sábado, 25 de outubro de 2008

Parte 59 - Quando as pessoas importam mais do que a própria vida e honra.

Quantos segundos até perder tudo?
Quantos passos para a frente até perder tudo?
Por que justo Amai?

A nova queridinha das Campinas? A garota que todos amavam, a que colhia flores do campo, a que criava poemas com dedicação absoluta, a adorada pela tia que enfrentou toda uma sociedade para criá-la?

E quantos, meu Deus, dias se perderiam até ter Amai de volta? Se é que teriam?
Não vou deixar Amai morrer.

Ainda se lembrava. Uma hora antes de partirem, Kitsune estava preocupada. Fria como sempre era, mas seus olhos estavam cheios de ternura e desejavam boa sorte.
- Você vai protegê-la, não é, Kibii?
Kibii engoliu em seco. Protegeria?
- Sim, Kitsune. Eu vou protegê-la.

E agora, ela cumpriria a promessa? Estava aqui a chance de fazer. Para não deixar Amai ser morta, o quão ela poderia arriscar? Amai não era mais uma criança, mas ainda assim...

Seus cortes se cicatrizavam lento demais, a deixando estressada. Kibii colocou o cabelo para trás, afastando os fios do rosto. Se apoiou na espada. Um passo para a frente.
Um sorrir. Só um sorrir de lábios. E que vinha de Kibii, não de Ophelia.

- Eu sou a sua adversária, Ophelia.
Rafitcha não conseguiu se segurar, teve que derramar as lágrimas. Seu nariz se avermelhava, Umrae se conformava com o destino. Não dava para fugir, então alguém tinha que ficar para contentar Ophelia por meros instantes.
- Vão fugir agora? Só uma não me satisfaz - Ophelia alfinetou, seus olhos como punhais.
- É pegar - Kibii deu um passo para trás - ou largar.
Ophelia crispou os lábios. Uma olhadela para Umrae e percebeu que estava falando sério. Mas aquela ruiva parecia ser tão deliciosa...

- Está bem, fico com essa morena somente - Ophelia deu um longo suspiro, como se estivesse cansada. Uma mentira, é claro, mas tem que se manter as aparências de forma cuidadosa.
Kibii desabou no chão, se permitindo alguns segundos de distração e fraqueza.
- Kibii - Umrae não queria dar as costas.
- Vá - Kibii rosnou, encarando os olhos dourados da amiga - protejam Amai, custe o que custar, entendeu?
- Kibii... - Umrae mordeu o lábio inferior.
- Vá.

Umrae deu as costas. Cinco minutos se arrependera do que tinha feito. Contrariando o senso comum, Ophelia deixara o grupo partir. Bia seguiu em frente, e todos deixaram Kibii sozinha.
- Você acha que acertou, Ophelia? - foi o que Lala disse, quando o grupo partiu do castelo.
- Acho - Ophelia sorriu, encarando Kibii. Se ajoelhou diante da guerreira, aquele sorriso meigo, erguendo a face da garota - essa garota tem bastante potencial.
- Céus, Ophelia - Lala parecia repugnada - esse modo de falar é nojento.
- Alicia - Ophelia levantou o rosto - venha logo, sua idiota. E Siih também.

Alguns passos. E a noite que se infiltrava no aposento, deixando tudo cada vez mais escuro: ninguém acendera uma tocha sequer.
- O que vai fazer comigo? - a pergunta de Kibii era simples, mas Ophelia não soube o que responder. Suas idéias eram tantas!
Alicia e Siih se aproximaram, uma a cada lado. Simples, funcionais, práticas, sérias. Compenetradas em uma única tarefa: sobreviver. Kibii aceitou ser levada por duas mulheres a quem podia derrotar facilmente para algum lugar. Foi vendada pelas mãos agéis de Siih, as mãos amarradas atrás por Alicia. E a espada, a espada não soube o que fizeram com ela.

É assim que vai partir?
Triste, como se fosse indesejada?


Como era mesmo? A mesa enorme, comida farta, três reis. Como era a música que ecoava pelo salão, que todos cantavam tão felizes? Como eram aqueles dias que se terminaram com um incêndio, alguns assassinatos?

É assim que vai sair?
Como se tivesse desistido de ser apaixonada?


Aquela voz adocicada que lhe mandou embora. Aquelas mãos ternas que lhe deram um anel, com algumas lembranças. Algumas coisas para ela se apegar quando fosse mais velha. Um anel que ela não ia largar. Sentia a prata no dedo anelar, a prata fria que lhe aquecia o espiríto. Mesmo vendada, ela podia pressentir por onde andava. Chão frio, de gelo.

