terça-feira, 14 de outubro de 2008

Parte 58 - Protejam Amai, custe o que custar.

- Abriram a porta - notou Kibii que foi a primeira a perceber o ranger das portas. Sua espada estava suja de sangue demoníaco, mas ela não se importava. Sujaria aquela espada quantas vezes precisasse para obter um pouco de sossego. Aquele demônio que a surpreendeu no banho ainda não estava de todo vingado. E não estava com medo. Mesmo que soubesse de cor sobre as lendas envolvendo Ophelia e demônios, não estava com medo.
Ninguém pode ser tão poderoso assim, era o seu raciocínio natural, todos tem as suas fraquezas.
- O que estão esperando? Entrem! - uma voz convidativa, doce ecoou. Não se precisou olhar para a direção de onde a voz saíra para descobrir a quem ela pertencia.
- Amai - Umrae se virou, vendo as duas companheiras abraçadas, em um canto. Próxima a elas, Bia existia com toda a sua posse, a espada apontada o chão. Lala com seus longos e desarrumados cabelos laranja, ao lado da sua eterna amiga, Ophelia. E do outro lado, Siih respirava pesadamente, sua realeza há muito esquecida. Alicia fizera questão de sumir da cena antes que sobrasse para ela: abriu as portas novamente, e evaporou para o canto da sala, onde havia várias cortinas que eventualmente cobriam as janelas.
Está anoitecendo.
- Então - Kibii sussurrou, se virando para Bia - é isso?
- Teremos que derrotar a própria Ophelia - Bia respondeu solenemente - ou ela não nos deixará sair daqui.
- Ela não é um problema tão grande, certo? - Ly sorriu - ela parece frágil.
- Não se deixe enganar - Umrae aconselhou, caminhando até Rafitcha e Amai, sem ser impedida - às vezes, a pequenez que é a vantagem do diabo.
- Sábia Umrae - Rafitcha conseguiu rir. Mas o riso lhe pareceu estranhamente falso, artificial. E em um tom mais baixo, disse: - precisamos sair daqui, custe o que custar. E não podemos deixar Amai sozinha.
Amai não reclamou. Estava acostumada a ser super-protegida por ser a garotinha, a órfã, a que era a mais nova. Umrae deu a mão para Amai se levantar, o que ela fez com rapidez e leveza.
- Umrae - Amai sussurrou. Percebeu que Ophelia estava concentrada especialmente nas duas, vigiando cada movimento - todos têm um ponto fraco, certo?
- Claro - Umrae cochichou de volta.
- O que falam tanto aí, em cochichos? - Ophelia perguntou, sua voz se sobrepondo a tensão no ar - algum plano secreto?
Rafitcha se levantou, estranhamente calma. Estava fria, gélida, tranquila demais. Umrae achou estranha: Rafitcha podia não ser a pessoa mais melodramática do mundo, mas também não era toda fria e insensível desse jeito.
- Rafitcha? Está bem? - perguntou Kibii, preocupada. Seus cachos negros estavam amarrados no alto da cabeça, e eles lhe davam um sereno ar de guerreira.
- Estou. Obrigada, Kibii.
- Kibii - Ophelia sussurrou - Umrae, Rafitcha, Amai. E Bia.
Ela olhou para todas as garotas atentamente, friamente. E apontou uma a uma, como se juntasse um quebra-cabeça:
- Você é a Rafitcha, que veio me dar o recado. Você é a Amai que é super-protegida. Umrae, você é a perigosa. Pelo visto, tem muito conhecimento e capacidade de liderança. E essa de cabelos cacheados é a Kibii, que conhece a arte das flechas. E essa garota pretenciosa é a Bia. Interessante, todas garotas. Só há um rapaz aqui. Qual seu nome, meu caro?
- Eu deveria lhe dizer? - Ly perguntou, tentando imaginar o motivo de Ophelia querer saber os nomes.
- É uma questão de cortesia, rapaz - Ophelia sorriu - educação, bons modos. Conhece? Imagino que sim. É casado?
Ly percebeu no átimo. Sacana. Mulher sacana aquela. Mas ele não ia ficar para trás.
- Meu nome é Jonas - respondeu Ly com um leve sorriso. Deu um olhar para Kibii, como se pedisse permissão para algo. Doceh nunca vai me perdoar por isso. Nunca, nunca... mas... - eu sou viúvo.
- Nem tem filhos? - ao que Ly disse "não", Ophelia exclamou: - coitado!
E Kibii compreendeu o olhar. Sorriu para dentro: realmente a estratégia da Rainha era bem esperta, talvez. Explorar os pontos fracos, não era isso. E assim, Umrae se perguntou o quê Amai queria dizer quando perguntou se todos tinham um ponto fraco.
- Eu sou a irmã dele - Kibii disse, ajudando com a farsa - mas o que isso tem a ver?
Ophelia analisou as reações quase simultâneas: Amai deu um leve olhar intrigado, Rafitcha crispou os lábios preocupada, Umrae escondeu um zombateiro sorriso com perfeição que Ophelia não enxergou a ironia naquelas linhas dos lábios, Bia permaneceu inexpressiva.
Estão mentindo.

