terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Parte 96 - Algo além da música.


Havia se passado dois dias desde que Ophelia tivera o plano nas mãos. Tinha passado o tempo montando esquemas trabalhados e maquetes quase reais, e elaborado mil maneiras de cobrir cada falha que tivesse. Mas Ophelia não ouvia remendos, e queria especificamente aquele plano, de modo que ela tinha que seguir em frente.

Felizmente aquele dia não estava tão quente e infernal.
Lala arrumou as botas pretas, prendeu o cabelo. Podia não ser o pior dos dias, mas roupas pretas continuavam concentrando calor demais. Bufou de raiva várias vezes, encarou o mapa que se estendia a sua frente. - Bla bla bla - pensava - ela só vai se ferrar. Que se ferre.
Tirou as botas, morrendo de calor.
- Já conseguiu? - Ophelia se aproximou, sua pergunta quase como uma ordem.
- Não, Ophelia - Lala sussurrou - como, como você pretende sequestrar Umrae?
- Eu já te expliquei, Lala - Ophelia falava como se fala a uma criança - vou estender o campo por toda a área que influencei com sombras. Reforçarei as sombras.
- Se você pegar outra pessoa em vez de Umrae? - Lala questionou, vendo a falha mais óbvia.
Ophelia suspirou como se fosse uma pessoa muito paciente.
- Não há o menor problema. Só vai ser pior para ela. Eu não vou ser tão clemente, sabe.
Lala só encarou com uma espécie de medo controlado misturado a raiva e piedade.

Coitada da pessoa capturada.
Concentrou-se em sentir. Nunca foi boa nisso. Ophelia era, de longe, a melhor. Mas como evitar? Ophelia estava muito concentrada se preparando mentalmente para ter o poder suficiente. Era óbvio que ela tinha o poder, mas Ophelia dizia que não queria enfraquecer depois do sequestro, de modo que estava se empenhando em se manter lúcida e coerente o tempo todo.
- Vamos lá - Lala fechou os olhos.
Abrangeu seus sentidos para cobrirem a cidade inteira.
Demônios.
Cadáveres.
Fadas.
Fadas?
Sabia que havia fadas, mas não como essas. Sutis, diafánas, esvanescentes. Eram como se sumissem em uma imensa névoa e aparecessem novamente. Como se tentassem se ocultar. Era difícil para ela sentir, mas ela não conseguia acreditar que Ophelia ainda não tivesse notado a presença delas. Estava tão... óbvio.
- Quem são? - perguntou baixinho.
Mas preocupou-se em ir mais além. Poderia ser sentida por qualquer um, mas discrição não era seu forte e Ophelia sabia disso. Terra. Campinas. Destruição. Morte. Rastros. Sangue. Sangue. Amor.
Amor.
Eram nuances fracas, pinceladas. Eram boas.
Não podia diferenciar bem uma parte da outra. Muitas auras confusas, se entrelaçando como almas. Sentiu desespero irradiar junto com um pingo, quase nada de esperança. Sentia coisas demais, em um espaço tão curto de tempo. Uma energia aqui de fada doce, outra energia que não era fada nem humano mortal. Um elfo, contou, outro elfo. Contou três dragões reais, em forma humana.
Umrae era elfo, então tinha que ser um das duas auras que sentia. Kibii deve ser a outra. E se houvesse outros?, pensou. Dane-se. Vou fazer o que Ophelia pediu, e só.
Quando encontrar o elfo de olhos dourados, seduza.
Não sabia dizer se uma aura tinha olhos dourados. Mas lembrava de Umrae, e lembrava de sua sensação determinada e fria, de seus olhos que eram como diamantes dourados, de seu meio-sorriso de vitória que nem havia acontecido. Nem aconteceria. Fase dois, identificação.
- Você investiga primeiro, Lala, verifica toda nuance que tiver. Uma alma é muito mais do que uma impressão.
Com cuidado.
Com zelo.
Quase com carinho.
Torcer os dedos.
Sentir sutis fiapos de almas.
Só mais um pouco.
Conseguira atrair minimamente.
Faltava pouco, pouco.

Mas será que Umrae cairia na isca?

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Trabalha.
Costura.
Passa o fio.
Devagar.
Rápido.
Cura.
Giovanna mordeu o lábio inferior. Nem sentia mais tanta dor, mas só de saber que Nath estava remexendo dentro de sua pele lhe causava arrepios. Decidiu fechar os olhos, não queria ver nem o teto da enfermaria. Suspirou.
- Não se preocupe - Nath sussurrou - não vai doer, vai passar.
Decidiu confiar.
Céus, o que poderia fazer?

