sexta-feira, 5 de março de 2010

Parte 99 - Poucas horas, uma ou duas mudanças no cotidiano.

A madrugada transcorreu tranquilamente.
O amanhecer surgiu com as seis pisando na relva.
- Vamos acordá-los? - indagou Louise tendo o sarcasmo magoado em sua voz. Sunny soltou um suspiro, e respondeu com delicadeza:
- Não sejamos indelicadas. Esperemos um pouco.
E sentaram na grama, esperando.
Elas não tinham muito tempo. Mas naquele momento esperariam o ano inteiro, se fosse necessário.

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Lala abriu as cortinas, deixando a luz matutina invadir o quarto da rainha, acordando Ophelia. Esta, resmungando, se sentou na cama com os olhos entreabertos e perguntou sobre o café da manhã.
- Está na mesa - Lala arrumou as cortinas, seus olhos cor de mel admirando a paisagem pela janela - mandei servirem na mesa.
- Sua tola - Ophelia esfregou os olhos - eu não quero descer até àquela sala desse jeito.
Lala se virou, cruzou os braços, encarando a amiga.
- Tome banho, então.
A rainha balbuciou qualquer coisa, como se reclamasse muito, e se pôs de pé. Pediu licença, queria se arrumar sozinha. Não, não precisava mandar a algum Glomb preparar o banho, Ophelia já não confiava nessa raça. Lala saiu do quarto, deixando Ophelia sozinha.

Os cabelos ruivos não eram cortados fazia tempo, quase o comprimento de dois anos atrás. Lala estava ficando muito desleixada consigo mesma, e isso não a irritava como irritaria as outras mulheres. O que a irritava era sua íntima contradição, sua hipocrisia, sua traição a todos os juramentos feitos quando era criança e adolescente. Sempre fora treinada para a guerra sendo a única descendente de sua família. Estavam todos mortos, à espera do seu golpe final. Quando ela finalmente decidiria de que lado ficaria.

Ora, pensou sentindo aquele típico peso no peito quando ficava indecisa, é óbvio. Eu fico do meu lado... no lado que me pagar melhor.
Mas não era uma mercenária. Nunca foi.

- Ophelia, estou te esperando - gritou, antes de descer.
As roupas pretas, a espada nas costas, os cabelos soltos, tudo lhe conferia um ar de guerreira livre. Mas qualquer um que enxergasse bem seus olhos perceberia a tristeza em toda aquela cor de mel.

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Umrae admirava o trabalho de Thá em etiquetar e organizar todos os venenos, antídotos, soníferos e tipos de poções em seu armário. Notou que faltavam alguns soníferos mais suaves, mas decerto isso tinha a ver com o silêncio das pessoas no abrigo. Não iria brigar por aquilo, tinha desfrutado de toda aquela paz de Maytsuri, não é mesmo? E não faria mal à ela, contanto que não exagerassem na dose. Pousou entre os frascos mais perigosos, feitos há bastante tempo, cuja validade era eterna. Venenos que manchavam a alma, faziam explodir as veias por dentro, queimavam e ardiam, e simulavam mortes e gelavam pessoas tão vagarosamente. Em tempos de paz, Umrae gostava de fazer venenos mesmo que não tivesse intenção de usá-los. Sempre era bom contar com uma boa arma de vez em quando.

- Umrae? - Kibii pedia licença.
Estava quase boa. Mesmo que já fizesse um tempo, Nath fazia questão de mantê-la em observação. Temia que qualquer ponto ainda não absorvido se abrisse, temia que Kibii ainda sentisse dores, e sua pele marcada de cicatrizes se regenerava de forma vagarosa, como desejava Nath, pois esta achava que cicatrizações rápidas demais eram ruins. Não faziam a pessoa dar valor aos próprios machucados, dizia, e se não dá valor essas coisas, também não dá valor à própria vida.
- Olá, Kibii - Umrae cumprimentou, arrumando as tabelas onde ficavam anotadas as entradas e saídas de todo frasco.
- Você vai fazer o levante amanhã - Kibii começou, se sentando numa cadeira vaga, olhando para os frascos atrás de Umrae - como pretende, sabe, lutar?
Umrae sentou-se também, encarando Kibii com uma pergunta imediatamente respondida em décimos de segundos. É claro que Kibii queria saber. Ela queria lutar, participar, sentir em suas mãos o ardor e o sangue das batalhas.
- Sim, Kibii. E não, eu não vou permitir que você entre nisso. Está se recuperando.
- Eu já consigo lutar normalmente, Umrae - Kibii retrucou, parecendo magoada em ter sido dispensada - meu corpo não dói mais, e já cicatrizou, juro, e-
- Kibii, você ainda está fraca. Eu não quero pôr-la em risco - Umrae respirara fundo antes de negar novamente, e se preparava para juntar bons argumentos que venceriam Kibii. Não queria realmente colocar a amiga na linha de batalha. Com certeza teria valor inestimável, mas as cicatrizes... e o medo de que aqueles pontos ainda existentes se rompessem. Porém seu medo maior não era a dor, ou as cicatrizes, ou a fraqueza... era simplesmente pensar que Kibii poderia desejar sua vingança, e ir atrás de Lala. Por mais que Kibii fosse boa, como sabia que era, não via como superaria Lala e sua capacidade incrível de regeneração.