- Agora, vou querer a ruiva - recomeçou Ophelia - e também quero essa tal de Umrae. Algum motivo tinha para a Rainha anterior não gostar de você, sabe? Preciso me prevenir, não concorda?
- Claro - Umrae sorriu, daquele jeito caloroso e desconcertante, como se duvidasse seriamente da competência de Ophelia para tanto - eu concordo plenamente. Não me importo muito a meu respeito, sei me cuidar. Mas não vai levar mais ninguém.
Kibii se indignou.
- Só passando por cima do meu cadáver! - protestou, se posicionando em frente à Umrae, fitando a Rainha nos olhos.
- Isso - Ophelia bateu palmas animadamente - não é nenhum problema. Vamos lá!

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- AAAARRRRGGGGHHHH!!!
Doceh rugia a cada cinco minutos, trancada em uma sala para que ninguém escutasse seus gritos. Ela mesma fizera isso, procurando um lugar isolado onde pudesse sentir raiva, raiva de si mesma, raiva de Ly.
Mas ainda todos no abrigo escutavam a estranha dor de Doceh.

Nunca haviam visto uma Doceh tão sentida, tão desesperada. Não compreendiam porque tanto medo de Ophelia, tanto desespero em perder o Ly. Ela devia estar acostumada, lutaram juntos tantas vezes! E se conheceram, curiosamente, de lados opostos! Doceh, do norte, cuidara tanto de Ly quando ele lhe foi trago, como prisioneiro de guerra e assim humilhado todos os dias, simplesmente por pertencer as Campinas. No meio da guerra, do caos que assolou Heppaceneoh há doze, treze anos atrás. E eles haviam se decidido ali. Entre os leitos e lençóis sujos de sangue, remédios e cuidados médicos, ele lhe perguntou se não queria namorar com ele.
E ela rira, e disse que ele era um idiota.
Odeio você, Ly. Odeio.
Ele nunca fora sentimental. Era até engraçado, mas ele nunca chegava a ser completamente frio.
Ele era simplesmente direto, sem rodeios ou dramatismo, bem ao contrário dela. Não que ela fosse uma patética completa e tivesse crises o tempo todo. Na maior parte do tempo, ela era fria, muito mais perigosa que ele. Ly bem sabia o quanto lhe podia custar desafiá-la, causar ciúmes ou simplesmente discordar dela em algumas questões como que "Tal mulher é uma vadia". Mas ainda assim, ele a adorava daquela forma única, direta, simples.

E ela queria isso de volta. Às vezes odiava, se pegava desejando algo mais intenso, mais dramático, mais emotivo. Mas como ela concluia que ela não era desse feitio, nem tinha paciência com homem que fazia do tipo drama. O casamento dos dois era entre semelhantes e opostos, ao mesmo tempo.
E ela queria isso de volta.
.
Mas fazia tão pouco tempo que ele tinha ido!

