sábado, 6 de setembro de 2008

Parte 56 - Angustiante.

Ophelia havia distribuido exatamente cinquenta jakens em volta do palácio. Dez no norte, dez ao leste, dez ao oeste e outros dez ao sul. E os outros dez estavam espalhados, sempre ajudando quem fosse preciso. Normalmente, eles ficavam arrumando confusão pela cidade.
Eram jakens brancos, lembrando humanos. Viviam nus, os olhos amarelados e nervosos, carecas. Os narizes lembravam fendas horríveis, as línguas eram enormes, alcançando um metro de comprimento e eram vermelhas, os dentes lembrando presas, afiados de forma desigual.

Kibii até que gostou de lutar com eles. Eles eram chamados de "jakens amaldiçoados", da espécie que aprendia a manipular as mãos como espadas embutidas no próprio corpo. Eram quase canibais, de certo modo, e Kibii sorriu ao ver que eles até sabiam lutar, mas ela era ainda melhor. O mesmo sentimento era experimentado por Umrae e por Ly que também lutavam.
- Maldito - Umrae ofegava, após desferir um golpe no abdomên de um deles, rasgando todo o estômago - Maldito...
Não iria deixar ninguém morrer. Ninguém. Mataria esses demônios que pareciam surgir como ratos em todo o canto, protegeria Rafitcha e Amai como foi dada a sua missão. Todos retornariam para o abrigo vivos.

Atrás de si, cortou a cabeça de um deles e novamente detestou o cheiro de sangue. Mas não iria deixar seu trabalho por uma frescura somente. Seus cabelos, que estavam amarrados em um coque simples, acabaram por se soltar no meio da luta. É ridículo. Lutava agora com somente um demônio, certamente mais habilidoso que os outros. Os passos que dava para trás eram certeiros, bem medidos, e a força que punha em cada ataque com a cimitarra era bem calculado. Estavam em cima de um muro bem largo, do tipo que era usado para arqueiros atirarem suas flechas de cima. Então o lugar era vantajoso para uma luta.
- Maldita... matou meus irmãos...
O jaken tinha a voz pastosa e incômoda, porém ela não alcançava os ouvidos de Umrae. Se recusava a ouvir qualquer coisa, somente em sentir, tentar medir a força, tentar saber onde o próximo ataque seria tentado. Ele era bem melhor do que os outros, sem dúvida. Enquanto os quatro que matara anteriormente eram estúpidos e somente vieram com tudo em cima dela, sendo estraçalhados no segundo seguinte, este queria ganhar tempo, sorria, zombava, amaldiçoava e pensava mais antes de agir.

Com um olho no portão, onde Ly derrotou o último demônio e o outro olho no demônio que golpeava às cegas na visão sofisticada de Umrae, ela decidiu dar um fim àquela luta. Deu um passo para trás, e parou de recuar. O pé esquerdo ficou exatamente meio passo atrás do pé direito, e ela girou o corpo para a direita, segurando a espada à direita do corpo do jaken. O demônio parou subitamente, quase que perguntando o porquê do estranho movimento. Mas Umrae não lhe deu o tempo suficiente para agir: moveu o pé esquerdo tão rapidamente, praticamente chutando a lateral do corpo do jaken, fazendo-o cambalear para trás. O chute fora potencializado graças ao impulso que teve com o pé. E tão rapidamente como chutou, ela moveu a espada para a esquerda, a enfiando para a frente. Fechou os olhos, evitando o sangue.

E logo abriu-os novamente e deu um curto sorriso. Vencera a luta. Como sempre, ela vencera a luta.

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- Somente nomes... é tudo o que eu tenho...
Ophelia escolhera os nomes aleatoriamente, sem saber quem era realmente todas aquelas pessoas cujos nomes foram anotados. Mas já tinha uma vaga idéia... pegaria a menina ruiva, a que era protegida pela morena, a que dera a resposta. Pelo jeito que a morena protegia a ruiva, indicava que algum afeto o pessoal de Campinas nutria pela ruiva.
Pegar a tal da menina que ia lutar com Lala também era importante. Tinha que pegar todos que sabiam lutar, todos que agiam como líderes, todos que eram considerados "perigosos" na lista.
- Siih - sussurrou, enquanto Lala recuou do primeiro golpe de Bia, e as duas se encararam.
- Sim? - Siih sussurrou de volta, querendo não saber o que Ophelia tinha que falar naquela hora.
- Chame Alicia e bloqueie as portas. Eu não quero que a ruiva vá embora, entendeu?
- Você vai--
- Vá logo - Ophelia não se dignou a olhar para a, agora, escrava - antes que eu me estresse.
Siih se levantou, resignada, e seus pés descalços imediatamente abandonaram o aposento. Ophelia voltou a se concentrar na luta.