- Ora, vamos lá - Kibii se levantou, agindo de forma muito elegante e imponente - Umrae, eu não posso viver sem guerra. Quer dizer, o que mais tem nessa vida para mim?
- Talvez tentar resgatar sua história - sugeriu Umrae.
Silêncio.
- O meu passado não me interessa mais - Kibii rosnou muito suavemente - sabe disso, Umrae. Tenho as heranças, tenho minha vida, porque terei que saber sobre meu passado? O que eu era quando criança?
- Por que você sabe e não quer admitir - Umrae falava de forma muito delicada. Se a sua voz fosse matéria, seria uma pluma - e vive querendo se atirar em missões de guerra para dar algum sentido. Kibii, você não está bem o suficiente. É uma excelente guerreira, e tenho certeza que agiria bem em combate. Mas seus pontos ainda não foram totalmente absorvidos, e a cicatrização não é total. Tenho medo que aconteça alguma coisa com você, Kibii.
- Não vai acontecer - Kibii deu de ombros - eu sei me cuidar. E, de qualquer forma, mesmo que eu morra, eu vou morrer com honra. Não é um conceito louvável?
- Conceito louvável, Kibii, é você dar valor à sua própria vida - Umrae também se levantou. Embora Kibii tivesse a compleição de rainha, Umrae tinha ar de líder e intimidava fácil qualquer pessoa sensata - esqueça. Não vou pôr você para lutar contra Ophelia, porque eu não quero que você dê uma de louca e arrisque sua vida. Se quer tanto ajudar, coopere com os serviços de casa no momento. Sinto muito, mas é isso que pode fazer.
- Maldita! - Kibii resmungou, se sentindo indignada, magoada e insultada - e eu vou ficar aqui, mofando, enquanto todos arriscam suas vidas! Insulto! Blasfêmia!
- Kibii - Umrae quase sentiu pena, mas aquilo a estava cansando. Tinha que organizar absolutamente tudo em menos de um dia, descansar fisicamente e psicologicamente e ainda tinha essa! Gostava muito de Kibii, mas ela não entendia que era justamente por esse querer bem que preferia que Kibii ficasse no abrigo?

A elfa ajeitou os cabelos negros em um coque, tentando se conformar. Realmente não queria se confrontar com Umrae, mas saber que iria ficar no abrigo, feito covarde, enquanto todos davam suas vidas... ok, ok, ficar enfiada no abrigo não era covardia. Rafitcha ficaria, Thá, Tatiih, Kitsune, Amai. Ok, mas elas não eram guerreiras! Eram mulheres cujo trabalho se voltava para garantir a ordem, a paz e a sanidade. Faziam milagre toda manhã para dar sopa, pão e café e, portanto, era crueldade chamá-las de covardes, além de ser uma baita mentira. Mas ela mesma, Kibii, era guerreira! Mestre das flechas, praticamente uma artista com sua katana! Como poderia ficar no abrigo? Ainda mais quando o maior inimigo, a Heil Ophelia, estaria lá, a rir sadicamente de sua ausência, relembrando aquelas torturas, aquelas dores...

Iria. Nem que fosse escondida.
Mas Umrae teria que engoli-la, e dane-se a preservação da própria espécie. Ela nunca foi exatamente o ideal dos elfos, não é mesmo?