Sua vida estava ali, com Nath. Suas queimaduras estavam sendo tratadas. Elas não sumiriam, mas deixariam de arder tanto às vezes. Só podia esperar e aguardar.


Umrae sentira algo muito estranho.
Não era realmente algo perigoso, achou. Era como se algo a atraísse. Como uma isca. Mas estava tão preocupada com outras coisas, como será que Toronto sairia daquele estado? A cirurgia ou seja lá o que foi aquilo parecia ter dado certo... e agora Giovanna estava sendo tratada. Kibii melhorava a olhos vistos. A única que continuava na mesma era Rafitcha, mas logo ela sairia daquele estado. E ela tinha Erevan para ajudá-la, compreendê-la, consolá-la e diverti-la sempre que fosse necessário. Não precisava se preocupar com ela.
Depois dos feridos, ainda havia a questão: como agir?
Estava claro que ela precisava derrotar os demônios. Aliados ou não, Ophelia não era idiota. Sabia reconquistar a lealdade de todos eles com um estalar de dedos, e perderia novamente a lealdade com um piscar de olhos.
- Quantas pessoas? Estou perdendo tempo demais. Enquanto estou aqui - admitiu ela para Bel - Ophelia pensa em como nos derrotar. Tenho certeza que ela já sabe.
Bel havia erguido as sobrancelhas, quase rindo.
- Não seja idiota, Umrae - disse - Ophelia não vai conseguir te pegar. Nem que ela fosse mil vezes o que é.
A confiança na habilidade de Umrae era demais.
Ela mesma sentia que aquilo não ia dar certo.

Um pouco mais de confiança.
Sinceridade seria bom.

Atraída, fascinada. Não era algo muito bom sentir aquilo. Mas e se fosse? Talvez seja a deusa lhe chamando com música, pois era a mesma sensação que tinha quando escutava algo especialmente bom. Sublime, pensou.
- Vamos pensar assim - Bel dizia - conseguimos exterminar definitivamente os demônios na região de Heppaceneoh. Agora temos que avançar sobre a capital das fadas. Podemos avançar pelas extremidades, mas temos que avançar um bocado.
- O que todos esses demônios repelem? O que todos eles odeiam? Além de fogo para quase todos e prata para alguns? - Umrae perguntou. Não era uma pergunta como se não soubesse a resposta, era como se a procurasse dentro de si.
- Magia - Bel respondeu prontamente.
- Aquelas crianças conseguiram se manter longe dos demônios por um bom tempo - Umrae sussurrou - porque não temos uma magia semelhante que impeça com que eles se aproximem dos nossos soldados? Assim não teríamos soldados feridos!
- Mas não sabemos essa magia - Bel observou preocupada.
Umrae deu um sorriso.
- Sabemos muitas coisas. Podemos aprender mais essa. Mas precisamos que as crianças falem. Elas sabem.
De modo que foram chamadas as três crianças.

Lani. Noir. Mia.
Nenhum quis falar.
Mia só dizia: - MAMÁ!
Noir se negava a dizer qualquer coisa.
Lani dizia que os segredos tinham que ser guardados.
E Umrae não tinha paciência para escutar criança. Ela entendia que estivessem traumatizados, que estivessem tristes por terem perdido os pais, mas se eles não falassem como era a proteção mágica que os protegera, como desenvolver uma semelhante para proteger os soldados? Havia aquelas imóveis que protegera as Campinas por tanto tempo, proteções que se erguiam de anos em anos. Mas queriam uma realmente boa que havia evitado até mesmo pessoas como Umrae, proteções que embora caíssem a algum golpe, ainda assim resistiam contra demônios.
- Chame Kitsune - disse Umrae - ela conseguirá convencer.
- Isso é mais difícil do que convencê-los a tomar banho - Bel lembrou, mas Umrae insistiu.
Kitsune estava ajudando Amai a dobrar as roupas gerais quando foi chamada.
Com os cabelos presos em um coque, começou a conversar com as crianças.
- Eles precisam saber - dizia - eles precisam vencer Ophelia.
Lani sussurrava só:
- Minha mãe sabia fazer. Ela só contou pra mim. Mas é segredo. Eu não posso quebrar.
Kitsune respirou fundo.
Foi necessário muito tempo gasto para isso. Kitsune falou sobre a crueldade dos demônios, de como os pais das crianças gostariam de contribuir para a derrota definitiva da pior rainha da história,

