinha impressão de que ninguém em Campinas tinha muita paciência com uma garota de dezesseis anos. Umrae era bem-humorada, mas também era muito séria, e sua face de mulher sábia e tranquila, e também muito decidida, fazia com que Fer nunca realmente tirasse as dúvidas com ela... Umrae lhe parecia uma professora que pode ser muito legal, mas por via das dúvidas, melhor não se aproximar. Maria era a mesma história. Rafitcha tinha eterna paciência com a Fer, mas ela ultimamente vivia estressada, e Fer não podia culpá-la: cuidar da casa pode ser muito mais estressante do que se jogar na guerra. Kibii também chegava a ser doce com ela, quando lhe ensinava o melhor modo de aprimorar suas técnicas, porém ela também vivia pensando nos seus problemas, e não chegava a contar sobre eles.

De qualquer forma, Fer se sentia meio criança entre tantas mulheres adultas, maduras e responsáveis. Raveneh era a que mais pensava como criança ali, mas era só parte de sua personalidade doce, amável e educada. Raveneh nunca conseguiria passar superioridade a alguém, de tão simples que era. E Amai não valia: a menina só vivia nos livros, e com a pouca idade que tinha, mais parecia ser ansiosa demais para crescer, virar mulher de uma vez.

Ratta podia ser mais velha que Fer, mas tinha aquela dose juvenil e descontraída. E muitas conversas.
- Quanto tempo demora para treinar um dragão?
Ratta pensou um pouco antes de responder.
- Um dragão, dragão tipo Erevan ou Keishara é imortal, então pode levar o tempo que quiser. Não sei bem, eles nunca me contaram como é o treinamento. Mas um dragão mestiço vive por cerca de, hm... duzentos... não, trezentos anos. Acho que três séculos é uma idade em que muitos mestiços morrem. E treinamento, bem... acho que uns setenta, oitenta anos.
- Muito tempo - Fer se surpreendeu.
- Nem tanto - Ratta disse com um sorriso dócil - três séculos não são nada para Gerogie. Eles vivem pouco. Nós é que vivemos muito, muito pouco. Um humano mal chega a cem anos, com alguma sorte!
- Aqui - disse Fer - os humanos morrem com 150 anos... mais ou menos por aí.
- Sério? - Ratta que pareceu se surpreender - então as Campinas enfeitiçam até mesmo os mortais comuns por aqui. Vivem tanto como as fadas, então.
- Sim - Fer olhou para o céu. Estava azul, com o sol reluzente. Porém com um véu sobre tudo, como sombras mais pronunciadas, mais escuras e mais longas a se arrastarem sobre Campinas - como Raveneh. Ela é uma fada.
- Interessante... ela não me parece uma fada, mas conheço pouco - Ratta sorriu - mas entendo. Eu não pareço ser realmente um ser humano, normal.
- Um ser humano com cauda de gato não é normal - Fer atalhou, e Ratta concordou, rindo.
As duas conversavam sobre amenidades do dia-a-dia, famílias e coisas profundas, como pensamentos em relação a guerra, amor, medo e morte. Fer chegou a contar algo sobre seu passado, meio acuada. Ela nunca contava nada sobre si própria pra ninguém. Desde que teve o seu pai de criação assassinado, desde que ela virara uma assassina, nunca, nunca realmente falara sobre a vida dela pré-Campinas.
- Como chegou aqui? - era a pergunta de Ratta.
- Estradas - foi a resposta quase fria. Era visível que Fer lembrara de algo não muito feliz - meus pais morreram, e... bem, eu caí no mundo.
- E o que você é?
- Assassina.
Tão frio, tão inumano, tão cruel!
E ainda assim havia tanta doçura naquela palavra, e mesmo quando Fer matava pessoas, ela já o fazia com piedade e sofrimento. Ela crescia, suas certezas eram testadas e sua amargura infantil passava com os anos. Dois anos atrás não hesitaria em matar alguém se este o incomodasse minimamente. Agora? Agora sentia que ainda era cedo demais para levar toda essa vida realmente a sério.
Isso era crescer?

Doía, então.

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- Basta - disse Loveh, de repente.
As folhas se agitaram, e Alice se abaixou cuidadosamente, sem fazer um mínimo de barulho.
- Escondam-se - Loveh sussurrou, sua voz tão baixa que mal conseguiam escutar - façam todo o possível para que ninguém possa nos perceber, nem a nós, nem a nossa magia.
Miih se abaixou também, assim como Alice, e todas as outras fizeram o mesmo: se esconderam nas sombras, seja no chão ou nas copas das árvores, e não poderiam serem vistas por alguém. Reteram toda a corrente mágica o máximo possível, para que nenhum ser mágico pudesse detectá-las por ali. Era trabalhoso, e até cansativo, porém dava certo. Especialmente quando Alice ajudava os outros, escondendo todos da visão alheia.
- O que houve? - cochichou Sunny interrogativa, e foi respondida por Louise:
- Algum ser por aqui. Provavelmente um demônio.
Miih sentiu-se incomodada.
- Não importa a força dos demônios - disse, com aspereza - nós poderemos matá-las, e só precisa de uma de nós.
- Sim, mas - Sunny falou docemente - não queremos denunciar nossa posição para Ophelia... matar um demônio é assinalar que estamos perto... e não podemos deixar Ophelia desconfiar que a gente veio pra cá, para que possamos destrui-la.
- Concordo - Miih pareceu ressentida por um momento e murmurou - isso é tão cansativo...
Todas concordaram em silêncio.

Há muitos, muitos anos elas eram adoradas. Ainda eram, mas já não tem mais tanta reverência como antes. Eram tidas como deusas, entidades da natureza que abençoam e amaldiçoam campos, conforme os desejos. Viviam nos campos, sendo rainhas das florestas e recebiam tantas orações, tantos pedidos! Mesmo Louise, que nunca tivera muita paciência com humanos, sentia falta de escutar o constante murmúrio implorando por um benção sua, por uma atenção, por mínima que seja.
Agora... agora tudo morria. As Musas eram como uma lenda, e de fato assumiam essa posição: distantes, afastadas. E uma vez se perderiam em uma esfera longe dos humanos. Era como Miih e Loveh viviam... longe de tudo, sabendo das novidades somente porque sabiam. E dessa vez só voltaram ao contato com fadas e humanos por causa de Ophelia. Se ela nunca tivesse voltado... elas nunca teriam se aproximado de novo. Essa união era estranha, nunca acontecida realmente desde que Olga morrera.
Falar de Olga ainda doía.

irc!
Uma cobra passara tão veloz como um raio.
Alice recuou, sentindo o cheiro de algo estranho. Que droga, sentira algo! O que seria? Um demônio? Vulgar demais para conseguir senti-las também, elas estavam tão bem disfarçadas! Era como uma magia suave, que transcorria por todas aquelas flores e galhos e ramos, e pingava como orvalho no amanhecer. Era estranho, e era estranhamente familiar.
Não era um demônio, não tinha pessoas ali perto.
Alicia se levantou, já entendendo. Se chocava mais e mais a cada vez que entendia.
- Não - ela quase chorou, mas tinha que ser forte - não.
- O que houve? - perguntou Sunny, assustada.
Alice prendeu o choro, e só indagou:
- Sente?
Todas perceberam.

Aquela estranha magia que ela confundira com a de um demônio era de um demônio. Porém sua anatomia, sua criação e seu surgimento foram de uma fada. Era Ophelia. E toda aquela familiaridade era só porque Ophelia agira como um leão: devorara toda a essência de Elyon, difundindo a magia dela com a sua própria, lançando os feitiços para os quatro cantos e estes se arrastavam por léguas e léguas.
Até mesmo ali, ainda meio longe da capital, sentia os efeitos de uma Ophelia enfraquecida, porém ainda poderosa demais.

O que seria delas, ali, nos domínios que Ophelia demarcara como dela, assim como um cachorro urina para dizer que tal área era a sua?

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Enquanto todos estavam tão excitados, apreensivos, assustados e aliviados com a vinda dos guerreiros, a ida deles para Heppaceneoh, e a volta deles, alguns feridos, uma pessoa não ligava para isso, tamanha era sua raiva e amargura.
Zidaly cuidava das coisas pormenores como as vestes dos guerreiros, zelar pelo bom estado das camas de todo mundo e todas essas coisas pequenas e essenciais. Achava verdadeiramente humilhante que ela, uma guerreira, de posto quase tão alto como o de Crazy, tivesse que submeter a uma criatura revoltante como a Bel, que insistia em vingar-se de cada maldade de forma inteiramente pessoal. Tudo bem, ela tinha feito a cabeça do rei para que fosse na missão! Ok, ela fizera por merecer! Mas isso não justificava toda essa... maldade. Fez uma nota mental de nunca mais ofender Bel. Se ela se vingasse assim cada vez que Zidaly a ferisse, Zidaly não teria mais vida para si própria.