Quantos minutos até ela se ferrar completamente?
Quantos minutos até ela precisar da espada?
Quantos minutos até ela morrer?

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- Vai.
Foi a ordem que Maria dirigiu ao seu filho, a criança inocente, de olhos duradouros e azuis. E o Gabriel obedeceu, sem nenhuma hesitação. Compreendia pelas roupas amassadas de Rafitcha, pela confiança quebrada de Bia, pela amarga derrota de Umrae que ali não era para crianças. Era uma conversa séria.

- Então Kibii ficou - Maria mordeu o lábio inferior. Amai confirmou, segurando as lágrimas. Nunca, nunca, nunca, nunca mais queria dar esse tipo de trabalho. Ser protegida? Ser mimada? Ser trocada para outra pessoa ficar em perigo, por sua causa? Isso não valia a pena, nunca.
Maria crispou os lábios, erguendo os olhos. Não pensou duas vezes antes de mandar Bia se tratar com Nath, de tão machucada que estava. E agora, estava ali encarando Amai. Umrae não a olhava, preferia observar os dedos trêmulos de Maria. Ly e Rafitcha estavam logo atrás da dupla, também não olhavam Maria nos olhos.
- E como vamos resgatar Kibii? - Maria fez a pergunta, mais para si mesma do que para qualquer um dos presentes. Ela parecia absorta nos próprios devaneios, provavelmente imaginando planos de resgate.
Umrae deu um passo para trás.
- Fomos dispensados? - foi a pergunta, simples e desimportante, pois mesmo que Maria respondesse "não", Umrae sairia da sala de qualquer jeito. Aquilo era angustiante.
- Sim - foi a resposta definitiva de Maria.
E assim todos deixaram Maria sozinha.

- AMAI! - Kitsune exclamou, seu sorriso se abrindo - como... como está?
Tudo o que Amai pôde fazer foi desabar em uma cadeira qualquer, tonta. Rafitcha foi recebida com abraços de Johnny e chás mal-feitos de Raveneh, Ly foi quem recebeu maior alívio: Doceh simplesmente desabou em cima do marido, o abraçando com todas as forças do mundo, seus gritos enchendo o aposento, sufocando qualquer luto que sentissem por Kibii.
- Como foi lá? - Raveneh perguntou, tentando melhorar a qualidade de seus chás e falhando. Suas mãos tremiam demais só ao cortar a mínima erva.
- Raveneh, abaixe o fogo ou o chá ficará ralo demais - aconselhou Rafitcha que observava Raveneh fazer o chá, enquanto era acolhida pelo irmão - foi horrível... horrível, horrível...
- Diga-me, o que houve? - Johnny pediu por mais informações.
Nath entrou no aposento, e reclamou que Rafitcha também devia estar na ala médica.
- Vocês passaram por uma situação muito traumática! Não sei o que Maria acha que só Bia teve que ir, mas você também! Ficou sozinha com Ophelia, céus, e Kibii... tem certeza que não está machucada, Rafitcha? - foi o que disse severamente, seus olhos verdes fazendo com que Rafitcha se sentisse nua e constrangida.
- Como está Bia? - Rafitcha preferiu desviar o assunto. Nath deu um longo suspiro, olhou para as suas mãos que estavam sujas de sangue e disse:
- Foi machucada, bastante machucada. Mas fisicamente, estará bem daqui a uns três dias, embora os cortes só vão se curar mesmo a partir de uma semana - sentou-se em uma cadeira qualquer - mas não é com isso que eu me preocupo. É com o psicológico dela. A confiança dela se quebrou toda, ela não está mais do jeito que era.
- Não é somente choque? - Raveneh tentou sugerir, sem sucesso. Nath abanou a cabeça:
- Bia não sabe mais o que é perder - entrelaçou os próprios dedos, cansada - e Ophelia não só a fez perder, como fez perder a confiança em si mesma.
Rafitcha fechou os olhos, revivendo as cenas no palácio. Nítidas, claras. Ophelia arrebentando com Bia e Kibii. A face de Bia quando ela disse que ia matá-la. A frustração de Bia quando viu que não conseguia derrotar Lala. A recusa de Bia em admitir a própria derrota.
A crueldade, a crueldade de Ophelia em esfregar na cara de Bia que ela não era boa o bastante para derrotar a Oitava Musa.

Como Bia estava reagindo a isso?

