Lefi andou devagar pelo palácio. Não queria ser escutado por ninguém.
Cumprir logo a missão confiada.
Poderia usar uma das aves mensageiras, pombos discretos que arrulham e defecam em cima de inocentes em cidades desertas. Sim, um pombo seria perfeito. Discreto.
Oculto perto do canteiro das aves, começa a escrever uma carta. A letra é firme e curvilínea, sempre pendendo para a esquerda. Não treme como achou que faria. Imaginou como Bel reagiria ao receber a carta, o que aconteceria. Será que as coisas realmente mudariam para melhor? Temia que Ophelia o descobrisse. O que aconteceria se fosse descoberto?
Sem perceber, escreveu a última palavra. Ponto final.
Escolheu o pombo mais leve e o mais rápido, conhecido por fazer o dobro do caminho pela metade do tempo normal. Normalmente um pombo sem parar por um segundo, alcança Grillindor em dois dias. Este chegaria a Grillindor em um dia. Um dia.
Em um dia, tudo poderia mudar.
Absolutamente tudo.
- Lefi? - uma voz percorria pelos corredores, frenética. Ele prendeu a respiração imediatamente, congelado.
- Siih? - não demorou muito tempo para ele reconhecer a voz e respirou aliviado - irmã!
Siih entrou no frio corredor, escutou o barulho das aves. E entrou no canteiro das aves, se surpreendendo com toda a sujeira e barulho de pombos arrulhando. E no meio dos contornos aviários, o irmão.
- O que faz aqui? - perguntou timidamente, levantando a saia do vestido para a barra não ser sujada pelos dejetos das aves deixados no chão.
- Fique aqui e somente escute. Há alguém nos corredores? - Lefi começou, baixando a sua voz.
- Ninguém. Está completamente vazio - cochichou Siih - o que houve? Aconteceu algo?
- Pedi ajuda à uma pessoa - começou Lefi. No que Siih ia perguntar "quem é?", Lefi a interrompeu - xiii! As paredes tem ouvidos, irmã. Só posso dizer que a situação melhorará, espero que sim. Se essa pessoa nos ajudar, irmã... a situação vai mudar rapidinho.
- Posso ajudar em algo? - Siih parecia entusiasmada.
Lefi mordeu o lábio inferior, imaginando algo.
- Pode - disse em um sussurro - cuide muito bem de Kibii. Não deixe Ophelia vê-la, mas una-se à Alicia e cuidem de Kibii. Ela tem que ser devolvida viva para as Campinas, entendeu? Viva e bem.
- Kibii... - Siih controlou as lágrimas ao lembrar da menina recolhida que se recusou a ceder.
- Entendeu, Siih? - Lefi abraçou a irmã com um carinho terno e preocupado - cuide o máximo que puder de Kibii. Não se deixe ser pega por Ophelia em nenhuma ocasião. Essas são as duas missões. E as de Alicia também. Diga isso a elas.
- Está bem - Siih concordou. Parecia difícil, sendo que quase todo dia Ophelia a fazia de bode expiatório para os fracassos do dia. Mas o que tinha que fazer era manter o papel da ex-rainha, escrava, que só sabe fazer comida ruim.
Atuar. Mentir. Fingir.
E cuidar de Kibii. Ajudá-la, no fim das contas. Afinal... quantas pessoas você conhece que se dariam como refém para uma maníaca psicopata ensandecida para salvar as vidas dos outros amigos?
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O sol era brilhante.
Era verão! Praticamente verão!
Rafitcha acordou, sentindo os ossos todos quebrados. Mas dava para ficar em pé e fazer suas atividades habituais. O abrigo não estava lá muito iluminado, mas os rapazes conseguiram fazer alguns minúsculos buracos e aliar efeitos de magia para criar iluminação dentro do abrigo, como se tivesse janela. Era um clima estranho, mas pelo menos tinha luz.
- Rafitcha! - repreendeu Maria ao ver que a amiga se levantara para arrumar a mesa do café da manhã - largue isso imediatamente!
Rafitcha deixou cair os pratos na mesma hora, assustada.
- Nem ouse! - Maria recolheu os pratos - você passou por uma situação traumática, desesperadora! Tem que descansar devidamente!
- Mas, Maria - Rafitcha não queria ficar de pernas para o ar. Só iria reviver as situações.
- Sem mas nem menos - Maria retrucou - vá descansar. Raveneh e Tatiih farão isso.