Estava morta de sono desde que os guerreiros voltaram de Heppaceneoh, tendo que cuidar de tudo sob a rígida supervisão de Bel, que adorava lembrar o quão humilhante estava sendo aquela missão para Zidaly.
- Sente falta do colo do rei? - Bel disse, em certo momento naquele dia - você só pediu pra vir junto, mas se esqueceu de especificar as condições! Agora, aguente, sua vagabunda!
Crazy nada via disso. Ele vivia pra lá e pra cá cuidando dos dragões, pensando em estratégias e conversando com o pessoal das Campinas para descobrir tudo sobre o território que possível, de modo que ele mal pensava em Zidaly. Nos poucos minutos que se dava ao trabalho de fazer isso, sempre imaginava que a ex-namorada estaria bem e, no fim das contas, se ela reclamava, então reclamava pra nada. Ela que fez com que o rei obrigasse todos a aceitá-la no grupo, ela quem quis vir pra cá. Agora, aguenta!

Ninguém das Campinas falava com Zidaly: ela mesma se afastava, sem querer se apresentar, e mesmo os outros percebiam como ela era ignorada e deixada de lado, de modo que faziam o mesmo. Sempre ali, escondendo seu corpo esbelto com roupas feias, amargurava a vingança irada de Bel. E em segredo tecia uma resposta.

Era atraente e manipulativa, com seus cabelos negros e voz sensual. Sua vingança não seria somente com Bel, mas também com Crazy e todos que permitiram o desprezo para com ela, todos pagariam! Ratta, pois apoiava Bel em seu ódio, Polly porque apoiava Ratta. Harumi, Toronto, Giovanna, Pauline, Ti-Yi, todos eles, malditos sejam! sempre tão superiores por serem soldados, sempre se achando os maiorais porque sobreviveram a Heppaceneoh. Eu sou vice-comandante, a segunda no comando! pensou, porém somente em assuntos como aquela cidadezinha estranha, da Terra Seca... aqui sou a escrava de Bel. E ela tinha certeza que todos saboreavam essa escravidão, abusando dos serviços. Já não bastava ouvir aquela enjoada Pauline, de voz melosa, lhe 'pedindo' pra limpar as pedras. Claro que o pedido foi pura sacanagem, mas era a primeira vez que Pauline podia dizer tudo o que pensava de Zidaly sem ser ameaçada de demissão ou cadeia.
- Como está se sentindo, Zidaly? - Pauline lhe perguntou uma vez - anda se deitando com algum homem, ou resolveu ficar em abstinência pra ver se consegue o Cra--
Foi por muito pouco que Pauline ficou inteira; pois Zidaly quase lhe metera a faca que usava para afiar na pedra - um dos objetos usados no trato com dragões. A sorte foi ter uma doce Harumi que impediu que o sangue fosse derramado.
Agora, decidia Zidaly furiosamente, Pauline pagará pela língua maldita, Harumi me pagará por ter me impedido de matar aquela vaca! E todos, todos irão pagar pelo que fazem comigo...
Perguntou-se sobre os dragões. Iria se vingar deles também?
Não... não tenho poder para isso, deixe-os em paz. Erevan, Keishara, Gerogie... não, eles testemunharão e contarão ao rei o que eu fiz... e eu não me preocuparei mais, pois não voltarei mais a Grillindor.
Era uma decisão estranha.

Era como matar.
Era como morrer.
Era como simplesmente decidir reter a vida que escorrega entre seus dedos.

Seu primeiro passo, decidiu, seria usar roupas mais comportadas ou atrairia a desconfiança das mulheres das Campinas. Seriam elas, pensou, as armas para sua vingança.

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- !
Ophelia? Ela já se recuperara?
Lala roía as unhas, esperando, esperando, esperando...
- La-
- Ophelia! - Lala exclamou quase explodindo de entusiasmo infantil. Conseguira, conseguira que sua rainha não morresse, conseguiu garantir sua vida, conseguira, conseguira... e ali estava a garota de tantos anos em um corpo juvenil sorrindo para ela tontamente, como uma criança.
- Lala - disse Ophelia. Sentia dor de cabeça, dor que latejava nas têmporas - Lala...
- Não fale, Ophelia - Lala disse prontamente, já se levantando para arrumar o jantar real, a comida, o banho, as roupas, tudo...
- Não vá - Ophelia resmungou, parecendo ser uma criança aborrecida dessa vez - não vá.
Lala sentou-se, então, na beirada da cama.
- Tudo bem... fico aqui com você.
Ophelia sorriu docemente. Não era nem a sombra da cruel e louca rainha que era.
Seus olhos castanhos se dirigiram ao corpo endurecido de Lala, que se mantinha rígida e com a coluna firmemente ereta, por mais que doesse. Pelos seus dedos trêmulos, percebera o quanto custava à amiga buscá-las por aquela região e trazê-la, e ainda mais cuidar dela para que ninguém machucasse uma rainha fraca. Reconhecido o esforço, ela não recusaria, nem seria ingrata.

Houve um tempo, refletiu suavemente, que daria a vida pela sua família. Por sua mãe morta, por sua irmã desaparecida. Se entregaria de corpo e alma por qualquer uma delas, porém não foi o que fez: resolveu vingá-las. Mas agora... mesmo a vingança era incerta demais, insegura demais, algo que só corroía mais e mais. Lala, agora, era seu porto seguro. Se tornara sua escrava por uma dívida de luta, e aos poucos... era como uma amiga, seu amparo nas suas loucuras.
Por quanto tempo perduraria toda essa busca pelo poder?
Nunca, nunca era o suficiente. Queria devorar as cidades das fadas, as Campinas, os reinos independentes, as ex-colônias, os montes nortistas, se fosse possível engolir tudo com seu poder até Faërun. Sentia que era errado, que era impossível...
Mas como não fazê-lo? Ela tinha os poderes. E não tinha escrúpulos.
- Lala - Ophelia disse - Lala... o que você acha de mim?
Lala arregalou os olhos de espanto, e quase um riso de zombaria se fez dos seus lábios. Ophelia, Ophelia perguntava algo de forma tão doce, tão infantil, tão mendiga para sua escrava? Que mundo era esse?
- Eu... - Lala tentou responder - eu não sei. Você... - sentiu que, pela primeira vez, sua sinceridade seria respeitada de forma integral - eu a acho louca, entende. Você é louca, Ophelia. Perdoe-me...
- Tudo bem - Ophelia sussurrou - tudo bem. Venha cá.
A rainha abriu os braços, indicando para que Lala se aproximasse. A escrava o fez, e colocou a cabeça sobre o colo de Ophelia, como se fossem mãe e filha. A rainha, enlouquecida, abraçando sua serva mais leal, de cabelos laranja e ar de guerreira impenetrável.
- Vai ficar tudo bem - Ophelia tentou confortar.
Lala nada disse. Ainda estava meio chocada demais com tudo isso.
- Lala - Ophelia continuou - você gosta de mim?
- Sou sua serva, Majestade - declarou Lala respeitosamente.
- Não, não quis dizer isso. Eu quero saber se você gosta de mim - e moveu Lala de forma que pudesse fitá-las nos olhos. Isso fez com que o coração de Lala, em choque, se derretesse como manteiga.
Lala assentiu, sentindo-se humilhada.
- Pois bem, confio em você - o sorriso da rainha foi tão dócil! - olhe-me - e Lala encarou a rainha nos olhos - não é mais minha escrava. Alforrio-te. É livre. Pode ir pra onde bem quiser, e não irei te perseguir. Vá.

Droga.
O último argumento que Lala tinha em permanecer junto com Ophelia se fora. Como poeira.

E começou a chorar.
- Não - Lala dizia, chocada consigo mesma, com as lágrimas, com a surpresa de constatar que não saberia viver longe, preocupada com a amiga, perguntando-se sobre ela constantemente - não, não, não...
- Não precisa ir - a rainha disse calmamente - só tem essa escolha, agora... agora é minha amiga, e te nomeio meu braço-direito... mas você pode recusar, se quiser...
- Você está louca - Lala gritou, quase odiando - você está louca! Diz que vai me alforriar, diz que... droga, Ophelia, volte a dormir. Quando acordar, isso tudo será um sonho perturbador.
Ophelia riu.

Ela até voltou a dormir.
Mas já não era mais sonho... o que quer que Lala fizesse, ali em diante, era tudo exclusivamente porque ela escolheu. Ela jamais poderia continuar a justificar as coisas com a escravidão, já que as correntes... Ophelia as retirou, de livre e espontânea vontade.