Lani respirou fundo.
- Foi minha mãe que soltou - murmurou - era feiticeira. Ela sabia bruxaria. E soltou. E mandou a gente segurar. Ela ficou do lado de fora, e morreu porque não ficou do lado de dentro. Mas não tem como se proteger, por isso ela não ficou do lado de dentro...
- Espere - disse Umrae - uma pessoa não pode se proteger sozinha assim? Só pode se ela proteger outras pessoas?
- Sim - Lani disse - por isso que mamãe morreu. Ela não podia se proteger. Não tem como. Mas ela protegeu a nós. E nós mantivemos a proteção de pé.
- Como? - Umrae raciocinava muito rapidamente.
- Rezando.
Kitsune tentava pensar o que significaria alguém rezar, diante de uma proteção. Provavelmente forte energia decentemente guiada para algum objetivo. Como uma prece. Como uma ordem.
- Interessante - Umrae sussurrou - e como se forma essa proteção?
Mia ergueu os braços como se compreendesse. Deu um sorriso infantil, e murmurou algo como 'ratibum!'. Lani a censurou, e a garotinha recuou, ficando amuada.
- Não é desse jeito - Lani disse - não sei como explicar, mas foi algo desesperador. A casa estava sendo atacada quando fez, e foi como se ela desenhasse um muro. E o muro se fez...
Com um gesto só.
Umrae entendeu. Mas nenhum deles era feiticeiro. E os poderes de semielfos eram limitados demais naquela região com tantas fadas que dominavam a região. Mesmo com a destruição da magia protetora, Umrae sentia que os truques de Faerun não dariam certo ali. Mas já feiticeiros que tinham uma magia mesclada com a de fadas, magia esta que era ligeiramente diferente...
Doceh era uma feiticeira.
Kitsune também tinha meio sangue de feiticeiros, apesar de serem humanos sem magia.
Mas quem mais?

As crianças foram liberadas por fim, e Bel passou a estratégia finalizada aos seus soldados. Os dragões mestiços ficariam a postos dali a uma semana, cada um em um ponto estratégico. Envenenariam toda a capital das fadas, deixando-a inabitável por alguns dias. Extinguiriam todo tipo de vida. Era dolorido pensar nos supostos sobreviventes, mas todos sabiam que ou era acabar com tudo de uma vez ou era se acabar aos poucos. Todos tinham uma semana para estarem prontos.
Felizmente Toronto se recuperava bem o suficiente. Giovanna nem tanto, mas ela já conseguia ficar sentada. De qualquer modo, concluiu Bel, conseguiriam levar a cabo a missão sem dois soldados. Teriam que conseguir. Todos trabalhavam mais do que o normal, e ninguém tinha muito bom humor a não ser as pessoas que tinham alegria crônica como Ratta. O pessoal de Campinas se sentia preso, asfixiado. Não viam a luz do sol por dias seguidos, e para tudo que fizessem lá fora, tinha que ir alguém para cuidar.

Compreendiam os cuidados, os anseios. Mas mesmo Rafitcha que se recuperava do seu pé recomeçava a ficar estressada.
- Eu não entendo - disse ela uma vez para Erevan - porque simplesmente não podemos ser livres? Não há mais demônios em volta, certo?
- Há sobreviventes - Erevan disse com cuidado - e eles ameaçam mais, porque atacam de surpresa.
Para Rafitcha, aquele período sem fazer nada era como um descanso. Um bom descanso.
E vinha sempre a culpa pelo tédio.
- Eu não deveria estar aqui - repetia - eu deveria fazer algo.
- Já fez - Erevan dizia a mesma resposta - não se culpe. Não pode fazer nada agora.
Mas isso não adiantava nada quando Rafitcha via todos trabalharem tanto, tanto que mal podiam parar para conversar, e ela mesma se sentia cheia de remorsos por ter sido idiota e ter ido lavar as roupas sem alguém por perto, e assim ser atacada, ferida e impossibilitada de andar e trabalhar como antes. Daí a pouco, ela começava a achar que era total culpa sua ter sido atacada, porque se não fosse tão teimosa e quisesse tanto ir sozinha...