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- Três contra um? Ou vai lutar também, Bia? - perguntou Ophelia docemente, seus olhos brilhando de forma tão meiga que não parecia em nada a cruel assassina que já ferira vários.
- Claro que sim - Bia respondeu como se a Rainha tivesse perguntado a coisa mais óbvia do mundo.
- Você não está machucada, Bia? - lembrou Rafitcha, preocupada. E se o desempenho de Bia fosse prejudicado pelo ferimento na perna?
- Claro que não - Bia se posicionou, a espada apontada para Ophelia - eu luto com demônios e eu sei regenerar.
- Isso é bom - Ophelia disse, batendo palmas novamente - essa é a primeira lição importantíssima. Ao lutar com um demônio, saibam regenerar seus membros. Mas não se preocupem, eu pegarei leve. O máximo que pode acontecer é perderem uns dedos.
- O máximo? Eu diria que o mínimo que pode acontecer a você é perder a cabeça. De forma literal - rosnou Umrae, gélida. Sua voz podia romper a tensão existente no ar, a ansiedade que podia ser tocada.
Ophelia crispou os lábios.

Agora!
Umrae teve que recuar, analisando bem o desempenho de Ophelia que preferiu manter uma luta com Kibii. E a todo segundo, Kibii se viu assustada, tendo que se defender o tempo todo. E Ophelia nem usava uma espada ou algo do tipo, suas armas eram suas mãos. Seus dez dedos cresciam, golpeando Kibii e esta se defendia com a espada. Diagonal, direita, esquerda, dianteira, recue! Kibii preferia a sutileza do arco e flecha, mas não era ruim na espada e sabia uns bons golpes que surpreenderiam Ophelia. Ou assim achava.
- Por que uma pessoa só? - perguntou Bia, se aproveitando da breve distração de Ophelia.
- Quer participar? Fique a vontade - Ophelia disse.
O que mais assustou a todos era que a voz estava controlada, fria. E todos sabem que é impossível falar desse jeito quando se faz algum exercício bem intenso, principalmente em uma luta. Naquele momento, todos perceberam que Ophelia não estava nem um pouco cansada, podia respirar normalmente e o pior: aquilo, para ela, era um hobby. Um hobby frio, sanguinolento, cruel.

- Vadia.
Um golpe que poderia simplesmente arrancar a cabeça de Ophelia se fosse bem-executado, mas foi quebrado ao meio. Dos dez dedos que viravam lâminas pontiagudas, afiadas e enormes, cinco se ocuparam de Bia. Era, de certo modo, impressionante ver como Ophelia se ocupava de duas oponentes ao mesmo tempo, cinco espadas perfeitamente maleáveis para cada uma. Kibii lutava com todas as suas forças, Bia procurava um pouco de sanidade na hora de golpear. Recuavam, esforçavam-se a cada segundo em machucar o máximo possível.

E Umrae tentava raciocinar. A prioridade ali não era derrotar Ophelia. Era levar todo mundo de volta para as Campinas, vivo. Precisava de tempo, mas não queria sacrificar Kibii e Bia. Se mantivessem aquele ritmo, seriam aniquiladas, percebeu isso rapidinho. Ao dar uma olhada para o Ly, percebeu que ele chegava à mesma conclusão.
- Ly - começou Umrae, sua mente já armando a estratégia - um.
Ly se posicionou, tentando fingir que a expressão de Lala não era tranquila demais, e ainda assim absolutamente calma.
- Um.
Umrae girou o próprio corpo para a frente, torcendo para aparentar que estava somente concentrada em Ophelia e assim Lala não a perturbaria.
- Dois.
Ly olhou fixamente para Amai e Rafitcha, as duas se abraçando desesperadamente, como se a outra fosse a última esperança de viver.
- Três.
A voz de Umrae se quebrou a partir do momento que dissera o numeral, com brevidade, o tom rouco. Tremeu no "s" ao ver que Ophelia conseguira derrubar Kibii na parede, com cortes em todas as partes do corpo imagináveis, e Bia estava tendo o mesmo destino. Cortar, ser fatiada, o quanto aquilo doeria.
- Merda, Umrae, vá logo! - o grito de Bia rompeu, a frieza sendo rompida pelas garras a cada cinco segundos. Ofegava e pela primeira vez, uma Bia completamente descontrolada com medo estava sendo apresentada a todos. Rafitcha tremeu, Amai escondeu o choro tentando ser forte. Tentativa inútil: seus olhos se inundaram de lágrimas e a visão cessou por breves instantes.
Ly se ocupou de Amai, Rafitcha não precisou ser protegida por Umrae. Estava bem, mesmo que com dor de cabeça e passando mal de tanto nervoso. A atmosfera era irrespirável, e aquela Lala que somente ficava parada, observando a todos sem se mover não ajudava. Continuava serena, inabalável.