Mal podia acreditar.



Argh, quando não é minha falta de tempo, é meu desânimo. E quando eu melhoro e tenho tempo, A INTERNET CAI. Essa lei de Murphy, viu, ela age direitinho...
Enfim, eu gostei desse capítulo. Sério. Falei mais da relação entre Lala & Ophelia, de Raveneh -adoro escrever sobre ela- e Fer, e voltei com Zidaly que será importante para a trama (no âmbito social, não no 'guerreiro') e estava ficando de lado. Espero ter deixado a trama no ponto que desejo, para que eu possa desenvolver os enredos e tal, enfim, vocês entenderam :D

Umrae, poder é um amante volúvel? Uau, nunca pensei dessa forma, e é verdade. Ophelia realmente vê no poder algo que lhe dá vida, como se fosse um amante, e uma hora ela pagará por isso. Obrigada por essa pesquisa que fará pra mim, não sabe como me ajuda! (sem contar que esses dados sobre elfos serão de importância maior ainda na terceira temporada, por conta da trama que eu já tenho na cabeça).

Ratinha, a minha intenção foi essa, uahsuahsa xD Ophelia sempre acha que vence, né? Aloka ^^'
Beijos, gurias, e 1) Sim, se eu for a SP, avisarei! 2) Curitiba? Acho impossível passar por lá, por conta do tempo + dinheiro, mas assim que puder, eu vou \o/

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Parte 92 - Ainda há como rir!


O sol até veio.
Até chegava a aquecer.
Mas não era mais como antes.

Logo chegou os outros que ainda cuidavam de Heppaceneoh, e para a infelicidade geral, Giovanna e Toronto estavam gravemente feridos: uns três demônios tinham sobrevivido, e os atacado ferozmente. Foram assassinados, e o fogo varrera o que ainda havia de vida naquela cidade, e muito provavelmente, nas imediações.
- O que houve? - perguntou Erevan, chocado com a visão da Gerogie.
- Uma querida majestade chamada Ophelia - murmurou Umrae que se abaixava para abrir a porta do abrigo.
- Há algo de diferente - comentou Johnny que segurava a criança adormecida.
- Sim - concordou Fer - deve ser obra de Ophelia.
O abrigo foi aberto, e todos desceram.

Aqueles que estavam inteiros e seguiam a Bel cuidaram de guardar os semi-dragões, os que estavam feridos foram imediatamente acompanhados por uma Nath resmungona e outros foram tentar descansar um pouco.
- Johnny! - o gemido de Raveneh rompeu pela sala.
Johnny sorriu, deixando a criança deitada no sofá. Deixou-se ser apertado pela esposa, agradecendo a sei lá o quê por estar vivo. A própria sorte ou a providência divina. Se houvesse.
Amai se dirigiu ao Raven quase timidamente. Seus olhos chorosos foram tudo o que Raven precisou para abraçar a garota, como um velho amigo.

Havia naquele abrigo um ar um pouco mais feliz.

- O que aconteceu? - perguntou Raveneh quando viu Gerogie passar por ela, amparada por Bel e Umrae, tendo Nath como guia toda elétrica e agoniada para cuidar de tudo.
- Encontramos com Ophelia - sussurrou Johnny acolhendo uma May sonolenta nos braços - aquela vaca machucou Gerogie.
Raveneh sacudiu a cabeça, chocada. Nunca imaginara que alguém poderia machucar Gerogie, que parecia ser tão forte e impenetrável. Que tipo de monstro era Ophelia?

Deixaram todos os guerreiros descansarem nos sofás, narrando as experiências vividas. Era de manhãzinha, porém a iluminação era muito pouco natural - estava tudo em sombras, como já fosse noite. Kitsune acendeu velas pelo aposento para tentar melhorar, mas não adiantou muito: o abrigo continuou com um ar lugúbre e sinistro. Ao menos, pensou ela, podemos enxergar as coisas. E deixou assim.
Amai ouviu aquelas pessoas narrarem sobre Heppaceneoh e os demônios.
Rafitcha ajudou a cuidar das crianças, assim como Kitsune e Tatih. Embalaram as crianças e fizeram-na dormir.
- Estão cansadas demais - declarou Kitsune com pesar - deixe-as.
Rafitcha nem conseguia encontrar forças para dirigir sua raiva a alguém - era como se o retorno dos guerreiros, sim, guerreiros -era difícil se acostumar com essa palavra aplicada ao Johnny e Raven - lhe tivesse feito esvaziar seu ódio, como uma bola de soprar que simplesmente deixa vazar todo seu ar por um furinho feito com alfinete.

Voltaram aqueles que guardaram os dragões, e foram recebidos com igual entusiasmo.
Pediram cerveja, e logo foram servidos - a cerveja ainda tinha, e ninguém negaria cerveja às pessoas que se arriscaram em prol de outros. Embora o interesse de Grillindor não era nas Campinas, e sim para que a Grillindor se mantivesse longe de Ophelia, era difícil para o pessoal de Campinas enxergar essa relação de forma tão fria, quase inumana.
- Precisamos de um plano - murmurou Bel muito baixinho, ao que Ratta replicou:
- Sim, mas não hoje. Deixe-nos beber, esquecer e amanhã voltamos a falar disso.
- Mas não temos tempo! - Bel disse alarmada, mas Umrae disse com calma:
- Ela tem razão - apontou para os outros que contavam sobre a noite passada - ninguém vai conseguir se concentrar em estratégias hoje, estão abalados demais. Quase que Gerogie morreu, não é mesmo?
- Está bem. Amanhã - Bel disse. E foi se recolher, descansar um pouco.

A loucura mal tinha começado, realmente.
Porque antes era uma guerra.
Agora era como um jogo de quem ia massacrar quem primeiro.

Quais seriam as chances de Campinas? Ophelia apostaria em uma chance de vitória em dez mil, porém agora que conhecia o trunfo, ela sabia que podia perecer. Para vencer os dragões, e reinar absoluta em todo aquele território, ela teria que ter um poder equivalente ao de cem dragões. Cem dragões! pensou.

As sombras, riu, já estavam com ela.
Então faltava-lhe o controle de outras coisas. Outras coisas que lhe dariam a vitória.
Finalmente aquelas Musas serviriam pra algo realmente útil.

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- Alicia, - chamou Lala - eu sinto-a agora. Creio que está seguro.
- Ela não pode voltar sozinha? - disse Alicia. Estava com muita vontade de matar Lala naquele momento, e com ódio também. Porque aquela ruiva tinha que ir buscar Ophelia? Acaso a rainha não tinha as próprias pernas?
Lala ficou em pé. A dor lhe vinha como uma serpente que mordia as pernas, as plantas dos pés, as mãos com todos seus dedos, seus seios e seu abdomên. Mas resistindo a tudo isso, Lala continuou em pé e manteve a expressão séria.
- Alicia, fique aqui - disse Lala - Ophelia está fraca, não pode vir sozinha.
- Deixe-na sozinha! - Alicia gritou exasperada - deixe-na sozinha, quem sabe ela é morta por algum demônio sortudo... quem sabe nos livramos dessa maldita! Se você for salvá-la, a gente...
- Eu não vou salvá-la, vou trazê-la de volta. Se eu não fizer isso agora, ela se recuperará sozinha e virá mais tarde. E matará a mim, por eu não ter seguido.
- Jamais - Alicia discordou - ela te ama, como iria te matar?
Lala fitou Alicia e seus olhos acinzentados. Era como uma verdade mentirosa, quase fuzilante e óbvia. Não... não haveria amor entre as duas. De nenhum jeito, forma, modo. Simplesmente não havia.
- Alicia - Lala sussurrou tristemente - se ela me amasse, eu estaria alforriada há muito tempo.
Alicia não conseguiu contestar, deixando Lala sair do quarto.

Gritou de ódio depois.


Ophelia era como uma donzela agonizante.
Olhava para o céu com uma expressão inexpressiva.
E movia as mãos como se fosse a primeira vez que visse as próprias mãos.

- Ophelia - Lala disse. Estava quase zangada, se não fosse a Ophelia parecer tão confusa, inocente e ferida. Já se curara dos golpes que recebera, mas ainda parecia mortalmente cansada.
- Lala - Ophelia reconheceu a voz, mas não virou o rosto para enxergar a amiga, escrava, companheira (?)
Lala sentou-se ao lado de Ophelia, colocando a cabeça da rainha em seu colo, como fosse uma mãe. Não iria conseguir se acostumar com esse trabalho. Poderia ficar anos ao lado de Ophelia, ainda haveria momentos estranhos como esse: uma escrava acolhendo sua senhora sem rancor, sem medo. Somente ternura.