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- Umrae - Amai bateu na porta do escritório, onde Umrae ajeitava um pergaminho. Ao escutar o bater na porta, ela começou a desenhar um mapa - visitas.
- Visita? - Umrae ergueu os olhos ficando muito intrigada. Quem visitaria Campinas naquele momento? Pedindo por Umrae? - quem é?
Amai mordeu o lábio inferior, seus olhos se estreitando curiosamente:
- Eu não sei bem - ela sussurrou - mas são seis. Seis moças. E elas querem falar com a líder. Estão lá em cima, não as deixamos entrar. Não parecem demônios ou aliados de Ophelia... respeitaram a gente. Johnny está dizendo que são as Musas.
- As Musas? - Umrae quase riu.
Sem pensar um segundo, ela seguiu com Amai, tomando o cuidado de trancar as portas. Com pessoas que não conhecia bem, todo cuidado é pouco

Subiu a escada, encontrando as seis moças, em pé, olhando para ela com ar de superioridade.
Dava até para adivinhar o "poder" de cada uma só pelas roupas, pelo ar, pelos traços. Decerto a negra era do fogo... não usava roupas laranja ou imitando o próprio elemento, mas seu ar de gente ferina, com língua ácida, e de espírito tempestuoso a denunciava. Porém teve uma que não conseguiu adivinhar... muito branca, cabelos muito loiros, e ar puro. Como uma donzela ou mesmo uma ninfa das trágicas comédias que lera um dia. Parecia a encarnação da própria luz.
- Vocês são?
- Miih - a de cabelos pretos se apresentou - Loveh, Louise, Sunny, Alice. Catherine.
As seis.
Evidentemente Miih era a líder natural. Detentora dos poderes das trevas, seus olhos eram a própria expressão do submundo onde tudo é seco, noturno e melancólico. Mas Miih não parecia ser uma pessoa melancólica. Parecia ser alguém muito austero, porém de índole justa. E a última a ser apresentada... a que continha mais poder, podia perceber. Catherine? Que estranha coincidência, ter o mesmo nome que a maldita irmã e a outra face da Raveneh...
- O que querem?
- Oferecer nossa ajuda - Alice era diplomática - sabemos que estão resistindo. E deve saber, senhorita, que Ophelia assassinou duas de nós.
Umrae tinha escutado algo a respeito disso.
- Qual é a intenção de vocês? - perguntou a meio-drow, sentindo-se levemente irritada com aquela postura tão superior das Musas.
- Vingança - Catherine sussurrou - ela nos tirou Olga, e depois Elyon. E queremos matá-la o quanto antes.
- Ophelia não sentiu toda essa energia que vem de vocês?
- Deve ter sentido - Loveh respondeu brandamente - e não nos atacou. Ela quer uma ofensiva, antes de qualquer coisa. Daremos-lhe isso, mas pensamos em unir nossas estratégias. O que vocês querem?
- Mas é tão óbvio - Umrae deu um suspiro - paz. É tudo o que queremos.
A paz.
As Musas queriam vingança.
Campinas queria paz.

- O que vocês tem? - perguntou Alice.
- Depende. O que vocês tem? - Umrae indagou. Podia estar sendo grosseira com pessoas que vieram ajudá-la, mas a tática de sua vida sempre foi desconfiar das pessoas. Porque elas tinham vindo ajudar agora? O que as motivaram? Era só vingança? Ou simplesmente... porque sozinhas não tinham poder contra Ophelia? Escutou um barulho, era Crazy. Sabia que não estava sozinha. Vigiavam-na com cuidado e discrição, sempre a postos para qualquer movimento suspeito.
- Nós temos poder. Não o suficiente para derrotarmos Ophelia - Alice sorriu - mas somos boas aliadas. Excelentes aliadas. Numa luta conosco, Ophelia mal tem chance de olhar para o lado.
Talvez estivesse blefando. Mas Umrae sabia que se Ophelia lutasse com as seis mais ela e Bia, talvez, Ophelia realmente não poderia olhar para o lado, tendo que se preocupar com as sete oponentes. Não era realmente covardia, já que Ophelia valia por dez. E nem a rainha podia contar com dez pares de olhos!
- Eu gostaria de debater com os outros - Umrae disse - e decidirmos em conjunto, já que somos um grupo. Dariam a nós... uma hora?
- Claro - Sunny se ajoelhou no chão meigamente - esperaremos!
E Umrae desceu.

As seis ficaram sentadinhas, esperando. Elas mal conversaram, porque todas já sabiam que iriam aceitar sua ajuda e entrariam na guerra juntas.