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Durante aqueles dois dias que Lala se preocupara tão somente com a execução do plano de Ophelia, Catherine procurava pelas companheiras. Achou-as escondidas na capital, com a energia tão sutil que era dificil notá-las se não fosse a pessoa que era. Apareceu suavemente por trás delas, como quem quisesse pregar uma peça.
- Até parece que consegue - Miih sussurrou - não há surpresas entre nós.
- Sem graça - Catherine deu um sorriso sutil, e suspirou.
Estavam ali, as Musas. Faltava Elyon.
Mas Elyon não poderia voltar. Em hipótese alguma.
Não se pode resgatar os mortos.

Sunny ergueu os olhos, Catherine parecia severamente machucada. Não por fora, não havia uma marca em seu rosto, braços, ombros. Mas dentro dela, Sunny conseguia ver todas as feridas que mal começaram a cicatrizar. Todas causadas por Ophelia. Todas são motivo de vingança. Olga. Elyon. E daqui a pouco, sentia, seriam elas. E quando elas se fossem, quem as vingaria?
- Como está Ophelia? - Miih perguntou.
- Louca - Catherine respondeu - ela... está louca e não há outra palavra para isso.
Miih suspirou. Era como um grande pesar. Ainda sentia, dentro de si, toda aquela maldita apreensão de séculos atrás, quando vencera a batalha contra Ophelia, sacrificando sua amada amiga Olga. E Elyon... não conseguia assimilar sua falta. Tinha que absorver aquilo como esponja, mas quem disse que conseguia?

A fraqueza era o veneno e antídoto da alma. Era tudo que podia ser feito e compreendido.

- Ela tem armas - Catherine contou - ela simplesmente fez com que Elyon... apagasse.
Sua voz trêmula já era um detalhe que dizia muito sobre a morte de Elyon. Era compreensível seu medo, seu pavor quando se deparou com aquela estranheza em forma de garotinha, com todo aquele poder monstruoso.
- Vai dar tudo certo - Sunny sussurrou, tentando consolar - chore. Pode chorar. Já fez isso antes? Se não fez, faça. Chore.
E as lágrimas simplesmente saíram.

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Ophelia estava fisicamente em Campinas. Mentalmente também. Sua mente estava lúcida como nunca tinha sido, via tudo com sublime clareza e ela entendia todos os propósitos, falhas e acertos. Mais um pouco, era capaz de prever o incrível futuro da grande Rainha Ophelia, a mais Monstruosa, Poderosa e Devoradora de Almas. Só indo mais um pouco, e seria a rainha. A Rainha.
- Vinde a mim - disse e riu.
Sua risada era estranhamente bela.
A sombra era inquisitiva. E era quase sua amiga. Tudo era sob sua sombra, tudo era seu domínio. Se alguém fosse lavar roupas, estava sob suas mãos. E assim era definitivamente mais fácil. Eram como se ela conseguisse simplesmente sentir o movimento de cada pessoa, de cada ser que se movesse debaixo daquele véu sinistro que cobria o sol como uma cortina muito clara, mas mesmo assim existente.
- Minha doçura - e Ophelia não estava delirando - como está?
Ela não estava se referindo a ninguém no mesmo espaço que ela. Nem mesmo as sombras. Ela simplesmente estava falando consigo mesma, como se fossem duas pessoas distintas.
Percebeu Lala.
Boa garota. Mas não está dando certo. Está fraco. Está confuso.
Moveu as mãos em direção ao céu, fechou os olhos e só pensou.
Era só pensar.
Incrivelmente fácil.
Assim, querida.
A energia chamadora, por assim dizer, era muito maior, incrível, sensual. Era quase como um chamado, uma canção que vem do inferno e ainda assim irresistível. Era uma magia meio inventada, e tinha falhas. Mas Ophelia não se incomodava, era criança que aprendia a brincar. Ela ria, ela sorria, ela falava, e ela manipulava as sombras, mágicas e fantasmas.
Sua risada se arrastou por léguas e alcançou o abrigo.

Isso não era pra acontecer. Estava fora da lei natural das coisas.
Mas essas coisas acontecem.