- Ophelia, Ophelia - Lala olhou para o céu e para as copas das árvores distantes - o que você fez? - viu Heppaceneoh ardendo suas últimas chamas na manhã, e a fumaça que se destacava, sombria, no sol - igualmente sombrio.
A rainha sorriu debilmente.
- Nada de mais, eu só... - deu de ombros - acho que falhei. Eu queria lançar as sombras sobre aqueles guerreiros de Campinas, sabe, fazer das sombras algo sólido e... mas não deu certo.
- Estou vendo - Lala disse compreensiva - você simplesmente enfeitiçou todo esse lugar, e agora ele está todo frio e estranho, como se houvesse sempre uma nuvem tapando o sol. E estamos no verão, e isso fica ainda mais estranho.
- Eu preciso derrotar as Campinas.
- Ophelia, não pensemos em estratégias hoje, precisa descansar.
A rainha não se deixou vencer.
- Não, tenho que pensar em algo. Já vi alguns dos truques que eles tem e... pensei em algo.
- Ophelia...
- Relaxa, vai dar tudo certo.

Lala não poderia sentir maior apreensão com aquele 'vai dar tudo certo'.

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Loveh soprou levemente por entre as folhas e flores.
- Se tornou duplamente arriscado a nossa idade - murmurou.
As outras a encararam com espanto. Como pode o risco se tornar maior?
- Não tenho certeza - Loveh mexeu os dedos, brincando com o ar - os ventos são incertos. Porém... é como se Ophelia descobrisse uma finalidade para o poder que roubou de Elyon.
- Finalmente - Miih disse - bem que achei que ela estava demorando demais para descobrir os prováveis usos dos nossos poderes.
- Miih - Sunny disse amarga - você previa isso?
- Você nem pensou nisso? - Miih perguntou - aquela maldita... ela é capaz de tudo.
- Eu ainda tenho dúvidas se conseguiremos destrui-la - declarou Louise.
Alice sacudiu a cabeça, os cabelos cheios de raminhos de árvores.
- Não - disse - mas podemos abrir caminho para que o pessoal das Campinas consiga. Se enfraquecermos Ophelia, eles poderão dar o golpe final.
- É meio humilhante abrir caminho para humanos - Louise disse - não poderia ser o contrário?
- Se você quiser estar sempre por cima na situação, que fique. Mas não acompanharei você na sua presunção - rosnou Miih perigosamente.
Ninguém mais disse coisa alguma.

A floresta tinha ouvidos demais, e cabia a Alice e Loveh cuidar para que nada sobre elas fossem passado de folha em folha.

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Todo aquele dia foi carregado de estranheza.
A cada hora que passava, as sombras caíam mais e mais sobre os móveis, o piso, o teto, as pessoas. Mais e mais velas eram acendidas, e logo já não haveria mais velas para acender.

Por volta de duas da tarde, as crianças acordaram.
Primeiro, a garotinha. E depois, quase ao mesmo tempo, os garotos.
Confusos e atordoados, intimidados pelas figuras estranhas, decidiram ficar calados. A menininha não quis brincar com Maytsuri, mesmo com Raveneh insistindo - ela achava bom que a sua filha tivesse companhia - e ela preferiu ficar com os, supostamente, irmãos.
- Deixe - aconselhou Rafitcha - estão assustados.
- Está bem - Raveneh aceitou o conselho.
De modo que as crianças ficaram no canto. Quando Kitsune tentou cuidar delas para que elas comessem, elas recusavam a comida. Quando tentaram fazer com que elas tomassem banho, elas escapavam. Os dois garotos e até mesmo a menininha pareciam perceber que tinham perdido toda aquela proteção mágica conferida a eles em Heppaceneoh, e não queriam interagir. O garoto que parecia ter dez anos era o único que falava algo, e era sempre algo do tipo:
- Não quero.
Aí vinha alguém como Raveneh, Kitsune ou Tatiih:
- Mas...
- Não - e o garoto terminava o papo assim.
Maria também tentava colocar o próprio filho para ser uma espécie de companheiro das três crianças sobreviventes, porém elas rejeitavam o "novo" amigo e Gabriel também não gostava de tentar conversar com três criaturas tão amuadas e caladas.

- Deixe - Umrae disse quando foi indagada por Kitsune se teria algo pra fazer - deixe. Elas irão sentir fome, e não poderão recusar nossa ajuda até morrer. E elas estão bem, fisicamente. Elas ficarão bem, não se preocupe. Só não deixe que as outras pessoas as assustem mais ainda.
O que Umrae estava referindo a "se assustar" era com os choros escandalosos de May, com a figura dos feridos na ala hospitalar, com a Bia limpando sua espada enorme e ferina, com a irritação de Rafitcha e a apreensão geral. De modo que Kitsune acabou sendo incumbida de uma difícil missão, mas sinceramente não se preocupava muito com isso.

As crianças ficariam bem. Tinham sido fortes até ali, por não terem sucumbido aos demônios, por terem feito com que a proteção ficasse em pé - de acordo com os relatos de Umrae, Raven e Bia, Kitsune supunha que a magia precisaria de algo para que não se esvanecesse. E precisaria de magia muito mais forte que três crianças poderiam oferecer para ser construída. Talvez, Kitsune pensava, os pais das crianças montaram essa barreira e morreram exaustos... e as crianças mantiveram tal proteção erguida por algum tempo? Mas elas se recusavam a contar sobre a magia da proteção ou qualquer coisa do tipo.

- Como estão?
A pergunta era de Umrae. A resposta viria em uma expressão desalentadora e urgente de Nath.
Kibii já conseguia andar tão suavemente e rapidamente como antes, e vivia maluca porque Nath ainda não a permitira voltar a treinar com a espada, e mesmo as flechas ainda lhe pesavam os braços. Gerogie já estava melhor no dia seguinte, sempre se recuperando quase tão rápido como Ophelia, porém ainda não se sentia bem o suficiente para se mover sem sentir ferimentos.

Quanto a Giovanna e Toronto, bem, Nath fazia tudo o que podia para salvá-lo.
Toronto estava com uma perna quase inteiramente esmagada por uma língua demoníaca, e seus braços tinham muitos cortes. Já Giovanna apresentava queimaduras de primeiro e segundo grau pelo corpo todo, só salvando a cabeça, pescoço e seios. Porém todo o resto ardera em chamas, graças a um acidente infeliz durante a luta.
- Tome isso, vai diminuir a dor - dizia Nath, enquanto lamentava intimamente de que as plantações tivessem sido tão devastadas. O efeito se alastrou até mesmo nas plantas medicinais, e havia muito pouco para que ela, Umrae e Doceh pudessem fazer os remédios. E tremeu ao pensar que logo viriam mais feridos, e muito provavelmente ela não saberia salvar a todos.

- Nath - disse Umrae - qual é o estado de Kibii?
- A maioria dos cortes já curaram. Mas, por favor, fale pra Kibii pra ela parar de tentar treinar porque é a décima vez que os pontos dela abrem e tenho que costurar novamente. Ela não me ouve, mas decerto ela te ouvirá! - e Nath voltou a cuidar de Toronto, que gemia quando tentava mover a perna esmagada. Nath estava tentando de tudo, mas ela sentia que talvez tivesse que amputar o bom soldado.
Umrae nada disse.

Observou Amai e Tatiih subirem para cima, protegidos por Doceh e Bia que serviriam de guerreiros para qualquer ataque não previsto, como era a nova política. Rafitcha também subiu, pois precisava lavar roupas. Apesar da carga ser maior do que a habitual, já que teria lavar as roupas dos feridos, cheias de sangue, recusou qualquer companhia. Dizia que queria ficar sozinha, conseguir descansar e o dia todo estava muito quente, de modo que não era problema demorar mais um pouco mais.
- Mas ir sozinha nesses tempos é perigoso - ponderou Kitsune alarmada - pelo menos leve alguém que lhe proteja.
Mas Rafitcha argumentou que se fosse alguém, então que fosse uma pessoa que se mantivesse distante o tempo todo. Como Fer estava ocupada, sendo responsável pela cozinha e limpeza do dia juntamente com Raveneh, Kitsune e Thá (esta também atarefada com a responsabilidade de auxiliar Nath), e todos os homens estavam meio ocupados também, então Kitsune aconselhou Rafitcha a lavar as roupas perto de onde os dragões ficavam, assim poderia ser ajudada pelos soldados de Grillindor caso fosse atacada, e estaria suficientemente longe para não ser perturbada por ninguém.
- Está bem - foi tudo o que disse, e com a ajuda de Johnny, levou as trouxas de roupas até a beirada do rio.
O rio era cristalino e profundo.
Não havia nenhuma sujeira nele. Nada.
- Tome cuidado, irmã - disse Johnny - fique bem.
- Vá lá.
E ele foi embora pelas árvores, deixando a irmã sozinha a lavar roupas.

