Ophelia havia distribuido exatamente cinquenta jakens em volta do palácio. Dez no norte, dez ao leste, dez ao oeste e outros dez ao sul. E os outros dez estavam espalhados, sempre ajudando quem fosse preciso. Normalmente, eles ficavam arrumando confusão pela cidade.
Eram jakens brancos, lembrando humanos. Viviam nus, os olhos amarelados e nervosos, carecas. Os narizes lembravam fendas horríveis, as línguas eram enormes, alcançando um metro de comprimento e eram vermelhas, os dentes lembrando presas, afiados de forma desigual.
Kibii até que gostou de lutar com eles. Eles eram chamados de "jakens amaldiçoados", da espécie que aprendia a manipular as mãos como espadas embutidas no próprio corpo. Eram quase canibais, de certo modo, e Kibii sorriu ao ver que eles até sabiam lutar, mas ela era ainda melhor. O mesmo sentimento era experimentado por Umrae e por Ly que também lutavam.
- Maldito - Umrae ofegava, após desferir um golpe no abdomên de um deles, rasgando todo o estômago - Maldito...
Não iria deixar ninguém morrer. Ninguém. Mataria esses demônios que pareciam surgir como ratos em todo o canto, protegeria Rafitcha e Amai como foi dada a sua missão. Todos retornariam para o abrigo vivos.
Atrás de si, cortou a cabeça de um deles e novamente detestou o cheiro de sangue. Mas não iria deixar seu trabalho por uma frescura somente. Seus cabelos, que estavam amarrados em um coque simples, acabaram por se soltar no meio da luta. É ridículo. Lutava agora com somente um demônio, certamente mais habilidoso que os outros. Os passos que dava para trás eram certeiros, bem medidos, e a força que punha em cada ataque com a cimitarra era bem calculado. Estavam em cima de um muro bem largo, do tipo que era usado para arqueiros atirarem suas flechas de cima. Então o lugar era vantajoso para uma luta.
- Maldita... matou meus irmãos...
O jaken tinha a voz pastosa e incômoda, porém ela não alcançava os ouvidos de Umrae. Se recusava a ouvir qualquer coisa, somente em sentir, tentar medir a força, tentar saber onde o próximo ataque seria tentado. Ele era bem melhor do que os outros, sem dúvida. Enquanto os quatro que matara anteriormente eram estúpidos e somente vieram com tudo em cima dela, sendo estraçalhados no segundo seguinte, este queria ganhar tempo, sorria, zombava, amaldiçoava e pensava mais antes de agir.
Com um olho no portão, onde Ly derrotou o último demônio e o outro olho no demônio que golpeava às cegas na visão sofisticada de Umrae, ela decidiu dar um fim àquela luta. Deu um passo para trás, e parou de recuar. O pé esquerdo ficou exatamente meio passo atrás do pé direito, e ela girou o corpo para a direita, segurando a espada à direita do corpo do jaken. O demônio parou subitamente, quase que perguntando o porquê do estranho movimento. Mas Umrae não lhe deu o tempo suficiente para agir: moveu o pé esquerdo tão rapidamente, praticamente chutando a lateral do corpo do jaken, fazendo-o cambalear para trás. O chute fora potencializado graças ao impulso que teve com o pé. E tão rapidamente como chutou, ela moveu a espada para a esquerda, a enfiando para a frente. Fechou os olhos, evitando o sangue.
E logo abriu-os novamente e deu um curto sorriso. Vencera a luta. Como sempre, ela vencera a luta.
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- Somente nomes... é tudo o que eu tenho...
Ophelia escolhera os nomes aleatoriamente, sem saber quem era realmente todas aquelas pessoas cujos nomes foram anotados. Mas já tinha uma vaga idéia... pegaria a menina ruiva, a que era protegida pela morena, a que dera a resposta. Pelo jeito que a morena protegia a ruiva, indicava que algum afeto o pessoal de Campinas nutria pela ruiva.
Pegar a tal da menina que ia lutar com Lala também era importante. Tinha que pegar todos que sabiam lutar, todos que agiam como líderes, todos que eram considerados "perigosos" na lista.
- Siih - sussurrou, enquanto Lala recuou do primeiro golpe de Bia, e as duas se encararam.
- Sim? - Siih sussurrou de volta, querendo não saber o que Ophelia tinha que falar naquela hora.
- Chame Alicia e bloqueie as portas. Eu não quero que a ruiva vá embora, entendeu?
- Você vai--
- Vá logo - Ophelia não se dignou a olhar para a, agora, escrava - antes que eu me estresse.
Siih se levantou, resignada, e seus pés descalços imediatamente abandonaram o aposento. Ophelia voltou a se concentrar na luta.