Raveneh tinha acabado de pôr May para dormir. Essa garotinha, essa minúscula garotinha, que nada dizia, só berrava lhe exauria completamente. Ela não tinha a menor idéia de como passara as últimas semanas cuidando de absolutamente tudo. Quando lembrava de como parira May, em meio ao inferno, ela ainda se admirava com a própria força. Como sobrevivera a uma execução? Como tivera ódio suficiente para assassinar seu irmão? Como tivera coragem de se jogar em seu passado e destrui-lo? A resposta era uma só, e se dizia com as letras C-A-T-H-E-R-I-N-E. Catherine. A outra face que aguentaria tudo e mais um pouco.
Catherine. O nome soava tão docemente aos seus ouvidos.
Era tal como a música, música?, que ecoava pelas Campinas.
- Há algo lá fora - Rafitcha disse, se levantando. Seu pé não doía tanto, mas ainda estava engessado. Ela foi a primeira a perceber. Umrae foi a segunda: erguera os olhos dourados para o alto, sentiu mais intensamente toda aquela droga de chamado, e percebeu.
Essa maldita pensa que esses truques funcionam comigo?
Podiam não funcionar com ela.
Mas funcionaram com os outros.
Era como se alguém lhe oferecesse chocolate. Muito chocolate. E jóias. Mais jóias. E tudo que você sonhasse, de graça, para sempre com todo o amor. Era como uma canção que você gostasse muito, muito mesmo e só de ouvi-la, você rodopia e canta. Sem pensar na realidade.
Assim era o truque de Ophelia.
Não era tão barato, mas é que tinha um defeito: só funcionava em fadas. Elfos sentiam a mesma ternura, mas não sentiam o chamado. Humanos sentiam o chamado, mas não sentiam a ternura. Dragões não sentiam nem o chamado nem a ternura. Mas fadas... elas simplesmente sentem tudo, experimentam tudo e se deslumbram com tudo.
- Droga - Umrae cochichou.
Raveneh.
Quem era mais fada deslumbrada do que ela?

Além de ser uma ótima peça de chantagem, afinal tinha um marido, uma filha e muitos anos de pesadelo que a fizeram ser vista como uma criança que precisa de cuidados, uma garotinha que não podia se defender. Quem não se sacrificaria por Raveneh?

Estava quente.
Era sol
E mesmo que as sombras cobrissem Campinas, todos ainda sentiam calor demais para pensar em algo que não seja um bom refresco. Raveneh subiu a escada que dava para as Campinas, sem escutar mais nada. Estupefata. Deslumbrada. Maravilhada. Completamente chocada com tanta beleza.
- Raveneh - chamou Johnny - querida.
Mas ela já estava, de pé, nas Campinas. Livre. Procurando pela música.
Umrae foi atrás, em dez segundos, estavam todos se dirigindo. Menos Rafitcha que não podia subir a escada, e Erevan que iria fazer companhia a Rafitcha. Obviamente nenhum dos enfermos, muito menos Nath ou Thá se dirigiram lá para fora. Estavam atraídos e curiosos, mas o dever era mais importante.
- Raveneh! - Umrae gritou - volte!
Johnny chamou Raveneh também. Ela não ouvia os gritos dos amigos. Ela só ouvia a música.
Sentiu alguém pegar em seu braço, tentando contê-la. Ela mal sentia.
Sentiu alguém pegar em sua mão. Ela mal sentia.
Só ria.
- Não adianta - Ophelia havia manipulado toda a mágica para ela se guiar sozinha. Não precisava mais mantê-la com palavras. Ela já sabia quem era a sua isca. Não pegara Umrae. Mas pegara alguém que podia funcionar como objeto. Uma jovenzinha loira. Magra. Com seios cheios de leite - mãe. E parecia ser tão doce, tão terna, a típica camponesa que vira princesa nos contos de fada.
Parecia ser a pessoa ideal.
- Como não adianta? - Umrae indagou.
Ophelia estava realmente bem-vestida aquele dia. Ela até penteara os cabelos!
- Não adianta - Ophelia sorriu infantilmente - ela está em outro estado de consciência. Paz. Ela sempre quis isso, não é?
- Sua maldita - Johnny ganiu - o que você fez com ela?
- Nada de mais - Ophelia se aproximou de Raveneh, que estava de pé, fixando o vazio, imóvel - mas vocês não podem acordá-la. Não podem movê-la. Não podem nem mesmo tocá-la.
Johnny estava bem perto de Raveneh, era só erguer o braço e seus dedos tocariam a adorada, amada, suave pele de Raveneh. Foi o que fez. Foi o que Bia, uma das pessoas que tentara lhe puxar de volta a realidade, fez. Foi o que Umrae fez. Todos bem perto de Ophelia, todos querendo sentir a carne de Raveneh.
Mal encostavam a mão, era como poeira.
Era como nada.
Era como se Raveneh fosse fantasma.
A primeira pessoa que recuperou a palavra foi Amai. Ela ainda estava bem perto do abrigo, preferindo se manter reclusa. Tinha medo demais de se aproximar de Ophelia, desde o dia que visitara o palácio. Ela não queria que mais ninguém fosse prisioneiro por ela.
- Você a despedaçou - ela disse gentilmente - você simplesmente a fez virar poeira? Ela poderá... poderá a ser o que era antes?
- Ela tem um filho que ainda bebe dela, não é? - Ophelia sorriu, passando os braços em volta de Raveneh - não se preocupe. Ou é ela. Ou é a doce lealdade de Campinas. A mim, claro.
Silêncio.
Ou Raveneh morria.
Ou Campinas inteira se sujeitava a Ophelia.
Não era realmente uma escolha agradável.