Ela não se sentia incomodada. Ela nunca se incomodara em lavar roupas, a louça, cozinhar, em fazer essas coisas domésticas. Sempre fora independente, seja na escola onde crescera, seja na casa onde assumia as responsabilidades, dispensando os criados. Ela dizia que não poderia contar com a riqueza para sempre. E agora, nas Campinas, vivia melhor do que quando com os pais ou na escola, entre aquelas fadas tão insuportáveis e fúteis. Mesmo agora, na guerra, ela não trocava essa vida do que quando vivia brigando com a mãe nos verões ou pelos deveres de casa na tranquila escola.

Estava com seus amigos. Johnny estaria ali, e ela sabia que ele estava seguro enquanto tivesse Umrae, Maria e todos aqueles soldados a protegerem um cara tão alheio a disputas como Johnny. Sempre foi forte, pensava enquanto se preocupava em tirar manchas de sangue de uma blusa, sempre foi tão metido a macho, como se pudesse ser superior a mim. E ainda assim, tão delicado como uma flor. Não admirava que Raveneh o adorasse: ele era o perfeito marido, aguentando-a nos momentos de loucura e pesadelos, tendo tanto empenho em cuidar da esposa e amá-la verdadeiramente. Ele sempre foi desse tipo. Só se metia a trogodila com a irmã, só por provocação. E esses momentos de adolescência passaram.

Aqui estou eu, pensou quase amargurada.
Imaginou onde estaria suas antigas amigas dos tempos de escola. Talvez mortas na guerra. Ou escondidas nos abrigos. Donas-de-casa. Casadas. Advogadas. Professoras. Ricas. Provavelmente cada uma delas olharia para Rafitcha e diria com todo o desprezo que pudesse:
- Poderia ter tudo. Dinheiro, trabalho, mordomia e um homem. E ela dispensou tudo para vir morar aqui, no campo com todos esses caipiras. Que Deus não permita que meus filhos façam isso!
Mas nada disso lhe doía. Seus pais se doeram por causa disso na época, mas porque ficar relembrando como seria sua vida se optasse por outros modos de viver? Já fizera a escolha, já largara todas as mordomias. Só tinha consigo o sobrenome agora, porque sua herança deve ter se perdido nessa zona de guerra. E estava realmente feliz, mesmo que estivesse tão tensa e irritada com a prisão no abrigo.

E, assustada, percebeu que as águas se moviam como uma cobra a se mover por dentro delas...
Tranquilizou-se rapidamente. Estava dividindo a mesma área que os dragões mestiços ocupavam, e eles com certeza se mexiam e faziam com que a água do rio se mexesse. Isso acontecia o tempo todo, ela só não percebia. Continuou seu trabalho, um pouco mais tensa, mas ainda assim calma. Não iria parar agora por causa de uma suspeita!
De repente a roupa que lavava foi puxada por algo dentro da água.
- Ei! - ela gritou, e recuou.
Não se apavorou. Se ela gritasse bem alto, viria alguém a lhe salvar.
Da água, apareceu uma cabeça mastigando a roupa. Era como uma cobra. Com pernas. Algo mais parecido com um lagarto.
De olhos estreitos e puxados, parecendo duas fendas enormes e negras, o demônio se arrastou para a terra, aproximando-se de Rafitcha. Ela se levantou, trêmula, e recuou mais ainda.
- EI! - gritou mais alto - SOCORRO!
Será que alguém a ouviria? Ah, que tola foi de recusar alguém a lhe ajudar... ainda que Crazy estivesse ocupado, por exemplo, ele largaria suas funções para ser guarda-costas de Rafitcha, caso ela lhe pedisse... qualquer homem faria isso, qualquer mulher também!
- MONSTRO! - Rafitcha gritou, de raiva - MONSTRO! NOJENTO!
As pernas, pequenas e deformadas, se arrastaram...
E toda a roupa foi devorada, engolida e logo o demônio abriu a boca, mostrando seus minúsculos dentes, porém afiados, muito afiados. Caso mordesse uma pessoa, essa pessoa sangraria até a morte e Rafitcha tinha certeza que havia veneno naquele bafo, na língua e nos dentes, a julgar pela secreção esverdeada e nojenta que enxergava na gengiva...
Rafitcha esbarrou numa árvore, percebeu que estava quase perdida. Ainda que corresse, ele era maior e mais rápido. E ainda tinha um rabo, fino e comprido, que ele movia com rapidez e elegância. Percebera que usava o rabo para pegar algumas coisas, e assim fez para capturar uma árvore e engoli-la imediatamente.
- Não é bom - disse o demônio numa voz grasnante - mas você ser... boa.
Era só o que faltava.

Escapuliu por entre as árvores, na direção do exército de Grillindor, sentindo a língua - fina e comprida assim como o rabo - lhe tocar os pés, tentando lhe fazer tropeçar.
- Ah, pelos Deuses, meu Deus - choramingou enquanto corria - por favor, por favor...
Sentia os pés queimarem depois que a língua deixava de tocar, e corria mais ainda, com os pés formigando. E de repente, tão rápido, teve a sensação de algo se enrolando entre suas pernas e lhe puxando. Tropeçou, arranhando os braços, tentou resistir. Gritou mais, e mais, e mais. Virou-se, quase cansada de gritar, percebeu que estava sendo puxada pelo rabo.
- Maldito - disse ferozmente, se debatendo, resistindo, indo para a direção contrária. Não iria virar comida de monstro...
E tão rapidamente como quando ela tropeçou, veio alguém. Alguém que lhe ouviu.
Era do bando de Grillindor.
Estava lá, cuidando dos dragões negros por ali.
- !! - fez Rafitcha, chocada e aliviada, quando observou o demônio soltá-la, guinchando de dor, e seus olhos sangrarem como alguém a feri-los... e ela nem ao menos via o ser...
Ele se contorcia, ele guinchou, ele urrou de doer.
E por fim desabou no rio, aliviando Rafitcha do seu fardo.
- Quem? - ela sussurrou, tentando enxergar o seu benfeitor. Era alguém de cabelos negros. Alguém que veio juntamente com Bel. E não era humano, mas não conseguia lembrar muito bem do seu nome...
- Está salva? - disse Erevan suavemente.
- Sim. Obrigada - disse Rafitcha, ainda tentando lembrar o nome do cara. Era alguma coisa com 'E'. Era alguma coisa bem élfica, estranha e mística, sabia disso.
- Sou Erevan - se apresentou.
- Ah.
Rafitcha sorriu, agradecendo mentalmente ao cara por ter dito seu nome. Tentou se levantar, mas não conseguiu - caiu de volta, sentindo seus pés muitos fracos, como se fossem papel.
- Droga - ela disse, analisando os pés. Haviam sido queimados. Não o suficiente para não conseguir andar pelo resto da vida, mas o suficiente para fazer Nath se estressar e lhe recomendar um ano de repouso, só de garantia. E não poderia carregar sozinha as roupas de volta para o abrigo, e muito menos andar por aí.

Agora mesmo que Kitsune iria ficar dando uma senhora bronca por não ter querido levar alguém que lhe protegesse.
- Viu? - podia até ouvir a voz de Kitsune - veja sua sorte! E se tivesse levado alguém, provavelmente nem teria sido ferida!
Agora mesmo que vou encher o saco de Bia para me ensinar a lutar, pensou revoltada. Que culpa tinha ela se nunca foi educada para as espadas como Bia, e se não tinha dom nenhum para isso? Ela só cumpria os deveres dela como mulher das Campinas, e tinha todo o direito de cumprir esses deveres solitária, se quisesse!
- Algum problema? - Erevan perguntou.
- Nenhum - Rafitcha disse debochada - imagina se ter os pés queimados não é problema!
Erevan sorriu, e se sentou ao seu lado.
- Aquele ser lhe queimou os pés?
- Veja - Rafitcha resmungou - bem, pegue uma blusa da cesta, por favor?
Erevan caminhou até as cestas, e perguntou de qual delas retirava uma blusa?
- A primeira, a esquerda. Isso, agora traga a blusa pra cá.
Tendo a blusa nas mãos, Rafitcha rasgou. E dos pedaços rasgados, fez uma atadura em volta dos pés. Não iria adiantar grande coisa, mas pelo menos não ia sentir tanta dor ao pisar em cima dos galhos e madeira.
Tentou se levantar, e dessa vez controlou-se para que não caísse. Conseguiu caminhar até a beirada do rio, onde recolheu as roupas que foram espalhadas na confusão, e juntou tudo o que podia. E recomeçou a lavar as roupas.
- Maluca - Erevan disse - não vai voltar ao abrigo?
- Não mesmo - Rafitcha disse com uma espécie de grosseria, mas ainda se mantinha muito delicada.
- Por quê?
- Veja o céu - Rafitcha sussurrou áspera - veja só como o sol queima, arde, mas é sombrio! Agora imagina só como o abrigo tem menos luz e mais sombras! Você quer que eu passe outro dia presa lá dentro?
- Tudo bem - Erevan sorriu - então deixe-me ajudá-la.
Rafitcha desgostou. Queria realmente ficar sozinha... por mais que tivesse ficado grata com o dragão (ou homem, nem conseguia definir sua espécie), ainda assim tinha anseio por pensar, perder-se nos devaneios sobre sua vida, futuro, guerra e tudo o mais. Mas Erevan insistiu, e ela não sabia como recusar um favor de um cara que tinha acabado de salvar sua vida.