A luta estava de causar falta de ar desde o começo, desde o golpe que visava a cabeça de Lala. Mas, felizmente, ela escapou quase deslizando pelo chão, e tudo o que se escutou foi o ruído da espada se chocando contra o metal que fazia parte da armadura de Bia. Se não fosse a armadura, Bia seria atingida gravemente na lateral do abdomên. Depois disso, foram seguidos golpes, tão rápidos que ninguém conseguia enxergar para onde os movimentos se dirigiam. As espadas se chocavam o tempo todo, os pés recuavam a cada segundo que se passava, e por pouco, vidas não se perdiam. Lala começou a suar, Bia começou a fraquejar.
Diagonal esquerda, dois passos para trás, um para a frente com toda a força, mirando na barriga. As noções de luta rondavam a cabeça de Lala, cenas que lhe eram familiares há muito tempo. A frágil katana contra a enorme espada, feita para romper carne de demônios. Lala tentou um golpe na horizontal, como que quase espetando o corpo de Bia, mas levou um chute na coxa esquerda o que a fez cair para trás, quase soltando a espada.
- Chutes não vão funcionar em mim - disse Lala sorrindo, se levantando.
- Claro que vai - Bia sorriu.
E sua espada se mexeu novamente, o punho quase que girando os 360º graus, de forma tão suave e leve, tão rápida que Lala não viu. Somente conseguiu sentir o fluxo de ar se dirigindo para ela, a lâmina fria que rompeu com a sua carne na área da coxa direita, o sangue empapando a negra roupa.
- Um ponto! - Rafitcha gritou - um corte!
Lala desabou de novo no chão, e conseguiu resistir à segunda investida, esta sim que acabaria com a sua vida. Bia recuou, como que quisesse dar alguns segundos de vida. Mas Lala se levantou, assumiu a postura correta e apontou a espada.
- Venha - disse Lala - venha com tudo.
- Eu vou te matar - Bia se arrumou novamente, a espada apontando para a frente, o sorriso frio decorando seu rosto.
- Não vai - Lala respondeu friamente, sem fraquejar - ninguém consegue me matar. E eu vou te dizer o porquê.
Lala deu um golpe tão perfeito que Bia nada pôde fazer.
Deu cinco passos exatamente iguais em comprimento, tão rápidos, tão ligeiros que ninguém viu, nem mesmo Ophelia. E mexeu a sua espada tantas vezes em tão pouco tempo que confundiu os olhos de Bia que já não sabia mais se Lala atacaria de direita ou esquerda, o que a fez recuar. Mas nem mesmo recuar adiantou, porque Lala simplesmente contrariou a intuição de todos e manipulou a sua energia para que ela enganasse todos: ao término dos perfeitos cinco passos, girou o próprio corpo na direção de Bia, a espada com toda a força nas costas de Bia.
E assim Bia se viu, pela primeira vez, confrontada com a possível derrota contra uma adversária de igual para igual.
- Mas ela fez tão perfeito! - gritou Amai - como ela... a perna, a perna estava sangrando!
Rafitcha deu uma rápida olhada para a perna. E ela, assim como Ophelia, constatou a mesma coisa: o ferimento estava curado. Olhou para Ophelia e percebeu que ela tinha um sorriso que somente decorava o rosto, já inocente.
- E aí? - Lala deu um leve sorriso que brilhou por apenas uns instantes.
Bia estreitou os olhos, quase que furiosa.
- Maldita - Bia sussurrou.
Lala é mais poderosa do que imaginavámos... - concluiu Rafitcha, percebendo somente o sangue que secava devagar. Não havia nenhuma marca na pele, nem mesmo um sutil arranhão. Renegeração... não dissem que esse é o forte de Ophelia?
- Maldita - Bia repetiu.
Lala somente mexeu a cabeça para a direita, seus cabelos se soltando do coque mal-feito:
- Ninguém pode me matar, garota.
- Eu percebi - Bia rosnou em resposta - então vou somente te machucar bastante.
Ambas deram passos desiguais para trás, recuando e procurando equilíbrio. Ainda dói. Lala recuou mais ainda, encostando-se na parede. Procurava uma ínfima brecha para atacar Bia, para machucar Bia, para matar Bia.
- Vai, Bia! - incentivava Rafitcha.
Quem são essas?
Pelo menos agora sabia que sua adversária se chamava Bia. Não parecia um nome típico de guerreira, e pelos olhos frios, ela havia sido educada para matar. Não existem mais caçadores de demônios que foram educados para isso... Olhou nos olhos de Bia, encarando-a, as duas sempre medindo o próximo ataque.