A luta estava de causar falta de ar desde o começo, desde o golpe que visava a cabeça de Lala. Mas, felizmente, ela escapou quase deslizando pelo chão, e tudo o que se escutou foi o ruído da espada se chocando contra o metal que fazia parte da armadura de Bia. Se não fosse a armadura, Bia seria atingida gravemente na lateral do abdomên. Depois disso, foram seguidos golpes, tão rápidos que ninguém conseguia enxergar para onde os movimentos se dirigiam. As espadas se chocavam o tempo todo, os pés recuavam a cada segundo que se passava, e por pouco, vidas não se perdiam. Lala começou a suar, Bia começou a fraquejar.

Diagonal esquerda, dois passos para trás, um para a frente com toda a força, mirando na barriga. As noções de luta rondavam a cabeça de Lala, cenas que lhe eram familiares há muito tempo. A frágil katana contra a enorme espada, feita para romper carne de demônios. Lala tentou um golpe na horizontal, como que quase espetando o corpo de Bia, mas levou um chute na coxa esquerda o que a fez cair para trás, quase soltando a espada.
- Chutes não vão funcionar em mim - disse Lala sorrindo, se levantando.
- Claro que vai - Bia sorriu.
E sua espada se mexeu novamente, o punho quase que girando os 360º graus, de forma tão suave e leve, tão rápida que Lala não viu. Somente conseguiu sentir o fluxo de ar se dirigindo para ela, a lâmina fria que rompeu com a sua carne na área da coxa direita, o sangue empapando a negra roupa.
- Um ponto! - Rafitcha gritou - um corte!
Lala desabou de novo no chão, e conseguiu resistir à segunda investida, esta sim que acabaria com a sua vida. Bia recuou, como que quisesse dar alguns segundos de vida. Mas Lala se levantou, assumiu a postura correta e apontou a espada.
- Venha - disse Lala - venha com tudo.
- Eu vou te matar - Bia se arrumou novamente, a espada apontando para a frente, o sorriso frio decorando seu rosto.
- Não vai - Lala respondeu friamente, sem fraquejar - ninguém consegue me matar. E eu vou te dizer o porquê.
Lala deu um golpe tão perfeito que Bia nada pôde fazer.

Deu cinco passos exatamente iguais em comprimento, tão rápidos, tão ligeiros que ninguém viu, nem mesmo Ophelia. E mexeu a sua espada tantas vezes em tão pouco tempo que confundiu os olhos de Bia que já não sabia mais se Lala atacaria de direita ou esquerda, o que a fez recuar. Mas nem mesmo recuar adiantou, porque Lala simplesmente contrariou a intuição de todos e manipulou a sua energia para que ela enganasse todos: ao término dos perfeitos cinco passos, girou o próprio corpo na direção de Bia, a espada com toda a força nas costas de Bia.

E assim Bia se viu, pela primeira vez, confrontada com a possível derrota contra uma adversária de igual para igual.

- Mas ela fez tão perfeito! - gritou Amai - como ela... a perna, a perna estava sangrando!
Rafitcha deu uma rápida olhada para a perna. E ela, assim como Ophelia, constatou a mesma coisa: o ferimento estava curado. Olhou para Ophelia e percebeu que ela tinha um sorriso que somente decorava o rosto, já inocente.
- E aí? - Lala deu um leve sorriso que brilhou por apenas uns instantes.
Bia estreitou os olhos, quase que furiosa.
- Maldita - Bia sussurrou.
Lala é mais poderosa do que imaginavámos... - concluiu Rafitcha, percebendo somente o sangue que secava devagar. Não havia nenhuma marca na pele, nem mesmo um sutil arranhão. Renegeração... não dissem que esse é o forte de Ophelia?
- Maldita - Bia repetiu.
Lala somente mexeu a cabeça para a direita, seus cabelos se soltando do coque mal-feito:
- Ninguém pode me matar, garota.
- Eu percebi - Bia rosnou em resposta - então vou somente te machucar bastante.

Ambas deram passos desiguais para trás, recuando e procurando equilíbrio. Ainda dói. Lala recuou mais ainda, encostando-se na parede. Procurava uma ínfima brecha para atacar Bia, para machucar Bia, para matar Bia.
- Vai, Bia! - incentivava Rafitcha.
Quem são essas?
Pelo menos agora sabia que sua adversária se chamava Bia. Não parecia um nome típico de guerreira, e pelos olhos frios, ela havia sido educada para matar. Não existem mais caçadores de demônios que foram educados para isso... Olhou nos olhos de Bia, encarando-a, as duas sempre medindo o próximo ataque.