- Bem - Rafitcha disse, tentando engolir a derrota - que espécie de gente é você?
Erevan meio que sorriu. Um sorriso torto. Mas era um sorriso.
- Um dragão, ora. Assim como você é uma humana.
Rafitcha meneou a cabeça, sorrindo, e continuou a lavar a roupa. Ficara calada, mas daquele minuto em diante, sentia que até mesmo o sol sombrio lhe aquecia com um pouco mais de ternura.
Chegava a ser fascinante ter um momento de paz entre tantos de tumultos.

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- SUA IDIOTA! - a voz de Nath chegava a ecoar pelo abrigo com a força de um terremoto. Ou só de uma enfermeira muito sobrecarregada também. Rafitcha ficava calada, engolindo todas as broncas da ruiva. Erguera os pés, e agora estavam cheios de bolhas.
- Idiota, tola, baka! - e os xingamentos eram jorrados enquanto Nath se preocupava em cuidar dos pés - você tinha que ter vindo pra cá imediatamente, e você, Erevan, não tinha NADA que ter ficado lá, de papo com ela! Tinha que ser um cavalheiro e trazê-la para cá i.me.di.a.ta.men.te! Idiotas, idiotas, idiotas!
- Mas não sou um cavalheiro - murmurou Erevan aparentemente confuso - sou um dragão.
Rafitcha riu, acompanhada de Amai e Thá que acompanhavam a cena com humor.
- Deixe de humor desgraçado, Erevan, seu petulante! - Nath disse venenosamente, apertando o pé esquerdo de Rafitcha com tanta força que a fez gritar de dor - desculpe, querida. Mas se você não fosse tão burra e fugidia, não estaria aqui, reclamando da dor, não é? Agora aguenta! E Erevan, fique aqui, mocinho! Você é o segundo culpado por não ter feito com que ela viesse pra cá, e portanto nem queira saber de fugir. Vai cuidar de Rafitcha agora porque estou muito ocupada com pessoas que se feriram e procuraram imediatamente a minha ajuda!
Erevan se sentou na cadeira ao lado do leito onde Rafitcha se deitava, com cara de criança amuada.


- Vejamos, Umrae - Bel encarou o mapa da cidade das fadas com uma espécie de cinismo e deboche. Umrae quase podia ler seus pensamentos que eram algo como que construções cafonas ou pensei que as fadas tinham bom gosto. Nem comentou algo, e chegava até a compartilhar a opinião de Bel em relação a algumas construções terríveis das fadas.
- Esse é o palácio - Umrae sussurrou calmamente - Ophelia fica por aqui - e o mapa se desdobrou, revelando o interior do palácio, com os quartos, depósitos, masmorras. Bel sorriu ao se deslumbrar com o mapa encantando, perguntando:
- E esse mapa é fiel?
- Eu o ganhei no ano que te treinei - Umrae respondeu - era a época da mãe de Siih, uma Rainha firme. Tinha contatos, e na época fiz um favor para as fadas, e tive o mapa como parte desse serviço. E ele ficou comigo. É muito útil, devo conversar, e creio que seja fiel, sim. Foi feito pelos próprios artesãos da corte.
- Hm, então tá - Bel disse - devíamos ter pensado nisso antes.
- Não dava - Umrae admitiu - ele estava perdido, e só o encontrei esses dias, mas acabei me envolvendo demais com a missão em Heppaceneoh, e esqueci. Mas agora é hora, não é mesmo?
- Sim - Bel tocou a ponta do palácio minúsculo, admirando como os cômodos eram vazios de móveis.

- Ophelia está contaminada pela própria loucura - Umrae reunia os fatos, tentando achar alguma lógica - e tem poder, muito poder. Ela fez descerem as sombras sobre Campinas, e poderia ter causado uma noite eterna. Felizmente, sua magia falhou.
- Hm.
Os olhos dourados de Umrae se estreitaram, pensativos.
- Sua magia é algo muito forte. Provavelmente seria aniquilada em Faërun, porém aqui, nesses territórios, devo conversar que ela é poderosa. E ela tem um novo poder, pois essas sombras não eram parte de sua personalidade antes. Aliás, não são. São coisas novas. Poderíamos usar a Lala, mas é baixar o nível demais. E, pensando bem, não iria funcionar muito bem... Lala pode ser algo essencial para Ophelia, mas imagino que ela gosta mais do poder do que de Lala. O que temos que descobrir é como minar essa magia... Ophelia tem força nos poderes, especialmente nos truques de luta. Se descobríssemos um modo de cortar toda a magia existente, venceríamos... porque temos a técnica, e não dependemos da magia para vencer.
- Falou como uma líder - Bel elogiou - mas tem alguma idéia?
- Não - Umrae sussurrou.

Bel inclinou a cabeça docemente, e decidiu de vez:
- Que tal descansarmos um tico, deixarmos os soldados se reestabelecerem? Enquanto isso podemos pensar nessa estratégia, porque ela me parece muito boa. E podemos contar com os dragões, porque a magia deles transcede a tipicamente "opheliana" (rs), e não é algo que pode ser abalado por feitiços, nem nada. É algo que está na carne.
- hm - Umrae fez - então, tá.

E dobraram o mapa, guardando-o na primeira gaveta da escrivaninha.


Aaaaaahhh, que bom saber que vocês não me abandonaram, fiquei emocionada, muito emocionada *0*
E como vêem, eu me esforcei pra digitar algo "mais grande" (que erro fenomental e proposital D:), sabe, pra vocês, algo ENOOORME e que não fosse uma encheção de linguiça, será que ficou bom D: Tentei colocar humor, porque a história estava ficando muito emo, com sangue, derrota, bla bla bla e isso me cansa, não gosto de histórias que o povo só sabe perder com derrota na cara. Aí fiz uma Rafitcha mais 'light', e tal. Mas falho miseravelmente na comédia, não sei ser sutil D:

Umraaae, saudades de ti :* E adorei essa frase, cara, tudo a ver com Ophelia, loucura. Sério mesmo... e em relação ao caos, bem... finalmente acertei em alguma coisa em relação a você, porque imaginei que a Umrae da história pensaria assim: caos dói, mas é necessário .-.
Agora é o segundo acerto (o primeiro foi das blusas brancas, lembra?)

Ratinha, lovenha, obrigada pela preocupação! Sim, o troço da escola tá difícil (tive prova hoje, de eletricidade *vontade de matar professor on* e amanhã tenho outra prova, de quimíca. Meus dois infernos pessoais, ainda bem que fim de 2009 está perto, com ou sem repetência de ano +_+), mas vou conseguir superar. Afinal minha intenção é chegar na faculdade, sei lá de quê, mas chegarei. E, GURIAS, cheguei na 5ª fase da Olimpiada de História! Isso significa que se eu passar da 5ª, eu chegarei na 6ª (dã), mas o que a 6ª fase tem de especial? Simples: ela significa 'VIAGEM A SÃO PAULO' *O* Quer dizer, pra Campinas, SP, mas considerando que eu só saio de Bahia pra ir numa cidade do tamanho de um ovo em MG, Campinas é uma evolução super-mega-power, e quem sabe, posso até escapar pra SP, capital e conhecer Sampa e tal -aí, quando eu passar, vou querer um power-guia-turístico de Umrae, okaay?

bem, meus docinhos, irei-me. assistir novela, estudar, dormir, essas coisas e logo, logo vocês me verão torturando mais meus personagens *-*

domingo, 11 de outubro de 2009

Parte 91 - Algo que deu errado.

Ophelia encarava Heppaceneoh pela janela.
Era incrivel.
Seres monstruosos com escamas que se escondiam na escuridão soltavam labaredas de fogo que varriam a cidade e faziam tudo se reduzir a cinzas. Ela mesma não conseguia entender, mas era incrível.
O céu chegava a arder com suas estrelas, que pareciam chamuscar, tranquilas.
- Bem, chegou a hora de brincar? - se perguntou.
O que faria?
Tinha, em seu íntimo, a certeza de que era a Umrae que estava governando aquilo.
Perigosa.
Queria ver aquilo mais de perto.