Siih era consolada por Alicia, ambas escondidas, querendo não ficar com o encargo de cuidar dos corpos restantes. Ambas admiravam a luta obcecadas pelos movimentos gentis de Ophelia, que apesar de tudo não conseguia deixar de ser bela. Por mais que fosse um monstro, por mais que seus traços faciais se endurecessem e franzissem em uma batalha, por mais que se encharcasse de sangue dos pés a cabeça, ela ainda assim era bela.
Irremediavelmente bela.

- Vamos.
O hálito quente de Ly encheu Amai de esperança, vigor. Sentiu coragem até para abrir os olhos, respirar um pouco. Abraçada pelos fortes braços de Ly, sendo arrastada para a porta, tendo todas as atenções atraídas para si.
- Aonde pensa que vai com essa garota? Eu não disse que essa ruiva era minha? - a voz de Ophelia era fria, gélida. Ela penetrava nos ouvidos de Amai, a torturando devagar, como se Ophelia gostasse de sorver cada pedaço de vida que se continha naquele corpo.

Todas as forças do mundo.
Todos os segundos necessários.
Todos os passos que deu, mesmo machucada.
Rompera a visão de Ophelia, foi vista por Lala, mas seu corpo quase que voou pelo salão até alcançar Amai. Ao seu lado, a protegeu inteiramente. Atrás de Amai, um Ly que a protegia como se fosse proteger a própria esposa. Ao lado direito de Amai, Rafitcha que apertava o braço da amiga, tentando imaginar uma fuga no meio daquele caos. E Umrae que estava na frente de tudo, sendo a linha de frente, arriscando a própria vida somente para cumprir a missão que lhe fora dada. E agora Kibii com pequenos cortes nos braços e pernas, se apoiando em Amai para olhar para Ophelia, concentrando-se somente em ter forças para uma nova luta.

E agora Bia que tentava se recuperar da breve pausa que lhe fora dada, pelo mínimo segundo de distração de Ophelia.
Ophelia sorriu. Aquele sorriso fanaticamente belo.
Lala preferia olhar para os vitrais, no alto. Parecia profundamente desinteressada.

Uma Umrae atenta, Rafitcha mordendo o lábio inferior, Amai insegura, Kibii machucada, Ly querendo viver para voltar a ver sua esposa, Bia cuspindo sangue. Ophelia se deliciando com as possíveis futuras presas, Lala tentando não se preocupar com ninguém ali.

Seis pessoas contra duas. Normalmente venceriam rápido.
Mas quando a dupla vale por dez pessoas, a situação muda rapidinho. E quando um dos dois oponentes é alguém com sede de sangue, alguém precisa se sacrificar.

Foi isso que os seis habitantes de Campinas compreenderam. E em uma atropelada decisão mental, tentaram definir quase que telepaticamente: quem vai ficar e quem vai embora?

2 comentários:

. L disse...

T_________T

. L disse...

Respondendo a enquete, já que não tinha a opção "outros" :o
Seria legal se algo acontece pra ninguém ter que matar Ophelia! *-*
Por exemplo, ela ter que escolher entre Lala viva ou o trono e escolher a amiguinha fofulética. *-*
Clichê, mas legal. :o

Tô amando (L)

;*