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- Esse é um lugar que eu sempre quis, um dia, usá-lo - confidenciou Ophelia em um tom romântico, batendo as palmas animadamente. Quando ela fazia coisas como bater palma, Lala achava que ela voltava a ser criança. Era nesses momentos que Lala a amava e lembrava porque continuava sendo sua amiga, mais do que sua escrava.
Kibii não disse nada. Sua expressão estava dura, causando má impressão à Ophelia que discutia tudo como se falasse de sorvetes e bolos.

Quais eram os limites da maldade? Quais eram os limites de Ophelia? Existiam? Lala acompanhou o pequeno grupo até o lugar, que era um quarto grande, quadrado e escuro. Havia uma única janela no alto, por onde a luz entrava. Mas era algo tão tímido, tão pequeno e impossível de se alcançar. Alicia tirou a venda dos olhos de Kibii, desejando mentalmente conseguir se perdoar algum dia. E Siih libertou as mãos da garota, sendo vigiada por Ophelia.

- Então é aqui que vou ficar - murmurou Kibii, andando pelo aposento - isso lembra um galpão palaciano.
- É um galpão palaciano - retrucou Siih.
Ophelia tocou o ombro de Siih com leveza, indicando que tanto a ex-rainha como a Alicia deveriam sair. Obedeceram prontamente e silenciosamente. Kibii desdenhou um riso:
- É nisso que você transformou a Siih? Em uma escrava?
- Exatamente - Ophelia sorriu, olhos brilhando de felicidade - Lala, feche a porta.
Lala fechou a porta, deixando o galpão ainda mais escuro. Nenhuma luz, só sombras.

Kibii do outro lado.
Ophelia sorria. E Lala queria somente um lugar para descansar.

- Me conte - Ophelia não estava cansada. E tinha pressa - me conte tudo, Kibii.
- Tudo o quê? - desafiou Kibii que já estava ajoelhada em um canto do galpão - o que há para contar?
- Por que Umrae é considerada perigosa? - Ophelia começou. Não se aproximou, sequer fez um movimento. Mas ela se ajoelhou, e a voz se confrontava com o vazio dos olhos de Kibii.
Kibii hesitou antes de responder. Sabia que cada gesto seu estava sendo vigiado e cada palavra que diria seria averiguada. E sabia que aquela moça de cabelos laranja não hesitaria em matá-la, machucá-la o quanto fosse possível.
- Porque ela é - decidiu responder olhando para a escuridão - não é o suficiente?
- Não brinque comigo, garota - Ophelia sussurrou. Mesmo com a voz baixa, mesmo com o galpão grande demais, a ameaça chegou aos ouvidos de Kibii e atiçou sua vontade de 'brincar', como Ophelia preferisse.
- E se eu quiser? - Kibii rosnou, tentando escolher bem as palavras - vai fazer o quê? Me matar? Não pode, eu sou a única refém.
A tensão podia ser cortada com uma faca.

- Ophelia?
Lala se ajoelhara ao lado de Ophelia, seus olhos cor de mel tentando enxergar os contornos de Ophelia. Os olhos castanhos e estreitos de raiva, os lábios que mordia toda hora de apreensão, os cabelos meio desarrumados. Uma rainha que não parecia rainha. Uma rainha que preferia ter poucos subalternos, fazer tudo ela mesma.
- Lala, fique aí - Ophelia parecia estar irada.

A noite estava linda. E o que Kibii estava pensando ao provocar Ophelia de forma tão insensata?

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Água. Água fria, bem gelada. Lave todas as roupas. Lave o cabelo. Tire esse cheiro de sangue do seu corpo.
Esse cheiro de culpa.
O que dá para fazer?
Esfregue direito cada espaço entre os dedos. Atrás das orelhas também.
Como se resgata mesmo alguém?
Corte as unhas. Penteie os cabelos direito.
Como é que se chora mesmo?
Escolha as roupas.

Camisa branca.
Calças negras.
Sem sapatos, sem luvas, sem nada. Os cabelos completamente soltos. Ela não chorou. Em nenhum momento ela chorou pela amiga. Em nenhum momento ela pensou que deveria chorar, nem que fosse para aliviar a sensação insuportável de uma missão que não teve sucesso completo.
Ela somente tomou banho, pôs uma roupa limpa e pensou.

Como se pensar resolvesse os problemas.

Venenos. Será que venenos adiantariam na Rainha? Será que poderia se infiltrar, matar Ophelia de forma disfarçada, fria? Se fosse para salvar a amiga... afinal os fins justificam os meios, não é isso?