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As chamas se erguiam bestialmente, e a cada casa destruída, um urro de vitória penetrava.
Quando Umrae olhou em volta, se surpreendeu.
Não estava muito acostumada com cenários de destruição, pois vivia há tanto tempo em paz, mas mesmo assim aquilo lhe lembrava algo de sua juventude, quando nem vivia ali.
Um lugar inteiramente arrasado.
Aquilo lhe doeu o coração, mas ela não se deixou abater. Sabia que não havia vidas, havia se certificado e continuou em frente.

Keishara era a grande estrela, ao lado de Erevan. Monstruosos e imbatíveis, eram como serpentes de patas que se debatiam para quebrar, destruir, arruinar tudo que havia em Heppaceneoh. As casas que serviram de lar a inúmeras famílias desabavam sobre cinzas, cadáveres eram incinerados, até mesmo o castelo que abrigou a realeza por gerações se curvou ao poderio dos dragões: ardeu em chamas, escandalizando os demônios que assistiam a cena, perdidos. Nenhum deles tinha uma boa proteção contra dragões, seres tão antigos quanto o vento e tão poderosos como um terremoto.

- Vamos! - gritou Bel.
Ela estava acostumada com o fogo em volta, e empolgava-se facilmente quando havia adrenalina. Ela ria histericamente, mas mantinha a razão, de um modo ou outro.
Obviamente tanto barulho assim, tanto fogo assim, tanta destruição chama a atenção dos vizinhos.
Assim como chamou a atenção de Ophelia que quis assistir aquilo mais de perto.
Assim como se fez ser ouvida por Raveneh e Rafitcha e Amai e tantos outros que, vencidas pela curiosidade, subiram e se surpreenderam ao incêndio em larga escala.
- O que é isso? - havia perguntado Rafitcha chocada.
Raveneh meneou a cabeça, confusa. May dormia em seus braços.
- Eles... eles estão queimando a cidade - declarou tentando achar alguma lógica.
Não havia.
Não há lógica na guerra.

- Volte - pediu Rafitcha - não vamos ficar vendo isso, e logo a fumaça virá pra cá, e May ainda é um bebê e...
Raveneh não fez objeção, mas Amai sim.
- Deixe-me ficar aqui! - ela pediu - estarei segura, os demônios devem estar todos mortos!
Rafitcha não pensou duas vezes: empurrou Amai para dentro do abrigo, a fazendo ficar enfurecida e birrenta na sala, batendo os pés pela sala. Rafitcha tampouco se incomodou.

Enquanto isso, Umrae percebia que sua missão chegava ao fim.
Se sentiu vitoriosa. Se não completamente, quase lá. (:

Ordenou que o povo recuasse, e fosse pra casa. Keishara e Erevan continuariam, vistoriando as fronteiras juntamente com Toronto, Pauline e Giovanna que ainda não descansariam.
Bel estava animada, e frustrada pela interrupção.
- Vamos - disse Ratta - aquilo foi empolgante. Nunca participei de algo assim!
Fer deu um sorriso.
Realmente passava uma adrenalina enorme, aquela empolgação quase contagiante. Mas era uma cidade. Era uma cidade que foi o lar de muita gente. E esse mesmo lar foi destruído por chamas por aqueles que deveriam protegê-las.
Umrae reparou em Fer e em seu jeito pensativo.
- Fer - chamou com cuidado.
Fer se virou, com seu jeito adolescente.
- Ou era queimar ou era entregá-la aos demônios - murmurou Umrae.
Isso fez Fer ficar um pouco mais em paz.
Só um pouco.

No final, nem Umrae conseguia se convencer de que aquilo era justo.
Mesmo que a gente sinta que fazemos o certo, sempre haverá dúvidas. O ideal é não deixar essas dúvidas nos consumir.

Quando eles saíram de Heppaceneoh, sentiram a felicidade da brisa noturna.
Polly chegou a rir. Estavam todos ora rindo ora culpados ora não conseguindo acreditar. Uma guerra faz essas coisas. Os dragões mestiços descansavam um pouco longe das fronteiras, Polly chegou às Campinas abraçada com Ratta, felizes de concluirem aquilo como amigas leais que sempre foram.
Johnny só pensava em Raveneh e Maytsuri. Raven tinha seus pensamentos em Maria, mas também lembrava de Amai com doçura.
Ly e Doceh sorriam bobamente. Estavam vivos. Vivos.
Aquela noite foi quase feliz.

Até Ophelia chegar.

Ela poderia ter chegado e assistido só ao incêndio.
Ela poderia nem ter falado alguma coisa.
Ela poderia ter visto tudo de longe e deduzido tudo de longe.
Mas não, ela quis chegar chamando atenção;
descabelada; vestido meio azul, quase trapo; descalça.

Nada nela lembrava uma rainha, só uma louca psicopata.

- Quem é essa? - foi a reação inicial, verbalizada por uma espantada Harumi com seus olhos furta-cor.
- É a própria - Umrae quase sorriu. Era como um 'está vendo o que faço com você, Ophelia?'
Ophelia só encarou o pequeno exército com um sorriso.
- Que interessante - Ophelia fixou o olhar na cidade ardendo - como pretendem apagar isso tudo?
- Ele irá se extinguir naturalmente - murmurou Bel.
Ela não entendia porquê, mas estava aterrorizada com aquela estranha figura feminina.

- Umrae - Ophelia estreitou os olhos, quase que entendendo o porquê de 'perigosa'. Era uma semi-elfa, e era alguém que exercia um incrível poder de atração e magnetismo, além de ter o dom da liderança. Se os outros perdessem Umrae, iriam se afundar na confusão, como formigas desorientadas.
Umrae era a chave se quisesse derrotar Campinas.
- Prazer vê-la, Vossa Majestade - Umrae salpicou a reverência de ironias.
Ophelia notou a frieza.
- Boa noite, Umrae - Ophelia sorriu - eu sinto lhe informar, mas vou pedir a sua presença no meu palácio por hoje.
- Quanta educação - Umrae quase sorriu com tanta falsa polidez.
Ophelia notou a ironia.


A rainha não tinha algum objetivo bem definido ao chegar ali. Mas ela bem sabia, e bem queria, que tinha que acabar com aquele povo. Tinha que exterminar cada humano que se opusesse ao que ela queria, destruir cada centelha de vida para conseguir dominar. Ser a vida num lugar de morte, era isso que tinha que ser. Ficaria para a história como uma cruel vilã. Que seu nome se perpetuasse por séculos e séculos, inspirando terror!
/que ridículo.
Quem desferiu o primeiro golpe foi Gerogie.

Ela ficava quieta. Sempre.
Mas não quando percebia que só ela poderia fazer algo contra, enquanto seus dois companheiros estavam arrasando uma cidade a poucos quilômetros.
- Não dê um passo - Gerogie disse, adiantando-se alguns passos, ficando na linha de frente - ou morre.
- Vocês se acham demais! - Ophelia riu - sai da frente, deixe-me matar cada um de vocês. Ameaçam minha soberania!
- Que ótimo! - esganiçou-se Fer, com ódio - que ótimo que conseguimos te preocupar o suficiente para vir até aqui! Porque não experimenta matar a gente, agora, de uma vez sem papo?
A relva meio esverdeada meio amarelada se sujou de sangue.

- Nem se atreva - Gerogie havia perfurado o braço que se esticara de Ophelia para atacar Fer. Os dedos de Ophelia estavam a muitos poucos centímetros do nariz de Fer, e essa sorria entre indolente e apavorada.
E sangrava. Mas não doía, oh céus, nem doía.
Não doía.
- Mais um pouco - Ophelia se aproximou de Gerogie - só mais um pouco e veremos quem vence.
E puxou o braço, rasgando-o inteiramente. Toda a pele e carne ficou enroscada no braço de Gerogie.
Percebia-se que aquilo não lhe machucava realmente.

Aquilo era tão estranho.
- RECUADA! - gritou Umrae, percebendo o perigo - Johnny, Raven!
Não precisou dizer muita coisa, sabia que era pra proteger as crianças sobreviventes.
Johnny subiu no dragão, agarrando a garotinha com esperança.
Raven fez o mesmo, e assim os dois partiram com Ti-Yi e Luka.

A atmosfera se tornou um pouco menos tensa com o afastamento de quatro pessoas mais três crianças inocentes e adormecidas.