Uma vez Bia perdera todos os dedos da mão direita quando tinha sete anos. Sua mestra lhe cortara os dedos de propósito para fazê-la aprender sobre regeneração, na base da força. E Bia, desesperada, conseguiu pela primeira vez regenerar membros completos. Depois disso ela conseguira fazer muitas vezes, principalmente ao lutar com demônios. Mas ela tinha a sensação de que nunca conseguiria algo próximo que Lala fazia, em tão pouco tempo, tão tranquilamente. A serenidade de Lala era o que mais a assustava: ela tinha a sensação de que por mais que golpeasse, nunca conseguiria machucar a adversária. Ela continuava impassível, somente com aquele cínico sorriso que fazia questão de desequilibrá-la.
Esse é o seu poder secreto, garota?
Moveu os pés para a frente, a espada apontando para o alto, a lâmina fria que brilhava com a luz do sol que se infiltrava pelas janelas, que esquentava pouco. Logo, logo seria noite.
Isso não vai adiantar. Eu também sei fazer isso, garota.
Correu para o outro lado do salão, avançando em direção à Lala, correu como se não tivesse obstáculos ou mesmo a simples noção de gravidade. E a espada que continuava em pé, no alto, em suas mãos que seguravam o punho tão firme que quase se machucavam. E ao chegar em frente da Lala, parou os pés e baixou a espada ao mesmo tempo. Em um instante viu os olhos cor-de-mel a encararam, a postura despreocupada. No instante seguinte, um borrão laranja.
- É isso que é o seu melhor?
A voz vinha de trás. E a sua espada cortara somente o vazio.

- Argh - Bia sussurrou.
Ela é forte.
E a maldita nem estava ofegando.

Parabéns, Lala.
Ophelia sorria, se deliciando com a luta e com a forma que Lala melhorara muito suas técnicas desde que conhecera a atual Rainha...
Se ela lutasse assim como lutou na primeira luta, ela nunca teria sido tão machucada...
Ophelia observou que Siih entrou no aposento, acompanhada de Alicia.
- Quê? Ainda não se mataram? - perguntou Siih, a pergunta levemente desinteressada.
- Não - Ophelia sussurrou - ambas são muito fortes. Lala!

Na mesma hora, Bia parou de erguer a espada acima de si para tentar golpear Lala. As duas oponentes olharam para Ophelia, um sinal de interrogação em seus rostos.
- Pode parar - Ophelia disse - já chegou.
- O quê? - Lala rosnou - nunca te disseram que é descortês interromper uma luta, Ophelia?
Ophelia sorriu, mostrando os dentes.
- Alicia e Siih - sussurrou - quero a ruiva. Entendeu?
- Sim - Alicia e Siih disseram em uníssono, evitando os olhares de Rafitcha e Amai.
Não queriam passar por monstros. E tinham medo demais de Ophelia para contrariar alguma ordem...

- Sinto muito - Alicia sussurrou, controlando sua tristeza. Fechou todas as portas, as trancando.
Rafitcha que ainda abraçava Amai a observava tentando compreender.
- O que você está fazendo? - gritou Rafitcha, vendo Alicia trancar a última porta.
- Sinto muito - Alicia disse, um pouco mais alto - Sinto muito.
Os cabelos loiro-prateados de Alicia estavam soltos e despenteados, e junto com seus olhos cinzentos, lhe davam um ar de tristeza e mágoa.
- Que droga você acha que está fazendo? - Amai gritou, repetindo a pergunta, mas dessa vez se dirigiu à Ophelia.
Ophelia não pôde esconder o risinho de satisfação.
- Simples, querida. Não entende?
- Isso era o que você temia, não era? - Rafitcha sussurrou, o coração sendo tomado pelo ódio - foi por causa disso que todas aquelas pessoas estão lá fora, que Bia está aqui... por culpa de...
- Sequestro... - Amai cochichou, não querendo ser ouvida por Ophelia.

Todos estavam parados, tentando calcular o próximo movimento. Lala suspirou, impaciente, e se encostou na parede, profundamente decepcionada.
- A gente termina essa luta numa próxima oportunidade.
- Claro - Bia respondeu, com um sorriso.
Bia se aproximou de Rafitcha e de Amai, verificando uma brecha. Uma janela? Todas eram altas demais, tinha que voar ou qualquer coisa do tipo. Teria que quebrar as portas ou chamar Umrae, Kibii e Ly lá fora. Mas, como?
- Deixe a gente sair - Rafitcha murmurou.
- Claro que não - zombou Ophelia - eu quero uma de vocês.
- Não vai ter - Amai disse.
- Claro que vou - Ophelia disse - é óbvio que terei. Eu quero essa ruiva.
E pelo olhar gélido de Ophelia, todos sabiam ali que se ela queria a ruiva, ela teria a ruiva.

4 comentários:

Umrae disse...

Gostei das descrições dos golpes nas lutas, você está ficando cada vez melhor.
Bjo

. L disse...

você está ficando cada vez melhor (2)

PollyQueiroz disse...

Menina, tá incrível!

nem fiquei sabendo que vc tinha voltado com o conto *-*

pra desenhos, estou aqui viu, pro que precisar!

. L disse...

*esperando ansiosa*