- Umrae - Raveneh parecia insegura ao entrar no minúsculo laboratório provisório - Umrae.
- Entre.
Raveneh entrou, suas mãos trêmulas segurando uma xícara de porcelana. Frágil.
- Eu... eu fiz um chá - murmurou Raveneh - quer uma xícara? É de maracujá, e... e acalma a pessoa.
Umrae podia ter dito mil alfinetadas de "não, não quero" até "nós temos uma amiga sequestrada e vocês querem que eu me acalme", mas ela preferiu sorrir e agradecer gentilmente, aceitando o chá de bom grado.
Podia ver pelos olhos azuis de Raveneh o cuidado que ela tentara fazer o chá, a bondade quase infinita. Inocência em seu estado mais puro.
- Então - Raveneh deu um fraco sorriso - qualquer coisa, é só chamar.
- Obrigada - Umrae agradeceu pela segunda vez. Bebericou um gole.

Era um sabor fraco, tímido que se infiltrou nas papilas de forma sutil. Adocicado, esquentava o corpo. Não era o melhor chá do mundo, mas era totalmente bebível. Decerto Raveneh se empenhou bastante em tentar criar algum sabor que remontasse aos chás de Rafitcha. Não ficou a mesma coisa, mas Umrae não ia dizer um negócio desses na frente de Raveneh.

Onde está você, Kibii?
Encarou um vidro com um líquido transparente, viscoço que borbulhava.
O que estão fazendo com você?
Passou pelos vidros de soníferos de todos os tipos, qualidades e intensidades.
O quão você está machucada?
Tocou de leve nos potes grandes, cristalinos que guardavam ingredientes. Pedacinhos de dentes de dragões.
Dragões?
Sim, dragões.
Animais alados e de índoles variadas, com potencial incrivelmente destruidor. Dragões. Como não pensara nisso antes? A sério?

Foi só pensar durante um minuto.
- Umrae? Umrae, aonde vai? Nem bebeu seu chá, Umrae, volte aqui! - Raveneh correu atrás de Umrae por todo o abrigo, carregando a xícara de porcelana, derramando pingos de chá de maracujá.
Só na hora de subir as escadas que Umrae deu um sutil sorriso e disse:
- Não se preocupe comigo.
Raveneh bufou de impaciência. E tomou o chá que restara, tentando acalmar a si mesma com as propriedades mágicas do maracujá. Logo tentou formular várias hipóteses para onde Umrae foi, mas teve que se preocupar com a May que acordara.

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- Louca!
Lefi olhava para o céu, absurdamente estrelado, anunciador da esplêndida estação que era o verão. Umrae riu. Não demonstrava sentir frio e nem mesmo cansaço em usar um cavalo normal, depois as próprias pernas, para chegar ao palácio. Não que fosse resgatar Kibii naquela hora.
- Louca mil vezes! - repetiu Lefi - Ophelia está ensandecida lá dentro, sabia? Parece que ela está querendo que Kibii fale alguma coisa e ela se recusa.
Umrae sorriu.
- Kibii vai se safar dessa - disse - se você me ajudar.
Lefi também sorriu. Estavam os dois na frente do palácio, escondidos. Ninguém poderia vê-los aí, Umrae se controlava para parecer fria, usando um pesado sobretudo amarronzado.
- O que quer que eu faça? - Lefi concordou. Seus cabelos negros se mexiam com a leve brisa de verão, e um sorriso que se desenhou em seus lábios se desfez rapidamente.
- Quero que você contate Bel.
- Bel? A...
- Qual é a outra Bel que você conhece? - Umrae mordeu o lábio inferior - mexa seus pauzinhos e comunique-se com ela. Entendeu?
- Tá - Lefi ergueu o canto direito dos lábios em um sorriso desdenhoso - e o que eu digo? Que está com saudades e pedir para uma visitinha?
- Não - Umrae respondeu prontamente - diga que eu preciso que ela pague a dívida que tem comigo agora. Eu preciso dos serviços dela, de forma integral.
- Ah - Lefi cruzou os braços - entendo. Bel realmente poderá lhe ajudar muito.
- E preciso do seu apoio - Umrae sussurrou, imaginando onde Ophelia estaria - e preciso que você faça a cabeça de Siih e Alicia para elas se rebelaram.
- Não posso - a voz estava cheia de medo - Siih se machucou demais por causa de Ophelia, Alicia mais ainda. As duas são torturadas todos os dias e você me pede para elas arriscarem a própria vida?
- Eu também estou arriscando a minha vida ao ficar aqui! - Umrae exclamou com veemência - e Kibii também está lá dentro, arriscando a própria vida para salvar a de Amai! E elas não precisam se rebelar diretamente.
- O que está querendo dizer? - Lefi parecia curioso.
Umrae parecia impaciente.
- É o seguinte. Contate Bel. Isso é a prioridade e deve ser feito ainda hoje, entendeu? - no que Lefi assentiu, Umrae continuou - Alicia e Siih tem que cobrir as mentiras que vamos contar. Elas tem que dar cobertura e aprender a mentir para Ophelia, entendeu?
- Ninguém mente para Ophelia - Lefi observou.
- Claro que mente - Umrae desdenhou - realmente precisam que a verdade tenha que ser estampada na cara a todo segundo?
Lefi deu as costas.
- É só isso então? Vou entrar, é noite e Ophelia deve ter terminado a sessão de tortura com a sua amiga.
- É.
- Boa sorte pra voltar.
- Boa sorte para chamar Bel. Diga a ela que dou sete dias, estendendo bastante o prazo.
- Sim.
- Tchau.
- Adeus.