Rafitcha bateu o pé, mas não discutiu. Sabia que era para o seu bem, e que todo mundo iria mimá-la o quanto pudesse. Mas tudo o que ela queria era ter a vida normal de volta. Quando ela ia cozinhar batatas e todo mundo amava, sem aquele ar de "se a gente pudesse comer isso ao ar livre". Quando ela fazia menos chás para acalmar e mais chás somente por visita. Quando ao acordar, não encarava o teto estranho e fechado e sim um teto de madeira. Quando olhava pela janela e via todas aquelas plantações exuberantes.
- Bom dia, Rafitcha - Nath passou cumprimentando, se dirigindo à cozinha.
- Nath! - Rafitcha sorriu - hey, Bia está lá dentro?
- Sim - Nath respondeu enquanto pegava um pouco de água para si - teve pesadelos durante a noite. Está acordada agora, mas não quer nada.
- Ah. Obrigada.
Rafitcha desviou do caminho, indo até a ala médica.
Era um salão enorme, com várias áreas separadas por uma fina cortina branca. E em uma dessas áreas, Bia repousava. Cobria-se inteiramente com o lençóis, não mostrando nem mesmo os braços. Olhava para o teto, seus olhos vazios e tristes. Ao lado de cada leito, havia um banco para a visita se sentar. E foi no banco ao lado do leito de Bia que Rafitcha se sentou, sem fazer barulho.
- Bom dia, Bia - cumprimentou Rafitcha delicadamente.
A caçadora de demônios não respondeu.
- Sabe, Umrae saiu ontem - Rafitcha achou melhor contar - Raveneh que me contou. E voltou toda feliz. Acho que ela teve uma idéia genial para acabar com Ophelia, Bia. Mas ela não quer contar.
A caçadora de demônios preferiu dizer somente:
- Que bom.
Rafitcha se calou. Bia não mudara de expressão, somente olhava o teto com absoluta firmeza. Realmente, Nath tinha razão. A confiança de Bia se quebrara assim como ela quebrara os pratos, minutos atrás. Em um susto irreparável. Algo que não poderia ser restaurado. Ou será que poderia?
- Bia. Como está? Você está tão... estranha.
Bia preferiu olhar para o outro lado, evitando o castanho dos olhos de Rafitcha.
- Bia, fale comigo! - Rafitcha mordeu os próprios lábios de tristeza - Bia, por favor! Volte a ser o que era antes! Por favor, volta a ser como era antes?
Não houve resposta. Essa foi a parte mais triste da manhã de Rafitcha: a pergunta dela não teve uma resposta.
E depois desse dia, a pergunta nunca mais foi feita por ser considerada ridícula pela impossibilidade da resposta. Porque nunca mais Bia voltou a ser como era.
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Ophelia teve que se controlar para não matar Kibii a cada vez que ela negava a se responder. Por que Umrae era "perigosa"? E qual era o perigo de Ly? Por que a rainha não gostava deles? Por que as Campinas era idomesticável? Qual era a fraqueza das Campinas? Por que Kibii se recusava a responder, jamais se curvando, aceitando ser machucada?
A rainha tentara fazer com que Kibii se sentisse ultrajada a cada peça de roupa retirada, a deixando com uma fina camisola, exposta ao frio. Sem sucesso, apelou para a chantagem emocional, gritou, feriu mil vezes os braços, e com suas garras, perfurou o abdomên de Kibii a deixando quase à beira da morte, sem nenhuma ajuda médica.
Lala não fazia nada. Não que se recusasse a fazer, mas ela preferia simplesmente consolar a amiga depois de seus ataques histéricos.
Quando Ophelia se retirou para comer, deixando Kibii sozinha, foi a deixa para Siih.
Ophelia enfurecida no jantar, Lala a tentando acalmar, Siih com a vida podendo ser terminada caso fosse descoberta.
- Lefi me disse para ajudá-la - foi tudo o que ela disse, ao ver o olhar vazio de Kibii a mirar cuidadosamente.
- Você não vai se ferrar se me ajudar? - Kibii sorriu.
Siih ficou impressionada com a doçura contida naquele sorriso, como se tudo aquilo não fosse nenhum sofrimento. E se impressionou mais ainda com os ferimentos, cortes que marcavam o corpo, queimaduras nos pés e coxas, o sangue seco cobrindo quase todo o corpo.
- Ela disse que o próximo passo seria marcar meu rosto - disse Kibii jovialmente, como se estivessem comentando o tempo.
- Oh sinto muito - foi o que a ex-rainha disse.
Ela havia levado algodões e todo o tipo de óleo, unguento e coisas assim.
Passou cuidadosamente em todo o corpo de Kibii, tentando amenizar a dor que a elfa sentia, e assim Kibii pôde sentir um pouco de paz.