Umrae precisou de dois segundos.
Um segundo para processar as opções possíveis.
E outro segundo para decidir que aquilo era, na pior das hipóteses, incabível.

- Quais são os seus termos - perguntou - se formos preferir Raveneh viva?
Ophelia foi muito didática, prática e irredutível.
- Você morre. Morarão aqui, em cima. Jamais sairão daqui. Serão, obviamente, meus servos. Viverão em paz, mas caso eu exija a vida ou a liberdade de algum de vocês, isso deve ser imediatamente dado, sem questionamento.
Umrae via uma brecha, mas logo Ophelia deu um sorrisinho de lado e concluiu:
- E todos aqueles dragões e todo o pessoalzinho que veio te ajudar passa a morar no palácio, trabalhando diretamente para as novas conquistas. São armas interessantes. Todos vocês são armas interessantes.
Amai moveu a cabeça para o lado, pensando naqueles malditos prós e contras. Era claro, claro como água, que Raveneh morrer seria a melhor escolha. Ela preferia morrer a ver pessoas que amava se sujeitarem a aquela maldita de cabelos castanhos e olhos loucos. Mas Raveneh morrer implicaria em outros feitiços, outras maldições e Ophelia pegaria um a um. Matando devagar. E simplesmente infernizando aquela vida que já estava bastante ruim.
As duas opções eram igualmente ruins.
Umrae pareceu pensar a mesma coisa.

O que faria?
O que poderia fazer?
- Basicamente, você é uma filhadaputa - Johnny concluiu.
Ophelia deu de ombros.
- Não literalmente - respondeu tranquilamente - mas já que você pensa assim...
- Você tem uma terceira opção? - Bia perguntou.
- Não.
Umrae mordeu o lábio inferior. Precisava de tempo. Raveneh tinha que aguentar.
Pensou no choro de May. Agora que aquela guria ia ficar o inferno, berrando e chorando.
- Você tem um prazo?
Ophelia sorriu com delicadeza.
- Dou uma semana. Tudo bem?
Só o fato de ela estar tão de bom humor a ponto de estabelecer um prazo razoável e perguntar se estava tudo bem, ela que tinha torturado uma elfa de forma insana, ela que executava todos os demônios contrários a sua ordem, ela que acabara com toda aquela região estava perguntando tudo bem?
- Ok - Bia concordou.
Ninguém discordou.
E doeu muito ver Raveneh sendo levada embora.
O que aconteceria com ela?
E a pergunta mais importante...
... o que Ophelia faria com ela?



Ah! Eu fiz um post detalhado sobre Campinas já faz algum tempo aqui no meu blog mais 'pessoal', que estou tentando manter e etc. /propaganda, rs.

Estou morrendo de saudades de vcs, sabia? *-* Engraçado que não tive pena alguma de Toronto, afinal todo aquele procedimento é para o bem dele. E realmente, Umrae, não tem como Ophelia te pegar como provei nesse capítulo. Os feitiços são demasiados diferentes, são espécies diferentes e Ophelia nada sabe sobre elfos ou como usar uma magia direcionada para eles. ;)

Beijos! ;*

2 comentários:

Umrae disse...

Uma observação: pela milésima vez, eu não sou elfa, sou drow, pode parecer o mesmo mas não é. Tanto a compleição física quanto a aura são bem diferentes. E sou metade humana também, o que me tora, de certa forma, parecida com os outros em alguns aspectos.
Essas crianças estão mexendo com magia divina. Eu sei o que é, mas não posso usar. Eu já pude usar, mas você sabe das circunstâncias que me fizeram perder essa habilidade.
Eu consigo pensar em uma forma de enganar a Ophélia quanto à escolha das opções, mas eu teria que explicar em outro lugar que não seja aqui.
Vou ler o post no outro blog.
Bjos.

Umrae disse...

Parabéns pela medalha!