E o céu estava lindo.

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Ophelia preferiu fazer tudo sozinha. Ela gostava dessa sensação, de ser a responsável direta pelos seus resultados.
Suas mãos prenderam Kibii junto à parede, cada pulso pendurado por uma corrente de ferro. Os pés suspensos no ar, os cortes que pediam por um médico. Kibii não se debateu nem protestou. Aceitou ser surrada a cada cinco minutos, receber ofensas a cada dois minutos e ser pendurada do teto, ter a sufocante sensação de os pés não poderem tocar o chão, do coração batendo rápido.
- Pronto, querida - Ophelia sorriu - essa é a sua casa agora.
- Ah - Kibii também sorriu - não dói.
Essa era uma frase que irritava Ophelia, demonstrando a incompetência de Ophelia em machucar realmente. "Não dói". E a voz calma e tranquila, a expressão sonhadora confirmavam a frase. Não era uma mentira para provocar, era uma verdade irreparável.
Não doía.
Não doía em Kibii.
Nada mais doía.

- Aquela menina está me dando nos nervos! - protestou Ophelia se recusando a comer qualquer coisa. Estava irada.
- Coma alguma coisa - Lala tentava persuadir Ophelia, mas sem sucesso - beba água, vinho!
- Vá pra merda, Lala - Ophelia rosnou, batendo com a mão na mesa - aquela menina... ah, mas eu mato!
- Você não vai matar ninguém do jeito que está, Ophelia - Lala repreendeu com severidade - coma a salada, Ophelia.
Ophelia meteu o garfo no pobre do alface sem cuidado nenhum, seus dentes se rangendo de tanta raiva. Parecia que ia explodir de ódio. As bochechas demasiadas vermelhas, seu tremor incontrolável. Lala suspirou. Ophelia era uma pessoa muito passional, emotiva mesmo que tentasse se controlar para não agir assim. Comeu a salada com impaciência, a carne com fervor quase fanaticamente religioso. Pela concentração absoluta em não reclamar de nada, Lala percebeu que ela estava tendo idéias para obter os objetivos.
- Ophelia, por favor, não fique tão tensa assim - Lala pediu - está me incomodando.
- Está bem - cedeu Ophelia parecendo bem mais relaxada - quero matar Kibii, está me ouvindo? Ela é minha.
- Entendi.
- Ninguém toca um dedo nela. Quem vai ter o prazer de matá-la sou eu e somente eu - Ophelia rangeu os dentes.
- Entendi, Ophelia. Agora continue a comer.
Lala suspirou. Se acostumara em cuidar de Ophelia delicadamente, controlar o seu temperamento violento, agir como uma mãe na maior parte do tempo, embora seja completamente escrava na frente dos outros. A deixava livre para exterminar quem quisesse, causar quantas guerras quisesse causar. Mesmo que depois de cada um dos confrontos, Lala saisse machucada só por estar perto.
Era como cuidar de uma bomba que podia explodir a qualquer minuto.

E Lala rezava para não estar por perto quando a bomba explodisse de vez.

4 comentários:

. L disse...

Cada vez amando mais. :D

Anônimo disse...

Háá, história tá muito boa Luna :*

PollyQueiroz disse...

ainda vai virar livro heim heim heim

Umrae disse...

Hey, Luneta!
Estou sem computador, por causa da reforma lá em casa.
Parabéns pela história.
Embora, como seja de costume, eu deva protestar.
Eu jamais teria deixado a Kibii sozinha lá, para se sacrificar. Eu deveria ter ficado no lugar dela. Até porque eu teria mais chances de fugir (usando uma certa coisinha cor de laranja que impediria a Ophélia de detectar minha energia, talvez...).
Mas tudo bem. Agora ela vai aprender o que é caos de verdade...