Uma vez Bia perdera todos os dedos da mão direita quando tinha sete anos. Sua mestra lhe cortara os dedos de propósito para fazê-la aprender sobre regeneração, na base da força. E Bia, desesperada, conseguiu pela primeira vez regenerar membros completos. Depois disso ela conseguira fazer muitas vezes, principalmente ao lutar com demônios. Mas ela tinha a sensação de que nunca conseguiria algo próximo que Lala fazia, em tão pouco tempo, tão tranquilamente. A serenidade de Lala era o que mais a assustava: ela tinha a sensação de que por mais que golpeasse, nunca conseguiria machucar a adversária. Ela continuava impassível, somente com aquele cínico sorriso que fazia questão de desequilibrá-la.
Esse é o seu poder secreto, garota?
Moveu os pés para a frente, a espada apontando para o alto, a lâmina fria que brilhava com a luz do sol que se infiltrava pelas janelas, que esquentava pouco. Logo, logo seria noite.
Isso não vai adiantar. Eu também sei fazer isso, garota.
Correu para o outro lado do salão, avançando em direção à Lala, correu como se não tivesse obstáculos ou mesmo a simples noção de gravidade. E a espada que continuava em pé, no alto, em suas mãos que seguravam o punho tão firme que quase se machucavam. E ao chegar em frente da Lala, parou os pés e baixou a espada ao mesmo tempo. Em um instante viu os olhos cor-de-mel a encararam, a postura despreocupada. No instante seguinte, um borrão laranja.
- É isso que é o seu melhor?
A voz vinha de trás. E a sua espada cortara somente o vazio.
- Argh - Bia sussurrou.
Ela é forte.
E a maldita nem estava ofegando.
Parabéns, Lala.
Ophelia sorria, se deliciando com a luta e com a forma que Lala melhorara muito suas técnicas desde que conhecera a atual Rainha...
Se ela lutasse assim como lutou na primeira luta, ela nunca teria sido tão machucada...
Ophelia observou que Siih entrou no aposento, acompanhada de Alicia.
- Quê? Ainda não se mataram? - perguntou Siih, a pergunta levemente desinteressada.
- Não - Ophelia sussurrou - ambas são muito fortes. Lala!
Na mesma hora, Bia parou de erguer a espada acima de si para tentar golpear Lala. As duas oponentes olharam para Ophelia, um sinal de interrogação em seus rostos.
- Pode parar - Ophelia disse - já chegou.
- O quê? - Lala rosnou - nunca te disseram que é descortês interromper uma luta, Ophelia?
Ophelia sorriu, mostrando os dentes.
- Alicia e Siih - sussurrou - quero a ruiva. Entendeu?
- Sim - Alicia e Siih disseram em uníssono, evitando os olhares de Rafitcha e Amai.
Não queriam passar por monstros. E tinham medo demais de Ophelia para contrariar alguma ordem...
- Sinto muito - Alicia sussurrou, controlando sua tristeza. Fechou todas as portas, as trancando.
Rafitcha que ainda abraçava Amai a observava tentando compreender.
- O que você está fazendo? - gritou Rafitcha, vendo Alicia trancar a última porta.
- Sinto muito - Alicia disse, um pouco mais alto - Sinto muito.
Os cabelos loiro-prateados de Alicia estavam soltos e despenteados, e junto com seus olhos cinzentos, lhe davam um ar de tristeza e mágoa.
- Que droga você acha que está fazendo? - Amai gritou, repetindo a pergunta, mas dessa vez se dirigiu à Ophelia.
Ophelia não pôde esconder o risinho de satisfação.
- Simples, querida. Não entende?
- Isso era o que você temia, não era? - Rafitcha sussurrou, o coração sendo tomado pelo ódio - foi por causa disso que todas aquelas pessoas estão lá fora, que Bia está aqui... por culpa de...
- Sequestro... - Amai cochichou, não querendo ser ouvida por Ophelia.
Todos estavam parados, tentando calcular o próximo movimento. Lala suspirou, impaciente, e se encostou na parede, profundamente decepcionada.
- A gente termina essa luta numa próxima oportunidade.
- Claro - Bia respondeu, com um sorriso.
Bia se aproximou de Rafitcha e de Amai, verificando uma brecha. Uma janela? Todas eram altas demais, tinha que voar ou qualquer coisa do tipo. Teria que quebrar as portas ou chamar Umrae, Kibii e Ly lá fora. Mas, como?
- Deixe a gente sair - Rafitcha murmurou.
- Claro que não - zombou Ophelia - eu quero uma de vocês.
- Não vai ter - Amai disse.
- Claro que vou - Ophelia disse - é óbvio que terei. Eu quero essa ruiva.
E pelo olhar gélido de Ophelia, todos sabiam ali que se ela queria a ruiva, ela teria a ruiva.
4 comentários:
Gostei das descrições dos golpes nas lutas, você está ficando cada vez melhor.
Bjo
você está ficando cada vez melhor (2)
Menina, tá incrível!
nem fiquei sabendo que vc tinha voltado com o conto *-*
pra desenhos, estou aqui viu, pro que precisar!
*esperando ansiosa*
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