- Maldita - Fer sussurrou - vê as chamas? Esse é o inferno que você criou!
- Não mesmo - Ophelia negou com seu sádico sorriso - esse... é o inferno que vocês criaram para me combater.
Fer parou ofegante e revoltada.
Bia deu um passo para a frente, sua espada se empunhando rigorosamente - ela queria vingar aquele dia no palácio.
O golpe nem foi visto, uma diagonal certeira pronta para romper com o corpo de Ophelia e rasgar suas tripas. De nada serviu o golpe, pois Ophelia era como fantasma, movendo-se excepcionalmente a cada segundo.

- Idiota - Ophelia se posicionou diante das crianças adormecidas - que crianças doces. Resgataram da cidade que estão queimando agora?
- E por culpa sua, elas não tem mais família - alfinetou Ratta.
Isso fez Ophelia fazer um gesto com as mãos, como quem quisesse afastar um mosquito com elegância.
- Está tudo bem - declarou - eu só preciso... extinguir vocês.
- Então não está tudo bem - Bia disse.
Sua voz foi como punhal, e sua espada foi o que bastou para surpreender a todos, menos a Ophelia.

Bia se moveu para frente certeira, o golpe sendo lançado de forma tão imediata que quase ninguém viu. Ophelia nem se afastou, só sentiu a fria lâmina lhe rasgar o abdomên com crueldade e fúria, sentiu a raiva de Bia e todo o prazer da vingança sendo consumida.
- Olá - Bia disse, confiante.
O vestido de Ophelia se sujou de sangue, e seus olhos se arregalaram de riso. Talvez espanto.
Como uma trágica heroína que se afundou em sangue.
Mas Ophelia era somente uma pessoa trágica, não uma heroína.
- Que beleza de corte - Ophelia sentiu que Bia queria empurrar a espada mais fundo e deixou que ela fizesse isso - você é muito boa, sabia?
Bia percebeu que perdera.
Retirou a espada imediatamente, fazendo com que Ophelia se sobressaltasse de espanto e começasse a rir.
- Tolos! - Ophelia se ajoelhou no chão, apertando o abdomên com força - tolos! Pensam que conseguem-
- AGORA! - Bel gritou, percebendo que se Ophelia estivesse distraída com o ferimento por apenas um segundo, por um segundo teriam uma chance... uma chance mínima, mas seria uma chance!

Gerogie se atracou contra Ophelia com elegância, porém também com fúria.
Seu corpo esguio se chocou contra a quase fragilidade aparente de Ophelia, e logo começou a agir quase sadicamente, ajeitando as unhas para arranhar a pele da rainha o mais furiosamente possível. E sem hesitar, sem perder segundos, Ophelia começou a se defender - recuava, mas também conseguia ferir Gerogie.

Quando todos se deram conta, em cinco minutos já eram ambas quase sendo retalhadas uma pela outra.
- SEPAREM-NAS! - Umrae gritou, percebendo quase imediatamente que Gerogie não venceria ali e ela mesma se pôs ao trabalho. Puxou Gerogie para trás, sendo ajudada por Crazy e Bel: Gerogie era muito forte.
Gerogie aceitou ser jogada para trás, e estava em um estado crítico. Assim como Ophelia.

Ambas sangravam da cabeça aos pés, descabeladas e insanas, com cortes severos.
- Comandante, Ophelia! - alertou Polly ao perceber que Ophelia se regenerava rapidamente, ela que quase fora mutilada com cortes gravissímos na região do abdomên e pernas. Mas suas feridas se fechavam e ela mal sentia.
- Cerquem-na! - Bel gritou, vendo naquilo um perigo. Se podiam derrotar Ophelia logo, porque não?
- Não - Umrae sussurrou - ela vai matá-los.
Mas ninguém ouviu Umrae.
As crianças foram protegidas por Johnny e Raven que não se envolveram na luta, e a mesma coisa se deu com Ti-Yi e Luka que estavam prontos a reagir a qualquer momento. Porém quando todos se moveram contra Ophelia, ela quase não teve dificuldades.

Estava calada e rindo, e sua loucura era só o catalisador de todo seu poder.
Era como vários tremores que mexiam com espadas e xingamentos, era como se ninguém conseguisse machucá-la. Ratta percebeu que as sombras estavam deformadas, encarou Ophelia com suspeita. Umrae se meteu na luta também, tentando machucar Ophelia o máximo que pudesse e salvando todo mundo que podia salvar.
- Obrigada - Harumi declarou quando foi empurrada para a esquerda por Umrae, quase perdendo a sua cabeça.
- Não tem de quê - a meio-elfa respondeu.
Foi uma confusão imensa e atordoante, e nada daquilo fazia mais sentido.
Eram muitos contra uma, e ela vencia a todos pelo cansaço. Nem chegava a machucar alguém, e ninguém mais conseguia ter alguma razão sobre si.

Logo iria amanhecer.
- Idiotas - Ophelia sorriu.
E deu seu golpe final.
Torceu as sombras como se fossem roupas.
Remexeu os ânimos como se fossem sopas.
E controlou a si mesma para só sair um pouquinho do sério: assumir um corpo mais ou menos imponente.
Owned.

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Foi muito difícil, mas Lala conseguiu.
Cada fibra de seu corpo doía como se tivesse sido esmagada por um elefante e depois cortada em pedacinhos com uma tesoura infantil, mas estava tudo bem. Logo voltaria à ativa.
- Alicia - chamou. A loira estava ali no quarto, arrumando as cortinas, o tapete, a penteadeira.
- Fale - disse Alicia.
- Cadê Ophelia?
- Onde você acha que está? - Alicia abriu as cortinas, encarou a noite que terminaria em breve - Heppaceneoh está pegando fogo, é óbvio que ela está lá.
- Louca.
Lala quase caiu sentada, mas respirou fundo e fez o possível para não tombar. Não queria enfraquecer, não mesmo. Não agora que precisava ajudar Ophelia, de qualquer forma que pudesse. Mas...

Não precisava realmente ir. Só esperar.

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- Fujam! - Bel gritou com todas as suas forças - fujam!
Alguns ainda queriam ficar e lutar, mas era quase impossível: só a sua respiração era o suficiente para tremer a terra, e seu sorriso cortava o ar com o seu ar diabólico. Alguém viu um borrão ruivo se jogar sobre o monstro, e mesmo as sombras pareciam ser tão deformadas. O medo crescia, a animação surgia e morria a cada segundo.
- Fujam - Umrae concordou - não dá para nós, não agora.
Os semi-dragões recuaram, rosnando furiosamente, desejosos de estraçalhar Ophelia.
Mas ainda assim havia algo que os impedia; como se farejassem o perigo que viria com a morte. Algum sangue foi derramado, e novamente Gerogie foi arremessada longe, ensanguentada e enfraquecida.
- Gerogie - preocupou-se Bel, e Ophelia passou a mão pelos cabelos, sorrindo vitoriosamente.
Seu rosto estava sujo de sangue.
- Deixe-me matá-la - Gerogie sussurrou - deixe-me...
- Não - Bel sussurrou - eu sei dos seus motivos, mas melhor não...
- Não preciso das ordens humanas para matar uma rainha idiota! - gritou Gerogie, mas estava tão fraca que mal conseguiu se desvencilhar das mãos firmes de Bel que as prendiam.
- Umrae - Bel disse, observando a figura de Ophelia desabar no chão, rindo histericamente - ela está com a guarda baixa. Vamos sair daqui.
Foi com alguma urgência em que todos forçaram seus dragões a sairem do chão.
Foi a melhor decisão que poderiam ter feito.

Ophelia olhou para o céu que mal amanhecia.
Era tão estranho;
tão fantástico, como se o céu tivesse cores demais, a atmosfera cheiros demais e tudo estivesse muito tenso,
e Ophelia simplesmente quebrou tudo como se jogasse abaixo uma coleção de copos de cristal.

E a manhã começou com:
- o exército voltando para as Campinas, seguros.
- uma louca rainha que tentou controlar as sombras, e falhou.
- sombras que sucumbiram sobre as Campinas, e não as libertariam mais.

Uma eterna noite que foi lançada, porque alguém não soube fazer magia direito.


Depois de taaaaaaaaaanto tempo! Basicamente o que rolou comigo foi: falta de tempo + cansaço + escola. Estava muito sobrecarregada, cansada e quando eu tinha tempo para net, não queria pensar em escrever alguma história. Enfim, nesse feriadão, consigo um tempo e tento relaxar um pouco. Então, é isso. Espero que me perdoem.

Estou, aos poucos, retomando meu ritmo, conciliando esse blog com outro que criei há pouco tempo e, claro, a minha escola que está cada vez mais puxada. Enfim, espero conseguir sair dessa vida louca, de viver me estressando por causa da escola. E estou morrendo de saudades de vocês... ^^