Estava todo mundo na sala do abrigo, a maior.
Entre os ausentes estava Zidaly que vigiava os dragões negros, Keishara vigiava os azuis, Toronto e Giovanna que estavam na ala hospitalar, Raven que precisava colher mais um pouco de batata para os próximos jantares junto com Vinicius e Thá replantava uma pequena horta que fora destruída pelo último ataque dos demônios.
- Elas são realmente Musas? - indagou Rafitcha - como você sabe?
- É como se elas colocassem uma placa na testa anunciando que são Musas - Umrae respondeu - dá para sentir isso.
Rafitcha mostrou descrença, mas não discordou. Soltou um gemido de dor, ficou junto ao Erevan.
- Bem, elas são poderosas - Bel comentou - um poder desses ao nosso lado é um ótimo aliado.
- Mas devemos confiar? - Ratta lembrou - elas apareceram de repente. E se confiarmos e elas ferrarem com a nossa cara?
- É! - Pauline concordou - se elas traírem a gente? E se for uma armadilha?
- Elas nunca foram aliadas de Ophelia! - protestou Johnny - elas perderam Olga por causa daquela bruxa!
A balbúrdia continuava, todo mundo discutindo. Seriam confiáveis? Seria seguro? Era melhor? E...
- Elas vão nos ajudar - Polly disse - elas não são inimigas. E querem a cabeça de Ophelia.
- E não importa o motivo, se elas nos ajudarem, é meio caminho andado - Umrae concordou - então...


Dez minutos faltando,
- E aí?
Umrae, acompanhada de Bel, Maria, Crazy e Nath, anunciou:
- Ok. Vamos lutar juntos.
Sunny foi a primeira a festejar com um sorriso:
- Juramos não trai-los, e - hesitou antes de continuar - teremos a cabeça de Ophelia em uma bandeja.
Catherine ergueu o canto da boca, em um sorriso misterioso e contido.




E, rapaz, esse foi um capítulo curto. É porque quando eu cheguei exatamente na frase "teremos a cabeça de Ophelia em uma..." eu senti que era o fim do capítulo. E finalizei, ora. Bem, pelo menos alguma mudança, não é mesmo? Sem todo aquele marasmo, ohohoh. Agora Campinas estão juntos com as Musas, e isso significa uma mudança absoluta de balanço de poder, porque podem se especializar mais em ramos e Campinas sairá menos prejudicada porque pode escolher um lado: ou demônios ou Ophelia, embora queira ficar com os dois, rs.

Zidaly é uma estúpida pessoa egoísta. Mas apesar de toda sua corrupção e egoísmo, ela é uma boa pessoa. Mas precisamos despertar essa boa pessoa antes que eu fique com asco dela e me descarte (o que já considerei muitas vezes). E, tipo, eu gosto muito, muito da relação entre Ophelia e Lala. Eu gosto de trabalhar essa amizade totalmente contraditória, e de perceber que agora não posso mais voltar atrás, porque Lala e Ophelia ditam o próprio comportamento. É como se elas virassem pessoas de verdade, e não marionetes nas minhas mãos. Adoro quando isso acontece.

Kibii é uma pessoa legal, mas sim, foi proposital ela se tornar infantil. Mas achei natural da parte dela, afinal guerra é guerra e não é tão estranho guerreiros darem chilique porque não foram recrutados, rs. E quanto a atitude de Umrae, achei ela, como posso dizer? Eu gostei. Umrae preza pelos seus guerreiros e Kibii é boa demais para simplesmente ser jogada no campo de batalha e, possivelmente, morrer porque algum ponto abriu! É burrice, contra a lei da sobrevivência.

E quanto a minha vida vai rolando. Revendo as matérias aqui e acolá, tendo as mesmas aulas que tive ano passado, apreciando estar numa turma com 42 alunos e escutar a voz do professor *-*
E, bem, tenho duas amigas legais na sala. É bem legal ter a experiência de ter uma colega de sala que adora o mesmo tipo de fanfic que você (yaoi). Você se sente menos estranha (:

;*

Um comentário:

Umrae disse...

Buenas!

Algumas observações:
1) Capítulo curto, porém muito bom, porque finalmente apresentou decisões e ações efetivas, conseguiu mostrar coisas relevantes sobre a personalidade de personagens e cortou a enrolação que se arrastava pelos últimos capítulos. Atenção para os erros de português, porém.
2) Entendo totalmente a Kibii. A Umrae se sente completamente dividida com relação a isso. A Kibii tem uma alma livre de guerreira, e não sabe viver de outra maneira. Por outro lado, pelas circunstâncias de seu nascimento, ela representa a esperança de povos inteiros, incluindo a raça da Umrae. A Umrae sabe que o que ela espera da Kibii não é justo, mas também não é justo deixá-la fazer sempre o que quer, arriscar a vida dela e perder qualquer chance de resolver por vias legais um conflito que afeta tantos seres. O senso de dever ainda fala um pouco mais alto.
3) Tecnicamente, a preservação da raça (entenda-se da pureza da raça) e das tradições é o fundamento máximo da cultura élfica (e a razão de eles não se darem bem com ninguém).
4) Ainda torço pela redenção da Zidaly...
5) Você não pretende entregar o plano aos leitores antes da hora, né?

Bjos