Mesmo que ela estivesse sempre em paz, mantendo-se longe das torturas, mantendo-se calada por vontade, ainda assim a dor persistia.
Estranhava-se entre suas feridas, entre seus órgãos, fazendo a lembrar dos amigos, das Campinas, da Amai que não queria ver alguém que se sacrificava assim.
Lembrava da infância.
Esperaria dias inteiros. Noites.
Até o dia que poderia obter a paz final, absoluta, sem nenhum tipo de incômodo.
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Noite.
E de novo veio a escuridão, o pôr-do-sol que fez Amai lembrar-se do dia anterior, do dia que foi posta como mais valiosa que qualquer um. E assim as pessoas acreditaram, tanto que uma das guerreiras mais valiosas pôs-se em sacrifício, em seu lugar.
Amai tremeu.
Cobriu-se de um manto grosseiro, acinzentado, tentando não chorar. Não queria sentir luto por Kibii, pois ela estava viva.
Mas em seu coração, ela sabia que nem todos iriam sair ilesos. E Kibii poderia ser uma das principais prejudicadas.
Umrae estava tremendo. De nervosismo, mal cuidou de suas coisas. Quem organizou os potes de veneno e afiou as armas foi Thá e Vinicius, agora praticamente aprendizes de Umrae. Lynda havia ido embora, em uma cinzenta madrugada, se fazendo ser esquecida aos poucos. Todos estavam entrando em um estado de indiferença, mas não adiantava. Os olhares desencontrados, o nervosismo contido em cada palavra, as crises de choro de Doceh que voltara a entrar em um estado anormal de histeria com o sequestro de Kibii, os choros cada vez mais frequentes de Maytsuri, a distância de Raveneh que procurava na filha o refúgio de toda aquela guerra.
As estrelas brilharam de novo.
Estava calor.
- Para onde você foi ontem? - perguntou Rafitcha.
Estava bordando um vestido para si mesma, algo para se distrair no meio daquela loucura. Umrae lia um livro.
- Não vejo ninguém planejando um modo de resgatar Kibii - Rafitcha continuou como se estivesse sendo magoada - está calma?
- Não - Umrae teve que ser sincera.
Rafitcha largou o bordado, se ajoelhando diante de Umrae, tentando obter a sua atenção plena.
- Aonde você foi ontem? Foi para ajudar Kibii, não foi? Por isso que está calma desse jeito - Rafitcha mordeu o lábio inferior, esperando uma resposta.
- Se sabe, então porque pergunta?
Rafitcha engoliu em seco. Sem resposta nenhuma, Umrae foi forçada a encarar os olhos castanhos de Rafitcha. Podia ver ali a devoção completa da amiga pela terra em que vivia e pelos amigos. A lealdade tão inabalável, resoluta que Rafitcha fazia questão de construir dia após dia.
E agora se precisava de uma prova de amizade. Quem daria?
- Sim - Umrae sussurrou - pedi ajuda à Grillindor.
Rafitcha ficou boquiaberta.
- Grillindor? Isso significa que...
- Exatamente.
- Então se eles disserem sim... - Rafitcha sorriu maravilhada - Ophelia está acabada!
- Exatamente, Rafitcha. E eles vão dizer 'sim'. Pode apostar.
As duas sorriram pela proximidade provável da vitória.
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"Pagar a minha dívida, Umrae?"
Ela sorriu.
Soltou os cabelos, admirou a cidade pela janela.
Uma volta às suas origens.
Aos seus tempos de adolescente.
Uma luta para se saciar.
Hey, hey, me quer de volta?
Hey, hey, quer os bons tempos de volta?
Arrumou a mala sem nenhuma pressa, escolheu uma roupa melhor, escolheu argumentos.
Hey, lembra como era bom?
Hey, lembra como era legal?
Pensou em como convenceria o rei, julgou que não devia ser muito trabalhoso. Escolheu quem levaria.
Hey, a gente se divertia
Eu, você e uma galera toda
Mas você era alguém realmente especial
Alguém que eu queria ser quando crescer
Teria que convencer Crazy a participar da briga. Ele aceitaria, até porque tinha simpatia pelas Campinas. Tentou lembrar de quem mais poderia ir com ela.
Olha só aonde cheguei
E foi você quem me ajudou até aqui
Sua lista foi feita. No alto da lista, Crazy, a escolha óbvia. Abaixo de Crazy, ela escreveu um "Polly" e um "Ratta". E teve outros, mas desses ela lembrou aos poucos. Os três primeiros, decidiu Bel, eram os principais.
4 comentários:
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Morri, oquei?
aeaeae
*-* sou óbvia
juntos mataremos a ofêia!
Wheeeee! O resto das pessoas!
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